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O Inferno Grego

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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 02:53

E, vendo aquela alma apontar em volta, perguntou-lhe:

— O que são Narcisos?

— Narcisos são aqueles lírios negros que brotam das fendas, nossas únicas flores.

— O que há para além desta planície?

A alma reparou em Orfeus e perguntou perturbada:

— Tu não é um de nós?

— Não! Estou apenas de passagem, procurando por minha mulher.

— Ela é uma de nós?

— Acho que sim! Vou levá-la de volta ao mundo dos vivos.

— Impossível! Ninguém abandona os Infernos! Aqui é a Eternidade. Mortos são mortos! Não temos mais lugar na Terra.

— Veremos! Mas responde: o que há para além desta planície? Sei que Eurídice não pode estar aqui. É terrível demais!

— Tu ainda não conheces o que tem demais terrível neste Mundo... Ah... parece haver prados e bosques, rios, árvores com frutos, pássaros e vozes que cantam. Nunca estive lá! Meus pecados me prendem nesta abominação.

— Então, é onde acharei Eurídice! Ela é meiga, boa e gentil. Merece lugar assim.

— Poderás encontrá-la, mas jamais conseguirás levá-la contigo. A Morte é definitiva!

— Meu amor é maior, alma! Eu conseguirei!

Percebendo a ânsia de Orfeus, o vulto aconselhou:

— Não te apresses! Nada no Inferno é feito assim. Os mortos podem esperar. Primeiro, terás que encontrar o caminho para o Paraíso que mencionei. Chama-se Campos Elísios! Depois, pensa bastante antes de agir, para não incorrer na ira de Hádes. Se ele quiser, prender-te-á no Tártaros...!

— O que é Tártaros?

— Nunca ninguém te ensinou sobre os Infernos, lá no mundo dos vivos? O Tártaros é o local mais apavorante que existe, o mais brutal. Sabemos que reúne todas as penas e todos os sofrimentos. Esta planície é amena se lhe for comparada.

— Quem mora lá?

Orfeus estava visivelmente abalado.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 02:54

— Os infames! Os que desafiaram ou ignoraram os deuses; os que cometeram crimes abjetos e imperdoáveis. Dali jamais sairão! Ouvi dizer que o Tártaros é cercado por um espesso muro tríplice cuja única entrada é um pesado e intransponível portão de bronze, que só se abre para receber os condenados. Dizem que para cá da muralha se ouvem os gritos e os lamentos dos encarcerados.

— Eu não pretendo desafiar o Senhor do Inferno. Quero apenas a minha Eurídice.

A alma comoveu-se.

— Que amor fantástico é o teu! Não me lembro se algum dia amei assim!... Mereces que te ajudem! Ouve, aceita uns conselhos: não faze confidências, elas podem chegar aos ouvidos das Erínias. São três irmãs terrivelmente perversas que se deliciam em ir à Terra retalhar pecadores com seus chicotes. Acautela-te, em especial, contra Mégera, a pior delas. Tem muitos poderes aqui no Mundo Inferior e pode resolver castigar-te. Também não deves confiar nas palavras enganadoramente ternas de algumas almas que, uma vez perdidas, só pretendem a danação alheia.

— Tomarei todos os cuidados!

— Acho que só há uma esperança para o teu propósito: Perséfone, a esposa de Hádes. Apesar de reinar aqui, mantém estreitos laços com o teu mundo; passa um tempo viva na Terra e o resto do tempo no Inferno. Quem sabe, entenderá teu sofrimento, pois sua própria mãe, Deméter, chora por ela no mundo dos vivos.

A maravilhosa informação redobrou a confiança do príncipe. Perséfone poderia ser sua aliada.

— Obrigado! Não me esquecerei de ti!

A alma sorriu com tristeza.

— Esquecerás sim! Esquecerás!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 02:54

Orfeus andou por muitos dias, pelas trevas, enfrentando perigos à procura dos Campos Elísios. Chegou a encantar com sua lira as terríveis Erínias, fazendo-as pousar seus açoites para ouvi-lo, suspendendo assim todas as punições impostas às almas dos criminosos. Quase caiu no Flégeton e, por pouco, não bebeu a água do rio do Ódio, tentado por uma alma traiçoeira. Um pensamento terrível o assaltou: e se Eurídice estivesse ali, naquelas paragens tormentosas, por um triste engano? Passou a buscá-la freneticamente em cada sombra; tentou distinguir seu canto entre os lamentos. Iludiu-se mil vezes. Chorou mil lágrimas. Concentrou-se, então, mais do que nunca, em Perséfone. Encontrou Hécate, deusa mágica. Era uma feiticeira que habitava o Inferno por vontade própria e que enviava à Terra espíritos maus para atormentar os homens. Nas noites de lua cheia, ela subia à superfície para percorrer encruzilhadas e cemitérios recolhendo as oferendas de comidas e bebidas deixadas em sua honra. Foi ela quem, então, ensinou a Orfeus a direção do palácio de Hádes. Talvez ela adivinhasse seu destino...

— No final dos Campos Elíseos, trancado pelo portão de ferro fundido pelo deus Hefaístos.

Orfeus partiu sem perder tempo.

Foi uma bênção abandonar a planície sombria e penetrar na região iluminada. As almas venturosas, que ali se deliciavam, deixaram-no passar sem problemas, tomando-o por uma delas, tal era o brilho que ali irradiava e a paz que reinava. A certeza da proximidade de Eurídice dava-lhe uma aura que elas, então, confundiram com seus próprios fulgores de bem-aventurança.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 02:55

O palácio erguia-se majestoso, com imponentes e esguias torres de marfim que resplandeciam à distância, atraindo e guiando Orfeus. À sua chegada, o famoso portão abriu-se misteriosamente. Orientado por um poder invisível, ele foi ao encontro de Hádes. Perséfone o aguardava junto ao deus. Viu, junto deles, sentados em seus tronos, os três sábios juízes dos Infernos: Minos, Radamantes e Éacos, que ali estavam para julgar os mortos pelos crimes praticados em vida.

