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A Guerra de Tróia

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Legolas
Hermes Trismegistus
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:26

Baixou a cabeça por alguns instantes a pensar. E Hécuba, no entanto, arrependida já de sua confissão e temendo as conseqüências de seu ato, tentou minimizar a situação:

— Príamos, querido, acalma-te... Talvez não passem de tolas premunições...!

— Sim, Hécuba, são premunições, e nós devemos consultar Ésacos, pois é o único a poder decifrar este sonho.

Mandou chamar Ésacos, filho de primeiro leito, de Arisbéia, tido por intérprete de sonhos, que aprendera essa ciência do avô materno, Mérops. E Ésacos declarou:

— Tu darás à luz um filho muito belo, mas destinado a ser a ruína da cidade. Aconselho-te que o filho aguardado seja morto, pelo bem de Tróia e de seu povo.

A mãe deu um grito de horror, e ficou alucinada, acusando Ésacos de ser invejoso de não ser o herdeiro de Tróia. O rei Príamos tentou acalmá-la, quando ela sentiu as primeiras dores de um parto próximo, e, ajudada pelas ancilas, Hécuba foi conduzida de volta ao leito. Quanto a Príamos, uma dúvida insistia em perturbar-lhe a mente, pois lembrara-se de uma velha profecia. Havia em Marpessos, em Tróade, uma filha de Zeus e da ninfa Lâmia, cujo pai era Poseidon, que pertencia à casta das Sibilas, famosas pela sua longevidade, que previam o futuro segundo a vontade de Zeus. Chamava-se Herófile. Ela, assim que nasceu, cresceu subitamente e começou a profetizar. Criada pelo pastor Teodoros e por uma ninfa do Ida, profetizou a própria morte, pois haveria de ser ferida pelas flechas de Apolo. Herófile, a mais velha das dez Sibilas, servia aos reis de Tróia, e predisse que, um dia, o país seria devastado, por falta cometida por uma mulher nascida em Esparta e um filho da casa real de Tróia. E esta previsão abalou os nervos do rei.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:27

O NASCIMENTO DE PÁRIS

Efetivamente, a rainha deu à luz, certo dia, um filho, e o amor materno foi mais forte: ela não consentia que o marido, Príamos, fizesse algum mal ao recém-nascido. Acariciava o filhinho ternamente. O rei, no entanto, arrancou o bebê dos braços da mãe e, surdo ao seu pranto a deixou desfalecida sobre o leito. E, para não despertar atenção com o seu choro, tomou um chocalho e pôs entre os dedos do recém-nascido. Enquanto carregava a criança para um destino que só ele conhecia, seus olhos estudavam as feições do menino. Era muito belo, não havia como negar, nada de chamas ardentes nem serpentes, apenas um belo menino, e o rei sentiu seu coração apertar-se dentro do peito, e pensou:

— É meu sangue que também corre neste pequenino corpo!

Corria através dos corredores gelados de seu palácio com seu leve fardo ainda manchado do sangue da batalha que travara pela vida.

— Não, não, desgraçado Príamos... Deves dar a este inocente o destino cruel que nos livrará a todos de um mal ainda maior...

Lá fora o aguardava o pastor Agelaus, também chamado Agesilaus (Agêsilas), encoberto por um manto negro e envergado pela chuva torrencial.

— Aqui está a criança!

O servo, tomando o pequeno embrulho nas mãos vacilantes, preferiu dar-lhe um último conselho:

— Perdão, Majestade, mas não queres refletir melhor sobre o destino que queres dar a este inocente?

— Cala a boca, maldito! Sabes bem o dever que te imponho, e o que te espera caso não cumpras com todo o rigor.

