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O Inferno Grego

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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:11

Nisso, ouviram um tropel. Era Íficles, seu irmão, que chegava em sua biga. Ele havia ouvido sobre o triunfo de Héracles em Micenas, e foi-lhe ao encontro. Estava esbaforido.

— Íficles, meu irmão, por que tanto desespero?

— Héracles, eu temia ter que te revelar o que aconteceu em Tebas, na tua ausência: Mégare, tua esposa, vítima de febre repentina, morreu há dois dias. Deve ter sido uma vingança de Héra pelas tuas vitórias...!

Héracles, deixando derramar lágrimas incontidas, veio-lhe à mente a sombra que havia visto na saída dos Infernos:

— Oh, não!! Aquela sombra que vi entrando nos Infernos... foi há dois dias... pareceu-me familiar... era Mégare?

Héracles pôs-se a chorar feito uma criança. E os três entraram às pressas em Tebas.

Então, tomado de novo furor, Héracles decidiu vingar-se das humilhações e tentativas homicidas do rei Euristeus, impulsionado pela morte de Mégare, a quem mais amava. Desde que saiu dos Infernos, sua vida mudou quase que radicalmente, justificando o seu desejo de vingança e sede de sangue. Porém, Zeus o havia proibido de atacar o próprio Euristeus, o que poderia servir de mau exemplo para outros escravos libertos. Mais controlado, para não desobedecê-lo, Héracles, ironicamente, aceitou um convite do rei para oferecer sacrifícios aos deuses. Mas como os filhos de Euristeus oferecessem ao herói uma parte de carne bem menor que a dos outros, Héracles se sentiu insultado e perdeu a cabeça: matou três dos filhos do rei, o que ocasionaria a perseguição a Héracles e seus filhos, os Heráclidas.

Então Héracles, com a morte de Mégare, quis instalar-se em Tirinto, mas certamente seria perseguido. E, mais cedo ou mais tarde, deveria se mudar.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:11

O Inferno segundo o mito de Psiquê

Para merecer o amor de Eros, Psique teve que cumprir uma série de tarefas impostas pela deusa Afrodite. Esta, pensando de vez em livrar-se da jovem, ordenou-lhe:

— Sei muito bem que não foi por teu próprio esforço que foste bem-sucedida nessa tarefa e ainda não estou convencida de que tenhas capacidade para executar sozinha uma tarefa útil. Quero que vás à Casa de Hádes pedir a Perséfone que me envie um estojo de beleza, pois perdi um pouco da minha ao preocupar-me demais com os sofrimentos de meu filho enfermo. Não demores a executar o encargo, pois preciso disso para aparecer na reunião dos deuses e deusas esta noite.

Psiqué, a princípio pensando que poderia cair nas graças da deusa, partiu, mas percebeu que talvez jamais voltaria. No entanto, sem saber como fazer para chegar aos Infernos, entregou-se ao desespero. Chegou a pensar em desistir até da própria vida, caminho mais curto para se chegar ao Érebos, quando uma voz lhe soou ao ouvido:

— Por que, desventurada jovem, pretendes pôr fim aos teus dias de modo tão horrível? E que covardia faz desanimar diante deste último perigo quem tão milagrosamente venceu todos os outros?

Psiqué baixou a cabeça, sem saber o que dizer ou fazer, já que deveria cumprir a última tarefa sozinha.

— Faze como eu te disser e só assim conseguirás chegar até onde mora Perséfone.

A mesma voz prosseguiu a lhe falar, indicando o melhor meio para alcançar o Hádes sombrio. Psiqué ouviu tudo com muita atenção, e caminhava com toda a certeza de que lá chegaria.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:12

Andou vários dias até chegar perto de uma grande fenda, cercada por uma densa floresta fechada. Ali, já nos limites do Mundo Inferior, encontrou uma velha torre, que possuía a faculdade de falar, através dos Ventos uivantes, e poderia lhe ensinar como proceder. Psiqué perguntou à voz que lhe acompanhara o tempo todo o que deveria fazer, e percebeu que, de novo, estava sozinha. Então, com muitas dúvidas, decidiu arriscar e pedir ajuda para alguém que pudesse estar naquele lugar. Obteve a resposta vinda da velha torre, que ensinou-lhe o caminho e como proceder diante de Cérberos e do barqueiro Caronte. Em seguida, recomendou-lhe:

— Quando Perséfone te der o estojo, tem cuidado, acima de tudo, e não cede à tentação da Curiosidade, que já te foi funesta uma vez.

Esclarecida, Psiqué entrou, munida somente de sua coragem, até, depois de um bom tempo, encontrar um grande rio negro, onde viu um homem, ou pelo menos parecia ser. Era Caronte. Depois de convencer o barqueiro a levá-la para a outra margem do rio, porque vinha numa missão ordenada por Afrodite, Caronte, fingindo não saber sobre o assunto, concordou, e Psiqué atravessou o Aqueronte, na barca de Caronte, fez calar Cérberos atirando-lhe bolo com mel e chegou à presença de Perséfone. Foi-lhe oferecido um suntuoso banquete, que Psiqué teve a inteligência de recusar, apenas contentando-se com pão seco para alimentar-se, revelando a sua humildade. E transmitiu o recado à rainha do Érebos, que lhe entregou o estojo de beleza exigida por Afrodite. Quando voltou à Terra, Psiqué, sozinha, e de posse da caixa cujo conteúdo conhecia, começou a refletir.