E Hádes o recebeu, com voz grave e austera:

— Estávamos à tua espera, Orfeus! Que temeridade invadir os meus domínios! O Reino das Sombras é território dos mortos. Posso punir-te, deixando-te aqui para sempre. No Tártaros! Agradece a Perséfone se ainda não o fiz.

— Foi por Eurídice, poderoso deus! Em momento algum pensei desafiar-te.

Perséfone interferiu.

— Fala-me dela, Orfeus!

Não se fazendo de rogado, ele contou a triste história. Relembrou os dias felizes antes da tragédia, a noite pavorosa, seu desespero, a inutilidade de sua vida desde então, a decisão ousada de descer aos Infernos. O tom desalentado mostrava todo o desespero que o consumia.

— Ó deuses do reino subterrâneo, ouvi misericordiosamente as minhas súplicas! Não foi movido pela curiosidade que vim até aqui, mas por causa de minha esposa. Ela morreu na flor da juventude em consequência da picada de uma serpente cruel, e só por poucos dias alegrou minha vida. Bem que tentei suportar essa dor monstruosa, e para isso lutei por muito tempo. Mas o Amor está partindo meu coração, e não consigo ficar sem Eurídice. Por isso suplico-vos, terríveis e sagrados deuses da morte, neste lugar terrível, na silenciosa solidão destes campos: devolvei minha amada esposa, devolvei-lhe a vida! Mas, se não puder ser assim, estão aceitai-me também entre os mortos, pois jamais voltarei sem ela. Pois as penas e pavores do Tártaros nada significam. Queimo de amargura em meu próprio palácio.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 02:56

Perséfone comoveu-se: conhecia muito bem a dor terrível provocada pela separação da Morte. Tentou convencer Hádes a deixar partir Eurídice, mas ele ficou inflexível. Era preciso preservar a integridade do seu reino. E Hádes disse-lhe irritado:

— Não posso ignorar uma decisão das Moiras. Elas governam a existência dos homens por ordem de meu irmão Zeus. Decidem todos os detalhes, do nascimento ao instante final. Dão a cada mortal um fio de vida para ser desenrolado no dia-a-dia, e nada pode ser feito se decidem cortá-lo. É o grande infortúnio com o qual vós mortais tendes que conviver. Vivei heroicamente todas as fibras que compõem o fio da vida: as boas e as más, as do êxito e as do fracasso, as da esperança e as do desespero. Não deixai coisa alguma para adiante, porque o depois é aqui. Tu tiveste a tua Eurídice. Isso deveria bastar. Agora conforma-te! Volta ao teu mundo, eu te deixo partir.

Orfeus escutara com profunda amargura, aniquilado pela angústia. Foi quando Perséfone, os olhos brilhando, falou suavemente:

— Não desiste, Orfeus! Pega tua lira e toca para o Senhor dos Infernos.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 02:56

O jovem príncipe, ajoelhando-se, começou a dedilhar as cordas de modo pungente, arrancando sons de uma infinita melancolia. Jamais se ouvira música mais triste e, ao mesmo tempo, mais perfeita. Naquele instante de dor absoluta, ele criou como nunca, tirando das entranhas uma emoção da qual não se sabia capaz. Os sons da lira de Orfeus e sua voz formidável tocaram profundamente o coração de Perséfone, trazendo-lhe lembranças da encantadora terra ensolarada, que só podia visitar temporariamente. Os juízes dos mortos ouviam com a mesma reverência silenciosa, recordando a beleza da vida no mundo a que outrora fizeram parte. O impassível Minos, o antigo rei de Creta, comoveu-se a ponto de quase chorar. O justo Éacos, rei de Égina, ficou inquieto, enquanto Radamantes, o grande legislador, ouvia extasiado. Embora fossem senhores poderosos, sabiam quando a existência de um simples escravo no mundo de cima era mais feliz do que a deles.

Seus versos falaram das alegrias da vida sobre a Terra e do amor, o grande dom dos deuses; depois descreveram sua paixão por Eurídice; finalmente exprimiram dor pela injusta perda da amada. E, conforme sua voz soava mais forte, aumentavam as emoções que ela despertava, espalhando-se pelos cantos mais distantes do escuro reino de Hádes.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 02:57

As sombras dos mortos, ouvindo a plangente canção de Orfeus, pararam de gemer. Cérberos parou de latir. Tântalos, punido com o tormento da fome e da sede por sua insolência para com os deuses, esqueceu um instante seu pavoroso sofrimento e ouviu, fascinado. Sísifos, cujo castigo por seus embustes era empurrar eternamente uma enorme pedra para o alto de uma montanha, interrompeu a estafante tarefa e sentou-se sobre a pedra para ouvir a canção de Orfeus. A roda de Íxion parou de rodar. De repente, a tortura de Títios cessou. As Danaides, condenadas pelos crimes no mundo de cima e eternamente tentar encher de água uma enorme urna sem fundo, fizeram uma pausa em seu estéril trabalho e ouviram, com um nó na garganta. E as Erínias foram tomadas de assombro. De repente, a sombra de uma jovem mulher destacou-se das fileiras dos mortos: era Eurídice, que ouvindo a canção de Orfeus, tentava reconhecer aquele som que lhe parecia familiar. Aos poucos, foi lembrando-se de seu amado, e saiu a correr para diversas direções, até encontrá-lo. Então, as leis de incontáveis séculos foi transgredida: a sombra de Eurídice atirou-se nos braços de Orfeus vivo.

Hádes ficou assombrado: estava assistindo a um total desafio às eternas e sagradas leis que separam os vivos dos mortos. E todos temeram que, numa explosão de ira, o Senhor dos Infernos pusesse um fim terrível e violento àquela cena inédita de beleza e coragem.

Profundamente emocionado, mas temendo que a ira de Hádes desabasse também sobre ele, Hermes pediu que os dois apaixonados se separassem. E tiveram que fazê-lo. E Eurídice foi conduzida para outro lugar fora do palácio.

