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A Saga de Ulisses

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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 15:17

— Há muitas outras coisas que envolveram essa atitude, meu caro. Aliás, de onde surgiu Neoptólemos? Como tu explicas a existência desse jovem guerreiro?

Agamémnon pensou um pouco, mas só teve uma explicação a dar, que lhe parecia mais evidente:

— Seja como for, Ulisses, não só manterei a minha bela cativa Cassandra, mas a levarei para casa. Clitemnestra, como boa esposa, não ousará desacatar-me por causa de uma concubina troiana.

Ulisses suspirou e lhe despejou conselhos:

— Meu prezado e audacioso colega: és realmente um imprudente. A própria Cassandra está para predizer a tua ruína, e ela, por mais que não seja ouvida, parece ser muito eficaz. Lembro-me bem que ela previu as desgraças do povo troiano, e ela não foi persuasiva, o que não lhe tirou a verdade.

— Cassandra é bela mas muito pessimista. Ela ainda está abalada porque lhe executamos boa parte da família, inclusive o pai, o velho rei Príapos...

— Príamos, o seu nome é Príamos. Príapos é o deus da libertinagem, dono de gigantesco falo. Vejo que os testículos subiram-te à cabeça. E crês ainda que Clitemnestra te receberá com a amante... Toma cuidado, Agamémnon, ouve este teu amigo. Assim como desconfias de minha esposa Penélope, esqueces que também deixaste em casa a tua Clitemnestra.

— Para vigiá-la, conto com nossa filha Electra, que muito me ama, embora seja um pouco complexada. E, além disso, deixei também a vigiá-la um espião atento...

— Sim, eu sei, o músico da corte. Poetas costumam ser excelentes espiões...

— Sei que estás sendo irônico comigo, Ulisses, no entanto saibas ainda que Egistos, meu parente, goza de minha inteira confiança. Apesar das desavenças entre nossos pais, Atreus e Tiestes, somos amigos. Ele certamente impedirá que qualquer pretendente tenha segundas intenções com Clitemnestra.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 15:18

Ulisses pensou um pouco, talvez ele tivesse razão. Mas ainda não achava uma boa ideia levar Cassandra para Árgos. Ele temia que as Desgraças ainda estavam por vir, que talvez não encontrariam, no seu retorno, a Pátria da mesma forma como deixaram há dez longos anos atrás. Dez anos sem notícia era tempo suficiente para que muita coisa mudasse, e talvez não fossem bem recebidos em suas próprias casas.

Naquela noite, a sombra de Aquiles apareceu em sonhos a Agamémnon. E o rei, assustado, ouviu medonhas previsões sobre as desgraças que sofreriam os gregos no regresso de Tróia, inclusive a sua própria; Aquiles procurou retê-lo em Tróade. Dessa forma, Agamémnon, decidiu permanecer em Tróade até que lhe fosse mostrado um bom augúrio para partir.

POLÍXENA

Pirros, o jovem filho de Aquiles, já estava dormindo a sono alto, quando lhe surgiu na tenda o espírito do pai, tal qual era em vida. Aquiles, beijando-o no peito, na boca e na testa, disse-lhe:

— Não te entristeças, meu filho, por eu ter partido. Vivo, agora, com os deuses excelsos. Toma-me como exemplo no combate e também no conselho. Quando no combate, sê sempre o primeiro, mas na assembléia não te envergonhes de ouvir e seguir os sábios conselhos dos mais velhos. Quanto ao resto, aspira a conquistar a glória, como fiz eu, goza da felicidade e não te entristeças demasiadamente com a desgraça, como errei em fazer. Que a minha morte prematura te mostre quão próximas estão dos homens as portas de Hádes. A humanidade se assemelha às flores da primavera: umas crescem quando as outras murcham. Dize ao príncipe Agamémnon que me sacrifique tudo quanto há de mais nobre e melhor na presa, para que, no Olimpo, nada falte à minha felicidade, e possa saciar-me com a ruína da odiada cidade, e não perca a arte que a mim pertence.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 15:19

E Pirros Neoptólemos, despertando, ainda com a imagem de Aquiles em sua frente, teve a impressão de haver realmente conversado com o pai. Na manhã seguinte, abandonaram os gregos o leito, com impaciência, visto que lhes não dava trégua o louco desejo de regressar. Teriam lançado os barcos ao mar imediatamente, se Pirros, apresentando-se ao povo reunido, não lhes tivesse refreado aquela desmedida ansiedade.

— Ouvi, povo grego, o que esta noite meu pai, parecendo-me em sonho, me incumbiu de dizer-vos: que deveis sacrificar-lhe o que há de mais nobre e melhor na presa troiana, para que ele também possa saciar-se com a ruína de Tróia, e não perca o prêmio da sua vitória. Assim, não abandonemos este lugar, sem antes cumprirmos o sagrado dever para com o morto que antes melhor vos serviu, a quem deveis a conquista de Tróia. Com efeito, se Heitor não tivesse sido morto, jamais teríeis conseguido a vitória.

Houve tumulto, pois haviam os que pretendiam voltar à Hélade imediatamente. Inclusive, tal decisão provocou uma desavença entre Agamémnon e Menelaus, dois irmãos que improvavelmente brigariam por qualquer motivo. Menelaus desejava regressar sem demora, enquanto Agamémnon era de opinião que deveriam os gregos ficar mais um pouco para realizar sacrifícios em honra de Palas-Atena, pois, muitos soldados e chefes gregos haviam-se portado indevidamente na hora do saque, dando maus exemplos de injustiça e imprudência, causando a indignação dos deuses. Uma assembléia foi insuficiente para segurar Menelaus e os que o apoiavam. E, no dia seguinte, empurravam os barcos para o mar, levando com eles o que haviam conseguido em Tróia. A hoste helênica se separou: metade levantou âncoras e a outra metade ficou com Agamémnon.

