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A Guerra de Tróia

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Hermes Trismegistus
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A Guerra de Tróia - Página 9 Empty Re: A Guerra de Tróia

Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:45

Ifigênia virou-se de novo e ficou extremamente feliz e satisfeita pelo noivo que lhe haviam arranjado. E Clitemnestra correu a abraçá-lo afavelmente, chamando-o de futuro genro — era inevitável, porque Aquiles era o genro que todo pai ou toda mãe gostaria de ter. Aquiles, assombrado, recuou:

— Então, o que achaste de tua noiva?

— Eu fico muito lisonjeado, rainha Clitemnestra, mas... de que casamento me falas? Não entendo tuas palavras.

Ifigênia levantou-se e perguntou:

— Mamãe, o que está havendo, afinal?

— O que está havendo? É que, ou todos os homens deste acampamento enlouqueceram ou estão bêbados montados no asno de Silenos!

Ifigênia aproximou-se do jovem guerreiro e esclareceu:

— Sou quem meu pai resolveu te dar por esposa.

Aquiles se surpreendeu, e falou um pouco irritado:

— Perdão, mais uma vez, formosa jovem, mas nada sei de tal casamento. Devem ter-vos feito uma brincadeira.

Ifigênia correu e ocultou o rosto no ombro de sua mãe.

— Escuta aqui, rapaz, que espécie de tramoia estais todos armando para cima de minha filha? Vamos, conta logo o que sabes!

— Estou nisto tão inocente e surpreso quanto meus netos que estão por vir, minha senhora. Nunca pedi tua filha, e os Átridas jamais me propuseram tal matrimônio!

O mistério começou a tornar-se claro aos olhos da rainha, que ficou envergonhada na presença de Aquiles.

— Tudo bem. Terei de lançar mão, então, de meus meios! Por Afrodite sagrada que vou descobrir o que esses malditos tramam contra minha filha!

E disse-lhe o pelida, com doçura:

— Não te aflijas, rainha. Alguém desejou gracejar contigo. E perdoa-me, se com a minha resposta te decepcionei.

Dispunha-se a afastar-se com um respeitoso cumprimento, quando um servidor, abrindo a tenda de Agamémnon, com o rosto alterado, chamou os dois interlocutores. Tratava-se do escravo de Agamémnon e Clitemnestra, a que Menelaus arrebatara das mãos a carta. Estava arrasado, sem saber como agir. E Clitemnestra chamou sua atenção:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:46

— Conheço-te. És o serviçal direto de meu esposo, e sei que sois íntimos o bastante para que ele de ti nada oculte. Conta-me, então, tudo o que se planeja com relação à minha filha, ou vou armar uma intriga tão medonha para o teu lado que Agamémnon em pouco tempo mandará fazer-te em pedaços e lançar teus restos aos cães. Fui clara, lacaio?

— Sim, ó rainha, mas como poderei trair a confiança de meu senhor?

— Já disseste o principal. Realmente aquele cão trama algo contra minha Ifigênia. Diz o resto, vamos!

O servo do rei voltando os olhos para os de Aquiles, sentiu um temor lhe atravessando a espinha, e, intimidado, confessou, em voz baixa:

— O oráculo da deusa Ártemis exige um sacrifício para que os exércitos possam ter sucesso na campanha. Agamémnon foi obrigado a ceder, e tua filha será sacrificada! É tudo o que sei.

A rainha, horrorizada, abraçou-se à filha.

— Ifigênia posta sob a pedra dos sacrifícios?! É isso que tu queres dizer?

Aquiles não podia acreditar no que ouvia.

— Isto é terrível! Por que usaram meu nome para acobertar tal monstruosidade?

— Acalma-te, mamãe! Papai é contra esse sacrifício, tenho certeza, e impedirá que tal coisa aconteça!

— Teu pai é um fraco, minha filha, um joguete nas mãos daquele imbecil de teu tio! Além do mais sua vaidade fala mais alto tendo a oportunidade de ostentar seu poder perante essa corja!

E o servo disse:

— O rei, provisoriamente, não é mais o comandante de todo o exército. Elegeram o grande Ájax.

Clitemnestra, temerosa, prostrou-se aos pés do jovem filho de Peleus, e suplicou-lhe:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:46

— Não me pejo de atirar-me ao chão diante de ti, eu, simples mortal, ante o poder dos deuses. Cala-te, orgulho, na presença do dever da mãe! Mas tu, filho da deusa Tétis, ajuda-nos a mim e a minha filha, no nosso desespero! Trouxe-a para ti, que eu supunha seria seu esposo; foi um engano, mas, apesar de tudo, aos meus olhos, continuas o noivo de minha filha. Pelo que te é mais querido, por tua divina mãe, suplico-te que me ajudes a salvá-la. Olha, não tenho outro altar a que recorrer, senão aos teus joelhos. Ouviste o cruel propósito de Agamémnon, e vês-me, mulher sem defesa, no meio de um brutal exército. Estende, por favor, os braços sobre nós, e estaremos salvas!

Aquiles, erguendo respeitosamente do chão a rainha, prometeu-lhe:

— Tem confiança, senhora. Fui educado na casa de homem piedoso. Na morada de Quíron aprendi a ser simples e honrado. De boa vontade obedeço aos filhos de Atreus, quando me conduzem à glória, mas não aceito ordens infamantes. Por isso, hei de proteger-te até onde puderem os meus braços, e tua filha, a quem chamaste um dia minha, jamais morrerá pelas mãos do pai. Se o meu falso noivado levasse à Morte essa donzela, eu jamais me consideraria isento de mancha, e me teria na conta do varão mais covarde do exército e filho de um malvado, se o meu nome servisse de pretexto a teu marido para cometer tão nefando crime!

— É realmente o teu pensamento, compassivo príncipe, ou será necessário que também minha filha venha abraçar-te os joelhos? Não seria coisa decorosa para uma donzela, mas se assim o desejares, ela o fará.