Agora todos os olhos se fixaram em Hádes, esperando para ver como se manifestaria sua ira implacável. Entretanto, Hádes apenas inclinou a cabeça e ficou em prolongado silêncio. Depois, voltou-se para Perséfone, cujos grandes e belos olhos estavam marejados de lágrimas.

Então, dirigiu-se a Orfeus:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 02:57

— Dize que favor tu desejas e eu te concederei. Eu juro pelas águas sagradas do Estige!

— Poderoso senhor do mundo subterrâneo, desejo minha amada Eurídice de volta. Seus dias no belo mundo superior foram muito poucos e, quando o amor chegou, ela não teve tempo para saborear suas alegrias. Não posso suportar a ideia de que ela está sofrendo nas tenebrosas profundezas deste mundo. Não posso viver sem Eurídice, nem ela sem mim.

Hádes, milagrosamente, transfigurou-se enlevado e, deixando rolar uma negra lágrima dos olhos, disse a Orfeus:

— Será como tu desejas, Orfeus, exatamente como te prometi. Encontrarás Eurídice às margens do lago de Mnemósine, onde ficam as almas douradas. Toma-a e leva-a, com uma condição: ela deverá seguir-te à distância de dez passos e, em hipótese alguma e sob qualquer pretexto, tu deverás voltar-te para vê-la até que transponhais o Aqueronte. É imprescindível que assim seja!

O rei Hádes sabia que Eurídice jamais poderia retornar. Mas deu uma esperança ao jovem e apaixonado Orfeus. Sabia que o fio da vida não poderia ser atado, porém as Moiras eram as senhoras absolutas dessa decisão. Dependia exclusivamente delas, que só seria possível reverter num pequeno detalhe que dependia de Orfeus:o respeito às regras outorgadas pelo próprio Destino. Deveria cumprir à risca as determinações a ele impostas.

Assim como as almas, ao entrarem nos domínios de Hádes, bebiam a água do Létes para esquecer sua vida passada, a água do lago de Mnemósine devolvia-lhes definitivamente a memória. E o príncipe compreendeu que findava a sua busca, o seu objetivo. Orfeus beijou o chão aos pés de Hádes, rindo e chorando numa alegria sem medida. Depois correu atravessando os campos, seguindo o murmurar das águas, tocando e cantando alegremente. As condições impostas por Hádes eram rígidas, mas Orfeus aceitou-as de bom grado, transbordando de alegria ao pensar que, assim que atingissem a luz do Sol novamente, ele teria a amada para sempre.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 02:58

De vez em quando, esperando encontrá-la o mais rápido possível, gritava:

— Eurídice!

A ninfa, sombra rediviva, ao vê-lo, correu ao seu encontro e foi aninhar-se nos seus braços.

— Vem, querida! Temos que sair daqui!

Mas Hermes, com um sinal, lembrou-lhe das ordens de Hádes. Por isso, o filho de Éagros voltou-se e caminhou, logo atrás do divino Hermes. Em seguida, Eurídice pôs-se a caminhar. Ambos fizeram o caminho de volta tal como Hádes ordenara. Eurídice acompanhando-o a uns dez passos de Orfeus.

Quando chegaram aos portões, Cérberos ergueu as três cabeças, ameaçador, pois estava ali para impedir que qualquer alma deixasse o Reino das Sombras. Mas a fera baixou-as assim que Orfeus correu os dedos pelas cordas da lira e uma inebriante melodia encheu o ar. O terrível guardião de Hádes ficou imóvel e silencioso, dominado pela magia dos sons mágicos.

Hermes, Orfeus e Eurídice, desse modo, passaram pelos portões do Érebos, cruzaram o Aqueronte na balsa de Caronte outra vez e iniciaram o caminho longo e íngreme que atravessava a caverna. O percurso era difícil e fatigante, mas nenhum deles pensava nisso. O pensamento de Orfeus era todo para Eurídice, que estava em algum ponto ali atrás. Pelo menos era o que Orfeus pensava. Mas certamente estava. Porém, Orfeus, durante todo o percurso, ouvira seus próprios passos e os de Hermes, mas não ouvira os de Eurídice. E começou a refletir:

— Ah, se pelo menos eu soubesse que Eurídice está mesmo me seguindo! Se, ao menos, pudesse vê-la ou ouvir alguma coisa!

Esses pensamentos torturavam-no constantemente ao longo do caminho de volta que demorava a encontrar o fim. Estavam numa escuridão profunda, mas Orfeus ainda podia entrever o vulto de Hermes. Então, bastava virar a cabeça, para saber se Eurídice o seguia.

— Mas o que estou pensando? Oh, deuses, se ao menos eu soubesse que Eurídice está vindo e que eu a verei quando alcançarmos a luz! Mas eu sei. Por que não ouço nada? Nada! Por quê?
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 02:59

Dominado por seus temores, Caronte e seus passageiros chegaram, finalmente, na outra margem do Aqueronte. Hermes e Orfeus desceram da barca, seguidos por Eurídice. Orfeus, sufocado de ansiedade, talvez imaginasse que Caronte não a deixaria descer da barca e a levasse de volta para Hádes, mas ficou firme, e seguiu os passos de Hermes.

Por fim, vislumbrou-se ao longe um tímido reflexo da luz do dia. A angústia de Orfeus tornou-se incontrolável. A cada passo, a luz parecia se aproximar, e logo se tornaria mais intensa, e as dúvidas de Orfeus, mais insuportáveis. Começava a querer abandonar a escuridão, quando Orfeus resolveu chamá-la discretamente:

— Eurídice, estás aí?

— Orfeus... estou com medo. Orfeus...

E o corajoso filho de Éagros, controlado, mesmo com Eurídice lhe chamando de quando em quando, seguia na frente, determinado a não se deixar tentar. Eurídice, sentindo-se sozinha e deixada para trás, chamava-o amedrontada. Vozes e demônios os atormentavam. Arrancaram a lira de Orfeus, tiraram seu chapéu, deram-lhe chicotadas. Quando uma luz brilhante já inundava a caverna, a voz doce de Eurídice disse o seu nome com amor.

— Orfeus... Orfeus... Por que não olhas para mim? Já não me amas mais? Olha pra mim, Orfeus... Por que não me esperas?

