Idade das Trevas?

Bom, Alquimista, se diziam amém não sei, mas de algum jeito, os textos deles, mesmo quando não estavam no mainstream da época, chegaram até nós. Deturpados? Talvez. Quanto às diferenças... sem dúvida houve diferenças regionais. Noto os autores da Britânia algo mais atrevidos. Conforme for postando você verá que quase 100% deles estavam ligados a Igreja.

Boécio

Ele nasceu na época que o império ocidental ruiu. Foi adotado por família aristocrata da cidade de Roma. Estudou muito, se tornou tradutor de grego e admirava Aristóteles. E comentou alguns textos dele antes de criar o seu Consolação da Filosofia que escreveu quando foi preso. Antes disso seus talentos o tornaram o principal conselheiro do rei ostrogodo mais competente da Itália. Por uma intriga palaciana, não por uma dicotomia romano x bárbaro, foi preso e executado. Sua grande sacada foi sua contribuição para o quase-eterno dilema se os humanos tem livre arbítrio ou são meros fantoches de Deus. Ele argumenta que Deus não vive na nossa timeline, ele vive num eterno presente e sabe de antemão o que faremos.
Ainda que tais feitos realmente sejam frutos de nossa vontade livre. Claro que isto daria margem a Deus de "retificar" flutuações em seu plano causadas pelos atos humanos...

Abelardo

Mais famoso pelo seu caso de amor fatídico com sua aluna, ele teve uma vida intelectual rica à frente de seus alunos em Paris do século XI e XII, e foi um dos poucos pensadores cristãos a claramente torpedear a ideia agostiniana e platônica que atribuía às palavras ou ideias algo real sobre o que os objetos reais que elas designam.

Robert Grosseteste

Viveu entre 1175-1253. Era um mero camponês inglês, mas chamou tanto a atenção do senhor feudal local que ele pagou os estudos de Grosseteste. Foi o primeiro pensador medieval a claramente entender os rudimentos de método científico de Aristóteles: os indutivo (que parte de fatos particulares que repetem um padrão para construir uma verdade generalizada) e dedutivo (que de posse da generalização é capaz de fazer previsões sobre casos particulares e construir tecnologias). Depois de estudar em Universidades, se tornou padre e mesmo padre, continuou a criticar a Igreja no que via de errado. Não sei como não foi calado ou queimado.

Vlad Tepes III escreveu:
Ele nasceu na época que o império ocidental ruiu. Foi adotado por família aristocrata da cidade de Roma. Estudou muito, se tornou tradutor de grego e admirava Aristóteles. E comentou alguns textos dele antes de criar o seu Consolação da Filosofia que escreveu quando foi preso. Antes disso seus talentos o tornaram o principal conselheiro do rei ostrogodo mais competente da Itália. Por uma intriga palaciana, não por uma dicotomia romano x bárbaro, foi preso e executado. Sua grande sacada foi sua contribuição para o quase-eterno dilema se os humanos tem livre arbítrio ou são meros fantoches de Deus. Ele argumenta que Deus não vive na nossa timeline, ele vive num eterno presente e sabe de antemão o que faremos.

Ele então é o pai da ideia da Lei da Pré-disposição. Aquela que foi muito criticada, pois diziam que se tudo já estava escrito, para que lutar para conseguir o que queríamos...????

Adoro a história do Abelardo e da Heloisa... Triste, mas muito linda...
Agora... É verdade que foi condenado à castração???

Talvez, sim. Um filósofo islâmico chegou à mesma conclusão que Boécio, de modo independente dele. Mas o islâmico é posterior. Não lembro do nome dele agora e no escopo tópico queria só levantar os nomes de ocidentais pra vermos que a Idade das Trevas não era tão trevosa.
Quanto ao Abelardo, ele não foi condenado por tribunal algum, o tio da moça é que ficou p.. e pagou uns capangas pra emascular o coitado.

Até agora o que mais me impressionou foi Grosseteste. Primeiro pela sua origem humilde, segundo pela justiça de seu protetor, terceiro que o cara pegou algo muito importante do Aristóteles, desenvolveu e iria influir nos criadores (Bacon e Descartes) do método cientifico (que é indutivo), quarto que mesmo se tornando membro da ICAR, ousou critica-la e quinto ele não se deu tão mal com isto!

Acho que Boecio não propunha exatamente ESTA lei de predisposição. Ele acreditava que Deus não tinha exatamente um plano, porque isto seria algo a ser realizado num futuro que ele não viverá como nós viveremos. Mas ainda botando nestes termos que Deus "planejaria". A coisa seria, segundo ele, assim: Deus designa que você vá de A para B, mas os caminhos possíveis para que você vá de A para B são muitos, depende de você escolher qual efetivamente será usado.

