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A Guerra de Tróia

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Legolas
Hermes Trismegistus
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:27

— O desgraçado retorna...! Ele, o pulha, que ousou entregar a minha Ifigênia ao carrasco, espera, então, que eu o receba em meu leito novamente?

O júbilo explodiu por toda parte, e a rainha Clitemnestra, que só pensava em vingança, queria, no entanto, dissimular. Éax, filho de Náuplios e Clímene, portanto irmão de Palámedes, que havia sido assassinado pelo orgulho do astuto Ulisses e por ordem do rei Agamémnon, foi-lhe ao encontro para persuadi-la a matar o marido, contando-lhe que o mesmo que retornava pretendia substituí-la por uma cativa chamada Cassandra — no entanto, esqueceu-se de mencionar as duas crianças que traziam consigo. Mas o Destino já havia reservado para elas uma vida muita curta, morreriam em Árgos e seriam enterradas em Micenas.

Clitemnestra já há tempos pensava em vingança, mas não ainda em cometer homicídio. Mas sua opinião mudaria, graças a Éax, e Egistos voltou a procurá-la.

— Clitemnestra, o que faremos? Teu esposo deve chegar muito em breve.

— Pois bem, que chegue, então! Preparemos para ele uma bela recepção.

— Querida, não te faças de boba! Cedo ou tarde a notícia de nosso envolvimento chegará aos ouvidos dele.

Ambos ficaram um longo tempo em silêncio remoendo suas preocupações. Egistos esquadrinhava as paredes em busca de uma solução, quando Clitemnestra, lembrando-se das palavras fatídicas de Éax, o filho de Náuplios, tornou a falar; seu tom de voz agora era sério e tinha um fundo de perversidade.

— Uma bela recepção...

— De novo essa bobagem? Vamos, não temos tempo para gracejos!

— Não compreendeste ainda, tolo?

E foi abraçá-lo.

— Tu estás pensando em...

Egistos ficou satisfeito ao ver que sua amante compreendera logo o que era preciso ser feito. Afinal, ele tinha na história de sua família uma longa série de atos infames, que remontavam até Tântalos, seu remoto e cruel ancestral.

E, acariciando o peito nu do amante, disse:

— As paredes costumam criar orelhas quando ela soa de maneira inadvertida!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:28

— Não confias em tua serva?

— Não sei, mas não devemos arriscar.

Egistos sorriu, satisfeito, pois pressentia que chegava a hora de ocupar o lugar que um dia pertencera ao seu pai, Tiestes: o trono de Árgos e de Micenas. Depois, arrancando o manto de Clitemnestra, levou-a de volta ao leito.

Enquanto isso, Taltíbios retornava ao mar para encontrar-se com a comitiva argiva e seu rei. Transmitiu a mensagem, mas procurou omitir a frieza e o cinismo de sua esposa.

O povo, exaltado, enfeitara ruas e praças para receber seus heróis. Por toda parte reinava a alegria mais franca. No palácio da rainha, no entanto, as coisas não se passavam exatamente assim: Clitemnestra, tendo passado a semana inteira que antecedera a chegada de seu esposo muito nervosa, havia discutido com seu amante. Ela ainda podia sentir no rosto a força da mão direita de Egistos, por ela o ter ofendido seriamente. Ela havia ousado em chamá-lo de ‘filho do incesto’, lembrando-o que era filho de Tiestes e da própria filha, Pelópia, a única injúria que verdadeiramente lhe causaria ira.

Mas Clitemnestra, o tempo todo pensativa, abanou a cabeça e tomou uma decisão:

— Ora, basta! Esqueçamos isto, por enquanto, e retomemos nossa lição...

Rumou então para diante do grande espelho que ornamentava seu quarto. Ali, perfilada, recomeçou seus exercícios de cinismo, que dias antes uma alcoviteira escolada lhe havia ensinado. E lhe dizia a megera, com seu peculiar esfregar de mãos aduncas:

— Pratica sempre, minha querida. Pratica dia e noite!

Clitemnestra, diante do espelho, esforçava-se ao máximo para estender a comissura dos lábios.

— Aga...mémnon! Ó...! Benditos sejam os deuses...!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:30

E o rei, à frente de seu exército, entrou em triunfo na grande cidade de Árgos, que, naquela época, revezava-se com Micenas como a capital da Argólida. Nesse instante, já quase noite, o rei finalmente chegava ao palácio. Estava todo suado da viagem e dos festejos em praça pública. Clitemnestra, com segundas intenções, correu ao encontro de seu marido, a fim de contar-lhe as suas ansiedades, as suas inquietações, as falsas notícias que circulavam. E, chegando aos pés de sua quadriga, com um sorriso bem treinado, disse-lhe, enquanto o herói descia e corria para abraçá-la:

— Aga...mémnon! Ó...! Benditos sejam os deuses!

— Clitemnestra, minha rainha!

— Que felicidade! Finalmente, estás ao abrigo de qualquer perigo! Desce, meu amado Agamémnon, querido ao meu coração, desce imediatamente da quadriga.

Abraçando-o, continuou:

— Ah, meu nobre herói, deverão tocar o chão esses pés que tocaram as ruínas de Tróia?

E, dirigindo-se às servas e aos servos, ordenou-lhes:

— Escravos, que esperais? Depressa, estendei por toda parte tapetes de púrpura! Seja o rei recebido como deve ser, nesta casa onde já não era mais aguardado!

Taltíbios não simpatizava com as palavras amargas da rainha Clitemnestra, como se não desejasse a volta do esposo. Porém, Agamémnon nada lhe incomodava, visto que estava cansado e só pensava num banho quente e um leito digno de rei.

Foi quando Clitemnestra, sob os gritos de júbilo do povo, viu que entre as presas de guerra do marido, destacava-se uma bela jovem troiana. Clitemnestra, murmurando, perguntou ao herói Eurimédon:

— Quem é aquela formosa mulher com olhar de louca que se destaca entre as demais escravas?

— É uma sacerdotisa troiana. Vem sendo tratada com mais atenção, pois é uma das filhas do rei Príamos e pertence à parte dos despojos do rei.