Adiante resplandecia o dia. Só mais alguns instantes, e Orfeus teria sua amada de volta para sempre. Mas muitas dúvidas povoaram sua cabeça. Estaria realmente sua amada acompanhando-o? E se fosse mentira de Hádes? Impulsivamente, ele movia a cabeça, tentando olhar pelo canto dos olhos sem ser notado, querendo certificar-se, ver ao menos o vulto de Eurídice. Hermes, percebendo a sua fraqueza, chamou-lhe a atenção, quando de novo uma voz sofrida soou nos ouvidos de Orfeus:

— Estou com medo, Orfeus! Estes demônios arrancam meus cabelos e me batem! Por favor, ajuda-me!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:00

Sem querer pensar no que aconteceria, ele virou a cabeça rapidamente e sorriu para ela, estendendo-lhe os braços. No mesmo instante, algo monstruoso aconteceu: o corpo de sua amada se desmanchou em fumaça e ela desapareceu, perdida para sempre.

— Eurídice! Não!!!!

E deu um grito que ecoou pelas cavernas dos Infernos. A Terra angustiou-se... era o som de um coração se partindo. Orfeus, desesperado, tentou alcançá-la, pedindo mais uma chance a Hádes, mas os demônios não permitiram. Ameaçou jogar-se ao Aqueronte e nadar para a outra margem, o que significaria sua morte, mas viu na escuridão fecharam-se os portões do Mundo dos Mortos. Orfeus caiu sobre os joelhos, aos prantos, implorando a Caronte que o levasse para o outro lado. Mas foi em vão. Caronte, sem dar-lhe ouvidos, entrou na barca e partiu. Sete dias e sete noites ele permaneceu na margem do rio, a cada dia argumentando inutilmente com Caronte, que de vez em quando aparecia para buscar alguma alma que aparecia.

Afinal, Orfeus, sem sua lira mágica, nada podia fazer nem a ninguém convencer ou lhe ouvir. No oitavo dia, restou-lhe apenas deitar no chão querendo não mais sair dali, quando Hermes tocou-lhe a cabeça e Hipnos, o profundo Sono, lhe fechou os olhos.

Quando Orfeus acordou, estava deitado sobre a relva, na floresta. Havia sido posto para fora e abandonado. Desorientado, não conseguiu mais encontrar a caverna de acesso aos Infernos. Parando um momento para pensar, reconheceu que era o mesmo lugar onde antes havia caído. Chegou a pensar que havia sido tudo um pesadelo.

Fracassado e sozinho, via que todas as esperanças se esgotavam. Menos o seu amor. Este ainda era vivo e forte, capaz de ir ainda mais longe que sua música e sua voz. Assim, entrou na escuridão da floresta. Talvez pensasse que tivesse sido tudo um sonho, ou pesadelo, mas estranhava o fato de ter perdido sua lira e seu chapéu. Emudeceu. Esperava encontrar a sombra da Morte e, nem que levasse uma eternidade, reveria sua Eurídice esperando-o, pacientemente, em seu leito mortal.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:00

Foi quando que, voltando à sanidade, percebeu que seu gorro e sua lira estavam ali, a dois passos. Orfeus curvou-se e apanhou-os do chão. Dilacerado pela dor, bateu a mão contra as cordas da lira, e o som da desgraça ecoou pelas montanhas desertas como uma violenta tempestade. Agora nada podia trazer-lhe consolo. Orfeus perdera sua amada pela segunda vez, porque não cumprira as condições impostas pelo implacável deus Hádes. A partir de então, jamais tocou e cantou com alegria, mas só angústia. Então, tomou sua lira e, tocando, voltou para a Piéria, atraindo para junto de si uma grande quantidade de árvores do Pélion.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:01

O Inferno segundo o mito de Héracles

Héracles já havia realizado onze grandes provas, saindo-se sempre vitorioso. Estava agora incumbido da última e a mais difícil. Héra havia caprichado na última incumbência, planejando matá-lo de vez ou então fazer com que jamais voltasse para a Terra novamente ou para o mundo dos vivos. Copreus, com cara de poucos amigos, anunciou a última missão:

— Tu terás que descer ao Reino dos Mortos e trazer de lá o mastim Cérberos. Ele se encontra na entrada, por onde passam as sombras dos que morrem.

— Mas esse cão pertence a Hádes, irmão de meu pai...

— Não me importa a quem ele pertence. Quero que o traga.

O Inferno era a quarta parte do Universo que coube ao deus Hádes, e nele passou a reinar, enquanto Poseidon havia recebido toda a terceira parte coberta pelas águas,e Zeus ficou com o Céu e a Terra, governando do Olimpo. Hádes, muito aborrecido por ter recebido a pior parte, pouquíssimas vezes saíra de seu reino; uma das vezes foi para raptar Perséfone, filha de sua irmã Deméter, e com ela se casou.

O seu reino consistia num palácio de colunas de prata, rodeado de altas rochas, às margens da lagoa Estígia, de águas mortas, paradas, pois os Ventos não ousavam entrar nos Infernos. Na lagoa despejavam vários rios que desciam como torrentes da superfície da Terra. Para se chegar ao palácio era necessário subir na barca de Caronte, mediante o pagamento de um óbolo, moeda de pouco valor entre os vivos.

No Campo da Verdade eram julgadas as almas dos mortos: se fossem culpadas, eram conduzidas aos abismos do Tártaros, onde sofriam os mais cruéis suplícios por toda a eternidade; e se fossem absolvidas, inocentes, eram conduzidas aos Campos Elísios, o paraíso. Os juízes eram Radamantes, Minos e Éacos, todos filhos de Zeus. Entre eles, havia-se juntado Triptólemos, um dos homens mais justos da Terra. Todos quatro haviam sido antes humanos e estiveram no mundo dos vivos.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:01

Cérberos, o “terror da morte”, filho mais velho de Tífon e da ninfa Équidna, era um cão tricéfalo, o animal mais feroz de que já se ouvira falar. Ele deixava entrar as sombras, mas não permitia que mudassem de ideia e tentassem recuar.

