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Os Mistérios de Elêusis

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Os Mistérios de Elêusis Empty Os Mistérios de Elêusis

Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:09

O rapto de Core (Perséfone)

Deméter já havia ido a Elêusis, na sua turnê ensinando a arte da agricultura aos homens da Terra, pois, assim como Atena e Prometeus, Deméter estava ligada com estreitos laços à Humanidade. Tomou uma criança doente, Triptólemos, filho do rei Céleos e Metanira, devolveu-lhe a saúde e o transformou em seu pupilo. Mais tarde, coube a ele levar os ensinamentos da deusa a todos os reinos da Hélade, e conquistou a amizade de Arcas, o filho de Zeus e Calisto.

Foi perseguida por Poseidon, o garanhão dos mares, e foi por ele possuída violentamente nas cavalariças do rei Oncos, de cuja união nasceu o maravilhoso potro Aríon e uma enigmática donzela conhecida apenas pelo nome Despóïne.

Deixando a Terra, depois de vê-la fértil e em paz, voltou a morar no Olimpo, deixando a sua herança aos seus devotos, administrada por Triptólemos, seu mais fiel sacerdote. Porém, as terras foram maculadas pela ambição de Erisícton, filho de Tríopas e Sósis, um homem de Árgos que havia ido habitar nas terras do norte, na Hemônia (Tessália). Ao profanar seu carvalho sagrado, Erisícton provocou a ira da deusa, que lhe enviou uma peste, que se alastrou por todas as terras por onde passava, até alcançar a morte através da Fome.

Durante as bodas de Cadmos e Harmônia, onde estiveram presentes deuses e homens, Deméter conheceu Iásion, um jovem estrangeiro, parente da noiva, que viera do Ocidente com seu irmão Dárdanos, incentivados por uma promessa de fartura em terras do Oriente. A deusa entregou-se ao mortal provocando a ira de Zeus, e levou-o à morte. Dessa união nasceu Plutos, que foi levado ao Olimpo, tornando-se deus das riquezas. Dárdanos continuou sua peregrinação sozinho, e foi buscar morada nas terras do rei Teucros, onde, em suas redondezas, muitos anos depois, seria erguida a cidade de Tróia. Então, Deméter decidiu, novamente, deixar o Olimpo e auxiliar a raça humana , abalada pelo pecado de Erisícton.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:10

Ao chegar em Elêusis, ao anoitecer, Deméter foi recebida com festas, cerimônias e orações, mas surpreendeu a todos por, diante da homenagem, verter lágrimas. Triptólemos achegou-se a ela, perguntando:

— O que aflige a senhora?

E Deméter, adentrando o templo, falou-lhe, à espera do que a aguardava:

— Nova missão que me cabe. Exigência de um poder bem maior que o teu e o meu!

Eis que, quando amanheceu, nada que exigira Zeus houvera acontecido. Diante disto, pensou que o irmão havia desistido do desejo concebido a ela manifestado no Olimpo. Assim, levando alegria por esta suposição, foi visitar o seu bosque, junto às margens da estrada que levava a Elêusis. Serena, caminhou, guiada por doce força, até onde antes plantara o seu carvalho sagrado, então cortado. E, no lugar do carvalho, do imenso sementário tombado por Erisícton, sentou-se tranquila a deusa.

Foi então, que Zeus fez chover sobre a irmã gotas de aromas. A deusa sentiu que algo nela mudava, era diferente de tudo o que sentira. Sem perceber, Zeus a engravidou duplamente: primeiro, distante do Olimpo, nasceu-lhe a contragosto uma criança, que Deméter chamou de Feréfate. Porém, como se não se fosse suficiente, sentiu que outra criança se aninhava em seu ventre. Deméter não soube senão amar a criança que trazia dentro de si, ainda mais desta vez, e que um dia nasceu no Oráculo de Elêusis. Ao nascer, Deméter mostrou-a aos fiéis:

— Chama-se Core, “a semente”!

Feréfate e Core cresceram entre as Ninfas e outras filhas de Zeus. Mas deu maior atenção a Core, nascida em Elêusis, que cresceu e de lá jamais deveria sair.

Educada pela mãe, fez-se rainha das flores. Semeadora de cores, Core plantou jardins pela região, colorindo tudo por onde passava. Tinha o carinho dos deuses e a afeição dos mortais, todos admirados com sua plena beleza.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:10

Depois que Zeus e seus irmãos terem derrotado os Titãs e os expulsado para o Tártaros, constantemente a Terra era sacudida por terremotos. Provavelmente provocados pelas tentativas dos Titãs se libertarem. E Hádes sentiu-se alarmado, receoso de que seu reino pudesse ser aberto à luz do Sol, já sobraram muitas fendas no solo terrestre. Presa dessa apreensão, Hádes já planejava ir verificar a extensão dos danos.

Hádes era o soberano do Reino dos Mortos, das obscuras cavernas do Tártaros. Ali vivia ele a fazer companhia, sozinho, às almas dos defuntos, e sua solidão entristecia-o. Não era propriamente um deus sombrio, mas os Infernos tornaram-se seu quinhão, muito diferente de onde brincavam e viviam as Ninfas das florestas e dos regatos e os Amores, criaturas lindas e serenas, que acompanhavam o séquito de Afrodite. Entre eles, havia um pequenino ser, filho da deusa, que divertia-se atirando a esmo as flechas da paixão no coração de todos os seres. Isso incomodava um pouco sua mãe, porque muitas vezes a paixão podia ter conseqüências desastrosas. E isto atiçava a curiosidade de Éros.

— Por que, mamãe, mesmo no Céu, alguns desprezam nosso poder? Atena, a sábia, e Ártemis, a caçadora, desafiam-nos.

— Cuidado, Éros, porque poderás atiçar a paixão do mais gélido ser, e isto poderá trazer tristeza ao mais sublime coração.