— Por que não me há de servir esta caixa, depois de tantos perigos por que passei? E se eu usasse um pouquinho, quem sabe se não conseguiria reconquistar meu marido desaparecido?
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:13

Após muita hesitação, a caixa cedeu finalmente ao pequeno esforço por ela feito. Mal abriu um pouco a caixa, ao invés de beleza, saiu um vapor sonífero, e Psiqué, desmaiada, tombou com a face voltada para o chão. A Morte preparava-se para buscar a sua alma.

Então, ao seu lado, surgiu Éros, o dono da voz misteriosa, que vigiado de perto no palácio de sua mãe, havia conseguido não obstante, escapar pela janela.

— Eu sabia, tua curiosidade estragaria tudo outra vez!

Despertou Psiqué de seu sono mortal com a ponta de uma das suas setas e, assim que ela abriu os olhos, percebeu que estava nos braços de seu amado Éros. Com um sorriso inevitável nos lábios, Psiqué ouviu os seus conselhos:

— Psiqué, leva a caixa para Afrodite, minha mãe, mas, pelo nosso amor, não abre outra vez, porque não poderei devolver-te a vida! Enquanto isto vou falar com Zeus para que convença minha mãe a aceitar-te como minha esposa.

Éros voou rápido para os pés do trono de Zeus, que, enternecido pelas suas lágrimas, decidiu interceder a favor de ambos diante de Afrodite. Psiqué foi chamada então ao Olimpo e recebeu das mãos do próprio Zeus uma taça contendo um néctar.

— Bebe isto, Psiqué, e sê imortal. Éros não romperá jamais o laço que atou, mas essas núpcias serão perpétuas. A partir de agora tu terás um lugar entre os deuses.

Enquanto Psiqué bebia o néctar, uma linda borboleta pousou sobre sua cabeça. Zeus deu a Imortalidade a Psiqué, e convidou todos os deuses para um banquete de núpcias. E Psiqué, admitida ao seio dos Imortais, passou a acompanhar o marido. Éros e Psiqué, o Amor e a Alma (por ter ressuscitado), permaneceram juntos por toda a Eternidade, e tiveram uma filha, que lhe deram o nome de Prazer.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:13

O Inferno segundo a Odisséia

Ulisses e seus companheiros ítacos preparavam-se para deixar a ilha da feiticeira Circe. Já haviam aprontado a embarcação. Circe e as quatro Ninfas levaram carne, pão e vinho em quantidade para provê-los. E, pouco antes de partir, Ulisses disse-lhes:

— Seguramente estais pensando, meus amigos, que partiremos diretamente para Ítaca. Infelizmente, não será assim: Circe manda que empreendamos uma jornada bem diferente, tanto que, antes, devemos descer ao espantoso reino de Hádes para ali consultar a alma do adivinho Tirésias em torno do nosso regresso.

Quase perderam os sentidos, de dor, mas de nada valeram as suas queixas. Ordenou-lhes que partissem e o seguissem, sem mais demoras. Circe já colocava no barco um carneiro e uma ovelha negra, também grande quantidade de mel, vinho e farinha para o sacrifício. Logo que chegaram ao barco, Circe afastou-se apenas com um aceno de despedida. Deitaram o barco ao mar, ergueram o mastro e, desdobrando a vela, sentaram-se tristes nos bancos, cada qual em seu lugar. Uma leve aragem favorável, enviada pela deusa, inflou as velas, e em breve achavam-se mais uma vez em alto-mar.

Assim, Ulisses velejou com seu navio através do Oceano, alcançando as terras geladas dos cimérios — provavelmente na costa, ao sul da Escandinávia, e atracou o barco perto do bosque de choupos de Perséfone. Lá, na margem, cavou uma vala na qual colocou libações aos mortos, compostas de mel, água, leite e vinho; sobre a vala cortou a garganta de um carneiro e de uma ovelha negra. Atraídos pelo cheiro de sangue, as almas dos mortos surgiram para beber. Eram jovem e velhos, donzelas e crianças, inclusive um sem-número de heróis com feridas abertas e armaduras ensanguentadas. Ulisses teve medo e apressou-se a rogar aos companheiros que, seguindo o conselho de Circe, queimassem as ovelhas sacrificadas e erguessem as suas orações aos deuses, enquanto ele, desembainhando a espada, impedia os espectros de lamber o sangue, até que falasse com Tirésias.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:14

O primeiro a aparecer foi um elemento de sua tripulação, Elpenor, que tinha caído da sacada do palácio de Circe onde estava dormindo na manhã da partida, e o qual, na ânsia dos outros em partir, tinha ficado sem enterro nem velório. Chorando, queixou-se do seu mau destino, e suplicou-lhe que voltasse à ilha de Eéa a fim de lhe erguer um túmulo digno. Ulisses prometeu-lhe, e a sombra do amigo colocou-se na sua frente, e, enquanto esperava por Tirésias, de espada em punho, aproximou-se, de repente, a alma de um ente querido: sua própria mãe, que havia morrido em sua ausência. Vendo-a, não lhe foi possível reter as lágrimas, mas não permitiu que se aproximasse.

De repente, o velho Tirésias surgiu, trazendo na mão direita uma vareta de ouro, e Ulisses foi reconhecido pelo profeta:

— Nobre filho de Laertes, que te impeliu a abandonar a luz do Sol e vir a este pavoroso lugar? Afasta a espada, e deixa que eu beba deste sangue; depois, saberei predizer-te o destino.

