A Bíblia e suas farsas

Já que estamos a falar da Igreja Católica, apresento aqui uma descrição cronológica por mim compilada já há algum tempo:

ORIGENS DA IGREJA CATÓLICA

A Igreja Católica Apostolica Romana tem sua origem na Roma pré-imperial

Cerca de 150 AC : a igreja romana era chefiada por eruditos que compunham o Conselho dos Pontífices (Collegium Pontificum).  Além de normas religiosas os Pontífices muito contribuíram para o direito romano. O líder era escolhido por voto secreto do conselho e recebia o título de Pontifex Maximus (Sumo Pontífice).
44 AC : Com o assassinato de César, o governo de Roma foi exercido por um triumvirato:
Marco Antonio, Caio Otaviano e aquele que era então o Pontifex Maximus: Emílio Lépido.
29 AC : Caio Otaviano, após uma campanha no Egito, volta a Roma e é aclamado imperador. Governa o império durante o surgimento do cristianismo, até 14 DC.
27 AC : o senado confere a Caio Otaviano o título de Augusto; morre Emilio Lépido e Otaviano (que passou historicamente a ser conhecido pelo nome de Augusto) concentra em si os cargos de imperador e de Pontifex Maximus.
14 DC: morre Augusto. Daí em diante os imperadores foram também Pontifex Maximus, chefes da religião romana; foi um período de grande perseguição aos cristãos.
284 DC : Lentamente diminuía a perseguição aos cristãos, por volta desse ano, sendo  imperador Diocleziano, a tolerância fez a perseguição praticamente terminar.
311 DC – Imperador Galerio permite abertamente o culto cristão no Império.
312 DC : Na disputa do poder contra Masenzio, Constantino o venceu na batalha da ponte Milvio.  Conta-se que, na noite que precedeu o combate, Constantino teria tido uma visão na qual um anjo lhe indicava a cruz e lhe teria dito “in hoc signo vinces” (com este sinal vencerás); na batalha Constantino substituiu, nos estandartes, a águia romana pela cruz.  Observe-se, entretanto, que o símbolo do cristianismo primevo era o peixe; a cruz, naquela época era apenas um instrumento de tortura e morte, milhares foram crucificados, inclusive Jesus de Nazaré.  A mãe de Constantino, Helena, que já se havia se convertido ao cristianismo, exerceu grande influência sobre o filho para que permitisse o culto cristão no império e foi posteriormente canonizada como “Santa Helena”.
Constantino assumiu também o cargo de Pontifex Maximus, chefe da igreja romana, foi assim o primeiro Pontifex Maximus pró cristianismo.
313 DC : Constantino proclama o “edito di Milano” que institui a legitimidade ao culto cristão.
325 DC : Constantino convoca o Concílio de Nicéia, é banida a doutrina cristã de Ario, estabelecem-se as normas de coexistência das igrejas romana com a cristã.
330 DC: Constantino constrói o primeiro templo cristão em uma das sete colinas de Roma, a colina Vaticano, colina sobre a qual os sacerdotes romanos faziam os vaticínios, ou seja, as professias.
364 DC: Valentiniano imperador e “Pontifex Maximus”, institui os bispados de Roma, entregue a Libério e o o de Milão entregue a Ambrogio, mas conserva a chefia da igreja romano-cristã. (ver nota)
380 DC : Teodosio imperador convoca o concílio de Constantinopla, a religião cristã passa a ser obrigatória em todo o império, é instituída, fundada, a Igreja Católica Apostólica Romana. Todas as outras religiões são consideradas heréticas e inimigas do Império Romano. Teodosio renuncia ao título de Pontifex Maximus a favor do bispo de Roma, Siricio, o qual vem assim a ser o primeiro Pontifex Maximus da Igreja Católica Apostólica Romana.

nota:
1- Milão era a capital do reino da Lombardia, nação formada pelos invasores Lombardos
2- Até Sirício houve 37 Papas (Pais), a começar por Pedro (São Pedro),  líderes dos cristãos; com Sirício houve a junção do Pontifex com o Papa

Muito boa contribuição!

Terá a parte II ?

Existem diversas matizes no campo de pesquisas de Jesus, Novo Testamento e Origens Cristãs no foco histórico; diversas matizes de concepções da formação dos evangelhos, sua estrutura, caráter literário, composição.