Coisas do Destino. Éros, o deus do amor, posicionado sobre o monte Érix, ao atirar sem destino uma flecha infalível da paixão, ela entrou por uma fenda no chão e foi ferir o coração frio de Hádes, o deus dos mortos.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:11

Hádes, sem entender o que sentia, procurou buscar o entendimento na sua fonte mágica, que lhe indicaria um motivo para lhe revelar esse sentimento novo: ao fixar os olhos na fonte reveladora, viu um rosto de menina, uma flor em forma de deusa, com cabelos da cor do trigo, e teve por ela um grande interesse. Ao vê-la tão radiante, do fundo do abismo, por ela se apaixonou e uma fulminante atração atormentou seu corpo. Supôs que, desposando-a, levadas pela graça de uma linda mulher, a luz e a alegria penetrariam e permaneceriam nos profundos abismos, para dissipar-lhe a melancolia. Porém, ao pensar sobre isso, não pensou um só momento nas conseqüências que poderiam advir do seu procedimento. Procurava um meio de localizá-la, quando viu surgir, diante de seus olhos, uma nova cena: a menina corria a abraçar sua mãe, a deusa Deméter.

— Mas então é minha sobrinha...!

O soberano das sombras, vestindo seu manto negro, ordenou que preparassem para ele sua carruagem, pois precisava ia até o Olimpo; e foi pedir a Zeus que fizesse um pedido a Deméter que lhe desse sua filha em casamento. Queria tê-la consigo em seu reino, para com ele viver e reinar.

— Estou apaixonado por tua sobrinha, meu irmão.

— Sobrinha? Que sobrinha?

— Core, filha de Deméter. Aquela a quem não se sabe quem é o pai...! Tu, por acaso, não sabes quem é o pai... não é mesmo?

Zeus, preocupado, olhou para um lado e para outro, pôs o dedo sobre os lábios para lhe pedir silêncio, e sussurrou:

— O que pretendes, irmão?

— Será que tu me darias tua permissão para eu fazê-la minha esposa?

— Esposa?!

— É... eu ando meio solitário em meu Reino Sombrio. Não tenho com quem dividir o meu leito, e acho que já está mais do que na hora. Preciso de uma esposa, casta e digna de reinar. Meu reino no subterrâneo é triste e melancólico, e precisa de uma presença feminina como a da formosa Core. Eu a tornarei feliz, te prometo.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:11

Zeus teve receio de ofender Hádes negando-lhe a sobrinha, que escondia ser sua filha. Mas teve receio também de ofender Deméter com sua permissão. Por isso, sem dizer uma palavra, limitou-se a piscar o olho para o irmão, aprovando em silêncio, o que trouxe satisfação ao deus Hádes. Zeus intercedeu e enviou até a deusa, em seu templo, a divina e multicolorida Íris levando a mensagem de Hádes.

— Branda Deméter, quer Hádes casar-se com a bela Core. E Zeus se mostra a favor, se assim o quiseres, só aguardando nos Céus o seu justo consentimento!

— Core?! É muito moça ainda, e eu a quero comigo para aprimorar a vida no destino que lhe cabe. Respeito Hádes meu irmão, mas ele deve se conter e esquecê-la! Que ele procure suas amantes! Dize a Zeus que assim penso, desta forma zelo e protejo minha filha aqui na Terra!

Íris desceu aos Infernos e comunicou a decisão negativa de Deméter:

— Senhor das trevas, deus dos mortos, soberano do Tártaros, imploro-te que controles a tua ira divina e ajuda a manter o bom relacionamento com o Olimpo. Esquece a tua paixão, porque Deméter nega teu pedido. Quanto a Zeus, fez o que fez, nada mais, em relação ao teu matrimônio com Core, como desejas!

O rei Hádes se calou em seu trono. Conhecia bem sua irmã e tinha por ela apreço, mas, também, reconhecia sua teimosia. Era definitiva. Jamais ouviria um “sim” de Deméter. Porém, matutou sobre o caso, sem deixar que percebessem, ainda, em seu coração, a fulminante paixão pela deusa das flores, Core, sua sobrinha.

Deméter tinha a seu cargo uma das tarefas mais importantes. Fôra ela quem ensinara aos homens o cultivo da terra. Não se limitava a ensinar. Presidia às semeaduras, ao crescimento das plantas, às colheitas. Dela dependiam todos os homens, e sem ela as sementes não germinavam, as plantas não cresciam, os frutos da Terra não tinham o menor valor.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:12

Assim sendo, Deméter vivia sempre ocupada, indo de um país para outro, de terra par terra, de campo para campo, correndo em auxílio dos lavradores e providenciando para que o seu duro labor fosse beneficiado pelos elementos do solo, pelas chuvas e pelo Sol oportunos, evitando a geada, o granizo, as secas impiedosas ou as chuvas excessivas, porque tanto o Sol como a chuva em demasia perturbavam as hortas e a plantação em geral.

Grande era a alegria de Deméter, maior que a própria alegria dos homens do campo, quando os prados reverdeciam, as flores desabrochavam, o louro trigal fulgia ao Sol e os frutos sadios apontavam apetitosos, por entre os ramos abençoados pelo Céu.

Só comparável à alegria dos frutos sempre renovados era a que provava quando acolhia em seus braços carinhosos sua filha Core, que era boa e amorosa. Mas, constrangida pela responsabilidade assumida, perante os homens e os deuses, de animar as culturas e fecundar as terras, das quais dependiam tantas e tantas vidas humanas, Deméter nem sempre estava junto da filha querida. Com tristeza partia para o cumprimento de sua missão. Com infinita doçura regressava para mirar-se nos olhos festivos de Core. Mas precisava, sempre, partir outra vez...

Deméter, num certo dia, havia levado Core, pela primeira vez, para fora dos limites de Elêusis. Levou-a para perto de Hena, onde havia um lago escondido no bosque, no interior da ilha de Trinácria, onde, pensava ela, era um lugar abençoado por eterna primavera, pois Deméter precisava ir para a ilha de Creta, para exercer os seus ensinamentos ao povo de lá, ensiná-lo a plantar e colher seus próprios alimentos.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:12

A presença de Deméter e sua filha Core fez calar a fúria do flamejante vulcão Etna. Costumava cuspir fumaça, faíscas e lavas por todos os lados, chegando a abalar até o escuro reino do deus Hádes. E há muito isso o incomodava, e pensava que a qualquer momento tomaria uma atitude. Mas foi se acostumando, e isso acabou lhe trazendo momentos de incessantes irritações. Passava o tempo todo mau-humorado, se segurando no trono a cada tremor de terra, que ameaçava desabar sobre sua cabeça. Não conseguia descansar nem ter um momento sequer de paz. Não bastasse o seu reino sombrio, ainda tinha que suportar tamanha intranquilidade. Quando não era um tremor que abalava as estruturas de seu palácio, era uma grande quantidade de fumaça que era obrigado a respirar.

