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A Inquisição

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Mensagem por William de Baskerville 9/2/2020, 16:45


Meu questionamento original é sobre os motivos da inquisição, então encontrei o seguinte: Bernardo de Gui - séc. XIV - dava as seguintes normas para seus colegas:
"O Inquisidor deve ser diligente e fervoroso no seu zelo pela verdade religiosa, pela salvação das almas e pela extirpação das heresias. Em meio às dificuldades permanecerá calmo, nunca cederá à cólera nem à indignação... Nos casos duvidosos, seja circunspeto, não dê fácil crédito ao que parece provável e muitas vezes não é verdade; também não rejeite obstinadamente a opinião contrária, pois o que parece improvável frequentemente acaba por ser comprovado como verdade... O amor da verdade e a piedade que devem residir no coração de um juiz, brilhem em seus olhos, a fim de que suas decisões jamais possam parecer ditadas pela cupidez e a crueldade." (Prática VI p... ed. Douis 232 s). Então, é justamente o que pensei, o propósito era, de fato, a salvação das almas. Parece que era o povo que gostava do espetáculo! O povo e as autoridades civis estavam profundamente interessados no desfecho dos processos; pelo que, não raro, exerciam pressão para obter a sentença mais favorável a caprichos ou a interesses temporais; às vezes, a população obcecada aguardava ansiosamente o dia em que o veredictum do juiz entregaria ao braço secular os hereges comprovados. Mas é como hoje em dia mesmo, em que as pessoas se aglomeram para assistir o resultado de uma sentença, ou outro desfecho trágico qualquer em diferentes contextos. Veja o caso de Torquemada: Por causa de seu rigor foi levado ao conhecimento da Sé de Roma, os métodos que utilizava, de forma que o Papa Alexandre VI pensou então em destitui-lo de suas funções, só não o fazendo por deferência à corte da Espanha. Todavia, o Pontífice houve por bem diminuir os poderes de Torquemada, em cujos tribunais não havia escapatória ou clemência: colocou a seu lado quatro assessores munidos de iguais faculdades.
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Mensagem por William de Baskerville 9/2/2020, 16:48


Acho interessante também dar uma olhada no livro "Mitos, emblemas e sinais" do Ginzburg... há um capítulo que ilustra bem um interrogatório da Inquisição. Quantos às terríveis torturas, lembrei-me de uma leitura que fiz há uns 8 anos... "O poder em cena" do antropólogo Georges Balandier... ele e outros antropólogos franceses analisam também as manifestações do poder enquanto espetáculo... algo a ser apresentado de maneira impactante para o público. Creio que as execuções públicas poderiam ser analisadas por este viés também...
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Mensagem por Conde de Monte Cristo 9/2/2020, 18:41


Algo também a ponderar é que a Inquisição se instituiu num processo em que era amplamente disseminada a "justiça com as próprias mãos", que geralmente desembocava em incineração viva. E mesmo com ela, até o séc. XIII, antes dela começar a fica imiscuida sob controle dos reis, há registro de pregações livres dos cátaros pelas ruas e estradas. Logo, Frederico II, que não tinha apreço algum por uma "ortodoxia" ou o que o povo hoje chama "dogmas", foi quem promulgou oficialmente a queima dos hereges como práxis.

Já no séc. XVI a Inquisição passa a ter os reis como peso maior do seu controle. É a partir deste período que, sobretudo nos países ibéricos, a Inquisição ganha a face do que hoje é representada, e há um aumento explosivo das mortes registradas, o que nos períodos anteriores está longe de ser a sombra do que impregna nosso imaginário hoje.
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Mensagem por William de Baskerville 9/2/2020, 18:54


Sim, sim... é importante trazer à baila o fato de a Inquisição ter surgido em um período marcado pela forte presença da "justiça privada", a "faida" ou "faide". A Inquisição desenvolveu-se juntamente com a formação de um processo judicial nas mãos das monarquias feudais. Agora, também não podemos perder de vista que o Tribunal do Santo Ofício na Idade Moderna tinha os seus "genéricos" nos países protestantes. O Carlo Ginzburg chega a mencionar na Introdução de "História Norturna" a existência de tribunais religiosos ingleses, nos séculos XVI e XVII, preocupados em julgar casos de desvios na religião cristã e de bruxaria. Estes casos são meio que esquecidos ou "varridos para debaixo do tapete da História", sendo priorizado os exemplos fornecidos pela Igreja Católica...
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Mensagem por Zardoz, o Mágico 9/2/2020, 20:34