— Não, não será preciso. Seria motivo para suspeitas e murmúrios, pois um exército como este, entregue à ociosidade, propende facilmente às calúnias. Tem confiança em mim. Eu nunca menti. Que eu morra, se eu não salvar a tua filha!

Feita a promessa, nesse instante, o serviçal olhou para fora e viu aproximar-se o seu amo.

— Meu senhor aproxima-se. Devo retirar-me.

E Aquiles saiu com ele.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:47

Agamémnon, não sabendo que fora descoberto o segredo, foi até a esposa, que saía da tenda, com palavras ambíguas:

— Clitemnestra, temos que nos apressar, antes que o temporal se abata sobre nós. Chama tua filha, pois a farinha, a água e a vítima que deve ser sacrificada antes de iniciar o casamento, estão prontas.

— Muito bem. Sai da tenda, filha, que já sabes da vontade de teu pai, e traze contigo teu irmãozinho Orestes.

Depois, ao ver a filha, continuou:

— Olha, aí a tens, obediente. Mas permita-me antes que te dirija uma pergunta. Dize-me: pretendes imolar esta menina que é filha tua e minha?

O general ficou pasmo e por longo tempo sem responder.

Ifigênia saiu e lhe perguntou:

— Meu pai, que mal fiz à deusa para que queira meu sangue em holocausto?

— Vamos, fingido, já sabemos de tudo! Como ousas oferecer tua própria filha em sacrifício para saciar a ambição e o despeito de teu irmão? Preferes, então, este pulha à tua própria filha?

Ifigênia tomou as mãos do silencioso Agamémnon.

— Papai, tu não permitirás isto, não é?

Finalmente, desesperou-se:

— Ó Destino, Ó Sorte, Ó Gênio de Agamémnon! Foi descoberto o meu segredo! Tudo está perdido!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:47

— Se é assim, ouve-me. Eu vou ser-te franca. Foi com um crime que começou o nosso casamento: tu me raptaste pela força, imolaste meu primeiro esposo, arrancaste-me do seio o filho e deste-lhe a Morte. Meus irmãos, Cástor e Polideuces saíram em tua perseguição montados nos seus corcéis, à frente das hostes inimigas. Foi meu velho pai Tíndaros quem te salvou, a ti que fugias como um covarde; desse modo, voltaste a ser meu esposo. Tu próprio hás de confirmar que me comportei irrepreensivelmente no novo estado, que fiz a tua felicidade em casa, que fui o teu orgulho fora dela. Dei-te três filhas e este filho, e agora tencionas roubar-me a filha maior, e, se perguntam por que, respondes que é para restituir ao bom Menelaus uma esposa adúltera. Oh, pelos deuses, não me forces a tornar-me culpada para contigo, nem o sejas tu para comigo! Queres imolar tua filha? Que prece erguerás, enquanto o fizeres? Que pedirás aos Céus em troca do assassínio de tua filha? Um regresso tão infeliz quanto vergonhosa é a tua partida? Devo pedir bênçãos para ti? Seria acreditar que os deuses são insensatos. Por que há de ser tua filha a vítima? Por acaso ofendeste algum deus ou deusa? Por que não dizes aos gregos que se eles quiserem ancorar diante de Tróia devem sortear a filha que deve morrer? Eu, tua fiel esposa, devo perder minha filha, enquanto aquele, por quem se prepara toda esta luta, Menelaus, guarda tranquilamente a dele? Responde-me, dize-me se proferi uma única palavra repreensível. Mas se disse apenas a verdade, não sacrifiques tua filha que também é minha, não a sacrifiques, pensa bem!

Ifigênia atirou-se aos pés do pai, dizendo-lhe:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:48

— Se possuísse, meu pai, a língua feiticeira de Orfeus, capaz de mover pedras, dirigiria as minhas palavras mais eloquentes à tua piedade. Mas os meus únicos recursos são as lágrimas, e em vez de ramos de oliveira o que traço em torno dos teus joelhos são os meus braços! Não me entregues tão cedo à Morte, meu pai! Como é belo contemplar a luz! Não me obrigues a ver tudo o que a Noite oculta! Lembra-te das carícias que no teu paterno colo me prodigaste, quando eu era pequenina, ainda que, durante muitos momentos de minha vida eu tenha ouvido histórias de que não és meu pai nem Clitemnestra minha mãe, o que desprezo e não permito que me faça deixar de amar-vos! Ainda me recordo das tuas palavras: como esperavas ver-me entrar na casa de algum homem nobre, contemplar-me na minha prosperidade, quando regressasses! De tudo te esqueceste. Queres matar-me! Não me mates, rogo-te por esta mãe, esta mãe que, ignorando as histórias absurdas dos que nos desejam mal, me deu à luz com dor e que, neste momento, mais ainda sofre por mim! Que tenho eu a ver com Helena e Páris? Por que hei de morrer pelo fato de ele ter vindo à Hélade? Olha-me. Dá-me um olhar teu, um beijo, para que, ao morrer, receba de ti ainda uma lembrança, se a minha palavra não consegue demover-te! Olha para teu filhinho Orestes, que é meu irmão, pai! Vê como roga em silêncio por mim! É ainda uma débil criança, mas eu já sou quase mulher! Apieda-te de mim! Contemplar a luz é para os mortais o que pode haver de mais doce! Viver miseravelmente é melhor que a mais formosa das mortes!

Agamémnon havia decidido, irrevogavelmente, e manteve-se como um rochedo, respondendo:

— Quando devo apiedar-me, apiedo-me, pois quero a meus filhos; se o não fizesse, seria um insensato. É com o coração despedaçado que cumpro a terrível tarefa, mas sou obrigado. Vede o exército que me cerca, e vede também que os príncipes estão em torno de mim, prontos para a luta.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:49

E, dirigindo-se à filha Ifigênia, falou:

— Nenhum deles conseguirá encontrar o caminho de Tróia, a cidade não será conquistada, se não te sacrificar, minha filha, em obediência à ordem do profeta.