Entendi... Então quem foi que teve a ideia mãe de pregar a predisposição??? Isso fez com que surgissem as religiões que acreditam que todo mundo merece aquilo que já está previsto nos "desígnios de deus"... Por isso, vamos ficar ajoelhados a vida toda rezando.

Acho que foi o Agostinho de Hipona, mas houve uma radicalização desta ideia (predestinação da alma ao Inferno ou ao Céu) quando seguidores dele e do Pelagius se pegaram e acabaram induzindo seus mestres a radicalizarem suas posições. O duelo intelectual entre Pelagius e Agostinho é um dos mais fascinantes de todos os tempos. Acaba com os pelagianos sendo duramente perseguidos, mas atualmente até os membros do alto clero católico são semipelagianos. Lutero também era. Foi Calvino que retomou um antipelagianismo claramente e resultou no Destino Manifesto: ideologia dos puritanos que comandaram a política dos EUA. Engraçado que o Islam também retoma a ideia agostiniana da predestinação.

Zardoz, o Mágico escreveu:
Isso foi a Questão das Investiduras, a controvérsia também ocorreu entre Igreja e Estado na França. A polêmica foi finalmente resolvida pela Concordanta de Worms em 23 de setembro de 1122.

Na prática não foi resolvida até 1303. Inocêncio III aparentemente esmagou todos os reis e imperadores começando pelo Imperador do Sacro Império e depois fazendo os reis da Inglaterra e França deverem seus tronos a ele e finalmente, embora incialmente condenasse, também lucrou a conquista do Império Bizantino pelos cruzados. A ironia do destino foi que seu pupilo protegido, o herdeiro de Duas Sicílias e Sacro Império, era o Frederico II ! Foi o Inocentius III morrer e ele enquadrou com malandragem todos os papas até os que desencadearam Cruzadas contra ele. Inocentius IV conseguiu extinguir a família Hohestaufen, mas a Itália e Alemanha só puderam ser unificadas no século XIX. O castigo é que o triunfo papal durou pouco. O rei francês tomou o lugar de governante temporal a desafia-los, construindo seu próprio Papado em Avignon e em 1303 surrando fisicamente o papa, deixou claro que Ocidente nunca seria uma teocracia.

Relembrando os já citados e citando Ockham.

Já citamos Agostinho, Aquino, Fred II, Irnerius de Bolonha, Alcuino de York, Proclo, Joan Escoto, Boecio, Abelardo, Grosseteste, agora vou falar de William de Ockham (1285-1347), inglês que estudou teologia em Oxford, foi excomungado porque afirmou que o papa não deveria ter poder temporal, porém é mais famoso porque "inventou" o segundo "crivo" mais famoso em Filosofia (o primeiro é o socrático, do verdadeiro, do justo e do útil). Segundo a "navalha" de Ockham, a explicação mais simples para um fato é a mais provável de ser a verdadeira explicação. Ele também defendeu a primazia do raciocínio indutivo (generalizações devem ser fruto de experiência de casos particulares numerosos), portanto é um precursor do empirismo britânico do John Locke e do Bacon.

John Duns Scoto (1256-1308)

Nao confundir com o anterior Joan Scoto do séc IX.  Ele era escocês. Frei franciscano como o Ockham. Lecionou em Oxford e Paris e bateu de frente com a ideia de Aquino que atributos modificavam-se se fossem aplicados a Deus (bondade de Deus é uma bondade diferente da bondade humana, se Deus fosse verde seria um verde diferente da grama). Afirmava que podemos aprender algo diretamente da percepção dos fatos pelos sentidos sem ajuda de revelação divina e que os fatos especificos podem ser experimentados sem auxilio de generalização racional, portanto as generalizações deveriam ser filhas do empirismo. Uma linha bem britânica e protocientífica.

Eckhart (1260-1327)

Não se sabe de onde veio, foi frei dominicano, lecionou e dirigiu vários estabelecimentos de ensino europeus, era seguidor de Aquino, entusiasmado e entusiasmando pela ideia de que Deus habita o nosso interior. Foi julgado por isto como herege, reconheceu que deu uma exagerada, mas morreu antes do veredito.

Ramon Lull (1232-1316)

Catalão! Viveu na corte das Ilhas Baleares difundindo ideias neoplatônicas, mas após ter uma visão mística do Cristo, tornou-se frei franciscano e convenceu-se que todos os islâmicos e judeus poderiam ser convertidos por argumentos racionais (São Francisco tentou isto com o Califa do Egito sem sucesso) e foi para a Tunísia. Conhecia bem as 3 religiões e tentava unifica-las com argumentos complicados. Achava que a humanidade lucraria muito com só um monoteísmo e com todo conhecimento humano exposto em um único texto.