Agamémnon ouviu o cochicho e explicou:

— É a filha do falecido soberano de Tróia. É uma vidente e será, doravante, nossa escrava.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:32

O ciúme lhe corroeu, mortificada até o âmago do coração, mas acolheu cinicamente a jovem, a quem odiara ver pela primeira vez:

— Entra também... como te chamas mesmo?

Ela nada respondeu, e Eurimédon respondeu-lhe:

— Cassandra.

— Cassandra... Entra, Cassandra, pois Zeus, na sua bondade, te destinou a vir participar da vida comum de um opulento lar; desce do carro, resigna-te de boa vontade. Quando se é reservada pela sorte a tais extremos, é uma grande ventura encontrar amos há longo tempo habituados à opulência. Os novos ricos, no dia seguinte ao de uma colheita inesperada, são insolentes, e duríssimos para o escravo. Aqui, há pelo menos uma casa em que nada há de faltar.

Cassandra nada respondeu às palavras que lhe foram dirigidas: inteiramente entregue ao seu delírio profético, a filha de Príamos foi levada para a casa dos Átridas. Observou o local e, assim que fechou os olhos e voltou a abrir, proferiu suas frases incoerentes, como sempre, que não foram compreendidas por ninguém:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:33

— Ah, esta casa, a casa dos Átridas, não mais a deixa o coro cujas vozes se unem num medonho concerto de maldições. Ela saciou-se, para exaltar o seu furor, de sangue humano, a orgia sentada neste lar, a orgia das irmãs que já não é possível expulsar, a orgia das Erínias. Elas contam de novo nos seus cantos, hóspedes obstinadas dessas moradas, elas contam de novo o primeiro crime de que os demais saíram... São crianças mortas, mortas sob os golpes dos pais. As suas próprias carnes, pasto da família, horrível repasto, o pai toma a sua parte!... Desse crime o leão sem coração medita represálias... E o chefe da casa, o devastador de Ílion, não desconfia do que há debaixo dos sorrisos da odiosa cachorra, fatalidade, agachada na sombra, o que há de perfídia para desventura sua... Ousa-o a fêmea, ousa estrangular o macho... Que grito não deu a audaz, como um grito de vitória nas batalhas... E eu, em lugar do altar de Príamos, o que me aguarda é uma mesa de cozinha. Aí é que tombarei palpitante sob o cutelo sangrento da Morte. Ao menos não morrerei sem vingança; os deuses se encarregarão disso. Outro virá um dia para punir o crime, um filho assassino de sua mãe, vingador de seu pai... A casa sabe o crime. Ah, que cheiro insuportável de sangue!

Enquanto Agamémnon e Clitemnestra se dirigiam para o palácio, de braços dados, o rei avistou por uma abertura do manto uma parte do seio branco da esposa, e isto foi o bastante para que começasse a arfar descontroladamente. Às pressas, tomou-a pela mão e, assim mesmo, sem menos tomar um banho, levou-a para o quarto e, fechando a porta, soltou seu bafo quente:

— Clitemnestra...

Em seguida agarrou-a com os modos rudes de guerreiro, despiu-a brutalmente e consumou assim mesmo, de maneira cega e egoísta, o ato de amor há tanto tempo protelado.

— Agamémnon! Acalma-te!

Clitemnestra em vão aplacava os furores de Afrodite que o dominavam por inteiro.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:34

Após saciar seu desejo por várias vezes, Agamémnon abandonou aquele corpo e estendeu-se ao largo do leito para recuperar o fôlego. Clitemnestra, por sua vez, sentindo o suor daquele homem grudado ao seu corpo, virou-se e lhe disse, com a mais descuidada das vozes:

— Querido, não queres agora tomar um banho re-vigorante para recuperar as forças? Lembra que ainda temos um longo banquete pela frente!

Disse Agamémnon, de olhos fechados e quase dormindo:

— Banquete?

— Sim, meu esposo. Egistos, teu primo, resolveu homenagear-te. Vamos comer e beber até que o flamejante carro de Hélios surja outra vez no horizonte.

— Egistos... Tudo bem.

As palavras da esposa despertaram outra vez os vigorosos instintos de Agamémnon. Lançando para fora do leito suas pernas de músculos tesos, estava logo em pé, outra vez. — Tens razão, não podemos frustrar nossos convidados.

Clitemnestra, então, resolveu testar Cassandra, a nova escrava, e ordenou-lhe preparar um banho para Agamémnon.

Demódocos, o aedo a quem Agamémnon confiara a guarda de Clitemnestra, procurava o melhor momento de revelar ao rei a infidelidade da esposa, pois, na sua ausência, não pôde defendê-la contra a sedução de Egistos. Mas pensou em revelar a verdade durante as comemorações de seu retorno, oferecidas por Egistos, com grandes demonstrações de cordialidade, com a presença de pelo menos vinte de seus homens mais fiéis. Por isso, aguardou.

E o tão esperado banho do rei estava pronto. E Agamémnon, reanimado, encaminhou-se para a sala de banhos que ficava no fim do corredor.

Clitemnestra, ainda nua, correu ligeiro até aquela mesma porta secreta que dava acesso ao seu quarto e bateu repetidas vezes. Logo surgiu pela abertura a cabeça sinistramente alerta de Egistos. Após vasculhar com os olhos a peça inteira, abriu a porta mais um pouco e por ela passou, espremendo o seu corpo robusto.

— Agamémnon aprovou a minha homenagem?

— Vamos, entra logo!

— Por que permitiste tantas vezes...? Para satisfazeres o atraso?
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:35

E, sentindo o cheiro de suor na pela da amante, cuspiu.

— Tua pele fede à saliva podre de cão!

— Cala a boca, idiota! Queres pôr tudo a perder com teus ciúmes ridículos?

— Chamas de ciúme ridículo ter de assistir à mulher amada ser lambida por um bode asqueroso, feito um osso ordinário?

Algo disse à Clitemnestra que era hora de devolver aquela bofetada anterior, e ela não hesitou em aproveitar a ocasião.