E continuou:

— Todos estes heróis querem que, futuramente, não mais seja raptada uma mulher grega, pois todos os povos nos temerão. Estão decididos a tanto, e se eu pretendesse agora opor-me à divina sentença, nos matariam a todos. Eis o limite do meu dever, e, se eu cedo, não é ao meu irmão Menelaus, senão à Hélade inteira. Achais mesmo que não sofro diante desse terrível Fado?

Clitemnestra irritou-se.

— Tu és um monstro insensível! Queres mesmo levar avante esse plano hediondo? Vais permitir que mãos assassinas enterrem o punhal do sacrifício no peito da filha que sempre disseste amar? Esperas, então, que eu retorne para nossa casa sem ela? Que direi quando lá chegar? Que deverei dizer ao nosso filho Orestes quando indagar de sua irmã? “Orestes, meu filho, tua irmã casou, é verdade, mas em vez de Aquiles, foi com Caronte!”

— Minha esposa...

— Não me chames de esposa!

— Mulher, desgraçadamente coube a mim, justamente a mim, a má sorte de fazer o primeiro grande sacrifício desta guerra! Muitos outros ainda virão, no entanto, e não cairão somente sobre nós. Os tempos são negros, e a cada qual caberá uma cota de sacrifício e de dor... Preciso que me entendas.

E uma voz vinda de lá de fora fez-se ouvir:

— Chegou a hora!

E Agamémnon, sem aguardar outros rogos, afastou-se deixando as desconsoladas mulheres sozinhas na tenda. De repente, ouviu-se o fragor de armas. E, contente, exclamou Clitemnestra:

— É Aquiles!

Em vão tratou Ifigênia, triste e ruborizada, de esconder-se daquele que desejava como noivo. Aquiles entrou na tenda, seguido de vários homens armados, deparando-se com mãe e filha agarradas uma a outra.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:49

— Infeliz filha de Leda! Todo o acampamento, sublevado, exige a morte de tua filha. Até eu que me opus estive a ponto de ser apedrejado.

— É o fim, mamãe! As Moiras cruéis já têm em suas mãos a tesoura que cortará o fio de minha vida!

— Não, minha filha! Aquiles está aqui com seus guerreiros e há de proteger-te!

— Infelizmente foram meus guerreiros os primeiros em sublevar-se, e rotularam-me “escravo dos meus amores”. Venho com este pequeno grupo de fiéis, defender-vos de Ulisses que se aproxima.

E Aquiles dirigiu-se então a Ifigênia.

— Garota, fica com a tua mãe; o meu corpo vos servirá de escudo. Quero ver se ousam atacar o filho de Tétis, de cuja vida dependem os destinos de Tróia!

As últimas palavras de Aquiles, que continham um germe de esperança, reanimaram a pobre mãe. Ifigênia, no entanto, desprendendo-se dos braços da mãe, adquirindo consciência e amor à Pátria, adiantou-se, de cabeça erguida e com passos firmes, até que se colocou diante da rainha e do príncipe, e disse:

— Ouvi o que vou dizer-vos, especialmente a ti, minha mãe. Injustamente te zangas com teu marido; ele não pode ir contra a necessidade. O zelo deste jovem é digno dos mais altos louvores, mas acabará pagando as conseqüências, e isso não deixará de pesar sobre ti. Ouvi, portanto, a resolução a que cheguei depois de refletir, vendo que não há outra saída. Decidi enfrentar a Morte, de maneira gloriosa, e desfazendo-me de qualquer aparência de fraqueza.

— Não, minha filha! Tu não sabes o que dizes!

Aquiles opôs-se:

— Somente sobre o meu cadáver te levarão para a terrível pedra dos sacrifícios!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:50

— Guarda tua espada, nobre Aquiles. Quanto a ti, minha mãe, serena tua alma, pois a minha não pertence mais a ninguém, senão à deusa que a reclama. Em mim, fitam-se neste instante todos os olhos da Hélade, de mim depende a honra das mulheres gregas. A tudo salvarei com a minha morte; o meu nome se cobrirá de glória, e serei chamada “libertadora da Hélade”. Como posso eu, simples mortal, resistir à deusa Ártemis, a quem apraz exigir o meu corpo em troca do bem da minha pátria? Cedo, de boa vontade. Farei o que muitos já fizeram pela Pátria. Sacrificai-me, destruí Tróia. Será este o meu himeneu e a minha glória.

Enquanto falava, Ifigênia permanecia diante de sua mãe e do filho de Peleus, com o olhar brilhante, como verdadeira deusa. O orgulhoso Aquiles, ajoelhando-se, exclamou:

— Filha de Agamémnon! Os deuses fariam de mim o mais feliz dos homens, se me concedessem a tua mão. Por ti, invejo a Hélade, e pela Hélade, casado contigo, invejo a ti. O amor se apoderou de mim, criatura sublime, desde que te vi e te ouvi. Pensa bem! A Morte é um mal terrível, e eu pretenderia fazer-te um bem, devolvendo-te aos teus, à vida e à ventura.

Sorrindo, replicou-lhe Ifigênia:

— Já muita guerra e morte provocaram a beleza feminina na pessoa de Helena, meu amigo. Não morras tu também por uma mulher, nem sacrifiques ninguém por minha causa. Não, deixa-me salvar a Hélade!

— Que alma sublime! Não sei que resposta dar-te, já que essa é a tua vontade. Mas com estas armas, no altar, impedirei a tua morte. Não podes morrer na tua irreflexão. Talvez te lembres das minhas palavras, quando vires o aço homicida ameaçando-te o pescoço.

Ifigênia compôs suas vestes e seu cabelo e, afastando com um gesto de mão Clitemnestra, que fez menção de se aproximar dela e impedi-la, disse:

— Não, minha mãe, fica aqui. Irei sozinha até o altar e, lá, na presença do sacerdote e dos exércitos, oferecerei meu sangue em holocausto a fim de que finalmente seja aplacada a ira de Ártemis.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:50

Ifigênia fez menção de seguir, mas logo voltou os olhos para a mãe e foi correndo abraçá-la.