Ulisses, que ansiosamente pretendia rever sua fiel esposa, Penélope, e seu filhinho, em Ítaca, embarcando no seu navio, exclamou aliviado:

— Finalmente!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 15:19

E os ítacos partiram com Menelaus. Mas nem tinham muito navegado, e outra divergência se sucedeu. Ulisses, então, decidiu navegar com seus ítacos apartados dos demais, e tomou outro rumo. Seguiram por outro os navios de Menelaus, de Nestor, de Diómedes e de outros chefes, cortando por uma reta o mar Egeus, e alcançariam a Hélade.

Resolveram, então, os gregos que ficaram, respeitosos, cumprir a vontade de Aquiles, porque, dias depois, o grande Poseidon, por afeto ao filho de Peleus, sacudiu o mar, provocando violenta tempestade, de tal modo que as ondas bravias atingiam o céu, tirando qualquer dúvida que houvesse de qualquer grego desrespeitar o morto.

— Sem dúvida nenhuma, Aquiles descendia do grande Zeus. Vede como lhe confirmam as ordens os elementos...

Mostraram-se, por conseguinte, mais dispostos ainda a obedecer ao pedido do herói pelida.

Passou o tempo, foram meses desfavoráveis, com maus augúrios e ventos contrários. Os deuses realmente estavam furiosos, descontentes com a forma de como os aqueus arrasaram Tróia. Temiam que algo pudesse ter acontecido aos que seguiram Ulisses e Menelaus, talvez tivessem naufragado. Logo, aquietou-se um pouco o mar e a tempestade, e correram ao túmulo do pelida. Mas surgiu a dúvida:

— O que ou quem lhe ofereceremos? Que será mais nobre e melhor em toda a presa de Tróia?
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 15:20

Cada um trouxe os tesouros e prisioneiros que constituíam a sua parte. Mas viu-se que o ouro, a prata, as pedras preciosas e todo o tipo de tesouro empalideciam diante da celestial formosura da virgem Políxena, filha do rei Príamos, e um grito unânime saiu das tropas, especialmente os mirmidões que haviam presenciado uma tentativa de matrimônio entre a moça e seu rei, e declararam ser ela a parte mais nobre e valiosa da presa troiana. Não tremeu a donzela, quando todos os olhares para ela convergiram, apesar de lhe dilacerar o coração o grito de dor de sua mãe, Hécuba. Políxena já por várias vezes vira, do alto dos muros de Tróia, o esplêndido herói Aquiles combater, e, não obstante fosse ele inimigo, muito a haviam impressionado o seu vulto divino e a sua maravilhosa força. E lembrava-se do dia em que o herói fizera menção de desposá-la, e, em troca, facilitaria a paz entre as duas nações inimigas. No entanto, o himeneu entre ambos houvera sido interrompido pela força do Destino, e continuava a ser um segredo entre os gregos, que só os mirmidões conheciam.

Políxena, voltando-se à realidade, não empalideceu, ficou firme, ao ver que os gregos para ela apontavam, por ser a única vítima, a parte mais nobre da presa e digna de ser sacrificada ao maior dos heróis gregos. O altar já havia sido erguido, diante do túmulo de Aquiles. A filha de Príamos saiu do meio das cativas e, empunhando uma faca afiadíssima que figurava entre os utensílios, colocou-se em frente do altar, em atitude de vítima, e sem nada proferir, cravou-a no coração, tombando inerte ao chão, com o peito ensanguentado.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 15:20

Um grito de espanto e pesar se ergueu do exército. A velha rainha Hécuba atirou-se, chorando, sobre o cadáver da filha, e mais uma vez soluçaram as prisioneiras troianas. E, no mesmo instante, acalmaram-se o mar e os Ventos, e aplacaram-se as ondas. Pirros correu ao altar, dominado por um sentimento de compaixão e, ajudando a retirar a sacrificada donzela, mandou que a sepultassem com honras reais. Só então, Aquiles partiu em paz para Leuce, a ilha dos Bem-aventurados, na foz do Istros, a ocidente do Póntos Euxinos, e continuaria a viver uma vida misteriosa, de amor, guerras e fartos banquetes.

Entretanto, após meses de espera até o dia da partida, numa assembléia, levantou-se Agamémnon e proferiu palavras que foram acolhidas com contentamento por todos os presentes:

— Finalmente, meus queridos amigos, chegou a hora do regresso aos nossos lares. O rei do mar aplacou as ondas. Aquiles está satisfeito com o sacrifício de Políxena. Então, avante! Cuidemos da partida, pela qual tanto suspiramos, e deitemos os barcos ao mar!

Entretanto, Calcas, o adivinho de Mégara, prevendo calamidades no caminho do Egeus de volta à Hélade, tentou exortá-los a adiar a viagem. O seu espírito profético mostrava-lhe uma desgraça que aguardava os dânaos diante dos escolhos de Cafareus, rochedos que rodeavam um promontório da ilha de Eubéia, por onde seria obrigada a passar a esquadra, na viagem de regresso à Hélade. Ninguém lhe deu ouvidos, pois todos estavam transtornados pelo violento desejo de rever sua terra e sua família.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 15:21

No meio de brados de júbilo, foi posto em prática o conselho de Nestor. Aprontaram-se os barcos. Toda a carga foi posta a bordo; depois, os prisioneiros, com os olhos voltados para a ruinosa Tróia, e por fim os próprios gregos. No entanto, quando Pirros dava ordens para aprontar seu navio particular, Hélenos, o único dos filhos de Príamos a ter sobrevivido, avisado pela deusa Atena, pediu a um soldado mirmidão que precisava com urgência falar com Pirros, no que foi atendido, e aconselhou-o a não voltar por mar com os outros gregos, o que seria muito importante. A credibilidade ao adivinho lhe salvaria a vida, pois desconhecia as desgraças que os gregos sofreriam próximo à Hélade. Por isso, Pirros decidiu seguir para a Pátria por terra, precisando apenas cruzar o estreito do Helesponto até chegar ao Quersoneso da Trácia, e rumar em direção da Hélade com seus homens e escravos, conduzindo carros e carroças.

