Música Renascentista e Barroca

Simples assim: o que é contraponto?

Mais que uma definição em uma frase, me expliquem isso de maneira significativa, por favor.

A palavra contraponto vem da ideia de "ponto contra ponto".

Ou seja, nota contra nota. Ainda na Idade Média começou-se a escrever música em que diversas linhas vocais ocorriam simultaneamente, mas cada uma independente da outra. No início a independência era apenas de movimento, o ritmo era igual, por isso que ficavam os pontos uns contra os outros.
Com o passar do tempo, mas ainda na Idade Média passou a existir uma liberdade ritmica. As linhas podiam ter ritmos diferentes. Mas o nome contraponto permaneceu, pois essa prática na verdade foi um desenvolvimento da anterior.
No contraponto as linhas melódicas são "independentes" (as aspas são para indicar que não é idependência completa). Você tem um voz fazendo uma melodia e outra voz fazendo outra.
O contraponto atingiu seu ápice de desenvolvimento no Barroco, em especial na música de Bach.
As formas mais comuns de contraponto são as fugatas. Nessas formas as linha melódicas se imitam em alturas diferentes. Procure alguma fuga de Bach (de preferência para mais de um instrumento) e escute com atenção. Uma primeira melodia é apresentada. Em seguida outro instrumento entra com a mesma melodia em outra região, enquanto o primeiro faz uma nova melodia.
Isso é um contraponto fugal, beleza?

Tranquilo. Acho que peguei a ideia.

Pelo que você falou, o Cânone, se eu não me engano é uma forma de "Imitação". (CORRIJAM-ME SE ESTIVER ERRADO)

Uma das vozes começa com um determinado tema, e em seguida as outras vozes vão entrando uma de cada vez, repetindo esse mesmo tema na sua respectiva altura.

Exemplo:

Soprano: PAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAUSAAAAA_DO_SI_DO_SOL_MI...
C. Alto: PAAAAAaaaAAUSSAAAA_DO_SI_DO_SOL_MI...
Tenor: DO_SI_DO_SOL_MI...
Baixo: PAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAUUUUSAA_DO_SI_DO_SOL_MI...

O melhor e mais fácil exemplo de cânone é o D-dur Kanon de Pachelbel (Canon em Ré maior). É aquele bem famoso, que sempre toca em casamento.

Esse é um cânone estrito sobre um baixo ostinato, onde a frase é uma variação ornamentada da primeira e as partes canônicas se imitam literalmente em frases de 4 compassos, com as entradas de cada uma delas a 4 compassos de distância.

A origem do nome contraponto vem do punctus, como eram chamadas as notas na Idade Média. Tinham formato de um ponto. A técnica é fazer com que elas "caminhem" juntas, mas independentes.
Inicialmente, nos primórdios da música ocidental as linhas melódicas eram em unissono (só uma voz cantava). Com as diferenças de timbre da voz humana começaram a cantar com intervalos de oitava.
Depois disso com intervalos de quintas (mantendo sempre a mesma linha melodica à distância de quinta). A isso dá-se o nome de Organum paralelo.
Depois as vozes começaram a criar independência e foi-se desenvolvendo uma técnica de escrita onde cada voz possuia vida própria, mas estava inserida num todo. Isso tornou-se tão complexo que em algumas missas medievais encontramos trechos com 24 vozes independentes (Perotin, Leonin, Machaut), mas os flamengos (uma região que compreende + ou - a Bélgica e Holanda) foram os compositores que mais desenvolveram a técnica.
Particularmnete acho esse período da música "chocante" sensacional mesmo, a harmonia não estava desenvolvida e os intervalos são "duros", bastante toscos e tem uma sonoridade maravilhosa, e os instrumentos também são bastante rudimentares (comparados aos atuais) e tem um som de outro planeta.
Imagino a viagem que devia ser assistir a uma missa cantada por dois coros com 24 vozes distintas numa catedral medieval. É óbvio que ninguém entendia patavina do texto, então um Concílio resolveu por ordem no galinheiro e nomearam o Giovanni da Palestrina para arruamar a casa e daí surgiu o contraponto Palestriniano, que estudamos atualmente.
Contraponto mais organizado, com menos vozes e com quatro espécies:
nota contra nota, nota contra 2 notas, nota contra 4 notas, nota contra nota (mas com retardo) e a quinta espécie que é o contraponto florido (usa as quatro espécies juntas).