— Adeus, minha mãe... Um dia a deusa permitirá que nos vejamos outra vez, estou certa. Sua cólera há de ser tão curta quão longa há de ser a sua clemência.

Então, pegando o pequeno Orestes no colo, retirou-se, enquanto Aquiles retinha, a custo, a mãe desesperada.

— É inútil, tua filha já tomou a decisão, e receio que tenha sido a mais acertada...

Clitemnestra deu tapas em sua própria cabeça, protestando contra aquela atitude vergonhosa.

— Jamais concordarei com o sacrifício de minha filha! Nenhuma disputa seja de ambições ou despeitos valerá jamais o sangue puro de Ifigênia!

Tentou desvencilhar-se, mas Aquiles a reteve. Clitemnestra, sem forças para lutar, ajoelhou-se nos braços de Aquiles, finalmente rendendo-se à Fatalidade.

— Vamos, deixa-me...! Vou me recolher à tenda e só sairei dali quando tudo estiver terminado...

A mãe tombou ao chão, sem forças para segui-la. Ifigênia havia passado tanto amor a Clitemnestra, que chegara a despertar mais ainda o amor filial que a seus próprios filhos legítimos. E, após acompanhar de longe a filha que se distanciava, cobriu as faces com as mãos e, chorando, recolheu-se na tenda, sob a supervisão de Aquiles, enquanto os relâmpagos e os trovões sacudiam o céu.

O SACRIFÍCIO DE IFIGÊNIA

Entretanto, todo o exército grego se reunia no florescente bosque da deusa Ártemis, diante da cidade de Áulis, na Fócida.

Perto do altar erigido esperava o áugure e sacerdote Calcas. Um grito de admiração e piedade saiu do meio das tropas quando viram Ifigênia acompanhada das fiéis donzelas, entrar e dirigir-se ao pai, Agamémnon. Este, com um grande suspiro, e virando o rosto, deu vazão às lágrimas. Mas a jovem, colocando-se-lhe ao lado, disse-lhe:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:51

— Meu querido pai, olha para mim, aqui estou! Entregarei a vida perante o altar dos deuses, se tal é a divina ordem. Farei o sacrifício pela Pátria. Alegra-me pensar que todos vós sereis felizes e voltareis aos vossos lares com o prêmio da vitória. Que nenhum argivo me toque! Em silêncio, saberei estender o pescoço ao sagrado cutelo!

Um grito de espanto saiu do exército, testemunha de tamanha grandeza de espírito. Taltíbios, o arauto, o qual se encontrava no centro, ordenou silêncio e recolhimento. O adivinho Calcas desembainhou um reluzente e afiadíssimo aço e o colocou sobre o altar, num cesto de ouro.

Agamémnon adiantou-se, completamente armado, até o pé do altar, de espada nua, mas um olhar da donzela lhe mudou a resolução. Atirando ao chão o aço, orvalhou o altar com água benta, pegou o cesto ritual e, aproximando-se da ara como se fora o sacerdote, disse:

— Ó sublime deusa Ártemis, recebe misericordiosamente este sacrifício, sagrado e voluntário, o imaculado sangue de uma formosa donzela, a ti oferecido por Agamémnon e pelo exército grego, e permite que os nossos barcos executem uma travessia feliz e, aos nossos golpes, se renda a cidade de Tróia!

Então, Ulisses e Diómedes ajudaram a princesa a subir no altar com seu vestido açafroado, que as jovens servidoras de Ártemis em Bráuron costumavam usar. Os Átridas e o exército inteiro ficaram em suspenso, de olhar cravado no chão. Calcas empunhou o aço e, depois de orar, fitou a vista na garganta da jovem, que já se encontrava em posição. Ouviu-se distintamente o golpe, mas... um milagre aconteceu! No mesmo instante, desapareceu a donzela da vista de todos. Ártemis, compadecida, fizera com que uma corça, convulsionada, se estirasse no altar, banhando-o com abundante sangue. E todos começaram a gritar:

— Milagre! É um milagre!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:51

Calcas, espantado, gritou:

— Chefes do exército confederado! Aqui está a vítima enviada pela deusa, e que vos será muito grata que a donzela, cujo nobre sangue não se destinava a manchar este altar. A deusa reconciliada deseja aos nossos barcos uma feliz viagem, e nos promete a conquista de Tróia. Animai-vos, valentes homens do mar! Hoje mesmo abandonaremos o golfo de Áulis. Por isso, humildemente, ajoelhai-vos diante da vossa divina clemência!

Todos se ajoelharam, enquanto o sacerdote retomava a palavra, dizendo:

— A deusa levou Ifigênia consigo, para fazer dela sua sacerdotisa. Sua cólera está, enfim, aplacada!

Assim falou, ao mesmo tempo em que contemplava o animal que se ia carbonizando no fogo. E, extinta a última centelha, o vento interrompeu a quietação do ar, e os olhos dos navegantes, voltando-se para o porto, notaram que os barcos balançavam ao impulso das ondas. Bradando de júbilo, todos abandonaram o bosque de Ártemis, correndo às tendas.

— Vamos para Tróia! Vamos para Tróia!

Então, o serviçal de Agamémnon saiu às pressas e aos gritos para dar a boa notícia a Clitemnestra.

— Minha senhora! Um milagre espantoso aconteceu!

Clitemnestra, assustando-se, levantou-se do leito e saiu da tenda sacudida pelo vento. Seu rosto trazia as marcas ensanguentadas de suas unhas, o que deixou o serviçal comovido e calado por alguns instantes, mas lembrou-se do que havia acontecido e exclamou para sua senhora:

— Ó rainha, um milagre aconteceu!

— Julgas que sou surda, lacaio? Bem sei que minha filha já está morta e o vento voltou a soprar. Deve ter sido uma festa para a deusa...

— Mas senhora, tua filha não está morta! Foi um milagre!

