Os Cátaros

Paulo e os gnósticos

Existe hoje em dia uma visão muito comum entre aqueles que não estudam aprofundadamente esta questão de que Paulo teria sido um traidor do cristianismo original, que teria justificado os dogmas da Igreja Católica e sua visão negativa da mulher, etc. Esta visão foi muito reforçada por autores populares como Dan Brown, por exemplo. Mas gostaria de esclarecer aqui que ela é embasada em algumas leituras históricas bastante errôneas.

Destaquei e traduzi aqui um trecho de um artigo de Francisco García Bázan, professor de religião comparada, e especialista em R. Guénon, Plotino e Gnosticismo::

"Em geral os textos gnósticos oferecem uma interpretação simbólica de Paulo (...) porque segundo esses cristãos primitivos, Paulo de Tarso, senão em toda o seu ensinamento, pelo menos em uma grande parte dele, participava de uma compreensão profunda do mistério de Cristo que o levava a transcender sua experiência de crente cristão comum para falar, como espiritual, a linguajem universal da alma religiosa sem limitações e, de tal modo, aprofundava a sua crença particular até chegar a transcender sua fé na gnosis para poder falar assim, legitimamente, a língua de todas as tradições religiosas."

Esta visão de que Paulo foi um traidor não era a visão dos gnósticos originais (Valentino, Basilides, e outros tantos gnósticos...)

Estudando a história do gnosticismo vemos que na verdade em muitos textos gnósticos Paulo é mencionado, citado e interpretado, em mais de uma oportunidade. Os gnósticos utilizaram em seus escritos citações de Paulo, considerando-o, portanto, como um gnóstico, e não como um traidor.

Só para citar uma prova definitiva de que Paulo era importante para o gnosticismo: existiu uma seita gnóstica, de inspiração maniquéia (de Mani, um gnóstico da Pérsia) que intitulavam a si mesmos "paulicianos"... Adivinhem de onde vem o nome? Ora, de Paulo!
Basta pesquisarem sobre a história deste movimento.
Os Paulicianos influenciaram muito os Bogomilos, que por sua vez influenciariam os Cátaros.

A origem de toda a confusão está em tomar os textos de Paulo a partir de uma interpretação literal e não simbólica.

Há um livro da Elaine Pagels chamado "The Gnostic Paul". Ainda não li. Mas conheço alguns comentários e sei que ela analisa o conteúdo gnóstico que está presente nas cartas de Paulo.

Uma dúvida que me fica a respeito da doutrina cátara é a que diz respeito à reencarnação.
Pelo pouco que conheço, me parece que os cátaros conheciam o princípio das múltiplas existências, pelo qual a alma (ou espírito, se preferirem) evolui e se purifica.
Estarei errada?

Porém, não tenho nenhuma informação sobre a prática da mediunidade, ou comunicação com os "mortos" (uso o termo comum, já que só o corpo morre e o espírito continua vivo). O livro "Os Cátaros e a Heresia Católica" de Hermínio C. Miranda informa que os cátaros usavam a mediunidade e que na noite anterior ao massacre do Montségur teriam sido consolados e amparados por espíritos elevados. A informação procede?

Amiga, o Catarismo não possui absolutamente nenhuma relação com o espiritismo. Esta é a opinião que aqui expressarei, e que é corroborada por todos os historiadores e medievalistas que hoje em dia estudam o catarismo. No entanto, acontece que o espiritismo, ao identificar-se com o cristianismo, procura identificar no catarismo (e não só no catarismo, como em qualquer movimento cristão da história) a mesma lógica e as mesmas crenças de sua doutrina. O livro "Os Cátaros e a Heresia Católica" de Hermínio C. Miranda é um exemplo disto. O autor, antes de pesquisar sobre os Cátaros, já era espírita. E é com os óculos e as lentes do espiritismo que ele procura pintar a sua visão do catarismo. Claro que cada um tem o direito de ter a sua visão, mas fazer afirmações do tipo que contrariam todos os dados históricos é no mínimo problemático. Por isto não considero livros como "Os Cátaros e a Heresia Católica" uma boa fonte de referência para pesquisa histórica séria, senão para espíritas ou para simpatizantes do espiritismo que procurem alguma justificativa ou ponto de apoio para a sua fé.

Bibliografia sobre o Catarismo

Existe pouca coisa de qualidade traduzido em português, mas aí vai:

"La Verdadera Historia de los Cataros (Vida e Morte de una Igresia ejemplar)", de Anne Brenon (Ediciones Martínez Roca).

Este é um livro muito bom para a pesquisa histórica. Ajuda a derrubar muitas mentiras que os inimigos dos cátaros espalharam, como a ideia de que os cátaros condenariam a humanidade à extinção, etc.