No entanto, de repente, as inquietações deram uma trégua, e ficou assim por um bom tempo. Finalmente Hádes pôde esticar as canelas e descansar um pouco. Mas levantou-se às pressas, porque sentia que algo estava errado. Teria o gigante sido libertado? Teria Encélados, finalmente, dado um tempo à sua ira incontrolável? Isso começou a incomodá-lo, e resolveu investigar.

Chegada a hora de se despedir da filha, como que sob a impressão de um mau pressentimento, Deméter recomendou-lhe, com a maior insistência, que não se afastasse do palácio em que se encontrava. Deméter ainda temia que Hádes ou outro pretendente lhe levasse Core. No templo, estaria segura.

— Mas não posso nem descer até a praia, para brincar com minhas amigas, as Ninfas do mar?

— Podes. Mas não te afastes delas, nunca. As Oceânides são boas amigas e as filhas de Áquelous te protegerão. Mas nunca te afastes sozinha. Prometes?

Core prometeu. E Deméter, de coração apertado, beijou-a repetidas vezes, antes de subir ao seu carro, puxado por dragões alados, com o qual percorria os caminhos e os campos da Terra.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:13

Na sua doce inconsciência, Core foi procurar suas amigas Oceânides, enquanto as Aquelóias não desgrudavam dela. Lá estavam elas, recém-saídas do fundo das águas. Estavam dançando e cantando, e Core foi a elas se juntar. Reunindo uma boa quantidade de conchas lindíssimas, uma das Ninfas preparou um colar e o ofereceu a Core.

Aquilo inspirou-lhe uma ideia. Resolveu retribuir o presente da ninfa preparando-lhe uma grinalda de flores.

— Vinde comigo. Vamos até o campo aqui perto colher flores para uma porção de grinaldas.

As Ninfas filhas de Océanos recusaram, com pesar. Não podiam afastar-se da praia, porque viviam de aspirar a brisa salgada do mar. Do contrário, morreriam. Ademais, preferiam permanecer na praia, pois dividiriam o tempo estando com ela e Prometeus, que se encontrava acorrentado no Cáucaso, e lhe faziam companhia.

— Bem, queridas, então esperai aqui. Eu vou aqui pertinho, encho o meu avental de flores e já estarei de volta.

Foi aceita a proposta, já que desconheciam as ameaças que rondavam a filha de Deméter, e a menina imprudente, esquecendo o conselho de sua mãe, se afastou sozinha, enquanto as Ninfas Aquelóias, despreocupadas, cantavam e dançavam, como gostavam de fazer. Estava maravilhada, nunca vira flores tão lindas. Encheu o avental e já ia voltando quando, um pouco mais além, viu flores ainda mais delicadas, de cores ainda mais vivas. Jogou no chão as que havia colhido, começou a apanhar as novas flores, que logo a seguir deixou cair, quase com desprezo, porque mais adiante as flores tinham muito mais perfume e pétalas mais suaves e de cores mais deslumbrantes, como lírios e violetas.

Assim foi que, pouco a pouco, a filha de Deméter, totalmente esquecida dos conselhos de sua mãe, aventurou-se pelo campo, o avental sempre renovado com flores cada vez mais bonitas e de perfume mais delicado!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:14

Porém, já ia regressar, feliz, quando reparou num arbusto, como nunca vira antes, todo coberto com as flores mais maravilhosas do mundo, que se encontrava junto a um lago de águas cristalinas.

— Somente Deméter, minha querida mãe, podia inventar estas flores.

E, outra vez esvaziando o avental, correu para o arbusto, disposta a arrancá-lo por inteiro, com raízes e tudo, para replantá-lo nos jardins do palácio de sua mãe, no Olimpo. Tinha flores de diferentes matizes, de tonalidades diversas, todas com um traço comum de parentesco, formando o mais rico, deslumbrante e variado ramalhete de flores jamais visto. Só uma coisa a intrigava: um certo brilho luminoso nas pétalas, que lhe inspirou receio.

— Não serão venenosas?

Mas logo afastou a ideia, que lhe pareceu tola. E, agarrando cuidadosamente o arbusto pelo tronco, pôs-se a tentar arrancá-lo do solo. Estava difícil. O arbusto parecia fortemente enraizado. Tentou novamente. Parou, preocupada. Não somente ele resistia, mas pareceu-lhe também ouvir um estranho rumor sob seus pés.

— Será que existe aí embaixo alguma caverna encantada?... Bobagem! Eu vivo sempre imaginando coisas...

Tornou a agarrar o tronco do arbusto. Desta vez não precisou fazer força. O arbusto saltou, mal o tocou de leve, e Core perdeu o equilíbrio, caindo para trás. Ergueu-se risonha. Mas o riso não durou muito. No lugar de onde saíra o arbusto via-se agora um buraco. Era como se ela houvesse destampado uma caverna. E caverna que tinha os seus moradores. Ouvia vozes, rumor de passos, troar de cascos, ruídos esquisitos, barulho de rodas. Pensou em fugir, mas o barulho aumentou e nem teve coragem de sair do lugar. Sentiu-se plantada no solo, como se tivesse raízes... E aí o espanto foi grande: o buraco se abriu e se alargou, e quatro grandes cavalos negros, soltando fumaça pelas ventas, nitrindo com fúria, irromperam por ele, puxando um esplêndido carro, uma biga toda de ouro, cujas rodas acabaram amassando margaridas e centáureas.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:15

Imóvel de pavor, Core viu que dois cavalos, que mais pareciam dragões, puxando o seu carro fabuloso, bufando e agitando as crinas, evoluíam ao seu redor, como se lhe quisessem prestar uma homenagem. E no centro do carro, manejando as rédeas dos cavalos fogosos, viu um homem, de aspecto jovem, mas de rosto fechado e de aparência zangada, procurando defender os olhos dos raios do Sol, como se não estivesse acostumado à luz e estivesse chegando do Reino das Trevas.