Ulisses afastou-se do fosso e deixou que bebesse o sangue, e o profeta então vaticinou:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:15

— Queres voltar, Ulisses, mas um deus te antepõe dificuldades, pois não creio que te não perceba o que faz tremer a Terra. Ofendeste-o gravemente, e pior ainda quando cegaste o seu filho Polífemos. Todavia, não te é inteiramente proibida a volta; mas esforça-te apenas por refrear a pressa dos teus companheiros. Em primeiro lugar, devereis desembarcar em Trinácria, onde já estiveste, porém de outro lado, e ali, se não tocardes os bois e as ovelhas sagradas do deus Hélios, possivelmente terá a vossa viagem um feliz termo; se lhes causardes dano, porém, desde já te adianto que o teu barco e os teus amigos se perderão para sempre; quanto a ti, se lograres escapar, chegarás em casa num barco estrangeiro, mísero e solitário. Verá em teu lar a desolação, insolentes devorando os teus bens e cortejando tua mulher, que te é fiel. Quando, após te servires da força, ou da astúcia, os tiveres exterminado, e por longo tempo te sorrir uma vida de paz e tranquilidade, quando perceberes que a tua vida chega ao fim, põe o remo aos ombros e anda sem parar até que chegues à terra de homens que desconheçam o mar, que não possuam barcos nem saibam o que é o sal nos seus pratos. Ali, quando vires pela frente um viajante que te peça que o leves aos ombros, sabe que se tratará de um joeirador; cravarás o remo no chão e, oferecendo um sacrifício a Poseidon, prosseguirás teu caminho. Finalmente, no meio da venturosa velhice, e com um reino que há de prosperar, virá buscar-te a Morte.

Tirésias mais nada respondeu. E Ulisses, virando-se para sua mãe, disse ao profeta:

— Olha, ali está a alma de minha mãe, que não me dirige palavra alguma, nem sequer me olha. Dize-me, que devo fazer para que reconheça seu filho?

— Aquele que, com a tua permissão, se aproximar do sangue falará como ser vivo e te dirá coisas verídicas.

Assim dizendo, desapareceu a alma de Tirésias nas trevas eternas. Aproximou-se, então, Anticléia, sua mãe, e bebeu o sangue; reconheceu-o em seguida, e fitando-o tristemente, exclamou:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:15

— Filho querido, se estás vivo, como vieste ter a este lugar? Não te cortaram o passo nem o Oceano, nem os demais rios pavorosos? Continuas a errar pelo mundo, desde a queda de Tróia, e não vens de Ítaca?

Ulisses pretendeu tocá-la, mas ela afastou-se, não permitindo que se aproximasse.

— Não... estou a caminho, e lá chegarei. Que fizeram a ti? Por que vagas pelo reino da Morte? Deixei-te com vida em Ítaca. Por que abandonaste minha casa? Como estão Penélope e meu filho Telêmacos?

— Tua esposa ainda te espera, inquebrantavelmente fiel, chorando dia e noite por ti. Nenhum estranho empunha o teu cetro, e quem governa os teus bens é Telêmacos, teu filho. Nosso querido Laertes nunca mais voltou ao palácio, depois que partiste. Ele se retirou para o campo, e em sua rústica morada não dorme sobre macio leito, em aposento real; pelo contrário, estende-se ao lado do fogo, com outros escravos, sobre palha, e passa os invernos com pouquíssima roupa. No verão, dorme exposto ao relento, num monte de folhas secas. E se assim procede é por sofrer com a tua sorte. Eu também, meu filho, morri de dor de haver-te perdido, e não por doença.

Ulisses, tocado pelo pesar e desejando confortar tanto a si próprio como a sua mãe, tentou abraçá-la, de novo, e mais uma vez, e nas três vezes se desvaneceu entre seus braços e o deixou segurando o ar. Outras heroínas e outros heróis aproximaram-se e conversaram, e a seguir veio Agamémnon, que, após beber um pouco de sangue, reconheceu-o e pôs-se a chorar. Em vão estendia as mãos, uma vez que não tinham forças os seus membros.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:16

— Nobre Ulisses, o que me destruiu não foi, como poderias crer, a cólera de Poseidon, deus do mar, nem os inimigos. Tal qual se degola um touro, imolaram-me no banho Clitemnestra e seu amante Egistos, a mim que havia desejado tão ardentemente regressar à Pátria, à esposa e aos filhos. Aconselho-te, Ulisses, que não te mostres demasiadamente brando com tua mulher; não lhe confies todos os teus segredos, embora tua esposa seja criatura prudente e virtuosa. Aquela criança que ainda sugava o leite materno, quando abandonamos a Hélade, vê-lo-ás moço feito, sincero e filial. Minha pérfida mulher nem sequer permitiu, antes de assassinar-me, que eu visse o rosto de meu filho. Seja como for, aconselho-te o desembarque nas costas de Ítaca às ocultas. Não entres triunfante em tua cidade. Não confies em mulher nenhuma, nem nos teus amigos, sem antes certificar-te.

Mal teve tempo de refletir sobre as palavras de Agamémnon, Aquiles também se aproximou, acompanhado de Pátroclos, Antílocos e Ájax, e Ulisses saudou-o como o homem mais afortunado que já havia vivido, um poderoso príncipe entre os vivos e os mortos. Aquiles respondeu:

— Não procures consolar-me, Ulisses. Preferia eu ser um escravo vivo do que um rei morto.