Prïamos temia que sua consciência o obrigasse a retroceder. E Agelaus, sem discutir, escondeu o pequenino sob seu manto negro e lançou-se portões afora, tomando a estrada que dava acesso aos cumes do Ida e de seus bosques, enquanto a chuva cessava e, um tempo depois, levantava uma intensa neblina.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:27

Assim, o pastor escalou o alto monte Ida, através de picadas e caminhos de difícil acesso, conforme as instruções que recebera, e tão logo alcançou seu destino sentou-se sob uma grande árvore, descobrindo novamente o rosto do menino, e suspirou, quase sem fôlego:

— Ainda... vive...

E, acalmando-se um pouco, pôs-se a descansar enquanto observava a criança que dava seus espasmos faciais como se sorrisse para o fiel Agelaus. Este correspondia, apegando-se sensivelmente a ela. Mas sabia que teria que cumprir as ordens do seu amo, ou jamais poderia voltar para Tróia.

— Vou abandoná-lo, meu menino...

Agoniado, assim o fez. No fim do dia, entretanto, consumido pelo remorso, Agelaus decidiu retornar ao local e, ao fazê-lo, deparou-se com uma cena espantosa.

— Por Zeus, será isto possível?!

Uma ursa enorme e marrom, deitada placidamente, amamentava o menino.

—Só pode ser um sinal dos deuses de que não desejam mais a sua morte!

Depois de quatro dias, ao ver afastar-se a ursa, correu até o bebê, que estava são e contente, improvisou um cesto e levou-o para sua casa, não muito longe dali. Sua esposa ficou tão feliz, que resolveu adotá-lo e criá-lo, e deu-lhe um nome:

— Se chamará Páris, pois me trouxeste a criança num cesto.

Os Dáctilos, hábeis mágicos das florestas do Ida, pertenciam ao cortejo da deusa Cíbele, e chamavam-se Célmis, Ácmon e Damnameneus. Diziam os antigos que eram gênios colonizadores, benéficos, que haviam inventado a aritmética e as letras do alfabeto. Foram esses gênios que, sob o Ida de Tróade, ensinaram música ao menino Páris.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:28

Criado entre pastores, não tardaria o menino em converter-se num jovem de aspecto distinto, robusto e belo, e de fazer-se protetor de todos os pastores daquela montanha contra os bandidos. Assim, chamaram-no Alexandre, isto é, “protetor dos homens”. Nesta mesma época, amava uma ninfa chamada Calírroe. Vagava pelos campos e encostas tangendo seus bois e levando uma vida amena, sem grandes problemas, até o dia em que se encontraram, e preferiu chamá-la de Enone. Com ela manteve um relacionamento intenso, embora não pudesse dizer que a amava, pelo menos não tanto a ponto de poder retribuir o sentimento intenso que esta lhe devotava. Assim, prosseguia em sua vida despreocupada, promovendo lutas entre os seus touros, tornando esse passatempo a sua principal ocupação.

ÉSACOS E HESPÉRIA

Ésacos tinha aversão à corte do pai, o rei Príamos, já que havia deixado sua mãe para casar-se com Hécuba, e evitava participar das festas que ali se realizavam, preferindo ir aos bosques, e tinha esperança de encontrar a ninfa Hespéria a quem amava ternamente. Entretanto, não era correspondido.

Um dia, estando a ninfa a fugir-lhe à perseguição amorosa, foi picada por uma serpente e morreu. Ele, desesperado por lhe ter causado a morte, atirou-se ao mar do alto de um rochedo. Mas Tétis, comovida, sustentou-o na queda, cobriu-o de penas, antes que ele caísse na água e impediu-o, assim, de encontrar a Morte, por maior que fosse o seu desejo de não sobreviver à querida Hespéria. Indignado contra a mão favorável que o protegia, queixou-se da crueldade do Destino que o forçava a viver. Elevou-se no ar, depois se precipitou com impetuosidade nas águas furiosas; mas as penas o sustentaram e reduziram o esforço que ele fazia para morrer. Furioso, mergulhou a todo instante no mar, e procurou a Morte que o evitava. O amor tornou-o magro, deu-lhe coxas longas e descarnadas e um pescoço muito comprido; metamorfoseou-se numa ave. Passou a amar as águas, e pelo fato de mergulhar constantemente passou a ser chamado de “mergulhão”.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:29