— Como é que eu fui esquecer-me dos conselhos de minha mãe? Agora estou perdida...

Mas o homem fazia o possível para ser gentil e convidava-a para subir:

— Queres dar uma voltinha?

Core ouvira sempre de Deméter que nunca se deveria aceitar convites de desconhecidos, principalmente para passeios de carro, mesmo que fosse um carro de ouro, puxado por negros cavalos inquietos e de trote fogoso. E não estava gostando muito do jeito que a chamava, nem daquele tremor que agitava o solo.

De repente, Hádes lançou enormes nuvens negras para esconder a face do Sol, e a Terra escureceu. Core ficou temerosa e começou a gritar:

— Mamãe! Mamãe! Socorro!

Mas a voz mal lhe saía da garganta. E Deméter devia andar muito longe, na sua infindável e generosa tarefa de ajudar os lavradores de toda a Terra, no seu eterno plantar e colher.

Fez um esforço enorme e, cada vez mais assustada e movida pelo seu medo infinito, gritou:

— Mamãe! Socorro! Socorro!

Foi inútil gritar. Ela não foi ouvida por Deméter nem aquele jovem altivo se mostrou preocupado, pois afinal era um rei: Hádes, senhor dos Infernos. Hádes fez parar os cavalos, desceu, tomou-a no colo, voltou ao carro e espicaçou os animais.

— És filha de Deméter, não?

A menina confirmou.

— Não tenhas receio, querida. Não vou te fazer mal algum. Que é que estavas fazendo, sozinha no campo?

— Estava desobedecendo à minha mãe...

— E fazias o quê?

— Colhia flores.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:16

— Ela lhe proibia de fazer isto? Pois vou te levar ao meu palácio. Lá encontrarás o mais belo jardim da Terra e do Céu. O jardim com todas as flores será teu...

— Quero minha mãe...

— Tuas flores serão feitas de pérolas, rubis, diamantes e todos os metias mais preciosos.

— Quero ver minha mãe...

— Lá terás um rei aos teus pés...

— Mamãe...

— Não sabes que rei sou eu? Sou Hádes, o rei dos diamantes e de todas as pedras do mais alto valor.

— Mamãe! Mamãe!

Hádes levou-a para o carro nos braços. Em seguida, tocou os animais, que levantaram voo. Core gritava, à medida que a estranha viagem começava.

Hádes, sem lhe dar ouvidos, tocou sua carruagem em direção da fenda. Mas aquela cena foi presenciada por Cíane, uma de suas amigas, que havia ido procurá-la. Perséfone gritou pelo seu nome, mas ela nada pôde fazer senão implorar:

— Espera, cruel divindade! Deixa-a em paz!

Hádes, temeroso por ter sido descoberto, desviou seu caminho e tocou os cavalos para longe da fenda e desapareceu. E, para não deixar vestígios, ordenou que a fenda se fechasse. Nesse momento, uma vara de porcos por ali passava, misturando seus rastros com os rastros dos corcéis de Hádes. E, ao começar a fechar-se o abismo, os porcos nele caíram e morreram. Quanto a Cíane, saiu correndo para avisar do rapto, mas suas pernas fraquejaram e, sem forças para continuar, dobrou os joelhos e esticou-se sobre a relva. Num instante, seu corpo foi transformado numa fonte, e jamais ela pôde revelar quem era o raptor da filha de Deméter.

Hádes continuava a falar das suas riquezas e não lhe dizia ser o senhor dos Infernos. Apenas tentava-lhe persuadir, até o ponto de lhe dizer que seu palácio era muito mais belo que o de Deméter...

— Quero minha mãe, leva-me de volta, por favor...

Hádes pretendia torná-la sua rainha.

— Por favor...
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:16

Hádes já estava ficando irritado. Ofereceu-lhe todas as glórias, honrarias e riquezas, além de estar-lhe proporcionando aquele passeio, e ela insistia em choramingar chamando Deméter.

— Eu tenho todas as riquezas. Sou o rei mais rico do mundo. No palácio maravilhoso só falta um riso, o teu riso, para encher de alegria os meus salões.

Mas Core continuava a chorar e gritar pela mãe.

Hádes estugava cada vez mais seus garbosos cavalos, que mais voavam que galopavam, providos de asas como eram, dando voltas por entre as nuvens.

Num dado momento, olhando para baixo, Core conseguiu avistar Deméter, sua mãe, que se encontrava em Creta, com os camponeses do país.

— Mamãe!!!

Mas os cavalos de Hádes tinham a velocidade do pensamento e já estavam muito além dos limites da luz do Sol. Deméter nada viu ou ouviu.

Começava a escurecer e rumores de trovoada e anúncios de tempestade era tudo o que se ouvia então. E quanto mais trevas desciam, mais alegria brilhava no tenebroso rosto daquele rei.

— Hélios não tem beleza, menina. A luz do Sol não tem majestade. Luz maravilhosa é a que encontrarás no meu reino. Luz de tochas encantadas, luz que resplandece refletida nos diamantes e no ouro das paredes do palácio que vais ver agora. Queres ver?

— Então eu poderei voltar depois?

— Isso se resolve depois. Olha, estamos chegando...

O carro, depois de atravessar densa quantidade de neblina negra, transpunha um imponente portão, e logo os cavalos se detinham, retidos pelas rédeas.

E um enorme cão negro de três cabeças, dócil e contente, surgiu a correr e esperava ansioso a descida de seu dono. Core, surpresa, arrancou um grito de sua garganta.

— Não te assustes, garota, ele pertence a mim. Vem, meu querido Cérberos!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:17

Hádes acariciou, uma por uma, as três cabeças daquele cão de guarda, que para Core eram terríveis, apesar de vê-lo muito manso e amigo. Cérberos gania de satisfação, ao receber a carícia do dono, agitando a cauda. Core aquietou-se. Mas qual não foi a sua surpresa ao olhar, com mais atenção, a cauda que o cachorro agitava. Era nada menos que um autêntico dragão, com olhos ferozes e garras de assustar qualquer gigante. Em seguida, reparou que, por baixo dos pelos do pescoço do animal, mexiam-se o que pareciam ser cobras, e de fato eram. Core assustou-se.