Diante da dúvida de uns poucos, que viam os mirmidões seguirem por terra e Calcas permanecer naquele país, Anfílocos, filho do famoso adivinho Anfiaraus, pôs de novo os pés na praia, depois de já ter embarcado. Despertava-lhe no espírito a faculdade profética do pai, e ele pressentia o mesmo que Calcas. Por isso, resolveu ficar com ele. E, repetindo o mesmo ato, desceram também outros heróis, companheiros de Anfílocos. Podalírios estabeleceu-se na Cária, desejando estar seguro dos Céus, acaso viessem a cair, numa planície orlada de altas montanhas.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 15:21

Os demais gregos, cegos e surdos de ansiedade, soltaram os cabos que prendiam os barcos à terra e levantaram as grades rochas que serviam de âncoras. Derrubaram as toras que suportavam os barcos, e não tardou o mar aberto em lamber os cascos dos mesmos que se afastavam, com as proas repletas de lanças e flechas inimigas enterradas e os mastros cobertos de incontáveis troféus. Os vencedores tinham revestido de coroas de flores os escudos, as lanças e os elmos. Inúmeras eram as libações em honra dos deuses para que estes permitissem um regresso feliz. Inclusive Leitos, levando consigo as cinzas de Arcesilaus, levantava preces aos deuses para bem receber o amigo e o bem conduzirem à Região dos Mortos. Mas os Ventos fortes, que empurravam os navios, dispersavam as orações, que se perdiam, então não eram bem acolhidas e nem chegavam ao Olimpo.

Enquanto os heróis olhavam para a frente com esperanças, as mulheres e as donzelas troianas, cativas, olhavam para trás, tristes, chorosas, olhavam para o pouco que restava de Tróia, a mais importante das cidades da Ásia. As moças mantinham as mãos juntas sobre o seio, enquanto as jovens mães sustentavam nos braços os filhinhos, cujo único desejo era o seio materno, uma vez que nada compreendiam. Entre as outras prisioneiras viajava Cassandra, cuja elevada estatura ultrapassava em muito a das companheiras. Nos olhos não lhe brilhavam lágrimas, e ela ria-se dos lamentos uma vez que se verificava o que sempre ela previra durante os últimos dez anos. Entretanto, só nos lábios é que lhe estava o escárnio, mas não no coração.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 15:22

Por entre as ruínas de Tróia perambulavam os pouquíssimos habitantes que tinham escapado com vida, débeis anciãos ou feridos, ou simplesmente mendigos. Entre eles, surgia o velho Antenor, cujo Destino lhe reservava a glória. Dirigia-os o ancião no doloroso mister de dar sepultura aos mortos. Amontoando grande quantidade de lenha, colocaram no topo os cadáveres dos seus, e atearam-lhes fogo, entre lamentos e gritos de desespero. E, no coração, a esperança de um dia poderem, talvez seus filhos ou netos, reconstruir aquela que foi a cidade de Tróia, enquanto rumavam, pelo alto-mar, aqueles que, guiados por Enéias, haviam escapado da ira dos gregos e dos deuses; os Ventos benéficos os empurravam para longe, aonde fundariam novas cidades e uma nova nação, em direção do Ocidente.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 15:22

A VINGANÇA DE NÁUPLIOS

Os gregos continuaram a navegar sem rumo e sem governo, e fazendo água. Muitíssimos estavam avariados, enquanto outros, em especial o barco de Ájax, haviam sido devorados pelas ondas do mar furioso. Entretanto, os deuses apaziguados, safaram-se muitos barcos, que conseguiram chegar à costa da Hélade. O mar estava sempre muito agitado, e a chuva caía torrencialmente. Vingou-se, então, nos infelizes ítacos, o apedrejamento de Palámedes. Em Eubéia, reinava o grande Náuplios, que, distinguindo perto da costa a esquadra solitária de Ulisses, que conhecia muito bem, lutando contra o medonho temporal, lembrou-se do assassinato do filho em Tróia, do qual já houvera sabido há muito tempo e por quem usara luto havia anos, desde que a notícia lhe chegara aos ouvidos. A sede de vingança nunca se lhe saciara, e viu que naquele momento lhe era dado satisfazê-la. Correndo para a beira do mar, mandou seus soldados fixarem archotes ao longo do cabo Cafareus, em frente dos mais perigosos escolhos. Vários navios aliados dos ítacos, julgando estes tratar-se de sinais de salvamento, e com tal esperança, partiram rumo aos sinais, o rei dos ítacos, muito amigo de Atena, avisado pela deusa, não permitiu que os seus barcos seguissem os demais, que atiraram-se contra as rochas, onde muitos navios foram estraçalhados e muitos heróis morreram.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 15:23

Poseidon, irado por não ver a vingança de Náuplios completada, fez o mar agitar-se furiosamente contra Ulisses e os seus, e, numa dessas perturbações, entre náufragos e navios que afundavam, caíram ao mar, do barco de Ulisses, as armas de Aquiles, que um dia, por não tê-las conquistado, o grande Ájax preferiu tirar a própria vida. Como uma homenagem póstuma, os deuses fizeram com que as ondas as levassem de volta ao promontório de Roeteon, em Tróade, aonde estava o túmulo do rei dos salamínios. E as ondas fortes depositaram aquela dádiva sobre o túmulo do herói. E Poseidon continuou a perseguir Ulisses e sua frota, apenas o começo de uma série de perseguições por mares bravios e desconhecidos, que levariam o herói a ausentar-se ainda por mais dez longos anos. Esses longos anos de peregrinações, perseguido pelo vingativo deus Poseidon, valeram-lhe um novo nome, que a partir de então ele seria igualmente conhecido: Odisseus (Odýsseús), “que sofre o rancor dos deuses”.

