Carlos Magno

O papa Bento XIV, que no século XVIII fixou regras para os procedimentos de canonização, analisando o caso da “canonização” do Imperador, julgou que:
“parece não faltar nenhuma das condições necessárias para constituir uma beatificação equipolente, sobretudo tomando em consideração a extensão do tempo decorrido” (De servorum Dei beatificatione, livro I, cap. IX, n. 4, tomo I, pp. 58ss.), dando abertura para que Carlos Magno continuasse a ser cultuado, mas sob o título de beato.

Procurei saber se ainda hoje há culto oficial promovido pela Igreja Católica ao Beato Carlos Magno.

E encontrei as seguintes informações (ainda não confirmadas):

Em Aachen (uma das capitais carolíngias, também chamada Aix-la-Chapelle), haveria, até hoje, celebração litúrgica de festa oficial em honra do Beato Carlos Magno. Lá, na Catedral de Aachen (construída por ordem de Carlos Magno) estão sepultados os ossos do imperador e, na Capela Palatina da Catedral, tais ossos seriam exibidos como relíquias, a cada sete anos.

O culto se estenderia também a algumas igrejas da França, da Bélgica, da Suíça e outras, na própria Alemanha.

Não sei se este tópico seria apropriado para as perguntas que formulei abaixo, mas como se trata da figura de Carlos Magno, gostaria de saber:

. se alguém poderia informar a veracidade da existência de culto, atualmente, a Carlos Magno, como beato, em Aachen.

. quais seriam as localidades da França, da Bélgica e da Suíça, e em que outros locais da Alemanha persistiria este culto?

Acerca da "canonização" de Carlos Magno em si mesma, ele nunca foi considerado oficialmente como santo. Nem poderia ser válida a sua canonização, pois o antipapa de Frederico foi excomungado pelo papa.

Embora a canonização (elevação à categoria de santo) tenha perdido o caráter oficial, a verdade é que Carlos Magno é, oficialmente, um beato.

Um preâmbulo explicativo pode ser relevante:

Por canonização (= consignação no cânon ou no catálogo) entende-se a sentença definitiva pela qual o Sumo Pontífice declara estar algum servo de Deus na glória celeste e prescreve lhe seja consequentemente prestada pública veneração.

Da canonização distingue-se a beatificação, ato pelo qual o Sumo Pontífice permite seja tributado culto público a um servo de Deus em certa região ou certa família religiosa (e, excepcionalmente, na Igreja universal).

Interfere ainda no caso da beatificação de Carlos Magno a questão de que, para a grande maioria dos estudiosos e teólogos da doutrina católica, a canonização goza de caráter de infalibilidade, enquanto a beatificação não goza da infalibilidade característica das canonizações.

E, por último, outra questão: porque a canonização, por um anti-papa, pôde ser "transformada", pelo parecer do Arcebispo Próspero Lambertini (que se tornaria Papa Bento XIV), em uma beatificação?

Trata-se, a meu ver, de uma solução jurídica para um problema de normas a serem seguidas na análise referente à canonização: sendo ou não improcedente a canonização provinda de um anti-papa excomungado, a verdade é que ela impulsionara um culto que acabou por se disseminar por igrejas da Europa.

O Arcebispo Próspero Lambertini (Papa Bento XIV), no século XVIII, ao analisar o caso de Carlos Magno, optou pela abertura da possibilidade de reconhecê-lo como beato, face o culto existente ao "Santo Carlos Magno", desde o século XII. Um culto ininterrupto a Carlos Magno, num centro religioso de relativa importância, como Aachen (e, não bastasse isso, ainda em outros locais da Europa), deve ter criado um problema: como extirpar do rol dos santos alguém da magnitude histórica de Carlos Magno, e que tinha a respaldar seu status de santo um culto público a ele dedicado há pelo menos seis séculos?

Para isso, Lambertini, segundo penso, recorreu à diferença entre:

. canonização (que possui, para a grande maioria dos teólogos, caráter de infalibidade) e beatificação (que, ainda segundo a maioria dos estudiosos ) não goza deste status;

E

. sentenças formais e sentenças equipolentes de canonização ou beatificação.
As primeiras constituem o resultado final de um processo regular, movido segundo a respectiva legislação eclesiástica.

As sentenças equipolentes, ao contrário, são decretos baixados independentemente de processo anterior, decretos que se limitam a reconhecer a legitimidade do culto multissecular prestado a alguém com base em autêntica fama de santidade e em milagres a ele atribuídos.

As beatificações e canonizações realizadas através de sentenças equipolentes se aplicavam aos santos mais antigos da história da Igreja: aqueles que já eram venerados há séculos, com grande fama de santidade, especialmente se com cultos aprovados pelos respectivos bispos locais, estariam aptos a receber a canonização “por equipolência” (caso de alguns santos venerados como tais desde os primórdios da Era Cristã, v.g. certos mártires, que o povo levou à conta de santos por causa do testemunho sangrento que teriam dado de sua fé).

A máxima atribuída a São Vicente de Lérins (que viveu no século V d.C.) (“deve-se ater ao que foi sempre crido, por todos e em toda parte” - que, na verdade, serve como parâmetro para medir o valor de uma afirmação teológica, e não se aplica, especificamente, à canonizaçao e à beatificação) certamente deixa reflexos nos julgamentos de tais casos: se o culto público a uma pessoa com fama de santidade estivesse de tal maneira arraigada na urbe católica, decerto que a pessoa objeto de tal culto estaria apta a receber a sentença de canonização por equipolência. Especialmente se tal culto contasse com a aprovação do bispo local.

Caso o culto público fosse da mesma maneira antigo e universal, mas não contasse com uma aprovação episcopal, a tendência era pela beatificação através da sentença por equipolência.

Próspero Lambertini, ao deparar-se com o caso de Carlos Magno teria solucionado o caso com o seguinte parecer: parece não faltar nenhuma das condições necessárias para constituir uma beatificação equipolente, sobretudo tomando em consideração a extensão do tempo decorrido.

Foi a saída jurídico-canônica encontrada para oficializar o culto de Carlos Magno como um beato da Igreja Católica: a beatificação, que não conta com o caráter de infalibilidade da canonização, daria solução ao fato de que, na verdade, o Imperador havia sido “canonizado” por um anti-papa excomungado; e sua decretação “por equipolência” permitia que se lançasse mão dos critérios aplicados a pessoas que haviam sido elevadas ao status de santos ou beatos sem o processo regular de investigação que, a partir dos estudos do Arcebispo Lambertini, passaram a ser obrigatórios na análise do grau de santidade de um “candidato aos altares”.

A partir do parecer de Lambertini, abriu-se a possibilidade de que Carlos Magno continuasse sendo oficialmente cultuado dentro da Igreja Católica (embora ele tenha “decaído” da condição de santo para a de beato).

A existência, sim, de culto a Carlos Magno em Aachen, e em outros lugares da Europa, infere-se que, sem dúvida, tornou-se oficial, dentro da Igreja Católica, o culto ao Beato Carlos Magno.

Como beato, o culto a Carlos Magno é restrito a determinadas dioceses, mosteiros ou comunidades locais.

Daí a minha pergunta, que solucionada a questão da existência do culto público e oficial em Aachen, coloco em outros termos:

. alguém saberia informar em que outros lugares, além de em Aachen, existe culto público católico ao Beato Carlos Magno?

Uma coisa muito interessante de Carlos Magno é o relacionamento dele com os muçulmanos. Ele atacou os muçulmanos da Espanha mas ao mesmo tempo mantinha relações com o califa de Bagdá, Harun al-Rashid.