Que livro você está a devorar?

Olá, Ivanhoe, tudo bem?

Antes de mais nada, gostaria de dizer que foi uma bela lembrança o Winterreise de Schubert! O que pensar de "Gute Nacht?!

Bom, não tenho dúvidas em encontrar o fundamento da arte romântica na música no lied, já digo desde agora. Sempre que introduzo alguém na arte romântica, faço através da arte do lied.

Mas agora pretendo expor minha visão sobre o que chamo de homem "utópico".
Sempre que inicio um discurso sobre os movimentos artísticos românticos do século XIX, faço através da imagem do homem utópico. Penso ser, de uma certa forma, uma feliz aproximação.
Apenas peço para que meus colegas não confundam o utopismo que irei expor aqui, com o utopismo "Ideal". O utopismo que pretendo passar nesta afirmação trata da concepção mesmo antes física do que emocional ou ideal.
O homem do século XIX era um homem perdido em seu tempo, seus ideais, seu espaço. 1789 já ia distante e seus esforços eram cada vez mais sufocados frente a realidade avassaladora das ''restaurações''. Pouco antes o povo, já decepcionado com Napoleão, vira seus ideais serem executados um após o outro. Não nos esqueçamos de uma ''Imagem símbolo'' deste primeiro período, quando Napoleão se auto proclama imperador e Beethoven furiosamente rabisca seu nome na primeira capa de sua sinfonia Eroica, a quem seria dedicado, homem que ilustrava os ideais de igualdade, sumamente sacrificados quando a triste realidade veio à tona... Na própria sinfonia Eroica podemos encontrar toda uma sonoridade pré-romântica.
Voltando ao assunto, vejo claramente que o homem que virá depois, será um homem que já não se identifica com seus próprios ideais, perdido em meio a um mundo que ele mesmo não mais sabe se criou, ou ajudou a criar.

Perdido no seu próprio tempo e seu próprio espaço – quanto nacionalidade afetada, como o posterior exemplo das nações que, vislumbradas pela independência americana e fascinadas pelos ideais franceses, espalham uma onda nacionalista na Europa através da política, literatura e música, recriando sua própria imagem de nação que mais tarde iria se sufocar frente a guerras intermináveis, como o subjugo Polonês ao domínio Russo – Como dizia, o homem, perdido em seu tempo e espaço, acaba perdendo referências primárias de seus ideais, nação, modo de vida – que à época mudava freneticamente, como atestamos pela anterior revolução industrial – criando-se em uma esfera distante de tudo o que antes conhecia. Temos aí portanto, a imagem do homem sem lugar nem direção, um homem utópico, na acepção primária da palavra. Criado um distanciamento tão grande entre o ideal e a realidade, temos aí campo fértil para o aparecimento de milhares de pensamentos que povoaram o século XIX, sendo um deles o mais famoso: aquele que expõe a morte como única solução. Campo fértil também para o aparecimento de um ''personagem reinventado'' como o ''mito do herói'' que no romantismo ganha força, representando todo um ideal já em muito naufragado. Recriando assim a figura sobre humana, temos a chance de entender, por exemplo, a visão tão característica que o homem do século XIX faz do ''artista'', que deixa de ser um artesão em seu trabalho de criar, moldar, esculpir, compor ou pensar e passa a ser figura tão capital na sociedade agora já reinventada. Neste contexto podemos entender tamanho contato de uma obra chopiniana, por exemplo com o seu público, assim como demais artistas em demais áreas...
O homem utópico, reinventado, tenta portanto se adequar a uma nova perspectiva de vida, recriando o modo de pensar e agir, tornando-se fonte maior do romantismo que assola a Europa até tardes tempos. Se recriando, o homem passou a olhar a sua alma, sua psique de uma nova ótica, recém-nascida onde o novo fazia parte de tudo.

Torna-se assim o romantismo suficiente para enxergarmos o homem que se moldaria nos primórdios do século XX, traumatizado por duas guerras e na sua eterna busca de se reinventar na esperança talvez de achar, quem sabe, novo motivo, ótica, perspectiva para viver.
Espero ter exposto um pouco do meu ponto de vista. Preciso elaborar isto melhor. Está meio tarde agora, rs...

Finalizando, há um poema de Lübeck que tinha o título original de "O infeliz" e que foi curiosamente alterado para "O andarilho" quando Schubert o musicou.
Apesar de não ser exatamente do período do Sturm und Drang, acho que o poema de Lubeck nos dá uma bela imagem da trajetória de um homem perdido em meio a realidade que o cerca, o que particularmente chamo de "homem utópico", como já expliquei; além de ter uma bela relação com a natureza, como na penúltima estrofe e sua resposta que pode muito bem ser eleita como uma ilustração do romantismo alemão.
Que terá "Der Wanderer" influenciado ou nos revelado sobre o pensamento romântico? Será que Lübeck se deixou influenciar pela geração anterior?