Acho importante só salientar que, tendo em vista tudo o que foi escrito aqui, a Inquisição da Igreja Católica foi um grande avanço para o direito processual e para a evolução do que hoje chamamos de presídios ou carceragem. Desenvolveu, inclusive, o conceito de prisão domiciliar.
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Mensagem por William de Baskerville 10/2/2020, 02:01


A maneira pela qual um réu ou culpado era tratado dependia diretamente do modelo de processo penal vigente... tortura... exposição em praça pública... forca, etc. ... isto era comportamento padrão em execuções... isto é a justiça da época!!! Tanto para hereges quanto para criminosos barra pesadas... que eram vistos pela sociedade em geral como a mesma coisa! A visão de mundo do período permitia tais instrumentos. O primeiro registro, que eu saiba até agora, que prescreve como pena a queima de um criminoso vivo está no "Fuero de Cuenca", no século XII, e suas variantes! Nele relata a maneira pela qual deve-se tratar alguém que atentou contra a vida do rei... ou seja, o cara será queimado vivo junto com sua família e amigos próximos. E a casa deste será destruída até as fundações, pois "suas paredes testemunharam o planejamento de coisas nefandas" (tradução livre). E a primeira ocorrência de uma pena desta é anterior a redação ao "fuero", tendo ocorrido na década de 1090, na cidade de Valência. Ora, são punições contra crimes de lesa majestade! Para uma sociedade, como já disse anteriormente, na qual a esfera religiosa e a política não eram hermeticamente fechadas, era comum que todo desvio religioso fosse identificado também como crime e ameaça à ordem vigente. E quem tinha a responsabilidade de punir os desviantes? Simples... o rei! Principalmente no período de fortalecimento das monarquias medievais. O herege era uma ameaça ao poder do rei também!!! Por favor, não me venham com esta visão idílica que os hereges são como pobre coitados que só queriam vivar a religião à sua maneira ou como questionadores das injustiças. Na maioria das vezes, só "neguinho de cara nervosa e com ódio no coração" ia para a fogueira! Os demais pagavam penitência pública... como pude ver no caso da "Maria Moura" (e de outros) em um processo inquisitorial português do século XVI.
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Mensagem por William de Baskerville 10/2/2020, 02:07


Concordo com o Zardoz. É importante atentar para o emprego do Direito Romano no contexto de atuação da Inquisição. A retomada desta experiência normativa pela Escola de Bologna, século XI e XII, foi de vital importância para a constituição do poder governamental, administrativo e jurídico das monarquias feudais, como observou John Gillisen, na ''História do Direito''. Estamos tratando de um momento em que os monarcas passaram a investir em um processo de monopolização de ferramentas de controle, como destaca Norbert Elias, no ''Processo Civilizador'', 2v. Os expedientes legais precedentes eram bastante fragmentários, como a própria época de aplicação. Antes da instauração de processos judiciais inspirados no Direito Romano, possuíamos apenas direitos locais, costumes regionais, wergeld e faida. A intervenção do rei nas questões jurídicas era pouca e restrita, favorecendo muito a instabilidade social e política. A turbulência destes tempos ''feudais'' era bastante percebida e detestada pela Igreja Católica. Portanto, a ordem no mundo deveria ser feita pelos ''tenentes de Deus'', que eram os reis, cuja autoridade deveria ser respeitada e obedecida. Recomendo a leitura de cartas forais e as ''Siete Partidas'' do rei Afonso X de Castela para se compreender melhor tais comentários. Tais fontes podem ser encontradas facilmente no Books Google e no site da Universidade de Sevilla.
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Mensagem por William de Baskerville 10/2/2020, 02:11


Sobre as heresias...