Mas Ulisses consolou-o com notícias das façanhas de seu filho Pirros, e partiu feliz. Mas Ájax ali permaneceu, depois de beber o sangue, a espera de uma palavra sua:

— Filho de Télamon, nem sequer consegues esquecer o desgosto que te causou a perda das armas de Aquiles? Por elas, tombaste tu, que eras o nosso baluarte, e tivemos de chorar-te depois de Aquiles. Nenhum de nós teve culpa da tua morte; foi uma fatalidade que Zeus nos enviou a todos. Assim, pois, meu nobre príncipe, aproxima-te de mim, fala comigo.

Ájax não lhe respondeu, apenas sumiu nas trevas.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:17

Durante esta visita, viu alguns dos famosos componentes do mundo subterrâneo. Viu a sombra de Minos, o filho de Licastos; viu a de Órion, o poderoso caçador que, de maça empunhada, afugentava as sombras de linces e leões; viu a sombra de Títios cujo fígado, por castigo, houvera sido devorado por abutres; Sísifos, seu suposto e incrédulo pai, eternamente empurrando sua grande pedra montanha acima, com ela escorregando de volta assim que chegava ao topo; e Tântalos, enfiado até o pescoço dentro de uma pequena lagoa com água, a qual desaparecia quando se inclinava para bebê-la, com ramos de frutas pendentes sobre sua cabeça que sumiam quando ele tentava alcançá-las. E Ulisses, por um momento, jurava ter visto a sombra de Héracles, que, segundo diziam, estava entre os deuses do Olimpo.

Ulisses queria ver mais, pretendia ver Teseus e Píritous, mas antes de poder encontrar outros heróis de gerações anteriores, foi assustado por uma grande onda de mortos que vieram aos milhares em sua direção e elevaram a sua volta seus brados lúgubres e dolorosos; em pânico, temendo ver a própria Perséfone, retornou ao navio, soltou as amarras e ordenou que remassem de volta ao mundo dos vivos.

Ulisses e seus homens voltaram à ilha Eéia para sepultar simbolicamente Elpenor e prestar-lhe honras fúnebres, como havia prometido.

Porém, antes de seguir caminho, Circe predisse as coisas que aconteceriam a Ulisses na travessia de volta à Hélade, e alertou severamente todos a respeito do que deveriam fazer e o que deveriam evitar, se pretendessem mesmo chegar à Pátria sãos e salvos. Quis prepará-los para os males que ainda estavam por vir:

— Quando chegares à ilha das Sereias, e o canto destas ameaçar os teus companheiros, tapa-lhes com cera os ouvidos para que nada possam ouvir. Se quiseres ouvir o canto, ordena que te amarrem pés e mãos ao mastro. E quanto mais insistires com os teus amigos a par que te soltem, tanto mais deverão eles apertar os nós que te prendem.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:17

Em seguida, Circe lhe preveniu sobre a forçada passagem por Cila e Caríbdis, entre a Trinácria e a Itália. Quando Ulisses opinara que poderia enfrentar Cila com lança e escudo, Circe dissuadiu-o:

— Impossível. Não tentes fazer isto. Tu és tremendamente audaz e não recusarias enfrentar os próprios deuses. Mas Cila é mais forte do que qualquer homem. Tu levarias a pior. Trata de sair do alcance dela o mais rápido possível. Não é um inimigo mortal, é um mal imperecível; contra ela nada logra o valor, e a única salvação é fugir. Vive em frente de Caríbdis, num rochedo cujo topo pontiagudo se oculta nas nuvens, eternamente rodeado por tenebrosas névoas, sem que nela penetrem os raios do Sol. A pedra que a forma é lisa, escorregadia. No centro do rochedo há uma gruta negra como a Noite, onde vive Cila, cuja presença se patenteia apenas por um espantoso latir que ressoa sobre as vagas como o latir de um cão recém-nascido. Possui o monstro doze pés e seis pescoços, que são seis serpentes, encimados por seis horrendas cabeças munidas de três espessas fileiras de dentes com os quais tritura as vítimas. A sua metade inferior está gruta; as cabeças agitam-se constantemente, fora, e procuram focas, delfins, outros animais marinhos... e homens. Nunca houve barco que pudesse gabar-se de haver passado, incólume, por esse lado, uma vez que Cila, com as suas seis cabeças, arrebata inúmeros homens da coberta dos navios e os dilacera impiedosamente.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:18

Circe lhe dissera a propósito dos últimos perigos que teria de arrostar na longa viagem:

— Irás encontrar uma linda ilha onde o Sol guarda os seus rebanhos. São sete de bois e sete de ovelhas, cada qual com cinqüenta e pastorado por duas Ninfas, minhas irmã paternas. Os animais são gordos, luzidios, mas não se reproduzem nem morrem de velhice. Trata de passar ao largo. Se desembarcares, talvez teus homens, levados pela Gula ou pela Fome, caiam na tolice de matar algumas reses. Hélios, meu pai, não te perdoará e se vingará terrivelmente.

