Hipácia de Alexandria

O que se sabe de real sobre Hipácia de Alexandria?

Há tanto texto com coisas meio romanceadas que queria saber mais o que é consensual entre historiadores. Desde já grato.

No Google, acesse Hipátia de Alexandria. A última cientista de Alexandria, morreu martirizada por cristãos fanáticos que não aceitavam sua maneira de pensar. Consta que inventou o astrolábio e que era uma tremenda matemática.

Foi o que eu fiz, mas aparece coisas que parecem mais com a Lara Croft dos videogames que pessoa real. O que daquilo tudo é consenso? Uns dizem que era uma jovem adulta lindíssima, outros que era uma veneranda anciã quando é morta. Uns dizem que era militante política, outros dizem que seu interesse era totalmente espiritualista. Por isso pedi socorro aos amigos daqui.

A religião dela era o neoplatonismo? Conhece-se a data de seu nascimento?

O Umberto Eco tem um trecho grande sobre Hipátia em seu livro Baudolino (fabuloso). Saiu um livro sobre Hypatia of Alexandria uns quinze anos atrás, por Harvard.

Uma das figuras mais polêmicas entre os Pais da Igreja é Cirilo de Alexandria (c. 375-444 dC). O historiador eclesiástico Hans von Campenhausen o descreve como “dogmático, violento e astuto, convencido da grandeza da sua vocação e da dignidade do seu cargo”, e acrescenta que “ele nunca achava nada direito, a menos que fosse útil para ele na promoção do seu poder e da sua autoridade... A brutalidade e a inescrupulosidade dos seus métodos nunca o incomodavam”. Enquanto era bispo de Alexandria, Cirilo usava de suborno, de calúnia e de difamação para depor o bispo de Constantinopla. Ele é considerado responsável pelo assassinato brutal duma famosa filósofa chamada Hipácia em 415 EC. Sobre os escritos teológicos de Cirilo, Campenhausen diz: “Ele iniciou a prática de decidir questões de crença não só à base da Bíblia, mas com a ajuda de apropriadas citações e coleções de citações de autoridades reconhecidas.”

Uma descrição 'etnográfica' de Políbio sobre a Alexandria do séc II a.C - 7 séculos antes do episódio Hipácia - está no fragmento do livro 34 de Políbio, recuperado por Jacoby :

Em Alexandria haveriam 3 grupos: Os Egípcios, 'uma raça perspicaz e civilizada' ; os Mercenários, 'um lote numeroso, rude e inculto' ; e os próprios Alexandrinos , ' um povo não genuinamente civilizado... mas ainda superior aos Mercenários pois apesar de serem mestiços vieram de uma matriz grega e não esqueceram seus costumes gregos' .


Interessante notar que aparte todos os preconceitos, etnicismos e etnocentrismo envolvidos, Políbio coloca os Egípcios num patamar da sua escala superior ao dos próprios Alexandrinos - a quem reconhece a herança grega.

Num arrazoado simples, é interessante lembrar que por mais mitificação anti-cristã que o caso Hipácia tenha recebido e mais ainda no caso do filme, ainda assim todo o iluminismo anti-cristão tem seus motivos.

Não concordo com a estigmatização de uma única religião e estranhamente no ocidente onde o Cristianismo predomina, sobram 30 críticas para ele para cada crítica feita às outras religiões em conjunto.

Mesmo assim, sempre me pareceu que o crescimento do cristianismo ajudou a solapar um Império que carecia cada vez mais de uma identidade e perdia cada vez mais a identidade original que o ajudou a formar-se. Gibbon exagerou? Quase certo que sim, mas em alguma medida ele tinha razão.


No entanto, o autor do texto passa ao largo de muitas questões tentando de forma elegante formar uma opinião desconfiada no leitor acerca do que ele chama de mitos, mas não toca muito na questão de que a fama do Cristianismo de ser obscurantistas e atrasado não é apenas uma criação do séc. XVIII, mas origina-se justamente de um conjunto de características básicas, das quais destaco: forte apelo às massas populares e emocionalismo (baseado no amor, fraternidade, etc - emoções e atitudes emocionais). Que se pode dizer de um movimento formado por massas iletradas, submetidas à opressão e na base da pirâmide social, senão que era-lhe difícil reunir quadros de alta cultura. Até mesmo por que, dentro do Império era difícil a qualquer movimento. E no caso do Cristianismo era um movimento 'novo', sem tradição.

