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São Jorge

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Dom Diniz
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São Jorge - Página 2 Empty Re: São Jorge

Mensagem por Dom Diniz 30/1/2024, 01:05

Que alguns cristãos foram perseguidos e executados na época de Diocleciano, não há por que duvidar.

Mas aqui, sem falar de dragões e ressurreições, temos uma história sobre um certo cristão que foi "comes" do imperador, que "converteu" e levou ao martírio uma imperatriz que já era cristã, que tinha outro nome e morreu bem depois de Diocleciano, além de um "sacerdote pagão" que era nada menos que Santo Atanásio, o paladino da ortodoxia nicena. Ora, se houve algum Jorge martirizado em algum lugar do Império Romano, não era comes, não converteu a imperatriz, provavelmente não nasceu na Capadócia nem morreu em Nicomédia... Ou seja, nada tinha a ver com a lenda. O São Jorge que o mundo conhece não existiu, ponto. Há menos razões para considerar seriamente a sua história do que a de Héracles ou Teseu.
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Mensagem por Dom Diniz 30/1/2024, 01:06

O que estou argumentando é que provavelmente aconteceu o contrário, ao menos no caso de São Jorge, e provavelmente também de Santa Bárbara. A lenda de Santa Bárbara não aparece em nenhum registro antes do século VII e seu próprio nome é anacrônico. Uma grega de Nicomédia, de classe alta, não receberia o nome de "Bárbara" (estrangeira, bárbara) no século III! De Tarcísio, não há referência anterior a um poema do século XI, de autoria do papa Damásio II.

Tais mitos surgiram de outra maneira, em outro contexto histórico - no caso de Jorge, talvez como cristianização do culto de uma divindade pagã da Palestina, ligada à fertilidade e ressurreição, como Tammuz -, e só bem depois, numa tentativa de racionalização, foi associado às perseguições de Diocleciano. Ou seja, não se trata da história de uma pessoa real à qual foram acrescentados elementos fantásticos, e sim de um mito fantástico ou conto folclórico que aos poucos tomou forma mais plausível e foi encaixada em um contexto histórico parcialmente real. Um evemerismo cristão.

Vemos coisas parecidas nos dias de hoje. Na Umbanda, por exemplo, as figuras de Zé Pelintra e Maria Padilha surgem, provavelmente, como atualização e urbanização de antigos personagens do folclore, da pajelança e do candomblé (exus etc.) e depois ganha, aos poucos, uma roupagem histórica e uma biografia, como malandro que viveu na Lapa do Rio em determinada época, como uma cortesã que viveu na corte espanhola etc. Ou, no espiritismo kardecista, o "dr. Fritz" do Zé Arigó, que surgiu, a meu ver, como concretização do "médico estrangeiro" do imaginário popular, supostamente portador da ciência e da sabedoria, ao qual, foi sendo agregada, aos poucos, uma biografia mais definida (ainda que pouco verossímil) como médico alemão que viveu na época da I Guerra Mundial, teve uma filha chamada Scheilla etc.
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Mensagem por Dom Diniz 30/1/2024, 01:08

Uma coisa que me parece suspeita em geral, nas histórias de mártires cristãos, são os suplícios a que são submetidos para que reneguem sua fé. Que imperadores romanos pagãos executassem cristãos que consideravam ímpios ou subversivos é fácil de imaginar como punição e exemplo, mas não como tentativa de "conversão ao paganismo" com possibilidade de perdão e conversão à "verdadeira fé" em Júpiter ou ao Sol Invictus.

Isso me soa a lógica cristã projetada sobre os pagãos. É para os cristãos que converter-se, arrepender-se, apegar-se à fé, ou renegá-la ''in extremis'' é uma questão crucial, como se viu, mais tarde, nos procedimentos da perseguição aos pagãos e, depois, da Inquisição.