ULISSES NO PAÍS DOS CÍCONES

Os Ventos contrários empurraram os navios de Ulisses de volta, para o norte, em direção do país dos cícones, na Trácia. De sua frota ainda restavam doze naves, cada qual com aproximadamente setenta soldados, fora os prisioneiros de guerra. Ao chegarem no litoral, próximo ao porto de Ísmaros, foram mal recebidos por um exército de lanceiros, que os atacaram, pois eram aliados de Tróia. Por conseguinte, os companheiros de Ulisses, cerca de mil homens, todos se lançaram contra os cícones, invadiram o país e saquearam-no. Foi aí que Ulisses conheceu Máron, filho de Evantes e neto de Dionisos; era um sacerdote de Apolo que fazia parte do cortejo do deus seu pai, personificando a Ebriedade.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 15:23

Ulisses assaltou a sua famosa adega e recolheu o que pôde em seus navios. Deu-se, então, um terrível combate contra os nativos, no qual muitos deles perderam a vida. E, depois de conquistada a capital, os ítacos dividiram os despojos e as presas de guerra. E Ulisses aconselhou:

— Partamos sem demora da Trácia. O que tomamos já é bastante.

Mas os companheiros de Ulisses, ao invés de acatarem as ordens de seu rei, insistiram em querer desfrutar por algum tempo da conquista, pois, encontrando muito vinho nas casas e muitos carneiros e bois pastando nos campos, acharam melhor ficar na praia comendo e bebendo, e os cícones, que tinham conseguido escapar, regressaram ajudados pelos compatriotas, que viviam no interior do país, nas montanhas. E, na manhã seguinte, atacaram a frota de Ulisses, enquanto os ítacos banqueteavam. Nas primeiras horas, os gregos levaram a melhor, mas, quando veio a tarde, os citadinos conseguiram dominar a situação e perseguir os intrusos até os seus barcos. Morreram em torno de seis guerreiros de cada barco de Ulisses, e a maioria, em fuga, escapou da Morte, e zarparam para o poente, quando se punha o Sol.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 15:24

NA TERRA DOS LOTÓFAGOS

Então, Ulisses e os seus soldados, desta vez, decidiram costear a Trácia, a fim de chegar ao litoral da Hélade, mas Zeus enviou contra eles o vento Bóreas, e, antes de terem tempo de arriar as velas, romperam-se as vergas, e as lonas estraçalharam-se. Por fim, com muita dificuldade, atingiram o litoral, onde ficaram ancorados por dois dias e duas noites, até conseguirem consertar os mastros e estenderem as velas. Partiram com a esperança de ver dali a pouco a Pátria, mas, ao dobrarem o cabo Maléia, na extremidade sul do Peloponeso, o Vento, mudando subitaneamente de direção, impeliu-os para o alto-mar. À deriva, durante nove dias, foram arrojados para longe, no décimo dia, às costas da Líbia, bem ao sul, além do Egeus e da ilha de Creta, a uma região chamada de Terra dos Lotófagos, a ocidente do Egito. Desembarcaram para fazer provisão de água potável, e imediatamente foram mandados dois homens para explorar a região, acompanhados por um arauto. Encontraram eles a assembléia dos habitantes, gente bondosa que jamais cogitava de feitos destruidores e que os acolheram com amabilidade, hedonistas que nada faziam além de ficarem sentados e comendo as saborosas frutas (enormes flores em forma de cálice). O lótus era o doce fruto de uma árvore mágica, que quem o comesse esquecia-se da pátria onde residia, bem como da família, dos amigos, e não desejaria dali sair. Com a demora dos companheiros, Ulisses e um pequeno exército viram-se obrigados a partir em busca dos desaparecidos e levá-los de volta aos barcos. Ulisses, depois de ter sido recebido hospitaleiramente, tendo sido o único a não provar aquele fruto, retirou quantos soldados pôde retirar, com o emprego da força, uma vez que choravam e resistiam energicamente.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 15:25

E, tornando a rumar para a Hélade, já se aproximavam de Ítaca, dobrando a ponta de Maléia, quando, perseguidos pelo terrível deus Poseidon, uma súbita tempestade os empurrou ainda mais longe de sua Pátria, para o sul, forçando-os a perambular por lugares para eles desconhecidos. Somente Ulisses, no decorrer de dez anos, conseguiria retornar à Ítaca, sua terra natal, ausente então vinte anos de sua casa, e a encontraria corrompida por um grande número de pretendentes à mão de sua esposa, Penélope, graças às artimanhas de Náuplios, seu eterno inimigo.

POLÍFEMOS, ÁCIS E GALATÉIA

Galatéia era filha do deus Nereus e de uma ninfa trinacriana. Era jovem e muito bela, era alva como a Lua e habitava no mar calmo com suas irmãs, as Nereidas. Polífemos, o cíclope, filho de Poseidon e da ninfa Toossa, por sua vez, era feio (certamente o menos feio de sua raça), gigante de um só olho, no meio da testa; ele estava enamorado de Galatéia, mas ela não lhe correspondia. E foram muitas as tentativas de seduzi-la. E, contudo, sempre que a dor o fazia recalcar os seus sentimentos contra ela, o levava a convencer-se a si próprio:

— Ordenha as ovelhas que tens; para quê perseguir quem se esquiva?