A heresia é a fé dos outros, mas não é somente isto. Lembro-me de, na Graduação, um professor advertir para a necessidade de se distinguir as heresias do final da Antiguidade e da Alta Idade Média e as da Baixa Idade Média. As primeiras eram muito mais... na falta de outra palavra... refinadas e intelectualizadas. As sutilezas filosóficas dos embates entre Cristãos Ortodoxos, Arianos, Monofisitas e Nestorianos envolviam também elementos políticos que abrangiam, inclusive, resistências a autoridade do Imperador Romano do Oriente. Já na Baixa Idade Média o debate cristológico é meio deixado de lado e as heresias ganham um cunho mais... na falta de outra palavra melhor... popular e envolvia o trabalho incompleto de conversão do Ocidente ao Cristianismo. Não havia relação imediata entre as heresias deste período com a época precedente... a atuação de figuras carismáticas era direta, tal qual um certo Eudo de Stela. Havia também algo de resistência ao avanço do ''Regime Senhorial'' em muitas destas heresias baixo-medievais.
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Mensagem por William de Baskerville 10/2/2020, 02:15


Já o termo heresia... bom... não vejo problema em sua utilização. Não é somente a ''religião do outro''. É o desvio de preceitos estabelecidos! É afastamento daquilo estabelecido pelos Concílios Ecumênicos de Nicéia I (em 325) e os de Constantinopla I (em 381). Existe o padrão, ''cânone'', e há o desvio. Quando o debate sobre um tema religioso gerava bastante polêmica e não se chegava a um consenso amigável, havia o estabelecimento do ''dogma''. Muitas vezes era o Imperador quem dava a palavra final no meio do conflito exacerbado. Por sua vez, o termo ''pagão'' envolve outras questões, mas também relativas à religião. Nem todo mundo é pagão. ''Pagão'' (''paganus'' no latim) ou ''rústico'' (''rusticus'') era, inicialmente, o habitante das zonas rurais ou ''pagus'', últimas regiões convertidas ao Cristianismo e que preservavam muitos vestígios de cultos pré-cristãos. São Martinho de Braga chegou a compor ''De corretione rusticorum'' ou ''Sobre a correção dos rústicos''. Sendo assim, é claro que nenhum cristão iria se qualificar de ''pagão'', soaria bastante estranho, já que, por um bom tempo, os cristãos se concentravam mais nas zonas urbanas. No que tange aos muçulmanos, hindus e budistas... hã... isto envolve outras circunstâncias e leituras. As fontes muçulmanas tratam alguma coisa semelhante ao que vale para a situação cristã... só não sei o termo árabe específico para ''pagão'', mas, com certeza, não era utilizado para quaisquer outras manifestações religiosas. Destacando que, para o muçulmano, tanto cristãos quanto judeus e (em algumas situações) os budistas são considerados o ''Povo do Livro''. Os textos da ''Patrística'' ajudariam muito para elucidar tais questões, como as obras de S. Atanásio e Irineu de Lião (publicadas pela Ed. Paulus).
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Mensagem por Giordano Bruno 10/2/2020, 03:09


O problema neste tópico... Em quais categorias estamos trabalhando? Muitos estão discutindo a partir da visão bem mais pós-moderna (diria até líquido-moderna, como diria Bauman e só pra usar um conceito mais recente) da TOLERÂNCIA, ou daquela campanha midiática popularesca politicamente correta do COEXIST.
Se usarmos como parâmetro nossos conceitos contemporâneos para quaisquer análises sobre o medievo, sem entendermos as diferenças, a semântica de vários termos, o embasamento filosófico ou eclesiológico (que fundamentava o pensamento do período, ou dos períodos medievais se preferirem), as tensões político-socias (seja entre Imperador e o Papa, ou entre Senhores e camponeses, ou entre Igreja e hereges), a espiritualidade e cultura... enfim, tentar meramente fazer a análise de qualquer período histórico, usando como instrumento de análise SOMENTE nossa carga conceitual presentista, não é somente um erro, mas uma violência à própria ciência História. Daí, creio que humildemente entendo os clamores do William por algum historiador.
Na minha opinião, não é necessário ter uma graduação, especialização ou qualquer titularização na área para vir discutir nesse fórum. Mas antes de abrir-se uma nova (mais do que velha) polêmica, é interessante ao menos ver o que ja foi dito nesse fórum, ou ir mais além e procurar material sério sobre o assunto.
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Mensagem por Giordano Bruno 10/2/2020, 03:11

William de Baskerville escreveu:
As fontes muçulmanas tratam alguma coisa semelhante ao que vale para a situação cristã... só não sei o termo árabe específico para ''pagão'', mas, com certeza, não era utilizado para quaisquer outras manifestações religiosas.

