Idade das Trevas?

Estou de saco cheio da ideia renascentista do Intervalo, da pausa medieval, da idade das trevas. A Europa Ocidental Medieval não foi feita por um bando de neandertais uga-uga com uma tecnologia guerreira e uma religião sofisticadas. Importantes perguntas foram formuladas neste período e lugar e algumas respostas foram dadas. A elite podia ser semialfabetizada, mas o problema era mais de transmissão de conhecimento que da capacidade de gerar conhecimento. Proponho que falemos a respeito de vida e obra de alguns cabeçudos da Europa Ocidental Medieval (não vale portanto filósofos chineses, islâmicos, hindus ou o asteca Tlacalael). Sugiro Hildegard von Bingen, Ramon Lull, Ockham, Alberto Magno, Abelardo, Roger (não Francis) Bacon, Frederico II do Sacro Império...

O certo é que os renascentistas tiraram essa conclusão por causa das crises da Baixa Idade Média (sécs: XIV e XV até 1517), tiraram conclusões muito precipitadas sem levar em consideração a Plena Idade Média que se estende do ano 1000 a 1315.

Assim como os iluministas depois deles.

Esse Frederico II que você mencionou se não me engano é aquele que teve aqueles atritos todos com o Papado na mesma época em que os mongóis invadiam a Europa.

Os imperadores do Sacro Império (após Henrique IV se não me engano) se chocaram com vários papas, mas o mais poderoso e antipapal deles foi este Frederico II. Na época, ele era dono do avançado reino da Sicilia também. Ele desejava mais que tudo a posse de toda a Itália, portanto seus principais inimigos eram a Liga Lombarda e os Estados Papais. A Alemanha era apenas o meio para um fim. Ele chegou a receber enviados abusados dos mongóis exigindo (mera bravata?) que ele se tornasse vassalo. Ele respondeu, subestimando, ou não, os mongóis, que topava desde que pudesse ser falcoeiro do Grão-Cã. Ele realmente amava falcoaria.

Isso foi a Questão das Investiduras, a controvérsia também ocorreu entre Igreja e Estado na França. A polêmica foi finalmente resolvida pela Concordanta de Worms em 23 de setembro de 1122.

...mas a queda de braço entre Estado e Igreja, mais especificamente entre imperador do Sacro Império e o Papa, continuará até século XVI. Basicamente os detentores do poder temporal conseguiram restringir o poder temporal dos papas, mas Itália e Alemanha pagaram, pois não foram reunificadas, exceto tardiamente.

É um momento importante na história do Ocidente. Poderíamos ter um Estado teocrático parecido com os Estados islâmicos. Mas já na Idade Media, pelo contrário, conseguiu-se o primeiro passo no divórcio do casamento Igreja-Estado. Tal casamento foi feito por Costantinus Magnus e desfeito pela Revolução Francesa.

Frederico II Hohenstaufen foi especialmente atrevido com os papas.

Foi o Cesaropapismo, principalmente dos imperadores germânicos, mas isso resultou na aceleração da descentralização política no Sacro Império, principalmente depois do ano 936. A Igreja Católica era unificadora e universal, e essa força fraternal também defendia a importância da paz e da ordem social. O clima de insegurança nos séculos IX e X era geral e aumentou de tal maneira que a vida só se tornou possível junto aos castelos fortificados. O Feudalismo se estabeleceu em sua plenitude.

Os habitantes dos feudos certamente comemoraram o ganho de maior autonomia política, já que a partir daquele momento serão melhor governados e a defesa do território contra invasões será mais eficiente e rápido. A França se fragmentou tanto, mais tanto que a dinastia Carolíngia acabou se extinguido em 987, o caso da França era extremo e o poder da nova Dinastia, a Capetíngia, era apenas simbólico.
Até o século XI, grande parte do nordeste da Espanha foi parte do fraquíssimo ''Reino da Francia Occidental'', e o atual leste da França acabou sendo incorporado ao ''Reino da Germânia'' ainda no século X. Tudo se encaixa!

Apesar do aparente sucesso do Império Carolíngio em reunificar (pelo menos parcialmente) o Império Romano Ocidental. Ele o fez em bases muito diferentes. A cavalarização que começou também atomizou o poder político. Doravante, um rei/imperador só conseguiria esmagar barões rebeldes se o número/poder de barões fieis a ele fosse maior. Tudo muito dependente de relações pessoais de confiança. Relações institucionais foram abolidas, mesmo com membros da igreja servindo de dublês de burocracia imperial.

Mas a coisa pioraria...

Com certeza, no século X, a França estava coberta de castelos que impossibilitavam qualquer iniciativa do poder central de forçar obediência de senhores feudais rebeldes, mas a Alemanha do mesmo período não tinha tantos castelos e o poder central era melhor obedecido. Com a queda de braço entre Imperador e papa, a Alemanha sofreu o mesmo destino da França e foi até mais grave, porque a França se reunificou (após muita guerra) no século XV e a Alemanha não, até século XIX, embora tenha tido uma chance boa no século XVI. Desta vez a força unificadora (Habsburgs) foi atrapalhada pela Reforma.

O imperador carolíngio e otonida tentaram repetir a receita cesaropapista de Constatino e dos basileus contemporâneos, onde fica claro quem manda. Na queda de braço entre Igreja e Imperador, as duas forças estavam simbioticamente ligadas resultando em ruína dos dois. O Imperador precisava da estrutura burocrática intelectual da Igreja sem contar o efeito amortecedor de revolta popular. Mas o papa precisava de forças armadas, que os barões germanos relutavam em fornecer. Muitos autores veem as Cruzadas como um esforço papal para demonstrar que papas poderiam ser eficazes em construir e liderar exércitos vitoriosos. As primeiras cruzadas não foram pregadas dentro de território do Sacro Império e os papas ainda estavam às turras com o Imperador. As Cruzadas então teriam nascido como mero capítulo da guerra Igreja-Estado.