Não vendo reação alguma de Clitemnestra, prosseguiu:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:52

— Ifigênia foi levada viva pela deusa! Após subir os degraus do altar e oferecer, com admirável coragem, o seu pescoço ao sacerdote, vimos quando ele ergueu o punhal. Todos viraram os rostos, pois ninguém, por mais rude ou valente que fosse, pôde sequer admitir a ideia de ver com seus próprios olhos tão terrível cena. Todavia, escutamos perfeitamente quando o punhal foi enterrado na vítima. Porém, quando erguemos nossos olhos, não era mais a doce Ifigênia quem estava no altar, mas um cervo, a se debater. Começamos a gritar, depois nos ajoelhamos para agradecer à deusa. E, agora, estou aqui, para te dar esta boa notícia!

Clitemnestra ergueu os braços ao Céu, mas logo depois exclamou com amarga dor:

— Seja como for, roubaram-me a filha! E ele foi o algoz. Depressa, providencia minha viagem de volta! Não quero que os meus olhos vejam o rosto do criminoso, nem mais um instante!

O criado, mais do que depressa, aprontou a carruagem e o séquito. E Agamémnon, ao chegar no acampamento para encontrar a sua esposa Clitemnestra e lhe contar as novidades, já gritava:

— Alegra-te, Clitemnestra! Nossa filha está salva! A deusa levou-a para que seja sua sacerdotisa!

Porém, antes de chegar à tenda, viu o serviçal.

— Hei, serviçal, vai até Clitemnestra e anuncia a boa-nova! Anda logo, que temos muito o que fazer! Temos que aproveitar o vento que sopra com força cada vez maior!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:53

Mas ela já não estava mais no acampamento. Ela já ia distante, a caminho de Micenas, tramando vingar Ifigênia, e já não tinha certeza do que havia acontecido a ela. Encolerizada com o marido, foi procurar Egistos, primo do esposo e seu inimigo mortal, a fim de lhe contar tudo. Com palavras de consolo, confortou-a Egistos, alimentando, astuciosamente, o ódio contra Agamémnon, pois via, nessa circunstância, uma oportunidade para se apossar do trono de Micenas. Não imaginava Agamémnon que, partindo para a guerra, Clitemnestra se entregaria a Egistos e com ele viveria em sua ausência, tornando-se o inimigo senhor de Micenas. Egistos e Clitemnestra estavam convencidos de que Agamémnon jamais regressaria da longínqua expedição em que tão imprudentemente se havia metido o exército grego.

Assim, era lentamente entretecido, fio por fio, o padrão de sombras e de lágrimas, enquanto os dedos do Destino se moviam inexoravelmente sobre o tear do Tempo.

Então, os relâmpagos cessaram, bem como os trovões. Apenas o vento continuava a soprar, e uma chuva, a princípio fina, começou a cair sobre o acampamento.

O ABANDONO DE FILOCTETES

No mesmo dia do prodígio do sacrifício de Ifigênia, sob o comando de Ájax, a frota içou as velas. E, com um vento assaz favorável, fez-se ao mar, enquanto riscava no céu um raio de Zeus, lançado das nuvens à direita das naus helênicas. Após rápida travessia, ancoraram na ilhota vulcânica de Crisa, “dourada”, ou Nea, “a nova”, a fim de fazerem provisão de água. Ali, o tessaliano Filoctetes, filho do rei Péas, de Meliboea, herói de mil aventuras, companheiro de armas de Héracles, descobriu um altar em ruínas que, durante a famosa viagem dos Argonautas, Jasão dedicara à deusa Atena, protetora da ilha. O piedoso herói, contentíssimo com a descoberta, desejou sacrificar no santuário abandonado à deusa protetora dos gregos, mas uma serpente venenosa, das que costumavam guardar os lugares sagrados, atacou o intruso e mordeu-o num dos pés.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:53

Isso fez com que se cumprisse uma velha previsão: quando Héracles compreendeu que ia morrer, tomou suas últimas disposições e subiu ao monte Oeta, não longe de Tráquis, amontoando madeira para a pira funerária. Terminados os preparativos, pediu a Licas e seus outros servidores que ateassem fogo à lenha, onde havia-se deitado, mas nenhum o quis atender. Só Filoctetes obedeceu, e os demais fugiram. Em recompensa, Héracles lhe deu o seu arco e as flechas envenenadas, embebidas no sangue da Hidra. Enquanto a fogueira queimava, um grande trovão retumbou, e o herói foi arrebatado ao Céu, numa nuvem, para junto do pai Zeus. Porém, antes de morrer, Héracles fizera Filoctetes jurar que não contaria a ninguém o lugar onde havia sido incinerado. O peantíada prometeu. Porém, um dia, foi ao monte Oeta e, batendo com o pé no chão, com um olhar indicativo, contou sem falar onde fôra outrora a pira do herói. Por isso, foi punido com uma ferida no mesmo pé, através da serpente de Crisa.

Seus homens levaram-no ao barco, e a frota continuou seu percurso. Mas a ferida, cada vez mais aberta, produzia dores insuportáveis ao filho de Péas. Os companheiros não podiam suportar o pútrido cheiro da chaga nem os gritos incessantes do enfermo. Era impossível fazer, em paz, oferendas e sacrifícios. O sinistro queixume a tudo estornava.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:54

Finalmente, consultaram os Átridas ao astuto Ulisses. O descontentamento dos companheiros do herói começou a alastrar-se por todo o exército. Temia-se que a ferida do peantíada contaminasse a todos e que suas contínuas queixas desmoralizassem os gregos de modo geral. Por conseguinte, incentivados por Ulisses, tomaram os chefes a cruel resolução: ao passarem diante das costas desérticas e inóspitas da ilha de Lemnos, onde outrora havia reinado Hipsípile, ali abandonariam o desgraçado herói, sem lembrar-se de que, sem o valente guerreiro, perdiam uma peça fundamental no sucesso do confronto com os troianos: perdiam um arco infalível. Ulisses foi incumbido de cometer a vileza. Pegando-o enfermo, enquanto dormia, levou-o à praia num bote e deixou-o numa gruta perto dali, pondo-lhe ao lado vestes e alimentos suficientes para alguns dias. O navio deteve-se apenas o tempo necessário para desembarcar o desventurado. Mal Ulisses regressou, içaram-se as velas, e pouco depois estava de novo o barco reunido à frota. A contragosto, seus arqueiros tiveram que abandonar seu chefe e foram-se juntar aos demais tessálios.