Um grande abraço a todos.

Outro tema recorrente na literatura romântica é: VIAGENS E PREDILEÇÃO POR RUÍNAS

Era comum nos séculos XVIII e XIX os jovens aristocratas (e burgueses que os imitavam) concluírem sua educação com uma viagem pela França e Itália, para apreciar as ruínas da Antiguidade, a arte Renascentista e para aprimorar seu Italiano e Francês.

Os ingleses a chamavam de "grand tour". Podia durar até três anos, e foi profusamente representada pela literatura romântica.

Há o clichê romântico do jovem que abandona os fins educacionais da tour e se envolve com prostitutas, a jogatina e o sobrenatural. Acho que Hoffmann adota o tema na *Noite de São Silvestre*.

Para não desviar este tópico, abri um novo para discutirmos a caracterização do Sturm und Drang na música, aqui: https://mestredoconhecimento.forumeiros.com/t142-sturm-und-drang

O Talentoso Ripley - Patricia Highsmith

Uma das maiores escritoras de todos os tempos (não apenas uma escritora "policial", mas uma grande escritora), Patricia Highsmith (1921-1995) nasceu no Texas, cresceu em Nova York e viveu na Europa, principalmente na Itália e Suíça. É criadora de um dos mais famosos assassinos da literatura mundial: Tom Ripley, que aparece em alguns de seus livros.

Seu universo ficcional é povoado de personagens amorais, por vezes cruéis, capazes de chegar aos extremos de violência num átimo.

Tom Ripley foi criado em 1955 por Patricia Highsmith no romance The Talented Mr. Ripley. Logo aí com 25 anos, a personagem seria ainda protagonista de mais quatro livros, tendo ainda passado pelo cinema e pelo teatro.
A personagem Tom Ripley apareceu pela primeira vez em The Talented Mr. Ripley, um romance de 1955 da escritora norte-americana Patricia Highsmith. Surge como um jovem (25 anos) sem perspectivas de futuro a tentar singrar em Nova Iorque, fazendo o que for preciso para sobreviver, e que vê a oportunidade bater à porta no dia em que o magnata Herbert Greenleaf o contrata para ir a Itália perseguir o seu filho, Dickie, e persuadi-lo a regressar aos Estados Unidos para continuar o negócio da família.
Com um cenário europeu como pano de fundo, amores e desamores, golpes e trocas de identidade rapidamente tornaram The Talented Mr. Ripley num sucesso literário, fazendo com que a personagem de Tom fizesse vários regressos nos anos que se seguiram. A série Ripley é conhecida como The Repliad e inclui Ripley Under Ground (1970), Ripley’s Game (1974), The Boy Who Followed Ripley (1980) e Ripley Under Water (1981), que, além da personagem central, têm em comum a ação passada em terras francesas e o ''talento'' de Tom Ripley para escapar à polícia francesa e italiana enquanto se envolve nas mais diversas peripécias, regressando sempre à sua famosa casa, Belle Ombre.

Adoro!

O título original do primeiro livro da série sobre Tom Ripley é "O Talentoso Ripley", mas esse mesmo livro foi lançado no Brasil no passado com o nome "O Sol por Testemunha" por causa do sucesso do filme francês de mesmo nome, com Alain Delon no papel de Ripley. Isso acontece também com a sequência "O Jogo de Ripley", chamado aqui de "O Amigo Americano" por causa da adaptação para o cinema de Wenders. Ou seja, surgem novos nomes para os mesmos livros de Patricia, a depender das estratégias das editoras.

A Cia.das Letras lançou todos da coleção Ripley: "O Talentoso Ripley", ''Ripley debaixo d'água'', "O Jogo de Ripley", "O Garoto Que Seguiu Ripley" e "Ripley Subterrâneo".

Numa bio de Patricia que saiu nos EUA, ''The Talented Miss Higsmith'', a autora, também americana, disse que se não tivesse se tornado escritora, poderia ter virado uma assassina fria, cruel e impune, como seu mais famoso anti-herói, Tom Ripley.

Já li todos os livros de Ripley pelo menos duas vezes e gosto muito do filme "O Talentoso Ripley", de Anthony Minguela, que me apresentou ao personagem e à literatura de Highsmith. Qual a melhor cena desse filme para vocês? Para mim, é a cena em que Ripley, se fazendo de Dickie, não abre a porta para Marge e ela diz um monte de coisas sentimentais para ele pensando estar falando com o amado. Gosto igualmente da cena final, em que Peter ouve de Ripley uma impressionante descrição de si mesmo enquanto é esganado.