E partiram. Mas, como que destinados a visitar terras estranhas, tomaram rumo errado, e os Ventos empurraram-nos para mais longe, para além das Colunas de Héracles.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:18

O Inferno segundo a Eneida

A frota de Enéias, que havia abandonado Tróia às chamas, depois de muitos perigos pelos mares, não tardou a chegar em Cumas, morada da sibila, onde fundearam. Era uma região vulcânica, em cujas rochas cortavam inúmeras fendas das quais se levantavam chamas sulfúreas, enquanto o solo era sacudido pelo desprendimento de vapores, e ruídos misteriosos saíam das entranhas da Terra. Num dos vulcões extintos, dava lugar a um lago, o Aornos (futuro Averno), que tinha a forma de um círculo com meia milha de largura, com suas águas demasiadamente profundas, e suas margens muito elevadas e cheias de árvores. Vapores mefíticos levantavam-se de suas águas de modo que não havia vida em suas margens e nenhuma ave as sobrevoava. Ali encontrava-se uma gruta que, diziam, dava acesso às regiões infernais. Enéias, na companhia de Acates, dirigiu-se a um templo, que dava acesso às cem entradas do sombrio covil, e empalideceu assim que viu a sibila, que lhe dizia:

— Vamos, o deus está presente! Interroga-o agora!

Ela tresvariava feito louca, mudando a cor das faces seguidamente, descabelando-se com furor, ofegando o peito opresso e dando à voz uma entonação que não era humana.

Então, pela sua boca, disse:

— E aí? Não fazes a tua oferta? Estas portas não se abrirão antes que tu cumpras com a tua obrigação!

Enéias, com os ossos congelados pelo medo, fez então um grande e soberbo pedido, invocando a proteção de Apolo. Mas a profetisa, como se nada tivesse ouvido, prosseguia a cabriolar, como uma mênade alucinada, tentando arrancar do coração o jugo do poderoso deus. E lhe foram revelados pela profetisa alguns acontecimentos que lhe sobreviriam na Itália. Anunciou que ele chegaria à terra de seus antepassados e conheceria uma princesa, e com ela se casaria. Mas disse-lhe também que, para isto, teria de enfrentar uma pavorosa guerra que deixaria o Tíberis espumante da cor púrpura do sangue. E Enéias nem por isto deveria ceder ao infortúnio, mas antes avançar com coragem ainda maior.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:19

Ouvidas as profecias, terminado o transe, pediu à sibila que o conduzisse à morada do pai, na Terra dos Mortos.

Ela olhou-o longamente e advertiu-o:

— Filho de Anquises, é fácil descer aos Infernos, mas são poucos os que conseguem regressar. Só poderei levar-te se for a vontade dos Fados. Na ramagem de uma árvore, aqui na floresta ao lado, cresce um pequeno galho de ouro consagrado à Rainha de Hádes. Se conseguires encontrar a árvore e arrancares o galho com as próprias mãos, sem cortá-lo, teremos a prova de que os deuses não se opõem à tua ida ao Reino dos Mortos.

Enéias e Acates dirigiram-se à floresta e, no instante em que nela penetravam, duas pombas desceram do céu e voaram à sua frente, guiando-o. Assim favorecidos, não demoraram a encontrar a árvore, com o galho de ouro, que cintilava no verde-escuro da floresta, e Enéias arrancou-o do tronco com facilidade.

Tornaram a procurar a profetisa, Enéias mostrou-lhe o ramo de ouro, e, imediatamente, deveriam proceder aos ritos fúnebres de um amigo morto, sem eles compreenderem o que realmente se passava; Enéias não sabia, ao certo, quem era o amigo morto. E a sibila revelou: tratava-se de Misenos, filho de Éolos, de fato seu amigo, que havia desaparecido em pleno mar, com uma morte ainda mais estúpida que a de Palinuros. Por ter ele tocado sua tuba de guerra enquanto cruzavam o alto-mar, Tríton, deus marinho e mal-humorado, agarrara-o e o sepultara em suas águas. Por isso, Enéias e Acates foram floresta adentro a fim de cortar troncos de freixos e carvalhos para a realização dos ritos fúnebres. Depois, ergueram e ascenderam uma pira no sopé de um monte, que desde então passou a levar o nome de Misenos.

Em seguida, sacrificaram cordeiros pretos à sombria Hécate, e o chão, sob os pés de Enéias e Acates, começou a retumbar como se um deus irado fizesse vibrar o teto do subterrâneo. De súbito, cães começaram a latir desabrida e desordenadamente.

E ordenou a sibila:

— Que os profanos se afastem, eis que a deusa chega!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:20

E deu uma ordem a Enéias:

— Agora saca da bainha a tua espada e guarda firmeza em teu coração!

Puseram-se a caminho dos Infernos, abandonando o local, mas Acates saiu do templo e foi-se acomodar em algum lugar lá fora, pois não poderia prosseguir. Enéias e a sibila, escolhendo uma das cem portas, desceram ao reino de Hádes e divisaram o negro Luto, mais escuro que a própria escuridão; as Enfermidades, mais pálidas que o manto invernal; o Remorso, cuja cabeça, torcida várias vezes, olhava sempre para trás; a Velhice, encarquilhada a ponto de seus lábios roçarem os joelhos; o Medo, de olhos costurados e todo enrodilhado sobre si; a Fome, a comer os próprios membros; a Miséria, agitando os trapos misturados aos fios de sua própria carne; a Fadiga, a arfar em longos haustos um alento que jamais lhe bastava; a Gula, estufada, com sua pele lustrosa a rachar e verter uma gosma podre; a Guerra, coberta de dardos e com uma tiara ensanguentada posta sobre os olhos; e finalmente o Sono, aprisionado nos Infernos por ser o irmão da Morte.

Logo adiante estavam as estrebarias dos Centauros mortos, estes a escavarem furiosamente a palha. E, um pouco mais adiante, encontraram os desaforos da Criação, tais como Briareus, gigante perdulário de cem braços e cinqüenta cabeças; a Hidra de Lerna, a silvar horrendamente; a horrível Quimera, a pôr flamas pelas ventas; as Górgonas de tranças de serpentes; as terríveis Hárpias, a babarem uma gosma fétida sobre os próprios alimentos.