Um trecho em especial me chamou a atenção:

Diante das informações apresentadas até aqui, suponho que já esteja
claro que o objetivo do filme não é contar uma "história real", mas
alimentar um ódio cultural pelo cristianismo que já há muito tempo virou
moda. Cada detalhe do filme busca reforçar estereótipos anticristãos, e
cada detalhe da história é manipulado para servir a esse propósito

Esse trecho me lembrou de imediato Anders Behring Breivik, o carniceiro de Oslo.

Embora até mesmo Breivik tenha uma certa razão quando diz que os valores do ocidente - incluso aí o Cristianismo - estão sendo solapados e vilipendiados por culturas alienígenas e do atraso (poderia citar muçulmanos que não entendem o próprio Islã, mas professam e praticam uma versão deturpada e violenta dele). Embora ele tenha um ponto ao afirmar isso, não se pode fazer uma defesa radical do Cristianismo sem incorrer no esquecimento do que ele fez durante muito tempo e de que perpetuou as massas ignorantes em sua ignorância.

Breivik tem um manifesto escrito de 1500 pp. - quis rivalizar com Marx - e também um documentário em video de 12 min, são interessantes de serem observados. E o tom da crítica ao filme de Hipatia, embora mais elegante, caminha na mesma direção.

Alexandria era uma metrópole dada a distúrbios principalmente porque tinha gente demais e depois porque ali estavam 3 nações pelo menos em grande número: egpícios, gregos e judeus. Quem Polibio cham de "mercenários"? Também acho estranho como ele cita os egípcios nativos (a maioria aglomerada no bairro Rakotis. Durante governo ptolomaico apesar de se a grande massa do país eram menosprezados. Cleo VII, a última faraó ptolomaica, foi a única ptolomaica a aprender o idimoa dos felás.

Seguindo o raciocínio do Refael: do emocionalismo das massas, das 3 nações o cristianismo conquistou percentualmente mais adeptos entre egípcios. E inversamente foram sacerdotes da "escola egípcia" que mais fizeram pressão nos concílios a partir de Atanatius e do concílio de Éfeso. Foram eles que fizeram o lobby do Jesus Deus, da Maria Virgem (quase uma Isis) e do monofisitismo.

A cristianização da sociedade (elite e massa) não pode ser contado como causa de fim do império ocidental (a metade mais fortemente cristã foi a que durou mais tempo e a noção de Diocletianus e Cosntatinus de que o império precisava de um cimento religioso estava correta). O cristianismo mais ajudou que atrapalhou na coesão do império. Se algo foi gerador de distúrbios (e Alexandria quase tudo podia se tornar gerador de distúrbios) foi a institucionalização da igreja, sua padronização e a mistura de igreja e Estado que foi feita. Se Cosntatinus escolhesse o budismo, o budismo também apodreceria.



Os iluministas tinham razão para serem anticlericais, já que a Igreja (católica e protestante) estava podre no século XVIII, mas exageraram.

O regime era cesaropapista (poder máximo espiritual abaixo do poder max temporal), mas Cirilo queria inverter isto e abocanhar poder temporal. Orestes e ele tiveram uma queda de braço. Um monge, Amonio, foi morto pelo estado, Um seguidor de Cirilo (talvez como Gregorio Fortunato fez com GV) deu então fim terrível a Hipátia, talvez a não-cristã mais famosa da cidade e amiga de Orestes. Monges estavam realmente se tornando organizações paramilitares, ou Hooligans, em toda África (veja a descrição que Agostinho faz dos donatistas), os natrianos egípcios não deveriam ser diferentes.

Quanto o Igreja não ter intelectuais em seus quadros, isto foi mudando com tempo, Saulo de Tarso, Irineu, Clemente de Alexandria, Ambrosius e Agostinho eram intelectuais, eram poucos, mas influentes. Gibbon foi exagerado, mas alega que muitos homens da elite ficaram indiferentes ao destino do império porque estavam mais interessados em ser sacerdotes (que era mais lucrativo que ser senador) ou realmente estavam preocupados com suas pós-vidas esquecendo desta.

Quem Polibio cham de "mercenários"?

Provavelmente gregos, que estavam espalhados como mercenários por todo o mundo mediterrâneo. Inclusive fala-se de 30 mil gregos a serviço de Apries em uma época tão recuada quanto 588 a.C.

Pelo tamanho das póleis que ainda nem estavam no período clássico, acho um exagero mas vai saber... Penso em fazer uma monografia sobre o Mercenarismo Grego, mas nossa que trabalhão que ia dar, de tão abundante foi o fenômeno.
Agora, claro que não incluíam só gregos, mas qualquer homem sem posses, com armas e experiência no campo. Na época de Políbio já se podia contar tranquilamente com numerosos contingentes celtas, iberos e norte-africanos. Mas acredito mesmo que a predominância fosse de greguinhos.