"No Caminho do Santo Graal", de Antonin Gadal (Editora Rosacruz). Este é um livro que narra a história de um neófito em vias de se tornar um iniciado dentro da comunidade dos Cátaros. Apesar de ser um romance, é fruto de uma vida inteira de pesquisas do autor dentro da simbologia e ensinamentos Cátaros.

Além disto, tem também:

"Os Cátaros e o Catarismo", de Lucienne Julien (editora Gnose)

"A Heresia Perfeita", de Stephen O'Shea (Editora Record)

"Hereges de Deus" de Audrey Brul

Estes últimos, no meu ponto de vista, pecam em várias considerações históricas e algumas vezes reproduzem os preconceitos de historiadores católicos que eram inimigos dos Cátaros na época.

Existe uma tese de mestrado da UNB que é muito boa:

Chama-se "LAÇOS DE SANGUE, LAÇOS DE FÉ, RELAÇÕES FAMILIARES E SOLIDARIEDADE NO CATARISMO DO SÉCULO XIII"
de Linda Joene Carvalho Granjense de Lima.


Mais alguns:

Os Cátaros - René Nelli
La Vie Cotidienne des Cathares au Languedoc au XIII siècle – René Nelli
Petit Précis de Catharisme – Anne Brenon
CATHARES - LA TERRE ET LES HOMMES - Michel Roquebert, Gérard Sioen -
LA RELIGION CATHARE - Michel Roquebert
LA RELIGION CATHARE - LE MAL, LE BIEN ET LE SALUT DANS L'HERESIE MEDIEVALE - Michel Roquebert.
HISTOIRE DES CATHARES - HERESIE, CROISADE, INQUISITION DU XIE AU XIVE SIECLE - Michel Roquebert.
L'EPOPEE CATHARE - Michel Roquebert
Heresia, Cruzada e Inquisição na França Medieval - José Rivair Macedo – UFRGS


Há também alguns mais antigos:

- ZERNER-CHARDAVOINE, Monique - "La Croisade des Albigeois". Paris, Gallimard, 1979.

- FONSECA, Maria henriqueta - "O Catarismo e a Cruzada contra os Albigenses". Revista de História (USP), volume VIII número 17-18, 1954, pp. 79-117.

- LABAL, Paul - "Los Cátaros: Herejia y crisis social". Barcelona: Editorial Critica, 1984.

- BOUTARIC, Edgard - "La guerre des albigeois et Alphonse de Poitiers". Revue des questions historiques, tome 2, 1867, p.155.

- BELPERRON, Pierre - "La Croisade contre les Albigeois et L'union du Languedoc à La France." Paris: Librarie Plon, 1942, p.447.

- BORST, Arno - "Les Catahres". Paris: Payot, 1974, p.102

- LUCHAIRE, Achille. - "Inocent III. La Croisade des Albigeois". Paris: Hachette, 1906. pp. 1-113.

- SUMPTION, Jonathan. - "The Albigensian Crusade." Londol. Faber & Faber, 1978. pp.32-78.

Mais um:

"Deus reconhecerá os seus - a história secreta dos cátaros", de Maria Nazareth A. de Barros (Mestre pela UFRJ e diplomada pela Universidade Nacy II). Editora Rocco.

Este eu ainda não li!

Pra terminar:

LADURIE, Emmanuel Le Roy. "Os camponeses do Languedoc" Editorial Estampa. 1997.

LADURIE, Emmanuel Le Roy. "Montaillou: cátaros e católicos numa aldeia francesa – 1294-1324. " Lisboa: Edições 70. 2008.

The Cathars - Malcolm Lambert

Os quatro mais importantes pesquisadores do INÍCIO DO SÉCULO XX, responsáveis pelo ressurgimento do interesse místico em torno do assunto do catarismo foram: Antoine Gadal, Deodat Roché, René Nelly e Otto Hahn.

Claro que depois deles surgiram outros.

Obrigada pelas informações!

Mais uma dúvida...

Vi em algumas fontes que Maria Madalena foi a França. Não sei em que região.
Poderia ter influenciado o Catarismo?

Existe uma tradição popular no sul da França que fala sobre Maria Madalena. Tem por exemplo a cidade de Saintes Maries de La Mer (Santas Marias do Mar), onde existe um santuário em honra das "Três Marias" (Maria Madalena, Maria Salomé e Maria de Cleofas) que teriam sido as primeiras a ver o Sepulcro Vazio. A lenda local conta que as Três Marias e a escrava egípcia Sara foram parar lá miraculosamente, depois de terem lançadas ao mar em uma jangada sem velas ou remos. Mas lenda é lenda e, logicamente, não existe nenhuma comprovação histórica sobre Maria Madalena ter ido para o sul da França.

Esse é um tema sobre o qual há muito tempo se escreve, mas quase sempre sem pesquisa documental séria.
Que eu conheça, a obra mais sólida a respeito é a de Faillon (Monuments inédits sur l´apostolat de Ste.-Magdeleine en Provence), em três volumes, editados por Migne, em Paris, no ano de 1848.