Na verdade, o coração da moça pertencia ao jovem e belo pastor Ácis, filho do deus Pan e de uma ninfa.

Certa vez que os amantes se encontravam descansando na beira da praia, o cíclope subiu a um rochedo que se projetava sobre o mar. Subiu e sentou-se, enquanto seus rebanhos se espalhavam pelas proximidades. Deixando no chão seu cajado e pegando seu instrumento, fez com que sua música ecoasse pelos montes e pelas águas. Escondida sob um rochedo, junto de seu amado Ácis, escutou ela a canção distante, que era cheia de extravagantes louvores à sua beleza, de mistura com apaixonadas censuras à sua frieza e crueldade.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 15:26

Quando terminou, Polífemos levantou-se e, semelhante a um touro fogoso, penetrou no bosque. Galatéia e Ácis não mais se preocuparam com ele, até que, de súbito, ele surgiu num lugar de onde podia vê-los, e gritou:

— Eu vos vejo e este será vosso encontro amoroso.

Polífemos descobriu-os. Galatéia, assustada, foi-se esconder nas profundezas do mar. Ácis também deitou a correr e foi-se esconder entre os recifes, gritando:

— Salva-me, Galatéia! Salvai-me, meus pais!

O mostro o encontrou e, furioso, lançou contra ele uma enorme rocha, que atingiu-o e o matou.

Galatéia, revoltada e muito triste, logo que soube da morte de seu amado, acudiu à natureza de sua mãe e, abrindo-se o rochedo ao meio, converteu o infeliz num rio de límpidas águas cujo leito passou a correr em algum lugar da Trinácria. E ela mesma foi transformada em fonte por Zeus. E quanto a Polífemos, muito frustrado, passou a viver sozinho, longe de seus irmãos, passando horas a se lamentar por não ter conseguido conquistar o amor de sua Galatéia.

No entanto, a ninfa Galatéia, agora habitando a fonte nova, tornou-se amável para Polífemos não porque a delicada, frágil e branca ninfa se tivesse apaixonado por esse ser hediondo, mas porque ela, prudentemente, achara por bem não o desprezar, pois era o filho favorito do Senhor do Mar. Demonstrou-se assim diante de sua irmã Dóris:

— Arranjaste realmente um belo apaixonado, esse pastor trinacriano. Não se ouve falar noutra coisa.

— Dóris, minha irmã, não te ponhas com esses ares! Ele é filho de Poseidon. Aí tens!

— De Zeus, que eu tanto respeito! Uma coisa é certa: é um brutamontes feio e sem maneiras.

— Deixa-me dizer-te, Dóris, que tem um não-sei-de-quê de muito viril. Não há dúvida de que apenas tem um olho, mas vê tão bem como se tivesse os dois.

— Ora, Galatéia, até parece que estás apaixonada por ele...
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 15:27

— Eu? Apaixonada... por Polífemos?! Não, eu... Mas não penses que não percebo a razão por que estás a falar dessa maneira. Sabes perfeitamente que ele nunca reparou em ti. Quanto a mim, porém, já não se pode dizer outro tanto...

— Um pastor apenas com um olho acha-te bonita?! è caso para te orgulhares, realmente! De qualquer modo, não terás de cozinhar para ele, pois, pelo que tenho ouvido dizer, ele faz um bom petisco de qualquer viandante...

Apesar de sua zanga eterna contra o cíclope, segundo boatos, mais tarde, Galatéia teria se unido a Polífemos, e dessa união teriam nascido três meninos: Gálatos, Celtos e Ilírios, futuros heróis epônimos dos povos gálatas, celtas e ilíricos.

OS CÉRCOPES NAS PITECUSAS

Outrora, Héracles, a serviço da rainha Ônfale, pôs-se a percorrer os arredores de Éfesos a fim de capturar os bandidos que infestavam a região. Entre eles estavam Áquemon (ou Ácmon), “bigorna”, e seu irmão Básalas (ou Pássalos), “cavilha”, insolentes e maldosos, que haviam sido diminuídos de tamanho por Zeus, o senhor do Olimpo, como também aos seus outros irmãos Euríbates, o “trapaceiro”, Ólos, Atlantos e Adoulos. Além de sua baixa estatura, tinham nariz achatado, o rosto semeado de rugas e o corpo coberto de um pelame avermelhado. Era feios e desengonçados. Eram muito maliciosos e não desmentiam sua origem. Memnónidis, ou Sennon, ou também Téia, “divina”, a mãe, uma das Oceânides, constantemente os advertia, dizendo a eles que ainda acabariam caindo nas mãos do Melampígio, ou melampygos, o homem de traseiro preto. Áquemon e Básalas, os mais imprudentes, caíam na gargalhada e ignoravam aos conselhos da mãe.
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A Saga de Ulisses - Página 3 Empty Re: A Saga de Ulisses

Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 17:41

Um dia, Áquemon e Básalas encontraram Héracles dormindo sob uma árvore, deitado de lado, de costas para as armas. Atiraram-lhe gravetos e galhos secos para espantá-lo e, depois de o acordarem, o insultaram. Héracles, ao ver aquelas estranhas criaturas, amarrou-os pelos pés numa clave, um em cada extremidade. Ia-os levando assim para Éfesos, ao ombro, até que um deles, observando Héracles por trás, reparou neles as nádegas escuras, e disse, com voz confusa e rouca:

— Esse é o Melampígio que devíamos temer!