E também, após a morte de Lotário I em 851, a chamada Lotaríngia se fragmentou em milhares de feudos. Era impossível para Luís, rei da Germânia, não incorporar essa área que ia da Itália até a Holanda ao seu Reino.

E no caso da Rússia??

O início do tópico falava na conservação da cultura e do conhecimento e acabou descambando para a política e para a disputa de poder... E eu estava interessado nos grandes pensadores da Idade Média... Queria saber qual a contribuição deles e se foi fácil para os pensadores do período se desvencilharem do engessamento religioso imposto por igrejas extremamente poderosas quanto a tudo. Política, mas também pensamento, costumes, ideias etc...

Vlad Tepes III escreveu:
O imperador carolíngio e otonida tentaram repetir a receita cesaropapista de Constatino e dos basileus contemporâneos, onde fica claro quem manda. Na queda de braço entre Igreja e Imperador, as duas forças estavam simbioticamente ligadas resultando em ruína dos dois. O Imperador precisava da estrutura burocrática intelectual da Igreja sem contar o efeito amortecedor de revolta popular. Mas o papa precisava de forças armadas, que os barões germanos relutavam em fornecer. Muitos autores veem as Cruzadas como um esforço papal para demonstrar que papas poderiam ser eficazes em construir e liderar exércitos vitoriosos. As primeiras cruzadas não foram pregadas dentro de território do Sacro Império e os papas ainda estavam às turras com o Imperador. As Cruzadas então teriam nascido como mero capítulo da guerra Igreja-Estado.

Não havia Estado, e o Império Carolíngio nunca foi verdadeiramente centralizado porque os germanos não tinham noção de ''estado'', e Luiz da Germânia conseguiu incorporar alguns territórios através de contratos feudo-vassálicos ainda no século IX, não guerras.
Na verdade, a sociedade medieval havia assimilado os costumes das antigas civilizações bárbaras. Se perguntássemos a uns habitantes de um feudo do século IX ou do século XII ''quem é o rei'' ou ''a que reino pertence'', eles não saberiam responder; que reino? que rei? Encontramos relações sociais baseadas em laços de fidelidade, nas quais vale a palavra e a honra, envolvendo aqueles que conservam o valor guerreiro, na qual os romanos desconheciam. Foi marcante na Europa Medieval, e o vassalo sempre tinha que ser fiel e prestar homenagem, não era o caso de D. Afonso Herinques com o rei de Leão. hehehehehehe

Alquimista escreveu:
O início do tópico falava na conservação da cultura e do conhecimento e acabou descambando para a política e para a disputa de poder... E eu estava interessado nos grandes pensadores da Idade Média... Queria saber qual a contribuição deles e se foi fácil para os pensadores do período se desvencilharem do engessamento religioso imposto por igrejas extremamente poderosas quanto a tudo. Política, mas também pensamento, costumes, ideias etc...

São muitos, Alquimista, mas por enquanto só lembro da invenção dos óculos em 1270 na Alemanha e da prensa móvel em 1439, também na Alemanha.

Posso citar alguns dos quais eu gostaria de conhecer a história pessoal. A gente lê trechos das obras (nunca li uma inteira) e fica curioso de saber quem eles eram, porque pensavam dessa forma exposta nas suas obras etc... Curiosidade puramente intelectual. hehehe Posso citar alguns... Nicolau de Cusa, Sto. Anselmo, Sto Alberto Magno, Escoto Rigena, Sto. Agostinho, Tomás de Aquino (apesar de eu não gostar dele) etc. kkkkk

Irnerius de Bolonha

Homem do século XI-XII, envolvido com a recuperação do Código de Justiniano para o Ocidente e com a fundação da Primeira Universidade do Mundo aos moldes ocidentais. Foi apoiado entusiasticamente pelo imperador da Alemanha, Frederico I Barba Ruiva, que temia o monopólio do conhecimento na mão do papa.

Proclo da Lícia

Talvez nascido em Constantinopla, foi diretor da Universidade de Atenas no século V. Seus comentários sobre a geometria de Euclides e a filosofia de Platão foram importantes para escolas medievais islâmicas e ocidentais. Era cientista, matemático, poeta, advogado e místico.

Alcuíno de York

Viveu entre 730-804, foi um clérigo, inglês, aluno de Egberto de York, convidado por Carlos Magno a ajudar no renascimento cultural do império. Pode ter sido professor do próprio imperador. Escreveu poemas e textos sobre Gramática e Teologia. Era ultraconservador e dizia: Nunca escute aqueles que dizem que a voz do povo é a voz de Deus, porque o rugido das multidões está próximo da loucura.

Johannes Escoto da Irlanda

Homem do século IX, que dizia que: não há conflito entre conhecimento derivado de razão e de revelação divina. Tentou demonstrar que toda a doutrina cristã tinha bases racionais. A Igreja entrou em conflito com ele porque ele tornava a Fé e a Revelação redundantes. Ele se defendeu dizendo que a Revelação ainda precisa ser interpretada (pela Razão). Mas que a Razão é a base de toda a autoridade.

Anício Boécio de Roma

Viveu entre 480-525, na Itália Ostrogótica. Era da aristocracia romana. Falarei mais dele depois...

Gostei do Alcuíno...
Agora... Os escritos de todos esses pensadores foram conservados, ou quando eles não diziam amém para os superiores da época eram esses escritos destruídos???

Havia diferença entre o tratamento que os pensadores recebiam nas diversas regiões da Europa???