Teria Marge sido a culpada de tudo?!

Marge ficou com ciúmes do Dickie com o Tom, tudo bem, mas foi bem infantil da parte dela ter dito ao Dickie que Tom era gay, só pra afasta-lo de Tom. Depois de ter acabado a leitura do 1º livro da série e refletir bastante, cheguei a essa dúvida:

E se a Marge não tivesse envenenado o Dickie contra o Tom? Será que o Dickie teria enjoado do Tom do mesmo jeito? Ou Dickie e Tom teriam continuado sendo amigos, e com isso evitando a morte de Dickie?

A tônica de Patricia Highsmtih sempre foi a investigação psicológica de seus personagens, que podem ter traços paranóicos, neuróticos, embora não necessariamente doentios.

E o interessante é que os livros dizem muito sobre ELA.

Já reparou que todo mundo fuma, bebe Coca-Cola e whisky, tem gatos de estimaçao, uma estante cheia de livros, tem amigos artistas plásticos? Há a Elsie (personagem de Um rosto na noite) e a Elsie (na dedicatória de um livro), o velho chato de galocha (Resgate de um cão, Um rosto na noite e Small G), dois doidos varridos (Essa Doce Obsessão e Diário de Edith). Dá o que pensar.

Ela era lésbica. Foi abusada pelo pai quando criança e a mãe disse que tentou abortá-la. As amantes falam muito mal dela. Dizem que ela não se comportava como homem nem como mulher porque ela não sabia o que era ser muié. Mal resolvida pacas!

Mas pra mim a Pat é fantástica. Nelson Rodrigues de saias (ou de calças mesmo). Adoro esse jeito que ela tem de tocar nas feridas abertas e cutucar sem piedade. Injustiça das injustiças terem posto essa mulher na prateleira dos policiais. Meus livros preferidos são Um rosto na noite e Small G.

Sobre os filmes, o melhor Ripley pra mim foi Alain Delon, sem dúvida (até na opinião da Pat), pena que estragaram a história com aquele final moralista. Matt Damon foi um Ripley bundão. John Malkovitch é o próprio capeta...
Agora quem poderia tê-lo interpretado melhor talvez fosse o Jude Law, com aquele jeito de que não é capaz de nada, mas é capaz de tudo. Ralph Fiennes é lindo e vistoso demais que também daria um ótimo Ripley.

Ralph Fiennes. Tem classe, bonito, um charme DESTRUIDOR.

E na adaptação de Ripley Subterrâneo, o ator que interpreta Tom é o Barry Pepper.

Alain Delon, é essa a imagem de Ripley que me vem a cabeça. Ele foi o melhor de todos, não consigo pensar em um ator da atualidade que pudesse ser o ideal, pois me vem logo a figura de Delon na mente quando penso em Ripley. Talvez porque o ator e personagem fossem meio parecidos em suas personalidades, Delon soube demonstrar com exatitão a personalidade contraditória de Ripley, um misto de desatenção com um maniqueismo altamente calculado. Ainda não tive a chance de ver Denis Hoper no papel de Ripley em O Amigo Americano de Win Wenders, mas creio que o pesonagem também deva ter ficado interessante com as loucuras e porra louquisses de Hoper. Alguém viu?

O filme do Wim Wenders é bem legal. O Ripley do Hopper é um cowboy maluco que liga o gravador e diz frases como "Não há nada a temer, exceto o próprio medo". Bem diferente da malandragem que o Alain Delon demonstra no filme do René Clément, mas ainda assim interessante.

Meu voto vai para o Matt Damon, mas só quando penso no primeiro livro. Nos demais, quando vejo a imagem de Ripley em Villeperce só penso em John Malkovich!

Eu gostei do Matt Damon como Ripley, mas também não foi mal a atuação do Barry Pepper... até achei que foi perfeita em ''Ripley no limite''.
E agora fiquei doida pra ver esse que disseram aí, que não sabia que existia, O amigo americano...

Recomendo: Uma Questão de Moral

Comprei uma edição num sebo e posso lhes assegurar que é dos melhores livros de Patrícia. Só lendo para ter a exata noção, pois o livro é perfeito em todos os quesito: estilo, história, investigação psicológica, etc. Como todos os livros dela, vicia!

Indico também os contos da P. H., em que ela nos coloca na "mente" do criminoso.
Seria muito bom se existisse uma série televisiva com os seus melhores contos: um episódio, um conto.
Há pouco tempo, li "Contos Póstumos", com histórias publicadas já após a sua morte.