Essa inversão e projeção acontece muito frequentemente na história das crenças religiosas. Veja, por exemplo, como a Canção de Rolando atribui aos muçulmanos a crença em uma trindade formada por Maomé, Tervagante e Apolo e descreve os heróis cristãos a destruir seus "ídolos", quando na verdade acontecia exatamente o contrário: eram os cristãos que faziam de seu Jesus um membro da trindade divina (ideia blasfema para os muçulmanos, ou pelo menos para os sunitas) e esculpiam e pintavam sua imagem, coisa que os muçulmanos viam como idolatria. Eram os muçulmanos que destruíam os "ídolos" cristãos...
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Mensagem por Dom Diniz 30/1/2024, 01:09

Veja: no caso de "Zé Pelintra", "Maria Padilha", "Dr. Fritz", é perfeitamente possível argumentar que é possível que tenham existido pessoas reais com nomes diferentes e "vivências [vagamente] parecidas". Isso não quer dizer que alguma dessas pessoas reais tenha realmente inspirado as figuras lendárias. Como pode ter acontecido com Santa Bárbara ou São Jorge, suas imagens foram criadas ou inventadas em outro contexto - às vezes muito posterior - e foram depois retroativamente projetadas em um momento do passado que tornasse sua existência mais ou menos plausível.
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Mensagem por Dom Diniz 30/1/2024, 01:11

A perseguição de Diocleciano foi, na realidade, limitada . Em sua época não chegou a ser imposta pena de morte a cristãos. Seu primeiro édito proibia o culto, ordenava a entrega e destruição dos livros sagrados e objetos litúrgicos, cassava aos cristãos seus postos no Exército e serviço público, os títulos e honras públicas que tivessem e o direito de testemunhar em certos casos na justiça. O segundo ordenava a prisão dos clérigos. O terceiro autorizava a libertação daqueles que sacrificassem aos deuses.

Foi só com o sucessor Galério - que governou apenas a metade oriental do Império - que foi exigido aos cristãos que sacrificassem publicamente aos deuses sob pena de morte. Mesmo essa perseguição mostrou-se ineficaz e apesar de ter sido conduzida com violência em alguns lugares e ter criado um clima de terror generalizado por oito anos, fez um número relativamente pequeno de vítimas. Segundo o autor, a consequência mais importante foi criar divisões dentro da própria Igreja, entre aqueles que contemporizaram e acataram os editos (inclusive o próprio papa Marcelino) e depois se puseram em posição privilegiada junto ao poder da nova Igreja conciliar e os intransigentes ou fanáticos que resistiram, geralmente mais humildes.

Essa divisão estaria por trás não só do donatismo, como também do arianismo e de outras grandes heresias da Igreja Oriental (onde a perseguição foi mais sentida) e, no fundo, do próprio cisma entre Ocidente e Oriente. O culto dos mártires talvez possa ser entendido como uma entre outras operações de cooptação pela Igreja oficial de um culto potencialmente divergente, que na origem representava uma censura ao comportamento da alta hierarquia eclesiástica.
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Mensagem por Eremita 30/1/2024, 01:13

Senhores, achei interessante a conversa. Proponho o seguinte: analisar a hagiografia e a lenda de São Jorge, colocando primeiramente a data de sua morte pelo calendário católico, 23 de fevereiro. Não foi essa a data, salvo meu engano, do primeiro édito de Diocleciano contra os cristãos? Se o que sei está correto, esse édito não mencionava nada sobre tortura ou morte, então como Jorge pode ter morrido justamente nessa data, se em sua história ele foi martirizado sete dias ou sete anos para então ser decapitado?
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Mensagem por Dom Diniz 30/1/2024, 01:14

Na verdade, o dia de São Jorge, no Ocidente, é 23 de abril. A data provavelmente está relacionada às festas da primavera, pois o santo sempre esteve relacionado com a idéia de ressurreição da natureza. Segundo a Encyclopedia Catholica, a data foi oficializada em 1222:

Ecclesiastically speaking, St. George's day, 23 April, was ordered to be kept as a lesser holiday as early as 1222, in the national synod of Oxford.

Na Geórgia, onde o culto do santo é particularmente importante (o próprio nome do país deriva dele), a data é 10 de novembro, pelo calendário juliano. A data ali talvez seja mais antiga e sua instituição é atribuída a Santa Nina, que segundo a crença local era nobre, filha de um general romano chamado Zabulon e sobrinha do próprio Jorge, que decidiu ir à Geórgia pregar o Evangelho por ordem da Virgem Maria. Já para a tradição dos católicos, Nina foi levada para lá como escrava e não tinha qualquer parentesco com Jorge.
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