Santo Anselmo (1033-1109)

Um italiano rico que se tornou monge na França estudando jovem com Lanfranc. Estudou Lógica Aristotélica, Gramática e como comentar Bíblia. Era um enrolão e se você aceitasse as premissas falsas, embarcaria facilmente nas conclusões dele. Foi enviado velhinho para ser bispo em Cantuária e lá bateu de frente com os reis normandos que queriam centralizar poder político e viam Igreja como ameaça a isto. Foi exilado duas vezes, quando voltava à Itália e pedia para o papa para não mais voltar para a Inglaterra. No fim, voltou para a Inglaterra onde o rei Henrique I o perdoou e lá morreu tranquilo. Era um Escolástico (escola de filosofia dentro da Igreja que procurava justificar a Fé através da Razão). Ele afirmava que o simples ato de pensar sobre Deus é uma prova de que ele existe e que nada pode ser imaginado maior que Ele. É famoso por seu diálogo com um Louco, a respeito de Deus.

Diálogo de Anselmo com um louco, de 1077

Acho válido postar o diálogo aqui. Foi livremente traduzido e posto meus comentários entre colchetes. Anselmo chamava seu interlocutor de Um Louco porque era alguém que não acreditava na existência de Deus, não que não fosse capaz de ficar preso à Razão e argumentar com coerência. Anselmo bolou um diálogo que pretendia ser puramente racional, de uma lógica atemporal, válida pra qualquer tempo e lugar, mas como veremos, ele também está impregnado de premissas culturais.

Anselmo: Você concorda que se Deus existe ele teria que ser a maior coisa capaz de existir, um ser do qual não se possa imaginar nada maior?

Um louco: Sim

Anselmo: E você concorda que um ser assim existe na tua mente?

Um louco: Sim, na TUA mente, mas não na realidade.

Anselmo: Mas você concordaria que algo existindo na realidade e na mente de alguém seria "maior" que algo que só exista na mente?

Um louco: Sim, uma maçã na minha mão é "maior" que uma maça somente imaginada por mim.

[Do que estes caras tão falando? O que é "maior" segundo eles, o que querem dizer? Mais poderoso? Mais válido ou valioso? Além disso, um projeto de estrada somente imaginado não pode ser mais grandioso que uma estrada realmente feita?]

Anselmo: Então "um ser do qual nada possa ser imaginado maior, mas que só exista dentro de minha mente" é menor que se esta coisa existisse na realidade!

Um Louco: Sim, já concordei com isto.

Anselmo: Então você agora me diz que EXISTE algo [aqui que você se machuca ao acreditar ou acompanhar Anselmo, porque até então ele falava de algo possível de existir e não de coisa que existe]

Um Louco: Isto não faz sentido

Anselmo: Exatamente. A única alternativa para esta contradição é admitir que "um ser do qual não se pode imaginar nada maior" realmente EXISTA na mente e na realidade! [Há uma outra alternativa, o que Anselmo diz simplesmente não faça sentido. Assim mesmo que Deus exista, a demonstração lógica de que ele exista não é logica. A explicação anselmiana não existe, não explica nada ou não é realmente lógica. Engraçado o Louco dizer que Anselmo não faz sentido, quem é o Louco segundo definição atual de louco?]

Nicolau de Cusa (1401-1464)

Pertence a uma tradição de tentar explicar Deus como um ser muito diferente... (Platão> Aristóteles> Dioniso Areopagita> Dan Scoto> Nicolau de Cusa). Cusa começa com a ideia aristotélica de que devamos usar a Razão pra TENTAR definir os seres e adquirir conhecimento sobre eles. Deus não deveria ser exceção. Cusa afirma que embora a Razão nos capacite a falar de algo que exista ou que meramente possa existir, é impossivel, para a Razão, que algo exista, antes mesmo da possibilidade dela existir. Algo capaz de existir antes disso seria o Não-outro. Deus é o Não-outro. Coisas que conheço ou que consigo imaginar não são Deus. Deus está "antes" de tudo que possa existir ou que de fato exista, mas como Deus está além dos poderes da Razão, é indefinível, só pode ser abordado pelo que ele não é, então nem os seres vem depois dele, mas existem através Dele. Uma concepção que se aproxima do deus Caos da mitologia grega?

Nicolau influencia o renascentista Pico della Mirandola e o francês atual Jean-Luc Marion.

Autrecourt (1298-1369)

Francês que estudou na Sorbonne. Segundo ele, as ligações de causa e efeito não podem ser abordadas somente com a Lógica. O papa Clemente VI condenou suas ideias, declarou-o herege e mandou queimar seus livros. Eu faria igual ao papa.

Pico della Mirandola (1463-1494)

Um florentino na fronteira entre Idade Média e Renascimento, dizia que os humanos são capazes de tudo, exceto aquilo se eles mesmos julgarem que é impossível. Além de antropocentrista, dava ênfase ao poder da motivação. Tentou reconciliar o pensamento platônico com o aristotélico. Papa objetou os méritos que ele levantava sobre o paganismo e por isto ele se exilou na França.