DUELO EM LESBOS

Havia um rei chamado Filomélides, que governava parte da ilha de Lesbos, um homem muito forte e valente, que forçava os viajantes a lutarem com ele e, vencendo-os, matava-os. Os gregos, buscando chegar na Tróade, aportaram na ilha e, imprudentemente, o rei desafiou a Ulisses e a Diómedes para um combate. Filomélides que não os conhecia e julgava-os fáceis de vencer, foi morto pelos heróis.

OS GREGOS EM TÊNEDOS

A frota grega, antes de chegar às praias troianas, achegara-se na ilha de Tênedos e foram bem recebidos pelo rei Tênes, filho de Cicnos, rei de Colonas, e de Procléia, filha de Laómedon.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:54

Cicnos era filho do deus Posseidon e de Escamandrodicéa. Ao nascer, sua mãe o havia abandonado na praia, e um cisne cuidou dele e o alimentou. Tornou-se rei de Colonas, cidade vizinha ao norte de Tróia, sua aliada, e em seguida casou-se com a filha do rei, Procléia, e teve dois filhos, Tênes e Hemitéa. Morrendo-lhe a primeira mulher, o rei Cicnos casou-se com Filónome, filha de Trágasos, que pouco depois se enamorou do enteado Tênes. Como o moço de forma alguma correspondesse, ela o caluniou junto do marido, contando com o falso testemunho do flautista Eumolpos. Hemitéa tentou defendê-lo da acusação e ambos foram punidos pelo pai: Cicnos mandou encerrá-los numa caixa lacrada e atirou-os ao mar. A caixa foi parar em Lucófris, e ambos foram salvos. A partir do momento em que Tênes se tornou rei daquele lugar, a ilha passou a chamar-se Tênedos. Cicnos, um tempo depois, ao saber da calúnia de sua esposa Filónome e do falso testemunho de Eumolpos, o músico da corte, mandou que lapidassem a este e enterrassem viva a própria esposa. Foi em seguida a Tênedos para reconciliar-se com seu filho. Mas Tênes se recusou em recebê-lo, apanhou um machado e cortou as amarras do barco do pai, impelindo-o de volta ao alto-mar.

Durante o banquete de recepção, em Tênedos, Aquiles tentou assediar a irmã do rei, Hemitéa, que, irritado, atacou-o com pedras, rogando-lhe pragas e quase conseguindo expulsá-lo da ilha. Mas o mirmidão, revidando, tirou-lhe a vida. Aquiles, aproveitando o momento de furor, arruinou e saqueou a cidade, apossou-se de seus bens e de suas armas, dos animais e das mulheres, entre elas, Hecamede, filha de Arsínoos.

O herói mirmidão, percebendo tarde demais que tinha se cumprido um oráculo contra o qual prevenira Procléia, a mãe do rei Tênes, fez para o morto funerais magníficos, e castigou com a morte o escravo que deveria preveni-lo.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:55

O REGRESSO DE PÁRIS A TRÓIA

Embora em Tróia nada se soubesse da partida da grande esquadra grega, desde o afastamento dos legados gregos reinava na cidade a inquietação e o terror, diante da perspectiva da guerra próxima. Só sabiam do ataque a uma das cidades míssias, então governada por Télefos, mas que os gregos haviam se retirado e regressado para o alto-mar.

Páris, entretanto, voltara com a princesa raptada, o maravilhoso botim e a frota inteira. Príamos não viu com bons olhos entrar no palácio a indesejável nora, e, sem perder mais tempo, convocou em conselho os numerosos filhos. Deixaram-se estes, todavia, seduzir pelo brilho das jóias que Páris se mostrava disposto em repartir, assim como pela formosura das escravas gregas, todas de famílias nobres, trazidas por Helena como séquito, a fim de cedê-las em casamento aos cunhados solteiros. Sendo todos moços e de temperamento belicoso, decidiram colocar a linda estrangeira sob a proteção da família real, negando-se a entregá-la aos gregos. Inclusive o capitão Antímacos, que, corrompido pelos presentes de Páris, persuadiu as autoridades teucras, por seus conselhos, que Helena fosse restituída a Menelaus, rei de Esparta.

Muito diversamente acolheu o povo troiano a chegada do filho do rei e da formosa cativa, temendo um ataque inimigo e os horrores de um cerco. Páris ouviu inúmeros insultos, na sua passagem pelas ruas, e um dia lhe atirou alguém uma pedra, quando acompanhava ao palácio do pai a raptada esposa. Nada obstante, o respeito inspirado pelo velho soberano e sua vontade fizeram com que os habitantes desistissem de se opor à acolhida da nova princesa.

Uma vez tomada pelo conselho a resolução de não repelir Helena, enviou o rei ao aposento dela sua própria esposa a fim de certificar-se de que, se acompanhara Páris a Tróia, o fizera de livre e espontânea vontade. Helena declarou:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:55

— Pela minha origem, pertenço tanto aos troianos como aos gregos, já que Dânaos e Agenor foram meus antepassados, como eram da casa reinante de Tróia. Raptada pela força, um poderoso amor me une agora a Páris, a quem pertenço por vontade própria. Depois do que sucedera, não posso esperar perdão de meu primeiro marido nem do povo troiano. O que me aguardam é a Vergonha e a Morte, caso eu seja devolvida.

Assim falou no meio de um mar de lágrimas e prostrada aos pés da rainha Hécuba. Esta, erguendo afetuosamente a pobre criatura, comunicou-lhe a vontade do soberano e de seus filhos de a protegerem contra qualquer ataque, mesmo que Cassandra os prevenissem que o rapto de Helena traria a Destruição e a Morte a Tróia. E, no ventre, Helena carregava um filho de Páris, e haveria de se chamar Ideus.