— Eu tenho medo, senhor, leva-me de volta...!

— Não temas, querida. Cérberos é o meu amigo mais fiel. Não faz mal a ninguém, a não ser àqueles que queiram entrar em meus domínios sem terem sido chamados... ou que pretendam sair sem permissão...

Hádes estugou de novo os animais e, atravessando rios lodosos e flamejantes, pelo ar, o carro percorreu os jardins interiores de um belíssimo palácio.

— Olha quanta riqueza...

As pedras do caminho eram pedras preciosas.

Chegaram a uma ponte.

— Olha o rio que passa aí embaixo.

Ela olhou e sentiu frio na alma. Era um rio negro, lamacento, de marcha pesada.

— Esse é o Létes, nunca ouviste falar?

— É um rio muito feio.

— Mas do meu particular agrado. Tem uma água estupenda, mesmo não parecendo. Basta um gole dessa água para fazer esquecer imediatamente todos os cuidados e tristezas. Se a provares, deixarás de sentir saudade de tua mãe e nada haverá na tua memória que possa te atormentar e impedir a tua felicidade em meu palácio.

Isso dizendo, Hádes chamou um de seus servos e ordenou-lhe que trouxesse, numa vasilha de ouro, um pouco da água do rio Létes.

Core atirou longe a água e o vaso de ouro. Não quis beber.

— Eu prefiro continuar infeliz e não esquecer minha mãe, que eu não devia ter desobedecido...

— Temos tempo.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:18

Hádes desceu do carro, tomou a menina em seus braços e conduziu-a até o vestíbulo, para além da porta do palácio, que estava amplamente iluminado pelo reflexo da luz nas pedras preciosas incrustadas nas paredes.

Chamou depois o chefe dos cozinheiros reais e ordenou-lhe que preparasse um banquete opulento e saboroso como nunca houvera outro, nem mesmo no Olimpo, que era onde viviam os deuses supremos.

— E não te esqueças de um cálice de ouro e diamantes, o mais belo que houver, com água do Létes, para a nossa linda visitante.

E olhou-a com um forçado carinho.

— Não é mesmo, queridinha?

Core, que não queria, por nada que lhe descem em troca, esquecer sua mãe e que preferia morrer de fome a ficar no reino de Hádes, não respondeu. Mas jurou a si mesma, dentro de seu coração, que nada beberia e que nada comeria, por maior sede ou fome que tivesse, naquele palácio de falsas riquezas.

Mal sabia Core que, agindo assim, seria a sua salvação. Porque, segundo as leis antigas, todo aquele que entrasse numa terra ou nos domínios mágicos e ali comesse ou bebesse qualquer coisa, nunca mais voltaria ao seu lugar de origem.

Porém, Deméter, que estava no campo junto dos agricultores de Creta, começou a sentir que sua filha lhe chamava. Começou a ouvir seu pedido tardio de socorro.

— Minha filha está em perigo! Eu sinto! Onde ela estará?

Fechando os olhos, Deméter começou a vasculhar o espaço em busca de respostas e viu, ao longe, um carro alado se perdendo nas distâncias do Céu, em meio a relâmpagos. Mas não tinha certeza de que Core estivesse naquele carro, que rumava para algum país distante. Procurou convencer-se de que fora simples ilusão e preocupação de mãe. E continuou a orientar os trabalhadores, transmitindo à terra a virtude da fecundidade.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:18

Só que o coração divino de Deméter não se enganava, e lhe importunava. Continuava a sentir amargura, aquela certeza de que algo mau havia acontecido a Core. E, atrelando às pressas os seus dragões, que os humanos viam cavalos comuns e alados, em seu carro mágico, regressou numa velocidade de relâmpago. Teve o intuito de ir primeiro ao Olimpo, pensando que estivesse lá entre Zeus e os deuses.

— Minha filha! Minha filha!

Ninguém sabia dar notícia. Os deuses do Olimpo alarmaram-se com sua ausência, sobretudo Zeus, o pai de Core.

Deméter, então, correu para o lugar aonde havia deixado a filha antes de partir. Foi para Hena, na Trinácria. Entrou no templo, não a encontrou, e foi procurar as Oceânides na praia.

— Onde está minha filha?

Não sabiam. Todas sabiam informar, apenas, que Core afastara-se, durante um alegre folguedo.

— Ela prometeu-nos grinaldas e foi colher flores nos campos. Mas não voltou...

Desconfiada, a princípio, de que as Ninfas a tivessem levado para o fundo do mar, Deméter viu que havia sinceridade nas suas palavras.

— Em que direção minha filha saiu?

As Ninfas apontaram para o caminho certo.

— E onde estão as filhas de Áquelous, que ficaram de vigiar e cuidar de minha filha?

Deméter avistou-as se divertindo e despreocupadas, como se nada houvesse acontecido. Deméter, furiosa, mudou-lhes o aspecto, transformando-as em aves de rapina. Como eram Ninfas do mar, filha de um deus-rio, foram mudadas em aves aquáticas, conhecidas então pelo nome de Sereias, que, assustadas, levantaram vôo em busca de Core. Só assim, as monstruosas Aquelóias poderiam ser perdoadas e voltariam ao seu aspecto original. No entanto, depois de muito vagarem, desistiram e pousaram na primeira ilha rochosa que encontraram, e lá permaneceram. Eram as ilhas Antemusas (hoje recifes que ficam entre a ilha de Cápri e a Itália).
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:19

E um Oráculo predisse às Sereias que elas viveriam tanto tempo quanto pudessem deter os navegantes à sua passagem; mas desde que um só passasse sem para sempre ficar preso ao encanto das suas vozes e das suas palavras, acompanhadas de seus instrumentos musicais — uma tocava lira, outra duas flautas e a terceira gaitas campestres —, elas morreriam. Por isso, essas feiticeiras, sempre em vigília, não deixariam de deter pela sua harmonia todos os que chegassem perto delas e que cometessem a imprudência de escutar as suas vozes melodiosas. E os infelizes, que se deixassem levar pelo encanto e pela sedução das Sereias, não pensariam mais no seu país, na sua família, em si mesmos; esqueceriam de beber e de comer, e morreriam famintos e sedentos.