Alberto Magno (1225-1274)

Muito culto. Era amante da filosofia de Platão, como seu mais famoso aluno (Aquino) era amante de Aristóteles. Acreditava que a razão ajudava a se chegar a fé. Se algo não se encaixava com princípios da fé cristã, é porque você não tá raciocinando direito.

Roger Bacon (1214-1294)

Roger Bacon, também conhecido como Doctor Mirabilis. Era inglês, defendia que a Natureza poderia ser explorada com Matemática, que existiam "leis naturais feitas por Deus", defendia a experimentação, que deveríamos desvendar. Estudou em Oxford e Paris. Foi influenciado por Grosseteste. Estudando Ótica, criou Óculos, e possibilitou estudiosos futuros a fazer telescópios e microscópios. Chegou à composiçao da pólvora, estudando Alquimia. Bacon viveu quando universidades estavam proliferando pela Europa Ocidental. Em 1240 tornou-se franciscano. O personagem fictício William de Baskerville de O Nome da Rosa, o cita como fonte inspiradora. Descreve um método para obtenção de conhecimento baseado em observação, hipótese, experimentação e, diferente do seu tutor Grosseteste introduz a necessidade de repeticão por pessoa diferente. Acendia velas com lentes e chegou a responder a acusações do bispo de Paris devido a seus estudos astronômicos, em 1277.

São Tomas de Aquino (1225-1274)

Italiano nascido rico. Tornou-se dominicano e estudou em Paris com Alberto Magno. Era fã incondicional de Aristóteles, só torcia os pensamentos do grego quando estes ficavam incompatíveis com dogmas cristãos. Por isto inicialmente foi visto com desconfiança pelo alto clero. Já que os textos de Aristóteles mais frequentemente chegavam em árabe pela mão do inimigo islâmico, porque Aristóteles não acreditava que Deus tivesse criado o Universo ou que a alma fosse imortal.
Aquino dizia que não há conflito entre Razão e Fé, a Fé é inquestionável e se ocorrer divergência entre ela e o pensamento é você que não está pensando direito. Isto é a chave de toda a Filosofia Escolástica. Ele tenta provar a existência de Deus usando o esquema tese-antítese-síntese e os 4 tipos de causa, todos métodos de Aristóteles e usa argumentos do Anselmo também. Aquino desenvolveu a ideia de guerra justa mais ainda. Aquino apresenta uma ideia de hierarquia de anjos similar a dos hereges gnósticos do século I e dos cátaros do século XII. Aquino teve algo como uma convulsão por derrame ou uma experiência mística direta com Deus, a partir daí deixa de escrever e passa a considerar suas obras como ''lixo''.

Agostinho e Pelágio

Santo Agostinho de Hipona
Viveu no fim do Império Romano ocidental, África, século V. Foi fortemente influenciado pelo Maniqueismo e pelo Neoplatonismo, que adotara antes de adotar o cristianismo. Até então a elite romana só era atraída pelo cristianismo pela vantagem política de ter a mesma religião do imperador. Agostinho dizia que era necessário usar a Razão antes de crer, ter Fé em Cristo é um ato razoável. Para ele, os humanos nascem inclinados ao Mal, como já dizia Plauto, romano do século I. Era um dever da Igreja influir na Política. Ele iniciou a definição de guerra justa, sob a ótica cristã, que desembocaria no conceito de guerra santa, séculos depois.
Desenvolveu  a doutrina da Predestinação que radicalizou-se com Calvino no século XVI. Para Agostinho, o Mal era apenas uma ausência de Deus, uma opção de quem está desinformado. Não negava o Livre Arbítrio, como seus sucessores. ''O Mal é o uso indevido do Livre Arbítrio. Uma vez no Mal, o homem não tem força para retornar ao Bem, exceto por favor divino (a Graça)''. Agostinho representa deus como um imperador romano. Lutou muito contra Pelagius, pensador bretão da mesma época que defendia o Livre Arbítrio absoluto.

Pelágio
Bretão, migrou para Roma e com a tomada de Roma por Alaric, migrou para a África e com a invasão vândala foi para Jerusalém. Segundo ele, não haveria Pecado Original ou Redenção; os exemplos de Adão e Jesus eram apenas exemplos sem influenciar as escolhas de cada um depois deles. Considerava que se Deus quer que eu seja bom, é porque eu posso ser bom. Considerava o pensamento de Agostinho uma preguiça moral.
Agostinho considerava Pelagius muito virtuoso, mas exigia que se reconhecesse que a maioria dos humanos são pecaminosos como ele (Agostinho), fora que Deus só salva muitos porque perdoa muitos. Pelagius foi condenado como herege, mas a Igreja Católica atual é pelo menos semi-pelagiana.