Era chamado de infiel.
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Mensagem por William de Baskerville 10/2/2020, 07:19


Giordano Bruno, era isto mesmo que eu estava tentando chamar a atenção nestes últimos dias!!! Não é legal, nem ao menos produtivo, analisar outras sociedades e outras temporalidades com base na nossa moralidade ou ética. Fazer o contrário disto é não fazer História. Com "Agá" Maiúsculo! Cada época tem as suas caraterísticas (defeitos ou virtudes, de acordo com a visão subjetiva de cada um!)! Não desenvolvi argumento pró ou contra a Inquisição. Eu apenas critiquei os "achismos" de quem nunca leu uma obra decente sobre o tema! Só isso! Pô, citei até autores e obras! Cada um que se vire para adquirir alguma coisa e se informar melhor!
O tema é reconhecidamente espinhoso. Por isso, contato com fontes e bibliografia é fundamental.
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Mensagem por William de Baskerville 10/2/2020, 07:21


O termo "infiel" é usado em diversas situações, inclusive para identificar cristãos e judeus. No Alcorão, cheguei a ver o termo "idólatra" para identificar aqueles que praticavam as religiões árabes pré-islâmicas. Gostaria muito de saber a tradução literal do termo original em "árabe". Os autores árabes medievais ibéricos chegam a identificar os cristãos, de uma maneira geral como "Rum" (romanos), "Ifranj" (francos ou franceses) e "politeístas" (versão pejorativa para os cristãos... desconheço a palavra árabe original). A palavra "idólatra" no hebraico (outra língua semita) tem o mesmo radical (no original) de "adultério" e outras palavra que denotem traição, desvio, etc. Mas isto é uma questão já de filologia semítica...
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Mensagem por Giordano Bruno 10/2/2020, 14:25


Como bem disse o William e outros, na Idade Média, o processo inquisitorial (investigativo, a averiguação da heresia) era realizado pela Igreja Católica. A parte da tortura, prisão, pena capital etc, ficava a cargo do braço secular (senhor feudal, rei, etc). Tanto era separada a questão de ação de cada parte, que ao que saiba a confissão não poderia ser tirada no momento da tortura, e se fosse feito o acusado teria de reafirmar tal confissão para que tivesse valia. Ok, isso de distinguir a ação eclesial e temporal já foi bem melhor dito pelos outros colegas.
A tal Inquisição Moderna passa a funcionar em muitos casos como mais um instrumento de coerção dos monarcas, aqui há a inversão. Ou seja a interferência do poder real nesta instituição é visível, principalmente no caso espanhol. Creio que essa visão distorcida que se tem da Inquisição venha exatamente desta "Síndrome de Torquemada" que todo leigo tem.
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Mensagem por William de Baskerville 10/2/2020, 14:49


Não sei dizer ao certo. Sei que a implantação da Inquisição dependia da permissão dos poderes laicos, em especial dependia da permissão dos monarcas. Lembrando que os reis eram as figuras máximas de justiça na terra, de acordo com o ideário político-religioso do Medievo (Ver Nieto Soria). Parece que, a partir do momento em que os monarcas passaram a concentrar mais e mais poderes (Ver Norbert Elias), as estruturas eclesiásticas passaram a ser cada vez mais desnecessárias. Sem apoio real não haveria ações da Inquisição. Não conheço esta parte, mas, talvez, a força da Inquisição foi se esvaecendo quando se efetiva a separação entre ''Igreja'' e ''Estado'', a laicização do aparato político e o monopólio exclusivo do uso dos instrumentos de repressão e violência. Isto talvez se relacione com a transformação das sociedades européias e de suas estruturas políticas e ideológicas na passagem da Idade Moderna para a Idade Contemporânea. Segundo uma certa historiografia marxista, este é um grande momento de ruptura que marca a separação de um mundo Capitalista em ascensão e o passado pré-Capitalista. Mas este é um ponto que eu não ouso avançar, pois não tenho leituras suficientes para tal empreitada. Não sei dizer nada de seguro sobre o ''desaparecimento'' da Inquisição no Medievo ou na Modernidade... Lamento não ter muita informação sobre isto.
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Mensagem por William de Baskerville 10/2/2020, 14:54