— Vê como usas as tuas comparações imundas comigo!

Nesse momento, entrou Cassandra, a escrava, alguns segundos depois do tempestuoso idílio. Ao ouvir o barulho do abrir da porta, Egistos ocultou-se.

— Chamaste, minha senhora?

Os olhos de Clitemnestra despediram faíscas.

— Sim, vem até aqui!

Cassandra aproximou-se e, tão logo esteve ao pé da rainha, recebeu também uma bofetada.

— Isto é para que tu aprendas, desde já, a não entrares em meus aposentos sem antes te anunciares! Já para fora!

Cassandra, baixando a cabeça, mas com os olhos buscando algo suspeito, retirou-se. Clitemnestra, esquecida porque a havia chamado, notou o ar de desconfiança da escrava, e lembrara-se do que lhe havia dito o marido: era uma vidente. E isto era perigoso.

Então, Egistos reapareceu como num passe de mágica, esquecido já da agressão. E Clitemnestra disse:

— Vamos de uma vez!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:37

Os dois puseram-se, então, porta afora. Egistos tomou um archote e seguiu a amante. E enquanto o rei se banhava, providenciaram para Agamémnon vestes sem abertura para os braços nem para a cabeça; depois, Clitemnestra levou-a ao marido, que nada desconfiava, enquanto os convivas da festa no salão aguardava sua presença e reassumir o seu lugar no trono. Demódocos ansiava para poder encontrar-se com Agamémnon, mas não lhe foi permitido visitá-lo em seu banho. Foi quando um servo foi-lhe anunciar as insistências de Demódocos; Agamémnon, ao sair o servo, querendo mesmo trocar umas palavras com o aedo, pretendeu terminar logo o seu banho. Nisso, pé ante pé, portando um machado de dois gumes, Clitemnestra e Egistos se aproximaram e o escutaram, parecendo devanear sob a água tépida do banho:

— A sombra do Hades... Silêncio, Cassandra... Um crime hediondo... Silêncio...

Sua barba brilhava, orvalhada pelos respingos da água, enquanto mais acima seus olhos cerrados moviam-se celeremente por baixo das pálpebras.

Egistos murmurou:

— Ele sonha...!

— Vamos acordá-lo, então.

E exclamou, da sala ao lado:

— Agamémnon, meu marido! Apressa teu banho que teus convidados te esperam!

Subitamente desperto, falou consigo mesmo:

— Ah, deve ser Demódocos, aquele velho safado...

Então, mergulhou a cabeça mais uma vez no fundo da tina. Retirou em seguida, dando um longo hausto espalhando uma chuva de gotas d’água. Pôs-se em pé, procurou manter o equilíbrio e saiu da banheira. Tomou as vestes e começou a vestir-se, quando, ao tentar fazê-lo, atrapalhou-se, pois não encontrava as aberturas dos braços e da cabeça, e chamou a esposa para ajudá-lo.

— Clitemnestra! Vem até aqui, por favor! Ajuda-me, pois não estou conseguindo me vestir!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:37

Nisso, inesperadamente, a porta da sala ao lado abriu-se, e os dois amantes se ocultaram. Eurimédon, seu áuriga em Tróia, foi procurá-lo para reclamar a demora, mas foi barrado por Egistos, que lhe tirou a vida a punhaladas. E, então, os dois partiram para executar os seus planos. Egistos segurou Agamémnon com toda a força, e o rei reclamou:

— O que é isto? Larga-me! Quem és?

Então Egistos, começando a titubear, percebendo que o início de seu reinado se faria com sangue, pensou por um instante em desistir. Nesse mesmo momento Clitemnestra, nem salto de felina, pôs-se às costas do marido e, erguendo ao alto o machado, disse:

— Para trás, Egistos!

Egistos afastou-se, e Agamémnon tentou entender o que ocorria. Mas não teve tempo de descobrir. Ao debater-se para livrar-se das vestes, Clitemnestra errou o alvo, acertando, em vez da cabeça de Agamémnon, a sua clavícula direita. O rei lançou um grito terrível e dobrou um joelho.

— Isto, celerado, ajoelha-te! É pouco pelo que tu mereces por ter me arrebatado Ifigênia!

Agamémnon, compreendendo o que se passava, ainda que aos delírios, gritou:

— És tu, Clitemnestra?! Tu e teu odioso amante?!

Com um puxão, ela arrancou das carnes de Agamémnon o ferro imundo e, erguendo-o ao alto outra vez, desceu-o em novo golpe feroz. Desta vez obteve sucesso, acertando a cabeça do esposo, que se abriu como uma romã.

E ela, tomada por um furor dionisíaco, disse:

— Vê, Egistos! Com que profusão seu sangue negro verte pelo chão esquentando os meus pés!

E aplicou-lhe um terceiro e definitivo golpe sobre o peito.

Tudo consumado, Clitemnestra e o amante já se preparavam para deixar o local do crime quando Cassandra, a filha de Príamos, surgiu à sua frente. Sua boca espumava e seus olhos esgazeados rebrilhavam sob a luz tremida do archote, que quase se apagara pela violência do machado.

— Assassina... Assassina... Oh, lugar de maldição! Antes eu tivesse perecido em Tróia!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:39

— És a cadela que o porco trouxe de Tróia para refocilarem juntos! Tua hora também chegou!

E desceu o machado sobre a indefesa mulher.

Egistos, o assassino de Atreus, desta vez apenas assistira à consumação de mais uma infâmia. E, meio horrorizado pela frieza da amante, disse:

— Vamos sair daqui, Clitemnestra, antes que sejamos descobertos!