E existem pesquisadores de diversos vieses, visões de mundo, afiliação. Não se pode pegar um desses pontos para dizer qual é mais meritório, honesto, inteligente, culto, competente. Deve-se estudar o trabalho de forma positiva e crítica.

Dentre alguns dos maiores nomes do mundo no campo do estudo de Jesus e História, alguns exemplos:

Existem céticos, como Bart Ehrmann, Robert Funk, Burton L. Mack.

Existem aqueles, tendo "um lado espiritual, independente de religiões", como Dominic Crossan, Gerd Luedemann, April DeConick.

Existem aqueles de orientação judaica, como David Flusser, Geza Vermes, Paula Frederiksen.

Existem aqueles cristãos mais heterodoxos, como Marcus J. Borg, Gerd Theissen, James F. McGrath.

Existem os cristãos apostólico-ortodoxos, como Martin Hengel (in memorian), N.T.Wright, Richard Bauckham, John P. Meier, Raymond Brown (in memorian), Larry Hurtado.

Mesmo pegando os que citei, por formação, eles têm diferenças entre si; de espécie e grau, na abordagem, opiniões, visões. Variam entre eles, dentre outras coisas, o patamar histórico dos Evangelhos e Atos, uns mais minimalistas, outros bem menos, o foco dentre eles, etc.
Todos os citados possuem contribuições significativas, e estão em pauta de debates.

No campo dos estudos de "Jesus Histórico", existem cristãos tradicionais, liberais, crentes em Deus sem religião, judeus, agnósticos, ateus, etc. Tem desde quem reafirma as visões tradicionais até quem o credita como um filósofo cínico. Tem os mais minimalistas e críticos dos evangelhos até os mais confiantes neles.

E outra coisa, é que há uma boa gama de grandes pesquisadores hoje que atestam para uma confiabilidade histórica geral dos evangelhos e Atos. E outros que não. Eu não gosto de extremismos nem de um lado nem de outro.

É infantil e imaturo alguém se aferrar numa posição e ter postura apenas apologética quanto as outras, seja qual for; por outro lado, é compreensível que alguém tenha uma postura na qual se alinhe mais, e defenda-a. Não se fala, nem tem como, em postura puramente objetiva, embora a pessoa deva buscar ser mais objetiva do que subjetiva, se liga para estudo positivo. Nenhum pode dizer "eu estou aliado ao campo científico, você não".

No caso do estudo histórico de Jesus, é um grande quebra-cabeças. Mas hoje, com vastos materiais - textuais, iconográficos, artefatos diversos - que dispomos acerca do mundo político, dos ideários, geografia humana, seja do judaísmo do Segundo Templo, do mundo romano, estudos comparativos de transmissão de tradições, de memorizações e rememorizações comunitárias, etc., encontramos um cenário otimista sem precedentes.

Antes de mais, queria salientar que sou profundamente ateu, e não tenho qualquer simpatia particular pelo cristianismo, nem pelo judaísmo. Quando leio relatos de martírio torço sempre pelos romanos

Queria apenas sublinhar o que disse o Cachorrão. De fato, se a Bíblia é hoje o livro mais lido isso deve-se ao cristianismo, pois ela é conhecida na sua configuração cristã, não na judaica.

Queria também dizer que não sei se é muito correto dizer que a Bíblia foi escrita "por um judeu". Parece-me no mínimo que deturpa a realidade. Foi escrita em parte por judeus, em parte por cristãos helenizados.

O Novo Testamento foi escrito em grego, originalmente por cristãos, nem todos simpatizantes do judaísmo...

E sabe também que não há uma Bíblia, mas pelo menos duas: a católica e a ortodoxa, que incluem livros do Antigo Testamento que não foram escritos em hebraico, mas directamente em grego, e a das diversas correntes protestantes, que justamente omitem esses livros.

Portanto, dizer que a Bíblia é o livro mais lido (duvido que metade dos possuidores tenham lido mais do que algumas poucas páginas) levanta sempre uma questão: qual delas? A católica-ortodoxa? A protestante?

Sabe também muito bem que o tal livro mais lido do mundo não é o livro sagrado dos Judeus, mas o dos Cristãos, que é substancialmente diferente.

Não é muito bonito deturpar assim os fatos.