Quanto à tortura, bom,... isto foi um instrumento legal e legítimo de se obter justiça e verdade até um passado não muito distante. Creio que eu já tenha falado, mas vale destacar de novo. Aristóteles, na obra ''A arte poética'', aponta a tortura como uma das ferramentas para atingir a verdade. E isto independe de religião. Por exemplo, lembro-me das minhas aulas de História do Brasil. Em uma delas o professor, tratando a Ditadura Militar, comentou que a tortura praticada pela polícia era normal e corriqueira. Não causava comoção alguma na sociedade. A comoção só passou a existir quando os ''filhos da classe média'' também passaram a ser torturados com a Ditadura Militar. A socióloga Hannah Arendt comentou que a tortura, como prática arbitrária, estava vinculada também às ações dos Regimes Totalitários, que usavam quaisquer instrumentos ditos ilegais para se manter no poder. Isto me faz lembrar de Maquiavel que, no livro ''O Príncipe'', diz que o Príncipe (no sentido de chefe político de um lugar, reino ou república) não deve se incomodar com a fama de cruel.
Observação importante: aquilo que nós consideramos legal e legítimo não vale para outras sociedades e épocas! O abandono dos pais e avós em asilos ou ''casas de repouso'' era algo inadmissível no medievo, pois a família era o grupo fundamental de defesa contra as injustiças da sociedade. A solidariedade familiar, tanto por costume, quanto por influência da Igreja, era uma das coisas mais importantes para as sociedades pré-capitalistas européias. Acho que o Georges Duby tece alguns comentários sobre isto em uma de suas últimas obras...
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Mensagem por Giordano Bruno 10/2/2020, 15:21


Sobre a Inquisição Moderna, ao invés de usar o balizamento ficaria mais fácil usar o conceito Braudeliano e LeGoffiano de "longa duração" do que dizer o que qualquer historiador sabe sobre "História Quadripartite". Porém, mesmo usando o balizamento não vai explicar que a instituição Inquisição criada no século XIII seja a mesma que terá seu fim no século XIX. A Inquisição Medieval, do século XIII, nada tem a ver com a Inquisição Moderna nos países meridionais. Foi nesse período (Idade Moderna) que houve uma inversão no funcionamento da Inquisição. E daí é uma questão de História das Instituições, mais do que básica... Não é porque temos um senado no Brasil que signifique que somos uma "continuidade" da estrutura senatorial romana.
Mas enfim, não estamos trabalhando com um mínimo de senso comum para que possa haver uma discussão coerente. Cícero já dizia no seu "De oratore" que temos de trabalhar com categorias (lugares comuns) pra construção da argumentação numa discussão retórica. Se cada um trabalhar aqui com uma carga conceitual, num plano de abstração vazio, com uma semântica e até uma questão cronológica diferente, simplesmente não haverá entendimento algum, e todos estarão certos para si mesmos.
Enfim, é isso.
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Mensagem por Norman, o herege 10/2/2020, 15:57


Sobre a Santa Inquisição, dizer que a maioria das punições era somente a de expiação pública não é fato! Os que sobreviviam ao interrogatório do inquisidor, pode até ser, mas a maioria não sobrevivia... é só olhar o Martelo das Feiticeiras, pra se ter uma noção!
A questão era que o pensamento medieval era contraditório... São Tomás de Aquino escreveu livros de alquimia, e pertencia à Ordem Dominicana, uma das mais atuantes no ofício da inquisição.
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Mensagem por Norman, o herege 10/2/2020, 15:59


Uma coisa que eu não entendi é que sempre ouvi dizer que Tomás de Torquemada na Espanha foi um cruel inquisidor, assim como Azambuja em Portugal. Mas parece que a coisa não foi bem assim, ou não?
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Mensagem por William de Baskerville 10/2/2020, 19:03