Depois de Hádes e sua esposa Perséfone e dos juízes do Campo da Verdade, haviam as divindades menores: Caronte, o barqueiro do Estige, a tenebrosa Hécate,as Queres, que perseguiam os criminosos, assim como as Erínias, deusas da vingança, e as Moiras, deusas do Destino, que também se assentavam no Olimpo, e uma infinidade de demônios e monstros que infestavam a região subterrânea de Hádes, como as Hárpias, abutres com cabeça de mulher e garras de bronze, que também perambulavam pelo mundo caçando pessoas para abastecer o reino de Hádes. As Queres eram terríveis, negras, com dentes como os dos javalis, olhos ferozes e fulminantes, sanguinárias e implacáveis. Atiravam-se sobre os que caíam nas lutas, arrancando-lhes a alma. Eram chamadas “Cadelas de Hádes”. As Erínias, as mesmas Eumênides dos atenienses, eram demônios alados com cabelos de serpentes, empunhavam o archote e o látego. Castigavam os criminosos no Tártaros e personificavam o Remorso dos vivos. Já as Moiras eram deusas do Destino, que decidiam a hora de cada deus ou homem, desde que nascia até o momento em que morria.

Certamente, era o lugar que a deusa Héra mais desejava que Héracles permanecesse e de lá jamais retornasse. E esperava que Cérberos o matasse de uma vez por todas, fazendo-o falhar no seu último trabalho.

Em Tebas, na Beócia, Mégare tentava dissuadir o marido, em desespero:

— Héracles, querido, nenhum ser humano jamais voltou do Tártaros a menos que os deuses permitissem! Não compreendes o peso desta missão? Eles querem que tu fiques lá mesmo! Héra deve ter preparado mil armadilhas para que tu morras!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:02

Héracles deu-lhe um doce beijo na testa, para tranqüilizá-la, e disse-lhe com ternura:

— Não, querida, não temas! Se Héra está contra mim, Atena está ao meu favor. Prometo que, depois de terminada esta tarefa, voltarei para casa, e viveremos felizes para sempre! Ademais, Orfeus já esteve lá uma vez e saiu, e, assim como já livrei Alceste dos Infernos, também conseguirei enganar a Morte desta vez.

Mégare, mais animada, enxugou as lágrimas e procurou sorrir consolada. Héracles, apesar de suas palavras persuasivas, estava imerso em profunda meditação. Aquele trabalho nada tinha de semelhante aos anteriores. Obrigava-o a preparar-se. Cumpria-lhe, antes de mais nada, iniciar-se nos Mistérios de Elêusis, a fim de conquistar a boa vontade de Deméter, mãe da rainha dos Infernos.

— Íolas, temos que ir a Elêusis. Precisamos nos preparar, já que tu fazes tanta questão de ir comigo para aquele lugar... Procuremos Eumolpos. Ele nos conduzirá nos Mistérios de Deméter.

Chegados a Elêusis, na Ática, surgiu uma complicação: eram estrangeiros, e, como Elêusis ai nada não pertencesse a Atenas, os famosos Mistérios de Elêusis não podiam iniciar os de fora. O único meio foi fazer-se adotar pelo amigo Fílios, que ali morava. Héracles ainda não havia-se purificado da morte dos Centauros, e deveria purificar-se.

Chegando então o momento, preparados para serem iniciados, procuraram por Eumolpos, o hierofante, mas só encontraram um mago desgrenhado. Ele tinha os dentes caninos compridos e se vestia todo de preto. Ao redor da caverna onde ele dava lições, havia uma porção de ossos humanos empilhados, crânios, teias de aranha e até morcegos meio cegos voando baixo.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:03

Enfim, depois de cumprirem todo o cerimonial de preparação, Héracles e Íolas voltaram para Tebas a fim de traçar planos e precaver-se do que precisavam para a viagem. Ambos escolheram entrar no mundo dos mortos através de uma fenda no cabo Tênaros, na Lacedemônia, pois achavam a porta mais razoável de acesso. Já o rio Aqueronte, no extremo-oeste, despejava-se num lago pantanoso de exalações pestilentas, localizado perto da cidade de Éfira. Partiram para o sul do Peloponeso, rumo ao monte Taígetos e ao cabo Tênaros. Ali, escondida atrás de umas rochas, havia a abertura do túnel que conduzia ao reino de Hádes. Na boca da entrada, avistaram as árvores falantes, assustadoras como os próprios demônios. Livre para escolher, Íolas decidiu aí ficar e esperar pelo retorno de Héracles.

Lá de dentro da caverna vinha um vento úmido e fraco, gelado e arrepiante. Foi, porém, a aproximação de uma luz que os fez criar coragem. Era um rapaz alto, simpático, que segurava um bastão em cuja ponta havia duas serpentes entrelaçadas que emanavam a luz mágica. Na cabeça, ele usava um elmo com asas e também tinha asas nos calcanhares. Imediatamente, Héracles reconheceu o deus Hermes que, por ordem de Zeus, trabalhava conduzindo os mortos pelos caminhos das trevas. Foi a presença de Hermes que deu aos heróis coragem para descerem juntos aos Infernos.

Desceram por uma escada interminável escavada nas pedras. Tudo era uma única escuridão impressionante lá embaixo. A fraca luz de Hermes mal deixava entrever grutas altíssimas com rebrilhos sinistros e sombras ameaçadoras. Foi uma caminhada de silêncio até chegarem às margens da lagoa Estígia.

Depois de Hermes tocar a trombeta, da lagoa sombria surgiu Caronte, filho de Érebos e Nix, que logo ao vê-los recusou-se a transportá-los, porque não eram sombras. Mas Héracles retrucou, mentindo:

— Mas trazemos os óbolos!...
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:04

— Sou Caronte, o barqueiro do mundo dos mortos, e só transporto almas para o outro lado. Ide embora e não me amoleis! Para que possais atravessar o Estige, deveis ter convosco um ramo de ouro da árvore consagrada a Perséfone, a senhora do Tártaros. E não o vejo. Portanto, ide embora!