Era tarde demais. No palácio, de repente, no meio de risos e muito barulho por parte dos convivas, ouviu-se os gritos desesperados de uma escrava vindos do fundo do corredor. Os convidados, assustados, correram para ver o que se passava, e encontraram Egistos de olhos arregalados e Clitemnestra segurando um machado de dois gumes e ainda três cadáveres estendidos no chão. E ela, como uma louca, enchendo-se de razões, disse-lhes:

— Eis aí o verdugo de sua mulher, o consolador de Criseis sob as muralhas de Ílion... Eis aí também a escrava, a profetisa Cassandra, vinda com ele na frota argiva! Os seus ultrajes estão vingados. Ele, vede o que fiz com ele. Quanto à troiana, cantou o canto do cisne, o hino supremo da Morte: ali está jazendo, a cativa de Agamémnon. Sim, foram necessárias várias combinações, antes de cometer esta vingança. Tive de preparar o meu triunfo. Enfim, consegui! Estou de pé, e ele está estendido no chão; já fiz o que deveria fazer... Sim, as minhas precauções estavam tomadas, não faço mistério disso, para que ele não pudesse escapar. Duas vezes o golpeei, duas vezes ele gemeu e os joelhos dele se dobraram. E ao cair, apliquei-lhe o terceiro golpe. Vede como jorra o sangue, bela obra para a esposa amargurada, mais doce para mim que a chuva de Zeus no cálice das flores!

E soltou uma gargalhada.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:40

Egistos havia sido o instigador do crime: entretanto, chegado o momento de executar o plano, depois de dar o golpe em Eurimédon, hesitou e tentou reter a rainha, a qual, muito mais resoluta, já havia decidido matar o marido. Clitemnestra sentia muito ódio de Agamémnon; os incentivos do navegante Náuplios, tentando vingar a morte do filho Palámedes, não foram os reais motivos de seu ódio: Agamémnon tinha assassinado brutalmente o seu primeiro marido e os seus filhos diante dela; também tinha sacrificado Ifigênia, em Áulis, filha esta que, na verdade, era de Teseus e Helena, mas a amava mais que tudo em sua vida. Por tudo isso, e muito mais, pensava em vingança.

Egistos tentou justificar o assassinato, dizendo:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:41

— Existem para os homens deuses vingadores, cujos olhares, do alto do Céu, seguem as catástrofes daqui. E a prova é este homem deitado, sob o véu de Erínis. Ah, como me rejubila a alma essa visão! Aí está o preço das violências e das maquinações de seu pai, Atreus. Ele foi chefe desta terra, para ter exclusivamente para si próprio um poder discutido, expulsou de Árgos, da casa paterna, seu irmão, meu próprio pai. Mais tarde, o infeliz Tiestes, suplicante, voltou a morar neste lar. Atreus o acolheu como hóspede: parecia preparar-lhe um festim, e deu-lhe a comer a carne dos filhos! Sentado à extremidade da mesa, Atreus incumbiu-se de cortar os pedaços para os convidados. Assim irreconhecíveis, Tiestes pegou-os sem de nada suspeitar, e comeu o horroroso alimento, fatal aos descendentes de Atreus. Não tardou a compreender, depois que viu Atreus soltando gargalhadas; deu gritos, então, e rolou pelo chão vomitando a abominável comida. Chamou sobre os Átridas espantosas catástrofes, e revirando a mesa com um pontapé, envolveu nas suas imprecações toda essa raça destinada à ruína. Eis porque este jaz aí no chão, e sou eu que a Justiça armou para este assassínio. Era eu o terceiro dos filhos do infeliz Tiestes... Como meu pobre pai, expulsaram-me apesar de eu ser pequenino, menino de berço. Já adulto, voto-me à Vingança. E, na verdade, este homem pereceu pelas minhas mãos, apesar de estar eu ausente durante a execução, porque toda a trama tenebrosa foi obra minha.

Árgos já havia sido corrompida por Egistos e Clitemnestra, e não tiveram um julgamento. E os que eram fiéis a Agamémnon tiveram que deixar a cidade.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:42

Agamémnon tinha uma filha, Electra, que assistira à morte de seu pai, e nem sequer pudera fazer-lhe o enterro. Só secretamente é que podia chorar sobre o túmulo solitário, acompanhada somente de suas ancilas. Ela passou a ser tratada como escrava. E tinha Agamémnon, também, um filho de pouca idade, Orestes, com doze anos apenas. Electra, um dia, ouviu a mãe conversando com Egistos, e suas últimas palavras foram:

— Faze o que tiver de ser feito, amado Egistos, para que nosso amor não corra perigo algum...!

E acrescentou ainda:

— Eu te amo. Um crime selou nosso destino, e nada neste mundo poderá nos separar! Nem mesmo nas sombras mais escuras dos mais profundos antros infernais — promete-me!

Sua consciência já a conduzia a cometer os atos mais indignos, mesmo assim continuava e desejava ficar ao lado de Egistos, o seu mentor maldito.

Temendo pelo irmão uma sorte semelhante a do pai, Electra foi acordá-lo no meio da noite.

— Orestes, Orestes, acorda! Toma tuas coisas e parte o quanto antes desta casa!

Orestes, ainda sonolento, perguntou:

— Por que, Electra?

— Nossa mãe, Clitemnestra, e o odioso homem que ela tomou para si tramam a tua morte!

E sacudiu-o violentamente para que acordasse de vez.

Egistos havia convencido a amante de eliminá-lo, pois temia uma vingança futura. E Electra explicou-lhe tudo o que ouvira da boca dos dois amantes. E, enquanto Orestes arrumava suas coisas, se perguntava:

— Oh, Afrodite suprema, pode o Amor estar associado à tanta baixeza?

Antes de Éos apontar no horizonte, Orestes era conduzido por um servo fiel a caminho da Fócida, para a casa de seu tio Estrófios, rei de Crisa (ou Cirra), não longe de Delfos, onde estaria em segurança. O rei era casado com uma irmã de Agamémnon, que encarregou-se de criá-lo ao mesmo tempo que seu filho Pílades. Enquanto isso, em Micenas, Clitemnestra casava-se publicamente com Egistos, e lhe punha, ela mesma, a coroa em sua cabeça.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:43

Em seguida, o povo realizou os funerais de Agamémnon. Na qualidade de chefe-supremo, foi posto em seu túmulo com o rosto coberto por uma rica máscara de ouro, e um luxuoso mobiliário fúnebre foi posto junto de seu túmulo, em Micenas. As máscaras de ouro simbolizavam a heroização do morto, por isso tinham como finalidade transformá-lo em ser sobrenatural, de traços incorruptíveis, semelhantes às estátuas dos Imortais.