Em conseqüência do rapto de Helena, o justíssimo Antenor, sabendo que Glaucos, seu filho, havia participado daquele insulto aos gregos, expulsou-o de sua casa, passando a ignorá-lo como filho. Glaucos teve que pedir pouso na casa de seus amigos mais fiéis. Antenor, sendo o homem mais justo e prudente de Tróia, mostrava-se abertamente contra a decisão tomada pelo rei Príamos e seus filhos, que ignoravam o futuro que os esperava.

Contra também foi Enéias, que decidiu retirar-se de Tróia e retornou à casa de seu pai Anquises. Prevendo uma possível guerra contra as gentes da Hélade, preferiu manter-se distante, inerte ao eminente ataque que se sucederia.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:56

Finalmente, as más notícias corriam pelos reinos vizinhos de Tróia: os gregos avançavam rumo ao país dos troianos, visto que uma das cidades da Míssia, há pouco, havia sido invadida e arrasada pelas forças argivas. Por esse motivo, para prevenir uma possível aliança, Príamos mandou seus emissários aos diversos reis amigos para levar-lhes as notícias. Os emissários foram ter com os reis Adrastos e Cicno, da Frígia, Pilaemenes, rei da Paflagônia, Brises, rei dos léleges, e Eétion, rei dos écios de Teba. E ainda foram buscar o auxílio dos hititas do Hatti, de Arvad e Alashia, que, montados em cavalos, armavam-se de lanças e armaduras de ferro.

OS GREGOS DIANTE DE TRÓIA

Vivia, portanto, Helena, tranquila na corte de Tróia, num palácio, com Páris. Até o povo foi finalmente seduzido pelos seus encantos e pela sua graça, e quando a frota estrangeira se apresentaria diante da costa troiana, haveria de se mostrar o povo muito mais animado que antes.

Contando todos com os cidadãos e os aliados a quem haviam pedido auxílio, pois haviam-se precavido, e de quem podiam estar seguros, verificaram que, tanto no número como na força dos heróis e combatentes, eram superiores aos gregos. Assim, esperavam a ajuda dos deuses, não só de Afrodite, mas também de Áres, Apolo e, talvez, de Zeus, pai dos Olímpicos, rechaçar o sítio da cidade e obrigar o inimigo a fugir precipitadamente.

Depois de alguns dias, finalmente, em uma manhã de sol, o alarma espalhou-se pelas ruas e praças de Tróia. O povo correu para as altas muralhas, a fim de saberem o que estava acontecendo: no horizonte, viram eles estupefatos inúmeras velas, que dobravam o promontório de Tênedos e se dirigiam para a praia; eram os gregos, uma poderosa frota se aproximava, muito maior do que tinham ouvido falar.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:57

Foi então que alguns troianos decidiram procurar Laocóon e pedir-lhe satisfações por ele não ter conseguido, com os sacrifícios adequados, graças diante de Apolo, que não impedira os gregos de rumarem para o seu país. Nervosos, os cidadãos não conseguiram conter sua ira e, sem esperar explicação, jogaram pedras no sacerdote, que, com muito custo, conseguiu correr para junto dos irmãos e dos filhos de Príamos, que o protegeram.

Verdade que Príamos já era um ancião incapaz de empunhar armas, porém rodeavam-no cinqüenta filhos, entre os quais dezenove de sua esposa Hécuba, uns ainda moços, outros na flor da idade: Heitor era o chefe, seguido de Páris, Deífobos, Hélenos, o adivinho, Pámon, Democóon, Méstor, Polites, Ântifos, Hipónous, entre outros. Rodeavam o trono cinco filhas adoráveis do casal: Ilíone, a mais velha, a profetisa Cassandra, Creúsa e Políxena, todas as quatro solteiras, e ainda a bela Laódice (ou Híera), que havia-se unido secretamente a Acamas, dos gregos; Astíoque, uma de suas filhas, era esposa de Télefos, o rei dos míssios, e já há muito havia abandonado a casa de seu pai.

À testa do exército troiano, que findava os seus preparativos bélicos, colocava-se Heitor, o herói mais valente de Tróia. À testa de outro exército, achava-se o lício Pândaros, filho de Licáon, a quem o próprio Apolo havia emprestado o seu arco; outros batalhões, alguns de tropas auxiliares troianas, estavam às ordens dos irmãos Adrastos e Ânfios; Ásios com seus filhos Ádamas e Fênops; Hípotous e Pileus, de Lárissa, descendentes do deus da guerra; os filhos do velho Antenor, Ifídamas, Agenor, Arquílocos e Acamas; Piraecmes, Pilaemenes, Hódios e seu irmão Epístrofos; Crômis e Ênomos, à testa de uma tropa míssia; Fórcis e Ascânios, à testa de uma tropa frígia; Mestles e Ântifos comandavam os meônios, ao sul da Míssia; Nastes e Anfímacos comandavam os cários; quanto aos lícios, esses eram comandados pelos primos Sarpédon e Glaucos, dois netos do famoso herói Belerofonte.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:58

Também os gregos haviam-se aproximado da costa troiana, ocupando uma distância entre os cabos Sigeus e Reteus. Pretendiam formar um acampamento comparável a uma cidade muito bem organizada, levantado a uns seis quilômetros das muralhas de Tróia, convertendo a costa asiática em zona de conflito e pouco segura, pois as rotas comerciais que mantinham os troianos se desviaram por um caminho mais longo. Os barcos haviam sido colocados na praia e dispostos em diversas fileiras paralelas que, pela inclinação do terreno, se erguiam umas sobre as outras. As frotas dos diversos povos se alinhavam em continuação uma da outra, segundo a ordem do desembarque. Quanto aos navios, rapidamente foram colocados sobre leitos de pedras a fim de que os não prejudicasse a umidade do solo e ficassem arejados.

Na primeira fileira, do lado da terra, tinham-se situado em ambos os extremos Ájax, o telamônio, e Aquiles, ambos de frente para Tróia, aquele à esquerda, este à direita; ao pé dos navios tinham armado as suas tendas. O quartel de Aquiles quase podia ser comparado a uma verdadeira casa de moradia, com celeiros e estábulos para as provisões, os cavalos de tiro e o gado doméstico. Perto dos barcos havia espaço para as corridas, os jogos funerários e outras festas.