Hoje, após explicar (com o conhecimento que eu tinha) o que é contraponto pra um amigo meu, ele afirmou que no violão solo não poderia trabalhar com contraponto. Eu disse que não, já que existem obras pra violão com várias vozes*. O problema é que eu queria mostrar isso na prática.

Sendo assim, vocês conhecem alguma gravação de violão solo em que a obra executada foi composta usando contraponto? Qual?

* Acreditando que o fato de ter várias vozes simultâneas já caracteriza o contraponto. Alguém confirma?

Quanto ao contraponto no violão é coisa bastante difícil para o violonista, mas muito mais difícil para o compositor, mas existe sim e muito.

Os prelúdios das suítes de Bach (para alaúde) são um bom exemplo.
Aliás, vocês sabem que Bach era tido como compositor apenas mediano e antiquado, justamente porque teimava em utilizar o contraponto abrindo mão da melodia acompanhada utilizada na época.
Embora a arte do contraponto tenha atingido seu ápice com Bach (A Arte da Fuga e a Oferenda Musical são exemplos disso), esta técnica já estava em processo de decadência na época. Só não consigo entender como uma técnica tão rica pôde dar lugar a um procedimento tão mais pobre que é uma linha melódica acompanhada de acordes... um dos grandes culpados por isso é a ópera, uma espécie de Xou da Xuxa do século XVII, mas isso é conversa pra outro tópico.

Como pude esquecer....

Sugiro que vocês conheçam mais sobre o período medieval da história da música chamado "Ars Nova", que é um grupo de compositores e obras que utilizavam o contraponto como principal ferramenta de composição.
Embora eu prefira a Ars Antiqua (+ ou - um século antes da Ars Nova) que é bem mais doidona.

Tem também as suítes (ou sonatas) para alaúde de Sylvius Leopold Weiss (1687 – 1750). Inclusive este compositor era capaz de improvisar fugas no seu alaúde.

Geralmente escrita pra violão fica muito limitada a determinadas tonalidades, pois o uso de cordas soltas facilita e muito pra mão esquerda na hora de tocar. Agora em peças a várias vozes, aí é que fica limitado mesmo.
Pega o prelúdio da suíte BWV 996 pra alaúde de Bach e dá uma olhada na parte do fugato, há momentos em que temos até quatro vozes, mas geralmente ficam apenas duas ou três. E mesmo assim é um pau do kct pra tocar aquilo. Muita gente acha o trecho mais difícil das suítes pra alaúde de Bach.

NOTA: a maioria das obras a 4 vozes, principalmente as de instrumento solista, costumam ter trechos onde alguma voz é suprimida.
Uma obra totalmente a 4 vozes é muito difícil mesmo para piano, a não ser que seja bem simples, mas é muito provável que em algum momento fique bastante complicado tocar todas as vozes.

Foi exatamente isso que me veio em mente.

A primera impressão que eu tive é que as vozes ficariam espremidas em muito pouco espaço, em um único pentagrama.

Mas pior do que ficarem apertadas na pauta, é ficarem apertadas não mão do violonista.

Todos sabemos como Bach dava importância à religião. Então, gostaria que falássemos um pouco sobre as músicas sacras do maior mestre de capela de todos os tempos.

Eu me envergonho em assumir que não tenho NENHUMA gravação das três obras primas supremas de Bach em musica sacra: A missa em si menor e as duas Paixões (Que tristeza para a História da Música saber que existe outra Paixão perdida!!!).
Mas conheço vários trechos dessas obras e tudo beira o sublime. É algo divino, como se (desculpe a heresia) Deus se utilizasse de Bach pra escrever música.
Oooops, exagerei?

Sim.