A VINGANÇA DE ORESTES E ELECTRA

Certa noite, A rainha Clitemnestra acordou aterrorizada com um sonho que tivera, talvez um dos tantos efeitos do Remorso, ou ainda um aviso, uma previsão de um futuro próximo: sonhou que tinha dado à luz a uma serpente que tinha mamado em seu seio, ao mesmo tempo que lhe sugava todo o seu sangue.

O filho de Agamémnon, Orestes, já contava vinte anos de idade. Vivia como um príncipe, em Crisa (ou Cirra), no palácio do rei Estrófios, e Pílades o tratava como seu irmão legítimo, ambos protegidos pelo bom deus Apolo. Orestes fazia jus ao seu nome, que encontrava um sentido: “o homem da montanha”, porque desta forma crescia, num país tomado pelas cadeias do Párnassos.

Um dia, Orestes foi incentivado por Pílades a consultar o Oráculo de Delfos, para que pusesse fim aos seus rancores e às suas dores, que o atormentavam ano após ano. Então, aceitando o conselho do amigo e agora irmão, foram juntos para Delfos e ali escutaram atentamente o oráculo proferido pela Pítia, a sacerdotisa de Apolo. E foi-lhe dito ser necessário vingar a morte de Agamémnon seu pai, e o sangue deveria recair sobre a cabeça de Clitemnestra e Egistos.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:44

Impelido pelo oráculo de Apolo, completando oito desde a morte de seu pai, voltou para Árgos na companhia do inseparável amigo Pílades. Mas primeiro foi a Atenas a fim de pedir também a proteção de Palas-Atena. Depois de vários dias de viagem, a pé, chegaram, sujos e cansados, como estrangeiros comuns, sem levantar suspeitas, na cidade de Árgos, na Argólida. Foram direto ao local do túmulo de Agamémnon, a fim de reverenciar a sua alma. Após invocar os manes do pai, Orestes depositou no túmulo um anel dos seus cabelos. Naquele momento, acompanhada de algumas cativas troianas, aproximou-se também Electra, que estranhava a atitude daquele rapaz, um estrangeiro, e interrogou-o sem reconhecê-lo:

— Jovem de terra estranha, não sabes que este local é vedado a estrangeiros?

Pílades, educadamente, improvisou:

— Perdão, moça, mas realmente somos estrangeiros. Desconhecemos essa proibição, julgamos que seria um ato de piedosa devoção virmos, antes de tudo, reverenciar a memória do falecido rei desta terra.

Electra, contudo, em vez de impedi-los de permanecerem naquele lugar, descobriu o véu negro de sua cabeça e, fora de si, disse-lhe em tom alegre, impróprio para aquele lugar:

— Benditos sejam os deuses! Será mesmo meu irmão Orestes quem tenho diante dos meus olhos?

Reconheceu-o. Orestes ergueu os olhos e também a reconheceu, depois de tantos anos. Sem ter tempo de responder, abraçaram-se num pranto incontido. Em seguida, após relatar os acontecimentos, Orestes anunciou-lhe os projetos de vingança de que estava animado e nos quais ela nada mais fez senão confirmá-los. Ela não deixara um instante só de nutrir um ódio profundo, tanto por Egistos quanto por sua mãe.
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A Guerra de Tróia - Página 33 Empty Re: A Guerra de Tróia

Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:45

Assim, Electra ocultou a ambos em sua casa — pois não morava mais no palácio. Temendo que a enteada tivesse um filho que, um dia, pudesse vingar a morte de Agamémnon, Egistos fê-la casar com um pobre camponês, que soube respeitar sua virgindade. E ali, irmão e irmã combinaram juntos a maneira pela qual deviam agir. Concordaram em que o próprio Orestes devia apresentar-se ao palácio onde mentiria ser um forasteiro vindo do país em que Orestes se encontrava, e lhes daria notícias do mesmo, sobre sua morte.

Certamente demoraram alguns dias para pôr em prática seus planos, tempo suficiente para despertar a paixão entre Pílades e Electra, que esqueceram, por vários instantes, a tristeza e os momentos mal vividos.

Chegando o dia combinado, Orestes e Pílades entraram no palácio e puseram o projeto em execução. Fizeram-se anunciar como arautos vindos da Fócida. Pílades carregava uma misteriosa caixa dourada.

— Temos uma triste notícia a dar sobre o filho desaparecido da rainha Clitemnestra.

O guarda mandou esperar. E, momentos depois, surgiu o rei Egistos, que trazia o ar esperançoso, já que ouvira algo, da boca do guarda, sobre a morte de Orestes. Em seguida surgiu Clitemnestra, que não reconheceu Orestes, seu próprio filho, pois sentia uma indiferença muito grande a respeito dele. Não sentia sua falta.

Foram convidados a entrar de forma quase hospitaleira, sem muitos rodeios. Chegando na sala do trono, sentaram-se em seus tronos, e Pílades tomou a palavra, já que Orestes estava entregue às dúvidas e ao amor do filho pela mãe:

— Os maus Fados abatem-se novamente sobre esta casa, pois eis que, por ordem do rei Estrófios, de Crisa, trazemos nesta urna as cinzas de Orestes, teu filho, ó rainha, e filho de Agamémnon. É-nos mandado saber se as cinzas do morto devem permanecer em nossa cidade ou então deixadas em Árgos.

— Orestes morreu? O meu Orestes?

— Sim, rainha, Orestes morreu quando disputava uma corrida de carros.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:47

Clitemnestra fez menção de dar um grito de júbilo e mandou, de imediato, avisar Egistos, que estava no campo, para que se apressasse a retornar ao palácio para ouvir as novidades. Orestes e Pílades ficaram sozinhos, até o retorno de seus anfitriões.

Orestes não quis ver a expressão de satisfação que faria sua mãe e preferiu observar o rosto de seu amante, que disse:

— São verdadeiramente funestas as novas que nos trazeis...