Ao lado dos de Ájax, achavam-se os barcos de Protesilaus e Podarces, “pé-ligeiro”; vinham, logo depois, outros tessálios; em seguida, os cretenses, atenienses, fócios, beócios e, em último lugar, Aquiles com seus mirmidões. Na segunda fileira, viam-se, entre os lócrios, dulíquios e epeus; na terceira, estavam situados povos de menor renome, mas também Nestor com os pílios, Eurípilos com os orcomênios e, na extremidade, Menelaus e seus espartanos.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 01:59

Na quarta e última, perto da margem, apareciam Diómedes e seus argivos, Ulisses e os guerreiros do Heptanesos e Agamémnon e seus micênios, de modo que Ulisses ficava no meio, Agamémnon à direita e Diómedes à esquerda. Diante do primeiro, situava-se a ágora, a praça destinada às assembleias e reuniões, e onde se erguiam os altares dos deuses. A praça dividia também a terceira fileira, ficando Nestor à esquerda e Eurípilos à direita. O espaço ia-se estreitando, conforme se aproximava do mar, e a ágora, por sua vez, absorvia muito lugar, tanto que a terceira e a quarta fileiras eram as que menos barco continham. O acampamento inteiro achava-se disposto à guisa de verdadeira cidade, com múltiplas ruas e caminhos, mas as ruas principais se estendiam entre as quatro fileiras. Da terra ao mar se alinhavam ruazinhas transversais que separavam os barcos dos diversos povos; os navios ficavam isolados das barracas da tripulação por espaçozinhos intermediários, e cada povo, por sua vez, se subdividia segundo as cidades ou os chefes. As barracas eram de terra e madeira, cobertas de juncos. Cada chefe tinha o seu alojamento na primeira linha da tropa, e esse alojamento estava mais ou menos adornado, conforme a posição do ocupante. Os barcos serviam, simultaneamente, de defesa para todo o acampamento. Diante deles haviam os gregos levantado um baluarte de terra, substituído nos últimos anos do sítio por uma muro de pedra. Atrás, havia um fosso, diante do qual fôra disposta uma espessa fileira de estacas.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 02:00

Haviam-se os gregos aproveitado das longas horas de ociosidade para realizarem todas aquelas instalações, enquanto o rei e o conselho de Tróia, por sua vez, se preparavam para a defesa. Os seus guerreiros incumbiam-se ao mesmo tempo do serviço naval, e a sua manutenção era por conta do povo; cada um se encarregava das demais necessidades pessoais. Os soldados comuns estavam armados ligeiramente e combatiam a pé, ao passo que os mais notáveis combatiam em carros de guerra, de modo que cada herói combatente mantinha ao seu lado outro na qualidade de áuriga. Nada sabiam os povos daquela época de cavalaria, exceto alguns poucos povos, como as guerreiras Amazonas e os hititas — os primeiros a montar cavalos. Os carros, com os heróis mais famosos, tinham também a missão de lutar nas primeiras fileiras, e deviam constituir sempre a vanguarda.

Entre o acampamento naval dos gregos e a cidade de Tróia se estendiam, limitadas pelos rios Escamandros e Simoeis, unidos numa única foz perto do campo grego e por uma extensão de quatro horas de marcha, a florida pradaria escamândrica e a planície troiana, destinada a campo de batalha e como que feita de propósito. Atrás, erguia-se, com seus elevados muros, ameias e torres, a esplêndida cidade-fortaleza de Tróia ou Ílion, fortificada pela mão dos deuses. Situada numa colina, podia ser vista a grande distância; no interior, o terreno era irregular e montanhoso, cortado por inúmeras ruas. Somente por dois pontos era facilmente acessível, e eles estavam respectivamente defendidos pelas portas escéia e dardânica, com as suas torres.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 2/3/2021, 02:00

Os outros pontos eram abruptos e cobertos de bosques, e as suas portas e portinhas se revestiam de menor importância. Na cidadela, ou castelo de Pérgamos, achavam-se os palácios de Príamos e Páris; os templos de Hécate, Atena e Apolo, e na ponta culminante o de Zeus. Diante da cidade, na margem do Simoeis e à esquerda dos gregos, erguia-se a colina de Calicolone, enquanto à direita o caminho conduzia às nascentes do Escamandros e, depois, ao elevado cerro de Batiéa, o qual podia ser contornado e estava fora da cidade. Atrás de Tróia, estendia-se o Campo Ílico, que remontava a encosta montanhosa e formava o degrau inferior da selvagem Cordilheira do Ida, cujo pico máximo era chamado Gárgaros. A cadeia descia até a planície, e os seus dois últimos apoios, à direita e à esquerda dos gregos, constituíam os cabos Sigeus e Reteus.

A CURA DE TÉLEFOS

Antes de se iniciar a luta entre os dois povos, viram-se os gregos surpreendidos pela chegada de um hóspede. Télefos, o rei que com tamanha generosidade os auxiliara, continuava em perigo de vida com o incurável ferimento produzido pela lança de Aquiles, e os calmantes aplicados por Podalírios e Macáon tinham perdido as suas virtudes, havia muito. Atormentado pelas insuportáveis dores, mandara consultar um Oráculo de Apolo, em Pátara, na Lícia, e a resposta foi esta:

— O que feriu também curará.

Por obscura que fossem as palavras do Oráculo, o desespero levou Télefos, como um mendigo, a embarcar em busca da frota grega. Chegado à foz do Escamandros, conduziram-no à tenda de Aquiles, cuja tristeza se renovou à vista do soberano. Aquiles colocou a lança aos pés do leito do rei, sem saber como valer-se dela para a cura da ferida. Numerosos heróis, presentes, ficaram perplexos: de repente, Ulisses teve a ideia de tornar a chamar os grandes médicos do exército.
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