Assim que deparou-se com esta horrenda estirpe infernal, Enéias segurou firme de sua espada e preparou-se para o embate, mesmo tendo os pelos todos de seu braço arrepiados pelo medo.

— Guarda a espada, nobre herói, eis que são espectros sem substância a esvoaçarem em vão. Não te farão mal algum.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:20

Chegaram às margens do Aqueronte, onde as sombras dos mortos se aglomeravam para serem transportadas à outra margem por Caronte, o bateleiro do além-túmulo. Então, surgiu o velho, com sua barba absurdamente branca, que descia até o umbigo enorme, nada menos que um infame depósito de larvas; de seus olhos saíam chispas, e da boca, impropérios; tinha preso ao ombro apenas um manto pútrido, úmido e fedorento como a pele apodrecida dos afogados. Ele, ao parar a sua imunda barca tomada pelo lodo, começou a afastar com o remo as almas que se precipitavam para embarcar sem autorização. E admitia apenas a algumas.

Enéias, aturdido, voltou-se para a sibila e lhe perguntou:

— Que significa todo este atropelo, e por que somente a alguns é dado embarcar na sua barca?

— Vês aqueles que ali ficam lançados sobre o chão a esmurrar a negra areia? São espectros daqueles cujos ossos não tiveram o favor de uma sepultura, e ali ficarão durante cem anos, a vagar e a gemer sem socorro de deus algum nesta infernal solidão, e somente após cumprido o prazo determinado é que serão finalmente admitidos à barca do horrendo Caronte.

E Enéias, firmando melhor a vista, começou a reconhecer velhos companheiros do malfadado sítio em Tróia, que caíram retumbando sobre o solo com as suas armas, sem terem o descanso de uma sepultura. Então, reconheceu Palinuros, que havia caído ao mar recentemente, e lhe perguntou:

— Que deus funesto houve por bem lançar-te às ondas antes que tu pudesses chegar conosco à terra da promissão?
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:21

Palinuros, envergonhado, confessou que não havia sido deus algum, mas somente a sua imprevidência que o fizera adormecer sobre o leme, perdendo o equilíbrio e arrastando-o consigo para o mar. Fora carregado pelas ondas durante três longos dias e três longas noites até ser lançado aos arrecifes das praias italianas, e estava vivo ainda, tentando salvar-se nos rochedos, quando homens pérfidos o mataram com seus punhais. E, ajoelhando-se diante de Enéias, suplicou que o levasse consigo na barca de Caronte, para que pudesse a sua alma ter sossego.

E foi a sibila quem respondeu:

— Acalma o teu desejo, Palinuros, e antes te acomodes com o desejo dos deuses, eis que foi pela vontade deles que tu chegaste a este estado; nem com preces poderias agora mudar os decretos que as próprias Moiras já lavraram em definitivo.

Mas deu-lhe um belo consolo, afirmando que seu nome seria venerado pelas populações com sacrifícios, tendo estabelecido um culto só para si, como um deus. E a alma de Palinuros, tendo ouvido estas palavras, cobrou novo ânimo, tirando forças daí para suportar o prazo de seu amargo exílio.

Então, prepararam-se para embarcar, quando Caronte, volvendo um olhar raiado de sangue a Enéias, lhe disse:

— Ei, esta é terra de sombras e de mortos, e não é lícito a um vivo pôr os pés em minha barca! De novo, não!

Enéias não entendeu, mas outros antes dele já haviam conseguido, como Héracles, Teseus, Píritous e Orfeus.

A sibila de Cumas acalmou-o:

— Descansa, Caronte, que estas armas que este mortal traz consigo não representam a violência, eis que com elas pretende apenas avistar seu velho pai, nas profundezas do Érebos, para uma importante revelação; e se mesmo esta razão não te move à piedade, aqui está a passagem que dará o salvo-conduto ao meu acompanhante.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:22

A profetiza estendeu, então, o ramo dourado ao barqueiro, que o tomou com grata satisfação. Então, virando-se, abrindo uma exceção aos novos passageiros, esvaziou a barca das almas, que já estavam assentadas, devolveu-lhes os óbulos e admitiu nela exclusivamente Enéias e a sibila.

Enéias, depois de cruzar o Aqueronte, no barco de Caronte, tiveram que aplacar a fúria do horrível Cérberos, que estava deitado à entrada da eterna habitação dos mortos, a ladrar ameaçadoramente, já que havia percebido a presença mortal de Enéias. A Sibila, então, lançou-lhe três bolinhos de mel e grãos, que suas três cabeças disputaram, e fê-lo dormir.

Seguindo adiante, escutaram o choro e o lamento de crianças que um dia foram arrancadas dos braços de suas mães para a acerba da Morte, e só então avistaram Minos, a agitar a urna do sorteio, a fim de proceder ao julgamento das almas réprobas, que formavam uma fila enorme. Não distante dali avistava-se o Campo das Lágrimas, bosque umbroso onde buscavam refúgio aqueles que o Amor fez perecer em um langor cruel, onde entre outros se divisavam claramente Fedra, a infeliz amante, e Prócris, a ninfa vitimada por seu próprio ciúme. E, para surpresa sua, encontrou Dido, a amante que ele abandonara por uma ordem divina, desgraçando-a. Trazia ainda no peito a ferida aberta.