Deméter, andando pelos campos, interrogava todos os camponeses que encontrava, e muito pouco tinham a dizer. Alguns a tinham visto com o seu avental cheio de flores, que ela sabia muito bem escolher.

— Ela seguia na direção daquela colina.

Continuou procurando. A certa altura, viu no chão todo um amontoado de flores.

— Aqui algo aconteceu...

Continuou. Mais além, novo feixe de flores lindamente escolhidas. Procurou mais adiante, nova colheita de flores caídas no chão.

— Isso está muito esquisito.

Deméter já chorava de dor, e seu coração apertava-se cada vez mais.

Súbito, viu um arbusto arrancado, ainda carregado de flores, em meio a margaridas e centáureas pisoteadas. Deméter nunca vira flores iguais às daquele arbusto.

— As flores deste arbusto não são das minhas. É lindo, mas parece um arbusto venenoso e mau.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:20

Algo lhe dizia que aquele arbusto tinha qualquer coisa com o destino da filha. Mas nada em volta apontava qualquer indício. Nem sequer a cavidade pela qual saíra Hádes no seu carro dourado; havia desaparecido. Procurou em vão pelo lugar onde havia sido arrancado aquele arbusto, e nada encontrou, a não ser uma pequena fonte onde água bebeu e, por um instante, lembrou-se de Hádes, que um dia fôra ao Olimpo a fim de pedir sua filha em casamento. Porém, assim que se afastou da fonte, deixou de lado essa possibilidade, pois jamais poderia aceitá-la. Mas pôs no seu seio uma das flores malditas, como lembrança, talvez a última que lhe ficava, da filhinha querida.

Ao cair a noite, com duas tochas acesas, disfarçando-se de velha camponesa, continuou, de porta em porta, a bater em choupanas e palácios. Abatida como se achava, cansada pelo sofrimento, ninguém via, nela, a maga generosa que fazia a riqueza e a felicidade dos campos. Parecia mais uma mulher desesperada, que perturbava a paz dos outros com lamentos e choradeiras. Às vezes, era até tratada rudemente e com desprezo pelos humanos e pelos gênios das florestas. Tamanho era seu desespero, dor de mãe atormentada, que, por onde passava, as tochas queimavam acidentalmente os campos plantados, atiçando fortes fogueiras nos vales e povoados, mesmo até incendiando os mais áridos desertos.

E a pobre Deméter, com suas humildes tochas de chamas inextinguíveis, mas fracas, assim passou a noite e a madrugada.

A procura se prolongou por nove dias, sem comer nem beber. Não interpelou apenas camponeses, soldados, mendigos e poetas. Encontrou, no seu afadigado caminhar, muitos seres extra-humanos, que eram tão comuns naquele tempo. Às vezes saía do tronco nodoso de um carvalho o vulto maravilhoso de uma hamadríade, que partilhava de sua vida e se regozijava quando a brisa agitava suas folhas verdes.

— Não viste, formosa hamadríade, minha triste filha Core?

Nada vira.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:20

Chegava a uma fonte. À flor d’água, numa agitação repentina, surgia uma jovem de cabelos gotejantes.

— Náiade maravilhosa, inspiração e orgulho das fontes, não viste passar Core, minha querida filha?

Dos olhos da náiade fluíam fáceis as lágrimas de simpatia pelo sofrimento alheio. Mas a resposta era:

— Não.

De outra feita, consultava os Faunos de orelhas pontudas e de pés de bode, com pequenos chifres na testa.

— Não vistes minha filha, ó Faunos dos campos e florestas?

— Como ela se chama?

— Core...

— O nome é feio. É bela de rosto?

— Sim, é lindíssima.

— Infelizmente não...

E cabriolando, pulando e rindo lá se foram os Faunos, indiferentes ao seu sofrimento, em busca das Ninfas para perseguir e seduzir.

E, como os Faunos, encontrava os Sátiros, seu semelhantes. Mais pareciam macacos, com rabo semelhante ao dos cavalos, que viviam dançando, pulando e gargalhando.

— Vistes, porventura, minha filha? Preciso muito saber.

— Ela é de menor?

— Sim, é quase uma criança.

— Hum, não perseguimos crianças...

E fugiram dando novas gargalhadas.

Chegou mesmo a interrogar Sélene, a deusa-Lua:

— Por acaso não viste, deusa dos raios de prata, minha filha Core sendo levada por algum infeliz raptor?

A resposta foi a mesma, tanto que tudo havia se passado durante o dia, e nem mesmo Hélios, o Sol, fora testemunha ocular do acontecido. Mas ela não desistiu, e seguiu adiante, empunhando os archotes. Até as estrelas intensificaram seu brilho para iluminar o caminho de Deméter, que andou durante toda a noite, de um lado para outro, até o amanhecer. E viu a Aurora conduzindo a sua carruagem, antecedendo o novo dia.

— Querida Éos, perdi minha filha! Tu, por acaso, não a viste passar numa carruagem suspeita?

Também nada vira. Estava disposta a ajudar na procura, mas o Sol, seu irmã, a impelia para frente, e precisava seguir adiante.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:21

Já estava quase desanimando quando avistou um rebanho de ovelhas. E sobre um rochedo perto, nada menos que Pan, o deus dos pastores, irmão de criação de Zeus. Pan soprava uma flauta e as ovelhas pareciam ouvi-lo com encantamento. Tinha chifres, orelhas pontudas e peludas e pés de bode. Deméter, vendo que aquele ser era respeitado até pelos deuses, renovou suas esperanças.

Aproximou-se, agoniada. Contou da sua tragédia. Pan tratou-a carinhosamente, oferecendo-lhe leite e mel. Pan sabia que Deméter era irmã de Zeus e era tratado com respeito pelos demais deuses, tanto que podia até entrar no Olimpo quando quisesse, sem ser barrado. Só que, infelizmente, nada pôde informar à deusa...

— Ó Céus! Ó Céus!