E puseram-se a rir ironicamente. Héracles, tendo conseguido entender, caiu na gargalhada também, libertou-os e, em seguida, voltou para Ônfale.

Os dois anões, chegando em sua morada, foram contar a seus irmãos o que lhes havia acontecido, e todos puseram-se a rir freneticamente. E Zeus, do alto do Olimpo, indignado por tanto descaso e malícia, transformou-os em macacos, perdendo o uso da palavra, restando-lhes apenas uma voz enrouquecida, pouco pronunciada. Passaram a ser conhecidos e chamados por Cércopes ou Pítecos, “macacos” ou “dotados de rabos”. Em seguida, transportou-os para uma ilha da Itália. Ela passou a ser chamada Pitecusa, “a ilha dos macacos”, hoje pertencente às ilhas de Ischia. Os bandidos cresceram e geraram descendentes.

Esta foi a lenda ouvida por Ulisses quando seus barcos cruzaram pelas ilhas que, mais tarde, se transformariam numa colônia grega. A tradição conta que os primeiros colonos gregos a habitarem a ilha de Pitecusa foram os eubeanos. E, segundo as crenças itálicas, ali se passou o desfecho do mito de Tífeo e a batalha contra os deuses, segundo Diodoro e Estrábon, devido aos fenômenos vulcânicos da região.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 17:42

No início do século passado, a descoberta de fragmentos de uma inscrição grega levou a localizar a cidade de Pitecusa no promontório do Monte di Vico, que na verdade é um bom local para uma antiga cidade. Um minucioso exame da superfície do terreno e escavações começaram no ano de 1.952, e permitiram G. Buchner a dissipar as dúvidas e os últimos vestígios da antiga cidade grega, afirmando-se que o local foi habitado desde a Idade do Bronze em diante, até a época romana.

ULISSES E POLÍFEMOS

Ulisses sofria muito com a adversidade. Tivera à vista a Pátria querida, mas não pudera alcançá-la, e foi amaldiçoado por Poseidon, que lhe impôs inúmeras aventuras e desgraças.

Certo dia, quando o Sol se punha, Ulisses deu com uma pequena ilha deserta, onde uma mansa praia favorecia seguro abrigo. Encravou os navios na areia e toda a tripulação dormiu junto deles. No outro dia, promoveram uma vasta comilança, graças ao vinho roubado de Ísmaros, e de que tinham enorme quantidade, e às cabras selvagens, que andavam aos bandos pela ilha, presas fáceis para as suas lanças e flechas. Como os víveres escasseavam a bordo, abasteceram-se de carne matando mais oito animais para cada barco e nove para o de Ulisses, dado ser ele o chefe.

A cerca de dois quilômetros havia uma outra ilha, maior e dando mostras de habitada. Ulisses observou-a bem e decidiu:

— Ficai aqui, amigos. Irei em meu navio com alguns guerreiros ver se quem mora lá é gente pacífica ou não.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 17:42

Entraram no barco e remaram em direção à ilha então chamada de Trinácria. Lá chegando, com a Lua oculta atrás das nuvens, apontando no horizonte, Ulisses escolheu doze dos mais valentes homens da tripulação e desembarcou para explorar o lugar. Levava um saco de couro de bode cheio de vinho, que o sacerdote de Apolo em Ísmaros lhe oferecera para salvar a si e a família, quando a cidade fora atacada. Era um vinho sem igual: bastava juntar uma metade dele a vinte de água para se obter uma bebida maravilhosa. Levava também razoável porção de trigo tostado, por pressentir que talvez precisasse de alimento.
Era tudo muito perfeito; os pastores daquela terra, ou eram deuses ou se beneficiavam da ajuda dos Imortais. Crescia abundantemente toda espécie de alimento: trigo, cevada, esplêndidas parreiras que proporcionavam copiosos cachos de uvas. Certamente Zeus abençoava aquele povo com perenes chuvas. Sobretudo, a ilha parecia deserta. Vagaram algum tempo, costeando a praia, até que encontraram uma grande gruta, que parecia ser a moradia de um precavido pastor. Em torno da gruta fora construída uma cerca com pedras enfiadas no chão, e grandes abetos e carvalhos. Eles entraram e contemplaram, admirados, tudo quanto lá havia; havia baias para os carneiros e cabritos, cestos cheios até a borda de cereais, cântaros de leite encostados nas paredes e muito queijo, enormes queijos, também requeijão e coalhada.

— Vamos dar o fora antes que o dono chegue, Ulisses. Podemos levar grande quantidade de queijo e alguns cordeiros.

Mas Ulisses parecia não ouvir, pois estava distraído, desejando saber que espécie de homem era aquele pastor que vivia naquela enorme gruta, e, porventura, obter alguma coisa dele. Por isso, decidiu ficar e conhecer o dono daquele lugar. Acenderam uma fogueira e ofereceram um sacrifício aos deuses; depois comeram um pouco de queijo e puseram-se à espera do senhor de toda aquela riqueza.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 17:43

Anoitecia, enquanto ainda os ítacos comiam e bebiam, e enquanto Ulisses esperava ansioso conhecer o dono daquele lugar. E, nesse instante, surgiu o pastor, que vinha com trazendo às costas um enorme feixe de troncos de pinheiro para alimentar o fogo. Entrou, sob os olhares estupefatos dos ítacos. Era um enorme cíclope, um gigante de um olho na testa e encimado por espessa sobrancelha. Os homens de Ulisses caíram para trás de surpresa, outros de joelhos, enquanto o gigante jogava estrondosamente o feixe no chão e recolhia o rebanho para o interior da gruta. Em seguida, rolou uma imensa pedra para fechar a entrada, que vinte carroças mal poderiam carregá-la. Passou, então, a ordenhar as ovelhas e as cabras, em plena escuridão. Uma parte do leite ele coalhou para fazer queijos, a outra foi reservada para a sua ceia. E o gigante aproximou-se, sem nada suspeitar, para alimentar o fogo com uns poucos troncos de pinheiro. Os ítacos, horrorizados, quiseram correr aos gritos, mas Ulisses, com um aceno, implorou silêncio. O gigante sentou-se e reclamou:

— Ugh! Queijo e leite outra vez...