Enéias, molhando de lágrimas o rosto, disse-lhe:

— Desventurada Dido, é verdade então que tomaste uma resolução fatal depois de minha partida?

E jurou à infeliz amante, que permanecia inerte, ter sido obrigado a partir, embora sua vontade lhe dissesse mil vezes para ficar. No entanto, ela continuava inerte, com os olhos pendidos sobre o pó do chão. E, perdendo a paciência, foi buscar refúgio no sombrio bosque, onde seu marido, Sicarbas, a esperava, sem dirigir ao amante um único olhar ou lhe dizer uma única palavra.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:22

Enéias, pesaroso, afastou-se dali, e logo encontrou os antigos companheiros da funesta campanha de Tróia, e não pôde conter um suspiro ao vê-los desfilar diante de si em uma longa fila. Ao passar por ele, as almas se emocionavam, lembrando-se de seu amigo e comandante; no entanto, assim que as falanges das almas de Agamémnon viram-no, abandonaram a fila e fugiram apavorados, quebrando o protocolo.

Entre seus amigos, avistou Deífobos, o filho de Príamos, que ocultava com as mãos as negras feridas. Foi lhe perguntando:

— Por que, Deífobos, não te encontrei para trazer-te comigo à terra que me foi prometida?

— Helena, a pérfida Helena foi a causa do meu negro fim, pois estando casado com ela após a morte de Páris fui traído; pôs para dentro das suas portas o marido ultrajado, retirando da cabeceira de sua cama o seu punhal, única defesa que poderia opor diante de Menelaus.

Mas a Sibila, temendo problemas para uma permanência tão longa naquele reino sombrio, apressou-o:

— Enéias, eis que a Noite se aproxima, e já perdemos muitas horas a chorar. Saibas que daqui por diante o caminho se divide: o da direita conduz aos amenos Campos Elíseos, enquanto que o da esquerda leva ao tenebroso Tártaros. Não podemos esperar mais.

Pela porta da esquerda, Enéias haveria de conhecer grandes edifícios circundados por uma sólida e tríplice muralha rodeada pelas águas em chamas do Flégeton. No centro da cidadela erguia-se nos ares uma imensa torre de ferro, morada de Tisífone, a erínis vingadora, que do alto, de túnica sangrenta e arregaçada, vigiava os seus tétricos domínios. Dentro da torre de ferro ecoava o ruído de ásperas chibatadas, e o grito estertorado dos flagelados, e o retinir das ásperas correntes, e o roncar maldito do castigo.

Enéias, aproximando-se um pouco para ver ou ouvir, foi impedido pela Sibila, que lhe disse:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:23

— Deixa estar a tua curiosidade, que a nenhum inocente é permitido transpor o limiar do crime; apenas te digo que ali está o horripilante poço do julgamento de Radamantes, onde são interrogados e torturados os autores dos crimes mais hediondos. Se usares esta entrada, jamais voltarás.

E continuou:

— Consegues ouvir o silvo que supera mesmo ao do açoite da Erínis? É o bafo monstruoso que se escapa das cinqüenta goelas negras e escancaradas da pavorosa Hidra, que ali reside sempiterna. Acredita... não vais querer entrar aí.

E ainda complementou:

— Mais para dentro, muito mais para dentro, o Tártaros se estende num espaço duas vezes maior que o que leva do Olimpo até o céu, e lá embaixo, rolando nos fundos deste medonho abismo, estão aprisionados os Titãs, derrubados pelo raio de Zeus.

E descreveu a Enéias, ainda, com muito mais detalhes, a situação dos supliciados mais famosos, que haviam desafiado especialmente os deuses:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:24

— Lá também se encontra o gigante Títios, cujo corpo é tão imenso que, estendido, ocupa mais de nove acres. Ele ousou perseguir Leto, a mãe de Apolo, e por isso foi condenado ao castigo eterno, enquanto um abutre lhe come o fígado, que, mal é devorado cresce de novo, tal qual o que outrora se sucedeu ao titã Prometeus. Nesse mesmo lugar sentam-se à mesa um grupo de pecadores, que têm por perto a erínis que lhes arranca o alimento dos lábios, mal se preparam para saboreá-lo. Outros ostentam sobre suas cabeças um rochedo prestes a cair, mantendo-os sobre um constante estado de alerta. Esses eram os que haviam odiado seus irmãos e ultrajado seus pais, iludindo os amigos que neles confiavam ou que, tendo-se enriquecido, guardavam o dinheiro apenas para si, sem permitir que os outros dele compartilhassem; esses últimos consistem num grupo mais numeroso. Ali também estão os que violaram o voto matrimonial, lutaram por uma causa má ou se mostraram infiéis com seus patrões. Houve um que vendera seu pai a troco de ouro, outro que pervertera as leis, fazendo-as dizer uma coisa hoje e outra amanhã. Ou seja, todo o tipo de perversão excessiva aos olhos e ouvidos dos deuses.