Se considerarmos pelo lado religioso, a Torá (ou Pentateuco) foi escrito por Moisés sob inspiração divina.
Os outros livros do Tanach ("Antigo Testamento") foram todos escritos por judeus. Os livros cristãos, como os evangelhos e as epístolas paulinas, foram escritas por judeus-cristãos ou antigos judeus convertidos. Quem quiser, pode ler o livro de Julio Trebole Barrera sobre a Bíblia judaica e cristã. Segundo as pesquisas atuais, os cristãos nos séculos I e II podiam ser considerados uma das seitas que faziam parte do judaísmo. Se considerarmos pelo lado histórico, também notamos que os escritores da bíblia (apesar de diferenças entre a bíblia judaica, católica e protestante) e mesmo seus tradutores para o grego (vide a Septuaginta) foram judeus.

Sabemos que as bases da civilização ocidental são judaicas, gregas e romanas. Mas devemos lembrar o impacto e a novidade das ideias judaicas de igualdade entre os homens (pois todos nasceram de Adão) e do componente moral que foi criado pelo judaísmo e que foi transmitido pelos primeiros cristãos, apesar das perversões da mensagem de Jesus que ocorreram durante milênios (com cruzadas, perseguições, guerras em nome do Nazareno, etc ).

"Judaism is not complete without Christianity and without Judaism, Christianity would not exist." -- Benjamim Disraeli

Templo de Salomão

Uma coisa que me intriga sobre a descrição bíblica do Templo de Salomão é que ela é inconsistente. Ele é descrito com cerca de 30 metros de comprimento (tomando um cúbito como 50 cm), 10 de largura e 15 de altura, mas, mais adiante, o livro das Crônicas diz que o pórtico tinha 60 metros de altura.

A altura das colunas Jachin e Boaz é dada no livro dos Reis como 9 metros, no livro das Crônicas como 17,5 metros.

No livro dos Reis, se diz também que a "Casa da Floresta do Líbano", uma espécie de vestíbulo, tinha quatro fileiras de 15 colunas cada, num total de 45 (sic).

O resultado é que reconstruções "ao pé da letra" do templo tendem a ter um aspecto muito estranho. Por exemplo, nesta página:

http://www.phoenixmasonry.org/historypage.htm

O livro das Crônicas foi escrito depois do Exílio e é de supor que então os sacerdotes idealizassem ou exagerassem o templo desaparecido. O livro dos Reis foi supostamente escrito antes, quando seus autores deviam ter o templo sob seus narizes e deve ser mais confiável, mas ainda assim tem inconsistências. Como é possível que essas incoerências tenham ficado no texto bíblico? Os sacerdotes deixavam de lado o que havia sido escrito antes deles?

E qual a novidade em inconsistências bíblicas?

E também era beeeem comum que os antigos exagerassem tudo, multiplicando os números de habitantes, soldados e produtos por mil...
De preferência quando fosse pra puxar as brasas pras sardinhas deles...

Talvez as dimensões expostas no livro de I Reis, mesmo que pudessem ter sido medidas pelo cronista, podem ser um exagero, e signifiquem apenas que era uma construção grandiosa para os padrões da época e do lugar, não necessariamente compromissado com a exatidão das medidas. Mudando a época e o lugar, mudaram também os parâmetros.

E devem ter feito um esforço sobre-humano. Dele dependia o estabelecimento dos hebreus como uma nação e uma potência entre seus vizinhos. Portanto, devemos, fazendo os descontos costumeiros e de acordo com o que os arqueólogos podem comprovar, fazer uma ideia do que realmente foi o templo de Salomão. Não podemos esquecer que havia no entorno das terras israelitas, povos que haviam feito construções enormes. Portanto, tamanho não era novidade entre eles.

Não existem ruínas que comprovem alguma medida?

A Construção do Templo de Herodes, que foi destruído por Tito e onde, hoje, existe a Mesquita Dourada da Rocha, fica sobre o local onde havia o Templo de Salomão. Muitas escavações já foram feitas, mas não tive notícia de terem encontrado nada do primeiro Templo. E escavar lá é muito difícil, porque os palestinos não aceitam nada que possa significar (e para eles tudo significa) desrespeito ao local sagrado dos muçulmanos.
Vou ver se encontro alguma coisa sobre as escavações já levadas a efeito sob o platô e as ruínas da plataforma do Segundo Templo.