Em seguida, gemeu sordidamente para Clitemnestra:

— Oh, Clitemnestra, que dia mais aziago é este, que Zeus nos anuncia?

E olhavam-se, simulando um luto atroz.

Não suportando mais a farsa e as cínicas atitudes de Egistos e Clitemnestra, impaciente, Pílades abriu a caixa que mantinha em suas mãos e sacou dela o seu punhal, enquanto Orestes empunhou o outro. O rei e a rainha levaram um susto medonho quando se viram diante de dois furiosos assassinos.

— Mas... o que é isto? Quem sois?

Pílades, então, sem dar uma única chance para o usurpador, agarrou-o pelos cabelos, derrubou-o do trono e enterrou com toda a força o aço no seu coração. Retirando-o do peito de Egistos, este cambaleou para trás, já com a fronte gelada pela mão da Morte. Nisso, entrou Electra, que tinha passe livre, com um escabelo, ajudou a matá-lo com golpes na cabeça. Clitemnestra, com os olhos arregalados, sem acreditar no que acontecia, pois via uma conspiração liderada por Electra, sua filha, viu cair ao chão o seu amado, que vomitava um sangue negro e cobria inteiramente o seu peito infame, agora descoberto.

Clitemnestra, com as duas mãos na boca, deu um grito sufocado, o suficiente para se ouvir da sala ao lado. E Pílades, antes que fosse tarde demais, gritou:

— Orestes, faz agora o que te cabe fazer!

Orestes levantou os olhos furiosos e encarou a mãe, que, branca como o mármore, gemeu:

— Orestes... meu filho...

Nada respondeu, nem tentou justificar os seus atos, e ergueu o punhal. Clitemnestra, suplicante, implorou:

— Orestes, querido... Perdoa o sangue do teu sangue...
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:47

Orestes hesitou um instante. Mas Pílades, enérgico, repetiu:

— Orestes, lembra-te do oráculo! Faz o que deve ser feito!

E a lembrança do pai degolado o arrebatou, e Clitemnestra foi golpeada no peito pelo próprio filho. Nesse instante, um jovem argivo, tentando socorrer a rainha, armado com um vaso, fê-lo em vão, e, vendo que já era tarde demais, teve que fugir e chamar os guardas. Erigósia (ou Erígone) e Aletes, filhos de Egistos, acudindo com as servas da rainha, foram testemunhas do duplo homicídio. E todos encontraram, estupefatos, os corpos de Egistos e Clitemnestra estendidos no chão. E, não havendo mais nada o que fazer ali, Pílades disse ao companheiro:

— Está feito o que tinha de ser.

Mas Orestes não conseguiu se mexer, pois, diante dos filhos dos dois amantes, estava sendo dilacerado pelo Remorso. Então, incitado a sair dali o quanto antes, Orestes foi buscar asilo no “omphalós”, pedra que marcava o centro do mundo, que ficava no Santuário de Apolo, o que não o livraria do castigo por parte dos deuses, pela morte que infringira à sua mãe.

Cilárabe, filho de Estênelos e neto de Perseus, portanto irmão do antigo rei Euristeus, com a morte de Egistos e Clitemnestra, centralizava todo o poder de Árgos em suas mãos, acabando com o reinado dos Anaxáridas e dividindo uma parte do reino de Ciânipos, descendente do rei Adrastos. E o seu primeiro ato foi obrigar Orestes a se apresentar diante de um tribunal popular.

O JULGAMENTO DOS DEUSES

Orestes, então, diante do tribunal, entre acusações por parte de Erigósia e Aletes, mandou desdobrar, diante do povo de Árgos, a túnica na qual os assassinos haviam degolado o pai, sem que ele pudesse defender-se. A vingança pela lei dos homens foi dada por satisfatória, já que muitos haviam sido testemunhas desse acontecimento há anos atrás, mas a dos deuses ia recém começar. Portanto, diante do tribunal dos homens, foram absolvidos.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:49

Enquanto Electra casava-se com Pílades, na Fócida, de cuja união nasceriam Médon e Estrófios, as Erínias foram mandadas contra Orestes, sacudindo as serpentes e os fachos contra ele, que, sentindo que a razão lhe escapava, correu a Delfos buscar um refúgio no “omphalós”, pedra que marcava o centro do mundo, que ficava no Santuário de Apolo, apoiando-se ao tripé de Apolo e se banhando em águas sagradas. Pretendia purificar-se do sangue derramado. Porém, uma das Erínias apresentou ao culpado um espelho, onde viu a imagem de Clitemnestra, símbolo dos seus remorsos. E o atormentando cada vez mais, apiedou-se dele Apolo e tentou protegê-lo, mas uma das deusas se voltou contra o deus, dizendo:

— Ah, jovem deus, vieste pôr Éris nas terras das divindades antigas! Para proteger o teu suplicante, este ímpio, fatal a quem lhe deu a vida, este assassino se sua mãe, tu és quem o arranca de nós, tu, um deus! Será justiça?... Eis os que são os oportunistas do Olimpo, os usurpadores. Sem missão, protegem este coalho de sangue, que jorra dos pés à cabeça... Admitindo ao lar, este impuro, o próprio deus-profeta profanou o seu santuário. Pois foi ele quem para ali o chamou, ele que, esquecendo-se do que um deus deve a si próprio, se fez servo dos mortais, e se opôs ao antigo poder do Destino.

Mas Apolo, não pretendendo ceder, expulsou as velhas Erínias, ameaçando-as com as setas. E entregou seu arco para Orestes a fim de proteger-se das terríveis vingadoras. Em seguida, o deus ordenou-o que fosse a Atenas e prometeu auxiliá-lo. E Orestes, segurando um ramo de oliveira, foi ao Templo de Atena, em Atenas, suplicar-lhe o perdão. As terríveis Erínias perseguiram-no, atormentando-o e entoando uma espantosa canção:

— É o canto terrível, delírio, frenesi, loucura, é o hino das Erínias, espanto das almas, o hino sem lira, terror dos mortais.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:50

Orestes, invocando Atena, declarou que havia sido purificado por Apolo, e que o deus lavou as suas manchas, mas as Erínias não admitiram as inovações introduzidas pelos deuses Olímpicos e protestaram indignadas contra as expiações piedosas que se pretendia introduzir no culto:

— Venham agora os tumultos das revoluções, se resta força ao direito do crime, à causa do parricida. Prestígio de êxito! Vemos daqui todos os homens prender-se a isso. Que inundação, em pleno dia, de atentados de filhos contra os pais.