Héracles, vendo que nada conseguiria com eloquência, decidiu agir, obrigando-o a levá-los em seu barco.

— Eu destruirei teu barco, e ainda deixarei teu corpo com mais flechas do que os espetos de um porco-espinho!

Caronte arrepiou-se de medo. E Héracles encheu-lhe de sopapos. Hermes interferiu e procurou acalmar os nervos do herói. Porém, Caronte já estava dominado, aliás com uma série de hematomas, e permitiu, à força, que eles entrassem com Hermes no barco. E quase o barco afundou. Sem contar que isto lhe custaria caro, pois acabaria castigado por Hádes, passando um ano inteiro acorrentado no Tártaros.

De costume, as almas é que remavam no barco de Caronte, enquanto esse segurava o archote. Só que, desta vez, Caronte remou, pois não teve outra escolha. O barco atravessou a lagoa.

Chegando na outra margem, no Érebos, avistaram e tocaram os muros da mansão de Hádes. Tiveram que rodeá-los para chegar à porta, onde estava Cérberos acorrentado. Antes de ali chegar, Héracles e Íolas chegaram a um pátio enorme, cheio de sombras e heróis vivos, homens que se aventuraram e de lá não conseguiram mais sair, e eram prisioneiros. Entre as sombras, viram a Górgona, sem a cabeça, e o herói Meléagros. Foram as únicas sombras que não fugiram ao vê-los. Héracles, ao ver Medusa, investiu contra ela, mas Hermes impediu que o fizesse, explicando-lhe tratar-se de uma sombra inofensiva, que já havia morrido e não lhes faria mal algum. Ela já não tinha mais o olhar fatal que, em outras épocas, transformava qualquer ser humano em pedra.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:04

Mas Héracles pôde reaver, com alegria, ou tristeza, o seu velho amigo Meléagros. Fôra seu companheiro na expedição dos Argonautas e na caçada ao javali de Cálidon. Emocionado, o herói conversou com o falecido que terminou a prosa enviando abraços e beijos para sua querida irmã, Dejanira, que continuava viva na casa de seu pai, Oineus. Ao se despedir, Héracles perguntou:

— Tu não ficaste feliz por me veres?

— Claro que fiquei!

— Então, por que continuas com essa cara tão feia?

— Acontece que, depois que nos transformamos em sombras, somos obrigados a ficar assim, perdidos. Quando voltares ao mundo dos vivos, realiza dois pedidos para este teu amigo: primeiro, honra-me com um funeral, só assim encontrarei paz, e segundo, protege minha irmã Dejanira, que já não mais me tem. Se possível, toma-a por esposa. Deixei Dejanira em casa, em todo o viço da mocidade, ainda estranha à áurea Afrodite. Este é o meu desejo, e o desejo de meu velho pai que te conhece muito bem.

Héracles comoveu-se, mas sabia que não poderia casar-se com Dejanira, já que Mégare era sua atual esposa. Porém, não quis contrariá-lo, e despediu-se apenas com um aceno, sabendo que só poderia atender o primeiro de seus pedidos.

E Héracles, apesar das proibições de Hermes, insistia em infringir as determinações de Hádes, que pareciam tão inflexíveis. Debaixo de uma pedra, que era nada mais do que um túmulo, jazia Ascálafos, demônio a serviço de Hádes, assim punido por haver prestado depoimento contra Perséfone. Héracles levantou a pedra e libertou o demônio; depois disso, no entanto, Ascálafos haveria de ser transformado numa coruja por Deméter, que nunca lhe perdoara o que fez.

De repente, disse-lhe o amigo:

— Héracles, olha! É Teseus!

Lá estava o amigo Teseus, acorrentado como Prometeus no Cáucaso, como um titã ou bandido. Héracles dirigiu-se ao herói prisioneiro.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:05

— Teseus, meu caro, como vieste parar aqui?

— Héracles, amigo... Píritous e eu tínhamos imaginado vir buscar Perséfone, já que havíamos raptado Helena de Esparta, e pretendíamos desposá-las... Pois cá viemos. Enganamos Caronte e atravessamos a lagoa Estígia. Chegamos até a entrar no palácio de Hádes, o qual nos recebeu muito bem, pelo menos era o que havíamos pensado... Sem desconfiar de coisa alguma, sentei-me — e imediatamente senti minhas carnes aderidas ao assento, de baixo do qual saíram serpentes que se enlearam em meu corpo. Mesmo assim consegui escapar. Muito ferido, fui agarrado e encadeado aqui a esta pedra... Quanto a Píritous, não imagino como poderei libertá-lo...

Héracles, não aceitando aquela humilhação a um dos homens mais justos que conhecera, agarrou as correntes e as fez em pedaços. Estava livre o grande Teseus. O deus Hermes nem ousou proibir Héracles de libertá-lo.

— Obrigado, Héracles. Vou agora procurar meu amigo Píritous e libertá-lo!

Mas, naquele mesmo instante, tudo mudou. A Terra foi sacudida de um violento terremoto. Era sinal de que os deuses se opunham à libertação do audacioso maluco que planejara o rapto da esposa de Hádes.

Hermes, segurando Teseus e Héracles pelos ombros, disse-lhes, cochichando:

— Não convém insistir. O crime de Píritous é muito grande: é dos que os deuses supremos jamais perdoam. Temos que sair daqui, enquanto há tempo!... Já está claro que este é o destino de Teseus, que nem de longe aguarda a libertação. Muito menos vosso camarada Píritous, que nem aqui se encontra.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:06

Mas Héracles, como tinha um bom coração, compadeceu-se com os horrores que presenciou, tirou Teseus daquele lugar. Entre outras coisas, sombras de defuntos que estavam esperando a vez de transpor as portas e se estorciam nos horrores da sede. Tanta água ali e não podiam beber... Héracles, apiedando-se, degolou um dos bois vermelhos do rebanho de Hádes, que pastava por ali, e deu o sangue àquelas sombras sequiosas. Aquele rebanho, porém, era guardado pelo pastor Mênetes, “o que esconde o nome”, filho de Ceutrônimos, o qual acudiu em defesa daquele animal, armado com seu bastão de ferro e com palavras bruscas de desafio ao herói. Esse pastor era o mesmo que, junto com o gigante Eurítion, guardava os rebanhos do rei Gérion, em Erítia. Héracles, sem que Teseus e Íolas pudessem impedi-lo, agarrou-o pela cintura e apertou-lhe as costelas, quebrando-as; mas um grito impediu que o matasse:

— Basta, filho de Zeus! Deixa-o em paz! O Tártaros é o país dos mortos, portanto, não precisas fazer mais uma sombra, matando Mênetes... É melhor que ele continue vivo para servir Hádes e cuidar do gado.