E continuou:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:24

— Ali jaz Erisícton, um dos mais odiosos mortais, que ultrajou Deméter e deixou-se levar pelo poder da ganância. Íxion também ali está, preso por uma roda que gira incessantemente, e Sísifos, cuja tarefa consiste em rolar um enorme rochedo até o alto do morro, mas quando se encontra bem avançado, a pedra, impelida por vontade própria, rola de novo para baixo. Seu suplício só irá acabar no dia em que ele conseguir depositar o rochedo no cume da colina. E ainda, Tântalos, de pé dentro de uma lagoa, com o queixo ao nível da água, sente uma sede que lhe devora, e não encontra meios de saciá-la, pois, toda vez que baixa a cabeça para beber, a água desce e some sob seus pés. Frondosas árvores carregadas de suculentas uvas baixam seus galhos até seus boca faminta, mas, quando levanta-se para comê-las, o vento empurra os galhos de volta para cima, longe de seu alcance. Aqui sofre por seus pecados um rei da tua pátria, Laómedon, que ousou enganar aos deuses e se aproveitar injustamente de seus préstimos. Finalmente, é punido com impiedade o perverso Flégias, que ousou opor-se ao divino Apolo e tentou incendiar o seu santuário de Delfos.

Assim, disse:

— Já é tempo de deixarmos este lugar melancólico, e procuremos a cidade dos eleitos, pela porta da direita onde deves depor tua oferenda.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:25

Enéias lavou o corpo na fonte e retirou toda a sujidade infernal, depois penetrou, sozinho, o pórtico e pendurou na soleira o ramo dourado e a espada; em seguida, entrou nos sítios amenos e idílicos dos bosques afortunados. Caía de um éter mais amplo uma luz purpúrea que banhava os campos. Os habitantes daquele lugar tinham um Sol, único para eles, e variados astros que eram somente deles. E todos, guerreiros, sacerdotes, poetas, pastores, tendo as frontes cingidas por ramos, passavam o tempo todo em descanso ou em festejos, exercitando as armas pacíficas ou as liras, conforme a sua vontade. Entre eles, estava Orfeus, que feria delicadamente as cordas de sua lira, produzindo sons arrebatadores, enquanto Eurídice dançava alegremente. Aquele grupo, com fitas brancas em torno da testa, se encontrava num bosque de loureiros, onde o grande rio Erídanos tinha sua origem.

Então, encontrou um poeta, de nome Museus, que, na Terra, tinha fama de curar com sua arte musical, e lhe perguntou onde morava o seu pai Anquises. Ele lhe respondeu:

— Engana-te, mortal, aqui ninguém possui morada, e todo lugar, bosque, arroio, vereda ou prado é morada bastante para nós.

E, apontando o dedo, indicou-lhe o lugar aonde encontrava-se a alma de Anquises, num bosque verdejante. Ali viu Enéias os seus ancestrais, os grandes heróis do passado, como Dárdanos, Erictônios, Trós, Dimas, Ilos, Príamos e ainda o seu pai Anquises. E este, com lágrimas de felicidade nos olhos, viu-o e estendeu-lhe os braços. Enéias, ao vê-lo, quis abraçá-lo, esquecendo-se de que ele já era somente uma sombra ou espírito, porém por três vezes não apertou entre os braços senão o próprio ar... O velho chorava de alegria. E trocaram palavras afetuosas.

— Ó meu pai! Tua imagem esteve sempre diante de mim para guiar-me e proteger-me.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:25

Em seguida, olhando para um lado, Enéias avistou um pouco mais adiante uma mata de caniços sonoros a margearem as águas silenciosas do Létes, o rio do Esquecimento. Espantou-se com a imensidão de sombras que enxameavam ao redor daquelas águas de coloração escura, e perguntou:

— Dize-me, pai, por que tantas almas revoluteiam ao redor daquele curso incessante, como abelhas frenéticas ao redor de um oloroso favo?

— Sempre te falei sobre isto, e só agora compreenderás. São as almas purificadas, que depois de haverem expiado suas antigas faltas nas moradas ínferas e terem tido o descanso das suas penas nos aprazíveis Elíseos, agora preparam, cumpridos mil anos de exílio, a sua volta para a morada dos vivos; antes, porém, devem beber daquelas águas para que, esquecidas de toda mácula ou réstia de passado, possam retornar ao convívio da carne, com todos seus tormentos, suas dúvidas, suas tristezas, seus sofrimentos, seus trabalhos, suas penas e suas maravilhosas tentações.

— Mas, meu pai, é possível que alguém tenha tanto amor à vida a ponto de querer deixar estas tranquilas regiões pelo mundo superior?

Anquises respondeu explicando o plano da Criação:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 14/3/2021, 03:26

— O Criador fez originalmente o material do qual se compõe as almas com os quatro elementos, o fogo, a terra, a água e o ar, que, assim unidos, tomaram forma da parte mais excelente, o fogo, e se transformaram em chama. Esse material espalhou-se como a semente entre os corpos celestes, o Sol, a Lua e as Estrelas. Dessa semente os deuses inferiores criaram o homem e todos os outros animais, misturando-a, em várias proporções, com a terra que temperava e reduzia sua pureza. Quanto mais a terra predomina na mistura, menos puro é o indivíduo, e vemos homens e mulheres com os corpos plenamente desenvolvidos sem a pureza da infância. Desse modo, a impureza contraída pela parte espiritual está em proporção com o tempo de união do corpo com a alma. Essa impureza pode ser purgada até a morte, o que é feito ventilando as almas na corrente de ar, ou emergindo-as na água, ou queimando-as no fogo. Alguns poucos, como eu, são admitidos ao Elíseo, para aqui permanecer. Os restantes, porém, depois de purgados das impurezas da terra, são devolvidos à vida, dotados de novos corpos, com a lembrança de sua antiga vida inteiramente apagada no Létes. Existem ainda, contudo, alguns que estão tão profundamente corrompidos que não podem receber corpos humanos e são transportados aos corpos dos animais.
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