Uma das mais belas composições de Bach certamente é o Magnificat. A ária da soprano "Quia Respexit" é bastante comovente.
A música de Bach tem a capacidade de preencher qualquer vazio que haja. Ergue o ânimo de qualquer um.
Vale a pena citar o magnífico Oratório de Natal. A ária da soprano "Nur ein Wink von seinen Händen" é uma das mais belas que já ouvi. O coro "Herr, wenn die stolzen" é de contagiar até a mais séria pessoa do planeta.
A profundidade da música de Bach toca até o mais averso à música clássica. Várias vezes flagrei conhecidos que diziam ter horror à música clássica ficarem boquiabertos ao ouvir Bach.

a) Não é vergonha nenhuma não ter as gravações das obras sacras de Bach. Eu mesma não as tenho.

b) Que terceira obra perdida é essa? Nunca ouvi falar!

c) Não é exagero. No livro que dizem ter sido escrito pela Anna Magdalena Bach, é mais ou menos isso que ela expressa quando fala de como Bach escrevia.

Flautista, seja mais cordial, ok? Em Bach, nada é exagero, o cara foi realmente um instrumento de Deus, pra quem acredita em Deus. Você acredita?

Tudo bem, pode soar exagerado pra alguns, mas pros meus ouvidos soam assim. No Kyrie inicial da Missa em Si menor... aquelas frases longas e tristes parecem nos transportar para outra dimensão...
E isso dentro de uma forma rígida (fuga)... ou melhor, Bach mostra que ela não é uma forma rígida.

Ah, Euterpe, você perguntou sobre a tal obra perdida que eu mencionei, é que eu tenho um livro em casa que diz que Bach escreveu uma terceira Paixão, se não me engano segundo S. Lucas, e que infelizmente se perdeu. Além disso, estima-se que Bach tenha escrito 300 cantatas, das quais umas 100 (!!!!!!!!!!!!) se perderam. Isso é uma tristeza!

Acho que não houve exagero.
Bach é sobre-humano e, com certeza foi um iluminado, se não tanto, ao menos um instrumento nas mãos de algum espírito superior ele foi.

Li uma vez, não me lembro onde, que as partituras de Bach, logo após sua morte, foram vendidas para o açougue para embrulhar carne(!), e só depois que um certo músico fez uma compra nesse açougue e viu-a ser embrulhada em partituras que os papéis foram resgatados.

Alguém confirma (ou nega) esse fato?

Chegaram até nós, na íntegra, duas paixões compostas por Bach: São Mateus e São João. Mas o Kantor de Leipzig compôs mais. Seu obituário dá conta de cinco delas. A terceira é uma Paixão Segundo São Marcos, cuja música se perdeu: só temos o libreto que foi recuperado. A quarta poderia ser uma Paixão Segundo São Lucas, mas estudos comprovaram que essa partitura era apenas uma cópia de obra de outrem que Bach preparou para apresentar em sua igreja.

A quinta paixão pode bem ser uma versão simplificada de São Mateus, que o compositor compilou mais tarde, mas esta é apenas uma hipótese. De qualquer forma, seria improvável que Bach, um homem extremamente afeito à precisão matemática e ao simétrico, compusesse cinco paixões. Certamente compôs um ciclo completo, ou seja, quatro obras, uma para cada Evangelho.

A obra sacra de Bach produz aquela mesma admiração que encanta os homens ao contemplarem a riqueza e a diversidade existente no mundo criado, e que todavia pode manter-se longe da fonte, desinteressada de sua inspiração, e mais afeta a aderir-se a um corpo teórico que dispense o Criador. É como se Deus se escondesse para revelar-se à confiança nele, para que, no âmago dessa confiança, o homem guardasse segredo de seu amor, assim como guardam o amor como um segredo aqueles que se amam, e ainda quando seu amor torna-se público. Para esse homem, de fato, a fonte de tamanha beleza é deveras ainda mais digna de atenção e amor, sendo de fato a razão de sua beleza, mesmo quando essa beleza exterior é afamada no seu lugar.