Os invasores do Tártaros depararam-se com uma linda e sombria mulher. Era Perséfone, filha de Zeus e Deméter. Obediente, o herói libertou o ofegante titã, enquanto Perséfone se punha a conversar com ele.

— Deusa, não vim para brigar, senão para conferenciar com teu divino esposo.

— Segui-me.

Em seguida, ao invés de ir direto ter com o terrível mastim, Héracles foi conduzido à presença de Hádes, o rei daquele mundo. Hermes foi com eles.

Hádes estava no trono de chumbo. Um deus sombrio, soturno, cujo nome a maioria dos gregos não gostavam e temiam pronunciar, pois podia ser invocado. Todas as coisas a ele associadas eram terríveis e tétricas. Nada em seu reino lembrava o Olimpo.

— Divindade, aqui estou por ordem de Euristeus, senhor de Micenas e Tirinto, para levar vivo à sede de seu governo o mastim Cérberos. E é pela vontade de Zeus, senhor da Terra e do Céu, que eu lhe obedeço.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:06

Hádes sorriu, ainda que meio temeroso, enquanto pasmavam-se os demais deuses, pois sabiam do que ele havia feito a Tânatos. Seu sorriso revelava a sua quase onipotência.

— Certamente Caronte terá o seu castigo por ter permitido a tua entrada aqui, e passará um ano inteiro encadeado.

— É, pelo jeito ele não está mesmo livre de sofrimentos, visto que, a esta hora, deve estar lamentando ter-me afrontado.

Em momento algum via com bons olhos o filho de Zeus, e, sentindo-se desafiado, tentou afrontá-lo. E foi no decurso deste combate que o herói feriu-o no ombro direito com uma flechada, fazendo jorrar o seu lícor divino. Tão grande foi a dor, que o Senhor dos Mortos teve que subir ao Olimpo e solicitar os bons serviços de Apolo, o deus curandeiro, que lhe aplicou sobre o ferimento um bálsamo maravilhoso.

Perséfone, apavorada com a força e a ousadia do herói, que certamente tinha o aval de Zeus, implorou-lhe:

— Acalma-te, Héracles, te peço! Conheço a vontade de nosso pai. Cumpre a ordem de teu rei e leva Cérberos, mas não consinto que o ataques com arma nenhuma. Um mortal chamado Orfeus já o dominara antes sem o auxílio de armas, e ele era inferior a ti... Só que, depois, liberta-o! Cérberos pode ser uma criatura abominável, mas a sua existência é imprescindível.

Hádes tinha a mais absoluta certeza de que o filho de seu irmão Zeus jamais conseguiria capturá-lo vivo, Perséfone compreendia. Se Hádes lhe desse licença para levar Cérberos, seria na convicção de que o herói acabaria nos dentes do monstro. Por isso, Perséfone tomou a decisão certa para dar mais força e confiança ao seu irmão, já que ambos tinham o mesmo pai. Quanto a Teseus, foi-lhe ainda mais implacável:

— Agora ide. E levai também esse tolo chamado Teseus, que já deve ter aprendido que tem que respeitar e temer o poder dos deuses. Seu destino já está traçado e sua hora está prestes a chegar. Sei que em pouco tempo estará de volta.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:07

Foi assim encerrada a audiência. Héracles fez uma saudação para retirar-se. Ao chegar à saída do palácio, no Érebos, onde cresciam plantas pantanosas, viu que Cérberos estava solto, livre das correntes. Era um horrendo mastim de três cabeças, corpo de cão, com uma juba repleta de serpentes e cauda de dragão.

Cumprindo as exigências de Perséfone, abandonou as armas que trazia, mas não se desfez de sua pele de leão, com a qual se protegeria. Cérberos, ao vê-lo, fez espirrar fogo de seus olhos., e seus dentes arreganharam-se — e atirou-se contra o herói com o ímpeto dos mastins invencíveis. Héracles desviou-se do bote e agarrou-o por dois pescoços, um braço em redor de cada um. E a terceira cabeça abocanhou a pele de leão que protegia o ombro do herói; mas não conseguiu rasgá-la. E o único jeito que Héracles encontrou para domá-lo foi torcer um dos pescoços da fera, fazendo-a desfalecer, para que pudesse agarrar livremente as outras duas. E foi o que fez. Enrolou as correntes em redor dos focinhos do animal, fechando-lhe as bocas. E, puxando as correntes, prendeu o animal de tal forma que Cérberos amoleceu o corpo. Havia sido domado. Só restava conduzi-lo até Micenas vivo.

Hádes, já de volta, quase enlouqueceu de paixão e piedade quando viu o herói arrastando Cérberos em frente de seu palácio. Pulou do trono a fim de lançar contra Héracles e Íolas todas as Fúrias infernais. Perséfone o deteve.

— Palavra de deus não volta atrás! Dei-lhe autorização para a captura de Cérberos, na condição de o atacar desarmado — e Héracles cumpriu sua parte...! Temos agora que cumprir a nossa.

Hádes caiu em si e, vendo Héracles passar diante de si com o mastim a ganir, procurou acalmá-lo:

— Calma, fiel Cérberos, logo estarás de volta.