O problema está sempre girando em torno de uma única questão: transplantar nossos sentimentos, noções de justiça e nossas expectativas para outras temporalidades e sociedades. A Inquisição foi muito justa para o seu tempo. Estava de acordo com as leis, então, não havia ilegalidade. Quanto à legitimidade, pelo pouco que pude ver, tirando os perseguidos, o restante da população não estava tão preocupada assim. Sendo assim, as ações da Inquisição eram tanto legais, quanto legítimas. Não correspondiam aos nossos conceitos de legalidade e legitimidade. Aí é outra coisa! Isto é que está sendo difícil de entender. É um esforço desnecessário ficar desenvolvendo ilações exóticas sobre a culpa de A ou de B neste processo histórico. Não se chega a lugar algum com isto.
Quanto à subjetividade, creio que o lugar dela está naquilo que se liga à escolha de um tema de pesquisa (ninguém consegue trabalhar com um tema que não gosta). Depois disso, a subjetividade deve sair para dar lugar a objetividade do pesquisador. Não estou dizendo que o historiador é neutro. Longe disto, só não acho saudável deformar a pesquisa e desenvolver um discurso panfletário. Agir assim não é fazer História. Ainda mais quando se emprega equivocadamente os conceitos e há um grande apego ao recorte-e-colagem acrítico. Agora, se alguém não gosta de tortura e de violência, ou que, por questões pessoais, não vê com bons olhos certas ações de agentes da justiça... bom, isto é legítimo. Cada um com seu cada um. Tais questões podem ser debatidas e postas em práticas em nossa sociedade atual ou passado recente... mas transferir tudo para um passado distante é demasiadamente absurdo.
Por isso, é bom ler trabalhos sérios... talvez até mesmo em Metodologia da História ou Introdução aos Estudos Históricos...
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Mensagem por Imhotep 10/2/2020, 19:17


A "Inquisição" merece uma revisão histórica porque ela foi de fato muito pior do que essa análise baseada em registros deixados pelos próprios inquisidores.

Ao se confiar nisso para retratar a História estaremos tacitamente seguindo um critério parcial e pueril, e, por fim, estabelecendo conclusões conforme o desejo do clero.

Isso não interessa, o que um historiador deve procurar é acima de tudo a verdade.
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Mensagem por Vlad Tepes III 10/2/2020, 19:25


Mas há muitos momentos na história onde só há textos de um dos lados do conflito, mesmo. A outra versão sobre a Inquisição seria dos iluministas anticlericais do século XVIII, textos também eivados de preconceitos e, pior, com atrasos de alguns séculos em relação aos fatos que opinam.
A Inquisição é como outros eventos, tem que se analisar, além do conteúdo dos textos, a motivação de cada cronista e ,é claro, comparar com materiais arqueológicos, iconográficos e mesmo tradição oral folclórica.
Nada tão simples assim como tu falas...
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Mensagem por Imhotep 10/2/2020, 19:31


Mas veja...

Os iluministas não eram preconceituosos em relação à Igreja. Havia sim um sentimento de antagonismo, mas não era gratuito. Os iluministas eram na maioria pensadores sérios, que defendiam os valores mais fundamentais do ser humano: a dignidade, a igualdade, a liberdade... Acontece que a Igreja representava exatamente o oposto a tudo isso. Ela perseguia inocentes, promovia massacres e era o sustentáculo de uma classe de parasitas do absolutismo. Não houve como evitar uma certa repulsa, mas preconceito não é a palavra adequada.

Segundo que os iluministas não viveram séculos depois da Inquisição. Eles eram contemporâneos à ela. Voltaire inclusive foi o maior defensor das vítimas da Igreja e Jean Calas é o seu caso mais conhecido, mas existem diversos. E antes de Voltaire existiram muitos outros que lutaram pelos direitos humanos. Inclusive foi graças a essas vozes que o Santo Clero foi pressionado a amenizar emoção do espetáculo e passou a enforcar as vítimas antes de queima-las, como foi citado pelo William no início do tópico. Essa nova maneira de execução foi a contra-gosto da Igreja, porque se dependesse da vontade do clero, a Inquisição ainda existiria nos dias de hoje...
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Mensagem por Vlad Tepes III 10/2/2020, 19:44

Imhotep escreveu:
Os iluministas não eram preconceituosos em relação à Igreja. Havia sim um sentimento de antagonismo, mas não era gratuito.
Tinham suas justificativas, mas com estes óculos anticlericais viam TUDO. Seu anticlericalismo não podia ser transportado levianamente para outra época se estavam realmente atrás da verdade imparcial como eles diziam.
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Mensagem por Baphomet 10/2/2020, 23:18


Muito se fala sobre tortura e morte pelos inquisidores, e quanto ao ato de queimar livros?
Não será esse o pior de todos os crimes históricos contra a liberdade? O que os caros letrados nas escritas sobreviventes acham desse aspecto?
Ao contrário do que muitos pensam, muito conhecimento se perdeu, mas o que quero saber é sobre o que foi queimado, alguém sabe fatos importantes sobre livros que não eram aceitos e foram condenados a fogueira?
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