Com uma das mãos apanhou, então, um queijo enorme e o abocanhou inteiro, mastigando-o com seus dentes amarelos e pontiagudos. Depois tomou um jarro imenso e verteu para dentro do estômago grande quantidade de leite.

As chamas se elevaram logo e o clarão finalmente denunciou os gregos que se haviam escondido no fundo da caverna, quando haviam visto o cíclope entrar. Suas feições permaneceram quase impassíveis, a não ser pelo fato do seu único olho ter-se arregalado mais um pouco. O cíclope, uma criatura horrível, na verdade o mais belo de sua raça, aproximou-se um pouco dos amedrontados e pequeninos humanos. E gritou com voz áspera que ressoou como trovão pela montanha, mas sem ameaça:

— Quem sois? Mercadores ou piratas? Que vos traz aqui?
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 17:44

Ulisses, cauteloso, adiantou-se respondendo-lhe:

— Nós não somos piratas, senhor, somos teus hóspedes, dânaos que retornam de Tróia, onde lutamos pelo grande monarca Agamémnon, cuja fama se espalha por todos os cantos do mundo. Já ouviste falar?

— Continua...

— Na viagem de regresso, perdemo-nos pelo mar. Rogamos que nos recebas com a hospitalidade que os deuses recompensam.

— Deuses? Não me fales dos deuses. Ou não passas de um tolo, ou vens, na realidade, de muito longe, visto não saberes com quem estás lidando. Sou Polífemos, o mais novo de meus irmãos Cíclopes. Não damos a menor importância aos deuses, pois somos melhores e mais fortes, apesar de respeitar meu pai Poseidon.

— Oh, sim, Poseidon...

— Alguns de nossos parentes servem a Zeus e Hefaístos, como escravos. Porém nós, nós somos livres. Mas dize-me uma coisa, pequenino: onde deixastes vosso navio? Está perto daqui?

Ulisses, percebendo dos reais motivos daquela pergunta, imaginou que o monstro quisesse destruir o barco e deixá-los assim sem recurso de escaparem da ilha.

— Nós não temos mais navio algum, senhor Polífemos. O que possuíamos foi atirado pelo vento contra os rochedos. E nós somos os únicos sobreviventes do naufrágio, seminus e mal alimentados, dependentes em tudo da tua generosidade.

— Sei...

O gigante, sem dar-lhe satisfações, lentamente agarrou dois dos homens pelos pés, como se agarrasse dois filhotinhos de cachorro, lançou-os ao chão, despedaçou-os e devorou-os ali mesmo, na frente dos apavorados guerreiros, entrecortando a deglutição com grandes goles de leite. Os ítacos ficaram desesperados, sem saber o que fazer. E Polífemos, terminando de comê-los, sabendo que não poderiam mesmo fugir dali, deitou-se entre os carneiros para tirar um cochilo, encostando a cabeça em seus musculosos braços, e disse-lhes:

— Boa noite, meus apetitosos hóspedes...!

E começou a roncar.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 17:44

Os guerreiros, então, quiseram aproveitar e matá-lo; Ulisses mesmo poderia fazê-lo, se quisesse, furando-lhe o coração com a espada, mas impediu-os.

— Estás louco, Ulisses?! Queres ver-nos morrer?

— E quem vai remover esta pedra e nos tirar daqui? Se o matarmos, morreremos todos, pois não temos força suficiente para remover a descomunal pedra que impede a saída.

E deixou a noite passar, com o coração pesado de aflição. Não tinha ainda um plano para salvar a situação. E certamente mal conseguiram dormir.

Bem cedo o cíclope despertou, ergueu-se das palhas, fez um gargarejo com um gole de leite, ordenhou as ovelhas, agarrou mais dois homens e devorou-os, acordando aos sobressaltos os demais, e saiu para as pastagens, cuidando para que somente o seu rebanho saísse, e recolocou a pedra na boca da gruta. Em seguida, saiu assobiando a conduzir seu rebanho.

O pavor tomava conta daqueles pobres homens que, apesar de serem maioria, não eram páreo para o gigante.

— Basta, temos de dar um fim neste monstrengo!

— Isto mesmo, vamos matar o miserável!

Ulisses, no entanto, ouvindo-os reclamar, passou horas e horas matutando como poderia tirá-los com vida daquele lugar. E afinal armou um plano. Havia na gruta um tronco de oliveira, ainda verde, que o cíclope mais tarde usaria como bordão, pois Ulisses vira que Polífemos havia convenientemente secado com fumaça. O filho de Laertes ordenou para que o ajudassem a cortar um de seus grandes galhos.

— Vamos, ajudai-me aqui! Antes de levá-lo ao fogo, vamos desbastar a ponta!

Em seguida, aguçaram-no, a golpes de espadas e machados, endureceram-no no fogo e, ao cair da noite, ouvindo os passos de Polífemos, esconderam-no, às pressas, no esterco espalhado pela gruta. E rapidamente Ulisses escolheu quatro dos mais corajosos companheiros para agirem com ele.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 17:45

O gigante regressou, retirou a pedra, tangeu as cabras para dentro da caverna, retirou o leite e comeu mais dois homens, depois de persegui-los. Em seguida, tomou uma das espadas dos ítacos e começou a limpar os dentes. Então, Ulisses dirigiu-se a ele com o saco de vinho na mão e disse-lhe:

— Agora, Polífemos, que acabaste de cear, que tal provares este vinho?