Voltou para o trono a remorder-se de ódio impotente.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:08

Quando Caronte viu reaparecer o herói com o cão às costas, teve um colapso e caiu sem sentidos no fundo do barco, que, impulsionado, quase voltou para o Estige. Íolas e Teseus, segurando-o, tomaram os remos e fizeram a travessia, logo que Héracles entrou no barco com o cão raivoso nos ombros. Afinal, saindo da lagoa Estígia, encontraram o portal de saída fechado, e tiveram que prosseguir remando até avistarem os Campos Elísios, um belo lugar onde repousavam os mortos que haviam realizado grandes feitos em vida ou os que mereciam a graça dos deuses. Ao longo de uma escada para o alto, via-se um ponto de luz, a saída do mundo dos mortos. Eles mal haviam dado alguns passos, naquela direção, quando uma sombra silenciosa entrou e aproximou-se caminhando para tomar o barco. Héracles pretendeu olhar para ver se a conhecia, mas Hermes preveniu-o:

— Não olhes!

Mas Héracles já havia olhado, e teve a impressão de que era uma mulher, mas não a reconheceu, apesar de que teve a impressão um tanto familiar, pois o rosto estava coberto com um véu.

Depois, agradeceram a ajuda de Hermes e, subindo a comprida escada, viram a luz do Sol atrás da saída que ficava perto de Mariandine, na Ásia Menor, junto ao Euxinos, cuja saída dava para o lago Aquerúsia. Dessa forma, a viagem de volta seria mais longa e difícil — levaria em torno de dois dias até a chegada a Tebas. Antes de partir, Héracles arrancou um ramo de choupo branco, à guisa de troféu, e usou-o como coroa, para sentir-se rei diante de Euristeus. O choupo, anteriormente, era uma ninfa chamada Leuce, filha de Océanos e Tétis. Ela havia sido raptada por Hádes; mas era mortal, e morreu após o termo previsto de sua vista. Hádes transformou-a em choupo branco, que passou a crescer nos Campos Elísios, na ilha de Leuce.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:09

Finalmente, saindo dos Infernos, todos os três com suas fisionomias mudadas, principalmente Héracles, que lhe valeu depois o epíteto de Caronte, e Cárops, pelo povo beócio. Depois de realizarem um funeral em honra de Meléagros, para cumprir a promessa, Héracles, Teseus e Íolas foram a Troézen, onde Teseus se separou dos amigos. Ele voltaria para Atenas e a encontraria devastada pelos irmãos Dióscuros. E, como havia previsto o rei Hádes, logo estaria de volta ao Mundo dos Mortos.

Enquanto seguiam rumo a Micenas, gotas caíam livremente da boca espumante de Cérberos; e, arrastando-se, as serpentes silvavam debaixo da barriga hirsuta do monstro, dos dois lados de seu corpo. Em seus olhos cintilavam luzes azuis, como as faíscas da forja de um ferreiro. Passando na encruzilhada perto de Midéia, mulheres e crianças horrorizadas viram com os próprios olhos quão era terrível a criatura. Assim, chegando em Micenas, Íolas ficou do lado de fora da cidade, enquanto que Héracles entrava triunfante. Parecia impossível, mas Héracles conduzia um animal terrível, e todos acudiam às janelas e portas para ver aquele “cortejo”. As ruas encheram-se, à distância... até chegar em frente ao palácio de Euristeus, e foi entrando. Os guardas, vendo aquela fera — era o fim da picada! — jogaram as armas e sumiram de vista — e demoraram muito a retornar aos seus postos. O filho de Zeus atravessou corredores, onde só via armas e sandálias pelo chão, até chegar ao salão das audiências. Lá estavam Euristeus, Copreus e Eumolpos, conferenciando. Ao verem surgir Cérberos, domado por Héracles, Eumolpo e Copreus assustaram-se e foram esconder-se atrás do trono, enquanto Euristeus, em posição de defesa, subiu nele. A fera havia readquirido sua fúria natural e inspirava respeito e terror, mesmo que seus olhos estivessem ofuscados pelo excesso de luz que jamais haviam conhecido.

— Muito bem, Euristeus! Tu concordas agora que consegui realizar os doze trabalhos?

— S-sim! T-tira essa f-fera daqui!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:09

— Então, isso significa que, de agora em diante, não haverá mais peso em minha consciência, e sois testemunhas de que os deuses me perdoaram!

E, depois de ter discursado algumas poucas palavras, com sua coroa de choupo na cabeça, ameaçava libertar Cérberos, como que para despedir-se de seu último trabalho. De fato, foi o que fez, e o herói correu e fechou as portas — foi um Zeus nos acuda! — Héracles correu para o pátio, e os guardas tentaram pegá-lo, mas ele conseguiu fugir de Micenas, indo juntar-se ao amigo Íolas.

Cérberos, depois de assombrar a todos os micênicos, desapareceu latindo e uivando numa corrida louca, passando por uma fonte que ficava entre Micenas e o Templo de Héra; essa fonte passou a levar o nome de Eleutheron h’ydor, “a água da libertação”, e foi em direção ao sul, até encontrar a caverna que o reconduziria ao Tártaros. A saliva que pingou de sua boca fez nascer pelo caminho várias mudas de planta venenosa chamada acônito, a mesma que passaria a servir às feiticeiras.

Afinal, depois de voltar do mundo subterrâneo, Héracles passou a usar com toda a justiça o seu mais famoso epíteto, Calínicos, “glorioso vencedor”. A vitória gloriosa entre todas as vitórias era, sem dúvida, a que obtivera sobre a Morte, e Héracles, quase o único no meio de todos os deuses e heróis, foi assim chamado. Tornou-se costumeiro, entre a gente mais simples, antes da Antiguidade mais recente, escrever acima da porta de suas casas: “Aqui mora o Glorioso Vencedor, Héracles, filho de Zeus; que não entre nada de mal.” O mal a que referiam-se era a Morte, que temia ao filho de Zeus. Até mesmo, entre gerações futuras, outros heróis surgiram e intitularam-se, a si próprios, de Héracles ou Hércules, para que pudessem impressionar os seus inimigos.

Héracles, enfim, com todos as suas tarefas cumpridas perante Euristeus, pegou o seu amigo e sobrinho, Íolas, e ambos voltaram para Tebas, onde sua mãe, Alcmena, o aguardava com ansiedade.
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