E continuaram:

— Não mais olhares ameaçadores aos homens, não mais cóleras furiosas que detêm e refreiam. Vá tudo como puder, pouco nos importa. Ouviremos, aqui, ali, bradar contra os crimes domésticos, contra a impotência dos remédios, no desencadeamento de catástrofes sem trégua e sem descanso. Inúteis queixas do infortúnio... Ninguém nos chame, se golpeado pela desgraça, ninguém dê gritos desesperados: “Justiça, trono das Erínias!” Pai ou mãe, vítima de um recente ultraje que brada a sua dor, não importa. Do Templo da Justiça restam apenas destroços.

A própria Atena, a Sabedoria Divina, viu-se embaraçada diante do terrível problema que lhe impôs, e parecia que a consciência a perturbava. Não podendo resolver a questão pessoalmente, levou-o ao lugar aonde mais tarde seria construído o Areópago, em Atenas, e lá foi julgado diante dos deuses, doze juízes, sem contar com Atena, que conduzia o julgamento, Héstia, que cedera o seu lugar entre os deuses maiores, e com Apolo, que ali estava em defesa de Orestes, somavam Zeus, Poseidon, Héra, Deméter, Hermes, Afrodite, Áres, Ártemis, Héracles, Hefaístos, Asclépios e Dionisos — Hades não se encontrava presente, já que raramente deixava o seu reino. As portas se fecharam, e Orestes, acompanhado de seu amigo Pílades, sozinhos aos olhos dos atenienses, começou a sua árdua defesa. Atena pôs-se em pé, ao alto da tribuna, e anunciou:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:52

— Orestes, filho de Agamémnon e Clitemnestra! Tu estás agora diante dos doze juízes deste tribunal para que respondas à acusação de teres assassinado a tua própria mãe.

O acusado ergueu-se, vacilante, e deu um passo adiante. Atrás dele, contidas a custo por Apolo, o defensor de Orestes, estavam as três horrendas figuras que, com os braços estendidos, procuravam agarrar e dilacerar o réu. Eram as Erínias, as deusas do Remorso. Mégera personificava a inveja e o ódio, Tisífone açoitava os mortais com seu chicote e Alecto, a mais terrível, personificava a vingança.

Atena, impaciente, disse às selvagens criaturas:

— Para trás! Cessai por um momento a vossa ira, para que ouçamos o que o réu tem a dizer em sua defesa!

Tísifone, fazendo estalar o seu chicote de cobras trançadas, protestou:

— O que pode dizer o assassino da própria mãe?

Alecto acrescentou, aproximando o archote no rosto do réu:

— Sim...! Vamos inaugurar o insano costume de conceder perdão aos parricidas?

— Malditos todos aqueles que tomarem o partido deste cão odioso!

As palavras de Mégera foi a gota d’água para a paciência de Atena, que levantou a voz, silenciando-as:

— Basta, filhas do Tártaros! Quero ouvir, a partir de agora, tão somente a voz do acusado!

Um silêncio pleno de expectativa desceu sobre o recinto, fazendo-se ouvir somente o estalar das flamas que ardiam nos archotes.

Orestes levantou-se e dirigiu-se aos juízes.

— O que venho aqui pedir é que ponhais um fim aos meus sofrimentos, libertando minha consciência da cruel perseguição que movem as terríveis Erínias desde o dia em que, funestamente, minha mão ergueu-se contra minha própria mãe! Eis, pois, a minha negra história.

E começou a narrar a sua história:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:53

— Meus tormentos começaram na terrível noite em que, ainda criança, fui acordado por minha irmã Electra, a me dizer que eu deveria partir imediatamente, porque minha mãe planejava atentar contra a mim e me tirar a vida, porque ele e seu amante, assassinos de meu pai, temiam que um dia eu vingasse sua morte. Bastaram algumas poucas palavras do infernal Egistos, segundo minha irmã, para que minha mãe concordasse. Sua consciência já a remetia, de forma insensível, aos lugares de tormento e maldição; ainda assim, ela persistia no seu projeto insano de continuar a viver ao lado daquele crápula!

Todos o ouviam atentamente.

— Antes do dia clarear, eu já estava a caminho da casa de meu tio Estrófios, o rei da Fócida. Ele era casado com a irmã de meu falecido pai, e ali eu podia estar certo de minha segurança. Quanto à minha irmã Electra, preferiu permanecer em Árgos, pois, segundo o que ouvira, imaginava não correr tanto perigo como eu. E ao chegar em Crisa, fui bem recebido pelos meus tios e apresentado a Pílades, que além de parente se tornou meu melhor amigo. Jamais me abandonou... E mesmo neste momento de cruel provação, ainda uma vez me lança o olhar firme e leal da amizade! Que Zeus supremo, ó meu irmão — pois sempre assim te chamarei —, possa velar incessantemente pelos teus antepassados, em todos os dias da tua vida!

Neste momento, Orestes, tomado pela emoção, viu-se obrigado a interromper sua narrativa, pois os próprios juízes haviam curvado as cabeças para ocultar as lágrimas. As Erínias vingadoras, no entanto, ergueram ainda mais suas cabeças aduncas.

Mégera, dando um salto, arrepanhou suas tranças emaranhadas de víboras, após arremessar na direção de Orestes um cuspe negro e fétido, e em seguida passou os olhos, enojada, pelos doze julgadores.

— Se tais são estes juízes, que ocultam lágrimas por qualquer bagatela, que podemos esperar deste teatro?