— Vinho? Jamais provei vinho... Eis uma das bebidas que desconhecemos. Os deuses nada nos ensinam e nos concedem.

— Pois vê que coisas maravilhosas trazíamos no nosso navio. Foi só o que de valioso consegui salvar no naufrágio. Trouxe-te um pouco, como resgate, caso não nos deixasses partir. Mas és criatura espantosamente sanguinária. Como queres que alguém torne a visitar-te? Não te comportaste gentilmente conosco.

E o monstro estendeu uma tigela, que Ulisses encheu. O filho de Poseidon levou aos lábios aquela bebida desconhecida. Cheirou e bebeu. E gostou!

Ulisses, notando a satisfação do cíclope, perguntou:

— É bom, não é? Pois ninguém trará coisas iguais para esta ilha se fores tão cruel com os estrangeiros.

— Quero mais. É magnífico! Acho até que é a bebida que os deuses bebem no Olimpo.

— De fato é, meu senhor. E há muito mais de onde eu vim. Toma mais!

Polífemos tomou o saco, entornou um bom trago, gostou e disse-lhe:

— Dize-me, humano, qual é o teu nome, pois desejo te dar um presente como todo bom hóspede merece.

Ulisses, enquanto enchia mais uma vez a tigela do gigante, pensou e rapidamente lhe disse:

— Meu nome é... Outis. É, Outis.

Outis, na língua dos gregos, significa “Ninguém”, e o gigante estranhou alguém ter um nome assim:

— Outis?

— Outis. Todos me chamam assim. Minha mãe, meu pai, meus amigos... E que presente desejas dar-me?

— É muito simples: “Ninguém” terá a honra de ser comido por último, depois de todos os teus companheiros. Satisfeito?
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 17:46

E começou a rir, só quem depois de quatro tigelas de puro vinho, a bebida começou a produzir seu efeito, e o cíclope tombou num sono de bêbado; voltavam-lhe à boca o vinho e pedaços de carne humana.

Aí, Ulisses dirigiu-se aos seus homens:

— Vede; se encontra mais desprotegido que um cordeirinho.

— É, e daí? Como sairemos?

— Sede valentes, homens, trabalhai pela vida! Chegou a hora de nos livrarmos desta prisão.

Puseram a acha no fogo novamente até que, embora verde, ficasse incandescente e, assim, reunindo suas forças, Ulisses e os quatro homens escolhidos levaram-na por sobre a cabeça do gigante, num vão da parede rochosa, e Ulisses gritou:

— Agora, todos juntos!

Enfiaram-na no olho entreaberto do cíclope, que chiou na órbita como ferro em brasa dentro da água. Ulisses fê-la girar em seu olho, e Polífemos deu um salto, seguido de alto e medonho uivo, que todos os Cíclopes da Trinácria, que então estavam dormindo, acordaram. Polífemos, aos gritos, arrancou a acha fumegante de seu único olho, atraindo a atenção de seus irmãos, que juntaram-se do lado de fora.

— Polífemos, Que há contigo para fazeres tal escarcéu a ponto de nos acordar? Alguém está te assaltando ou ferindo?

— Irmãos! “Ninguém” me feriu! Fui traído por “Ninguém”!

Os Cíclopes entreolharam-se.

— Polífemos deve estar enlouquecendo. Se ninguém lhe feriu, algum deus deve o estar importunando com pesadelos.

— É, e o que se pode fazer contra um deus?

— Vamos embora, ele deve estar maluco.

E Polífemos continuava:

— Irmãos! Irmãos! “Ninguém” me cegou!

— Volta a dormir, Polífemos!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 17/3/2021, 17:46

Os Cíclopes, seus irmãos mais velhos, retiraram-se. Ulisses não se conteve e começou a rir, quando viu que os havia enganado com aquele trocadilho. Mas preocupou-se, pois Polífemos ainda não havia aberto a entrada da gruta. Contudo, Polífemos rolou a pedra, desesperado, feito louco, procurando ir ter com seus irmãos, quando ouviu os carneiros saírem correndo pela entrada. Polífemos, temendo a fuga dos humanos, sentou-se à entrada, barrando a passagem e apalpando os carneiros para evitar que os estrangeiros tentassem escapulir escondidos no meio deles. Ulisses, então, arquitetou um plano de fuga. Felizmente, ao rolar a pedra, o cíclope deixou entrar os carneiros maiores para o interior da gruta; eram, pelo menos, três carneiros de grande porte e muitos possantes. Ulisses arrebanhou alguns deles; utilizando varas de vime, ligou-os três a três, rapidamente. O carneiro do meio levava um homem convenientemente amarrado na barriga e os outros, um de cada lado, ajudavam a escondê-lo. Ulisses permaneceu na gruta para prontamente resolver a sua dificuldade — como havia um carneiro muito maior do que os outros, agarrou-se a ele, por baixo, segurando a lã com unhas e dentes. Enquanto rompia o dia, os rebanhos começavam a deixar a caverna como de costume; o cíclope ia apalpando aos gemidos quando passavam, cuidando para que os homens não fugissem. Mas não os sentiu passar. Ao apalpar o maior deles, estranhou:

— Que houve? Nunca ficaste para trás, pelo contrário, sempre foste o primeiro a desabalar para o pasto de manhã e o primeiro a correr para o aprisco... Estás perturbado com o olho do teu dono que “Ninguém” furou? Ah, se tu pudesses falar e me dizer onde está aquele miserável! Eu arrebentaria a cabeça dele contra uma pedra!
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