Deméter desesperou-se, já não sabia a quem recorrer. Acabou retornando à região de Hena, próxima do Etna, onde o gigante Encélados havia voltado como nunca a enfurecer-se. Deméter buscava um consolo, um conselho, uma pista... Continuou em sua busca inútil, esquecida de seus deveres para com a Natureza. A Terra logo começava a apresentar as marcas de sua negligência, tornando-se estéril. E Deméter, extremamente exausta, foi sentar-se numa pedra, curvando a cabeça sobre o peito. Assim esteve bom tempo, abatida, bem ao lado da fonte que um dia água bebeu para saciar sua sede. Quando sentiu que respingava água da fonte sobre seus pés de forma estranha, incompreensível. Passando os olhos sobre o espelho das águas, Deméter percebeu nele o desenho do rosto de alguém que conhecia: era Cíane, uma das Ninfas mais íntimas de sua filha. Ainda que um pouco turvada, a imagem a encarava com indizível tristeza.

— Cíane? És tu? Mas como...

Parou um instante e viu que não obteria resposta. E Percebeu que era obra de um deus muito poderoso. Então, como que por encanto, surgiu flutuando sobre suas águas o cinto de Core. Apanhando-o, secou-o em suas roupas, mas logo o encharcou novamente com suas lágrimas.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:21

A deusa Deméter, na sua peregrinação infindável, já no décimo dia de busca, na forma disfarçada de uma mulher comum, passando por Colonas, avistou um velho camponês, que carregava um saco de amoras e bolotas, e sua filha, que conduzia duas cabras para a cidade de Elêusis, e, sem se identificar, aproximou-se e sentou-se sobre uma rocha pelo cansaço. A menina, carinhosamente, lhe chamou:

— Mãe, por que estás sentada aí?

O divino coração de Deméter quase saltou pela boca quando ouvir chamar-lhe de mãe. E o velho, largando o peso que carregava às costas, também parou e convidou-a:

— Vem conosco, segue-nos até Elêusis, e te daremos hospitalidade. Minha casa é modesta, mas o pouco que temos podemos partilhar de todo coração.

Foi um aperto no coração, mas Deméter recusou:

— Segue em paz, e sê feliz em companhia de tua filha, porque eu perdi a minha.

Ao falar, lágrimas divinas escorreram-lhe pelo peito. O compassivo velho e a menina choraram com ela. Afinal, o velho falou:

— Como te chamas, minha senhora?

— Doso. Acabo de escapar das mãos de piratas desalmados que tiraram a mim e minha filha à força de nossa pátria Creta.

— Vem conosco e não desprezes nosso teto humilde. Talvez tua filha te seja devolvida sã e salva. O nosso bom rei Céleos te ajudará no que for possível.

Deméter, mesmo sabendo que isto não seria possível e lembrando-se de que um dia já prestara auxílio à família real de Elêusis, cedeu:

— Vamos, não posso resistir a esse apelo!

Não tinha a quem recorrer, quem sabe entre os mortais. Levantou-se da pedra e seguiu com os dois. Entraram na cidade, donde avistou o modesto palácio de Céleos (ou Diaulos), onde um dia tomou para si o pequeno Triptólemos. Mas a deusa, assim que adentrou na cidade, notou que, apesar da imponência do palácio, com seus muitos guerreiros e suas muitas damas e seus muitos oficiais da corte, com seus trajes ricos, havia um clima de tristeza em todos os semblantes. E perguntou ao velho:

— Morreu alguém?
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:22

— Não. Mas é como se tivesse morrido. O filho do rei está enfermo e a rainha Metanira tem o coração despedaçado.

Um escravo, que se encaminhava para o palácio, percebendo ser estrangeira, complementou:

— O menino não dorme, rejeita os alimentos e chora todos os dias.

— De fome?

— Não sabemos. Parece que ele sofre de medo... Todas as amas que cuidavam dele foram dispensadas. Mal se aproximam da criança, por mais doces que sejam suas palavras, por mais suave que sejam seus passos, ele se enche de temor e recomeça a chorar... Ninguém entende mais nada... A rainha procura desesperada uma nova ama. As jovens mais ricas, das melhores famílias, fracassaram. As senhoras da nobreza se ofereceram também. Mas a criança cada vez chora mais...

— E ainda procuram?

— Sim.

Deméter estava desesperada, não tinha tempo a perder, mas amava os seres-humanos e não podia deixar de lhes prestar auxílio, portanto...

— Posso oferecer-me?

— Por que não?

Deméter foi encaminhada ao palácio e pediu aos guardas que a levassem à presença da rainha Metanira. Era tal a angústia geral que ninguém pôs reparo na sua pobreza e no seu jeito excessivamente humilde. A deusa percebeu que realmente se tratava do filho da mesma mãe que havia-lhe entregue Triptólemos. A fome era tanta naquela região, que até os ricos sofriam.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:23

Deméter, apresentada pelo nome de Doso, foi sentar-se num tamborete e, durante longo tempo, permaneceu em silêncio, à espera. Metanira, quando a viu, teve um movimento de surpresa, ao vê-la tão pobre e humilde. Mandou a ama-seca Baubo lhe preparar um pouco de vinho, mas a estranha mulher pediu que apenas lhe preparasse o “kykeón”, uma bebida com sêmola de cevada, água e poejo, que, acreditavam, era um calmante de propriedades mágicas. Foi atendida. Dizem que, logo depois que bebeu, Deméter começou a gemer como se estivesse dando à luz um filho, causando tremenda correria das criadas da rainha, e certamente se sucedia, mesmo não aparentando gravidez: inesperadamente a deusa, sozinha em seu quarto, antes que as criadas retornassem para atendê-la, retirou debaixo de seu vestido um menino, e chamou-o Íacos. O nascimento teria se sucedido da união com Zeus, seu irmão. O menino aninhou-se nos braços da mãe e encheu-a de beijos, em seguida procurou-lhe o peito.

Abante (ou Abas), um dos filhos de Céleos e Metanira, naquele momento, apareceu e teve a infelicidade de zombar de Deméter, por ela ser tão velha e ter dado à luz, e não resistiu:

— Nossa! quanta avidez!

E foi por ela transformado em um pequeno lagarto, que logo saiu se arrastando. Então, Deméter cobriu o rosto com o véu, e o menino desapareceu, quando entrou na sala uma jovem criada coxa, chamada Iambe, que diziam ser filha do rei.