A reconstrução do site que o William postou é muito "ficcional"...
Sabemos, por exemplo, que houve muita coisa em madeira, pois Salomão mandou trazer uma incrível tonelagem de cedros do Líbano. Portanto, essa quantidade de mármore não devia existir.
Sabemos também que as pedras usadas eram as encontradas na região, que são pedras calcárias.
Portanto, esse site não deve ser levado em consideração como "prova" da aparência do Templo de Salomão.

A maioria dos links são de origem maçônica (como o postado pelo William). Mas achei este, que explica, mais ou menos, o que poderia ter acontecido e o que pode ser que exista sob a plataforma:

http://www.jack-farrell.com/ordemdotemplo/portugues/templarios/templar3.htm

Alquimista escreveu:A reconstrução do site que o William postou é muito "ficcional"...

Eu não diria que é "ficcional" e sim que é "fundamentalista", ou seja, tenta levar a Bíblia ao pé da letra (ainda que os autores do site sejam maçons e não evangélicos). Postei justamente para ilustrar o que eu chamo de "desproporcional": o pórtico absurdamente alto em relação ao tamanho do templo, por exemplo.

O templo não seria exageradamente grande em relação aos egípcios, mesopotâmicos e fenícios. Seria grande e opulento em relação aos recursos de um reino pequeno como Judá, mas isso, em princípio, é explicável: os judeus concentravam todos os seus recursos em um único templo para um deus único, enquanto seus vizinhos distribuíam seus recursos mais abundantes entre muitos templos.

A minha questão se refere ao por que os livros da Bíblia se contradizem a respeito dessas dimensões, de maneira a resultar nesse contra-senso arquitetônico. Como escrevi acima, o livro das Crônicas foi escrito após o Exílio, quando o templo já não existia. Mas seus autores supostamente eram sacerdotes e guardiães de livros sagrados mais antigos, como o Livro dos Reis, que trazem descrições provavelmente mais realistas. Como e por que teriam se atrevido a contrariá-las?

Realmente, há uma desproporcionalidade muito grande entre o tamanho do prédio e a porta do mesmo. Mas parece que essa mania de portas muito altas continuou por muito tempo, tanto que foi encontrado, no fundo do mar perto de Alexandria, um batente de porta que, supostamente, é do Farol de Alexandria. E o tamanho do tal batente é incrível... Não lembro bem, mas coisa assim como alguns muitos metros de altura. Uns 8 metros, mais ou menos...

Tudo bem, mas o farol de Alexandria tinha uns 150 metros de altura, de modo que um portal de 8 metros não era desproporcional. Já o templo teria 30 metros de comprimento e um portal de 60 metros de altura. Convenhamos que é esquisito...

Realmente... Por isso eu disse que esses links não são muito confiáveis... Inclusive, neles não aparecem trabalhos feitos em madeira... E parece que Salomão mandou vir cedros do Líbano...

Não se trata de links, mas dos números que estão na Bíblia. Os links não inventaram nada, apenas tentaram traduzi-los em imagens.

Alquimista, se não deu para entender, não estou muito interessado em saber qual era a aparência real do templo de Salomão. Minha curiosidade é saber por que a Bíblia dá medidas tão estranhas e contraditórias. Os redatores dos livros sagrados não liam os textos anteriores? A contradição não era importante para eles?

Imagine um monte de copistas, copiando à mão um monte de folhas, que também haviam sido copiadas a mão e manuseadas centenas, senão milhares de vezes e deviam estar meio apagadas, manchadas, sem cor. E eles trabalhavam em salinhas meio escuras, dobrados sobre esses papéis, pergaminhos, papiros, ou qualquer material desses, onde essas cópias costumavam ser feitas. Alguns somente sabiam copiar e nem ler direito o que copiavam deviam saber. E isso aconteceu durante centenas de anos.
Será que um desses copistas não pode ter se enganado e aumentado, sem querer, alguma dessas medidas?
Lembre que errar é humano. E que um texto copiado a mão milhares de vezes, durante tanto tempo, pode, sim, ter sofrido modificações.
Se existissem os primeiros textos, para que se pudesse fazer a comparação... Mas não existem mais...