Apolo, então, que protegia a causa de Orestes, interveio:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 03:54

— E o que entendeis de amizade, abutres sinistros, para que emporcalhais de maneira tão vil as palavras de Orestes? Quereis descer ao nível das Hárpias, que empestam com sua baba imunda tudo quanto tocam?

Tisífone interrompeu-o e apontou o dedo para o réu.

— Até quando permitirás, Atena, que este protetor de assassinos desafie a Justiça, que clama unânime pela punição deste que aí está?

E Alecto, a terceira das Erínias, lançando aos pés de Orestes a sua tocha, bradou:

— Acabemos com esta discussão e faça-se a justiça que todo o Olimpo espera!

Atena ergueu o braço e restaurou a ordem outra vez.

— Basta, terei de lembrar a todos que não estamos num teatro? A palavra é devolvida ao acusado. Somente procura ser mais direto em tua narração.

Orestes levantou a cabeça e continuou:

— Como eu estava dizendo, tão logo cheguei à corte de meu tio fiquei conhecendo Pílades. Tal como eu, era um garoto, e assim juntos crescemos, desfrutando das alegrias que ainda nos restavam da infância. Os anos se passaram, e um dia, já adulto, fui impelido por Pílades a consultar um oráculo, para que esse pusesse um ponto final aos meus rancores e às minhas protelações. Fomos, então, a Delfos e ali escutamos o oráculo proferido pela Pitonisa, que representava Apolo. Este foi categórico no sentido de que eu devia, a qualquer custo, vingar a morte de meu pai, Agamémnon, expulsando para as regiões infernais o infame usurpador, bem como minha desgraçada mãe. Partimos, então, imediatamente para Árgos, a minha terra natal. Depois de vários dias de viagem, chegamos finalmente, imundos e abatidos — pois íamos a pé, como qualquer um, para não levantar suspeitas. E a primeira coisa que fizemos foi ir logo ao túmulo de meu pai, para prestarmos todas as homenagens à sua alma. Lá chegando encontramos algumas jovens, e uma delas, em especial, tinha a cabeça coberta por um véu negro. Elas não deram pela nossa presença. Sem me importar com elas, depositei um cacho de meus cabelos sobre a tumba, tomado pela emoção.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 04:02

E prosseguiu:

— Alguns instantes depois, no entanto, a moça do véu negro voltou-se para nós e nos perguntou o que fazíamos ali, já que éramos estranhos e não admitiam nossa presença naquele lugar. Pílades explicou-lhe, e inesperadamente ela me chamou de seu irmão. Olhei para ela e a reconheci: era Electra. Disse-lhe, então, após fazer o relato daqueles anos todos de ausência recíproca, da razão de minha vinda. Ela concordou prontamente com meu plano de matar os assassinos de meu pai. Assim, ocultou-nos em sua casa, e ali planejamos todos os passos para a concretização de nossa vingança. Alguns dias depois, fomos até o palácio real e nos fizemos como dois arautos do reino de meu tio e anunciamos que trazíamos tristes notícias do filho da rainha. Assim, fomos levados para a sala do trono, e nos deparamos com Egistos e minha mãe, que não me reconheceu. Que dizer do aspecto que trazia em seu rosto? Como negar que, suspeitando de minha morte, não tivesse o direito de ostentar em seu rosto a piedade materna? Desde aquele dia não tenho pensado em outra coisa. Mil vezes, em pensamentos ou em sonhos, talvez pesadelos, revi e continuo a rever suas feições estranhamente familiares. Posso reconstituir um a um o desenho de seus traços, desde o conjunto amplo do seu rosto até os seus menores gestos: o franzir de sua boca, o brilho de seus olhos — tudo, tudo! Consigo desenhar tudo que vi, num bloco de mármore, e, no entanto, não saberia dizer o que expressavam ou escondiam! Sim... diferentemente de Electra, ela não me reconheceu. Mais um sintoma de sua indiferença por mim? Ou talvez meu rosto não fosse mais o de um filho? Pode, então, um filho que germina durante longos anos no espírito a ideia de matar a sua mãe trazer ainda algo nas feições que o indique como tal? Pode uma mãe que um dia desejou a morte do filho pôr os olhos nele sem que seu coração se parta em dois? Seríamos, mesmo, ainda mãe e filho — ou já dois estranhos, que se defrontavam para um acerto final?
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Mensagem por Hermes Trismegistus 5/3/2021, 04:03

Orestes tomou fôlego e suspirou.

— Só sei que quando dei por mim escutava a voz familiar de meu amigo Pílades, a qual me soava como que vinda de um sonho, anunciando a minha morte forjada. Nesse instante, meus olhos, temendo ver a alegria estampada nos olhos de minha mãe, desviaram-se involuntariamente e foram parar no rosto do impostor, o qual, eu tinha certeza, não conseguiria ocultar a satisfação. Com efeito, vi imediatamente seus olhos brilharem. Em seguida, recuperando mal e porcamente o seu cinismo habitual, dirigiu-se a nós outra vez. E começou a escarnear obre a minha morte. Não podendo, então, suportar por mais tempo essa farsa, Pílades abriu a caixa e retirou dela dois punhais, que num piscar de olhos empunhamos,e fomos questionados de nossas intenções. No entanto, Pílades, sem nada responder, agarrou Egistos pelos cabelos e derrubou-o do trono, enquanto enterrava com toda a força o punhal em seu peito. Minha mãe deu grito sufocado, e foi então que, finalmente reconhecido por ela, defrontei meus olhos com os seus. Ah, sim, éramos mãe e filho, embora ao nosso jeito! Ela me pediu perdão, mas nada respondi, nem tentei me justificar. Só sei que ergui o punhal e, desde então, nunca mais vi o seu rosto. Ela ainda me implorava quando Pílades lembrou-me do oráculo de Apolo, dizendo-me para eu fazer o que deveria ser feito. Eu hesitava, mas a imagem de meu pai degolado passou pela minha frente, e só me dei por conta quando notei que a lâmina de meu punhal estava toda suja de sangue, e vi, estupefato, o corpo de minha mãe estendido no mármore. Pílades insistiu para que fugíssemos, mas era tarde demais, porque já nos haviam descoberto.
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