— Oh! que bicho nojento! Como será que ele entrou aqui? Pode deixar, minha senhora, eu o retiro.

Iambe agarrou o pequeno lagarto pela cauda e atirou-o janela afora. Então, sabendo ser uma triste mãe que acabara de perder a filha, Iambe fê-la rir com seus chistes maliciosos e gestos obscenos. Em seguida, tentou consolá-la. Então, as criadas de Metanira, dela acompanhadas, entraram depressa no quarto e a encontraram calma e serena, como se nada tivesse acontecido.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:23

Apesar de ter muitas dúvidas, Céleos aconselhou a esposa a fazer então uma experiência. Deméter foi conduzida ao quarto do príncipe que chorava num berço de ouro. E mal entrou no quarto, o menino pareceu mais calmo. Ela chegou junto do berço e murmurou com carinho:

— Parece uma flor de tão lindo...

Foi como ele entendesse e gostasse do elogio, porque desabrochou num sorriso. Os que presenciaram aquilo, gritaram:

— Milagre! O bebê sorriu! O bebê sorriu!

Metanira acabava de encontrar a ama que o seu coração de mãe desejava. A rainha entrevistou a estranha, sem saber quem realmente era.

— Aceitas o encargo? Posso confiar em ti?

— Aceito. Mas com uma condição.

— Pede quanto quiseres.

— Não quero ouro nem prata. Quero apenas confiança.

— Eu confio em ti.

— Mas eu quero confiança inteira, absoluta. Nem tu nem o rei teu marido e senhor podereis interferir nos meus cuidados.

Metanira teve que aceitar. Se recusasse, perderia a ama, tão festivamente recebida por Demófon, seu filho, a primeira que o fizera sorrir e a única mão capaz de estender-lhe alimento sem que fosse repelido com lágrimas e gritos. Mas tratava-se de uma desconhecida. Mesmo assim, teve que aceitar.

— Não vais interferir, não é? Eu tenho segredos só para ele reservados, que farão do pequeno Demófon um príncipe maravilhoso e um futuro rei como nunca houve entre os reis nascidos na Terra.

— Está bem, minha amiga. Nós confiamos em ti.

Valeu a pena. O príncipe dentro em pouco era uma festa permanente no palácio. Estava de novo forte e alegre. Cresceu forte, começou a ensaiar o primeiro engatinhado, já tentava erguer-se, punha-se de pé, mal equilibrando o corpinho gorducho, rindo com os dentinhos nascentes, os olhos claros, iluminados de alegria.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:24

Quase ninguém do povo acreditava na radical transformação da criança. O soberano Céleos e a rainha Metanira estavam felizes. Havia até uns criminosos condenados à pena de morte, que deviam ser executados dentro de poucos dias; mas o rei mudou a pena e resolveu dar-lhes apenas alguns anos de prisão. Uma semana depois, vendo o pequeno príncipe ensaiar os primeiros passos, aboliu para sempre a pena de morte em Elêusis.

Para nutrir o menino, Deméter saía à noite, sem ser vista, para colher papoulas e fazer um caldo para misturar ao seu leite. Feliz, um dia, por ver o pequeno príncipe comer os ricos manjares que Deméter lhe oferecia, a rainha Metanira lembrou-se de que havia na sua cidade inúmeras crianças que tinham fome e nem sempre tinham o que comer. E, com a aprovação do rei Céleos, ordenou que seus servos saíssem a verificar todas as casas onde faltasse alimento para os bebês, para serem abastecidas pelo palácio real.

Deméter parecia muito misteriosa nos seus cuidados com o menino Demofóon, cada vez mais robusto e feliz. E Metanira não conseguia refrear a sua curiosidade.

Mais de uma vez perguntou, mais de uma vez Deméter quase perdeu a paciência:

— Qual foi o nosso trato?

— Está bem, está bem...

Uma noite, não resistiu. Sem que Deméter a visse, escondeu-se no quarto de lindas cortinas e de piso de mármore onde Deméter e o pequenino príncipe dormiam. E foi com o maior espanto que assistiu a um estranho cerimonial.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 27/3/2021, 03:25

Depois de abraçar e beijar muito a criança, extravasando carinho, Deméter se encaminhou para a lareira, que havia a um canto e em cuja base ardiam brasas que iluminavam fracamente o quarto, aquecendo-o contra o frio que reinava lá fora. Revolveu os carvões acesos e a cinza que havia ao seu lado. Depois banhou o pequeno príncipe com muito cuidado e perfumou o seu corpo com uma essência suave, que retirou de um vaso de alabastro. Em seguida, remexeu as brasas com uma tenaz de ferro, que foi ficando vermelha ao contato do fogo, fez uma clareira no meio das brasas e tomando o menino, todo nu e sorridente, colocou-o no espaço vazio que ficava no meio das brasas vermelhas.

Ao ver aquilo, horrorizada, Metanira deixou o seu esconderijo, deu um grito, retirou, desesperada, a criança do meio das brasas, que não estava chorando, e avançou para Deméter:

— Criminosa! É assim que tratas meu filho?

Deméter voltou-se para a rainha, como se tivesse levado um golpe mortal. Não mostrava medo, mas tristeza.

— Acabas de cometer uma loucura, Metanira!

— Loucura? Salvando o meu filho da Morte?

— Não. Apenas faltaste com a tua palavra. Tinhas prometido não interferir. Concedeste-me toda a liberdade para dar-lhe condições de se tornar o maior rei que já houve entre os homens, um rei imortal...

— Mas ele não iria morrer?

— De onde o tiraste?

— Do meio das brasas ardentes.

— E ele tem queimaduras?

A rainha examinou a criança.

— Não... não tem!

— Há quanto tempo não o vias chorar?

— Desde que aqui chegaste, já faz algum tempo...

— E ele está fazendo o quê?

Só então Metanira reparou que o pequeno príncipe chorava em desespero.

— Ele deve estar todo queimado.

— Sabes que não, Metanira. Observa melhor...

Metanira nada de errado viu na criança.

— Mas então...?

— Agora o problema é teu. Procura outra ama. Eu vou sair de Elêusis agora mesmo...
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