CASSANDRA E HÉLENOS

Um certo dia, Príamos e Hécuba foram ao Templo de Apolo-Timbriano a fim de fazer sacrifícios em comemoração ao nascimento de seus últimos filhos nascidos, os pequeninos gêmeos Hélenos e Cassandra, ainda crianças de colo, e foram levados com eles. Enquanto realizavam os sacrifícios, as duas crianças ficaram brincando no chão, onde logo adormeceram. Depois que terminaram o cerimonial, seus pais e parentes, ébrios de vinho, saíram do templo, retornaram para suas casas, mas esqueceram as crianças naquele lugar, onde haveriam de passar a noite.

No dia seguinte, dando pela falta dos filhos, correram para o Templo de Apolo e encontraram os dois entre duas serpentes sagradas que limpavam com suas línguas negras os ouvidos das crianças. Assustadas com os gritos histéricos das mulheres, as duas serpentes desapareceram entre os arbustos de louros que cresciam próximo ao altar. A partir desse momento, as crianças passaram a possuir o dom da profecia. Percebendo que era uma obra divina, Príamos e Hécuba consagraram-nos ao deus, fazendo-os sacerdotes.

A EMBAIXADA A TÉLAMON

No tempo em que Nestor tornava-se rei de Pilos, Príamos, no auge do seu poder, com o fito de recuperar a irmã Hesíone, então rainha, esposa do rei Télamon, enviou uma embaixada à Hélade, chefiada por Antenor, para exigir satisfações a respeito do direito de Hesíone retornar para Tróia. Os emissários chegaram a procurar Hesíone em Tégea, na Arcádia, onde reinava Équemos, filho de Aéropos. Foi lá que Evandros, vindo da Itália, hóspede do rei, conheceu Anquises e teve com ele estreita amizade. Daí, correu um boato que Evandros era filho de Équemos.

Os embaixadores de Tróia foram instruídos a seguirem para a Salamina, aonde Télamon era rei. Mas foram brutalmente repelidos, e Antenor foi vergonhosamente expulso, tendo que retornar de mãos vazias.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:29

OS DONS DE CASSANDRA E HÉLENOS

Cassandra, ou Alexandra, a mais bela das filhas de Príamos, ao crescer, foi alvo das paixões de Apolo. Ela lhe prometeu:

— Ó deus da luz, ensina-me a arte da predição, a tua mântica solar, e então serei tua.

O deus Apolo então a acolheu como sua sacerdotisa, e a ela foi ensinada a arte da adivinhação, da interpretação da vontade de Zeus, ou da vontade das Moiras, as deusas que fiavam o destino dos homens. Ao final de seu período como neófita nas artes de Apolo, Cassandra se recusou a entregar-se ao mais belo dos deuses, e Apolo, ultrajado por haver sido descartado, após muitas tentativas do deus, cuspiu na boca de Cassandra, gerando um miasma, uma chaga invisível, retirando-lhe o dom da persuasão, ou seja, sempre que profetizasse ninguém acreditaria no que dissesse, muito embora ela nunca haveria de errar uma única vez sequer em toda a sua vida.

Um outro efeito do miasma de Apolo foi uma espécie de histeria que fazia com que a profetisa não conseguisse se conter ao fazer previsões, que as fizesse sempre aos berros, sacudindo o corpo e arrancando os cabelos, de forma que passava por demente.

Já Hélenos, também amado pelo deus, recebeu de sua divinas mãos um esplêndido arco de marfim. E, por sua vez, ao contrário de Cassandra, recebeu de Apolo o dom persuasivo da adivinhação.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:30

PELEUS DOMINA TÉTIS

Por sua castidade, os deuses quiseram que Peleus desposasse a deusa Tétis, que, segundo as previsões do titã Prometeus, haveria de ter um filho poderoso, e se fosse filho de um deus, haveria de destroná-lo. Daí, o Olimpo teria um novo rei e o Universo um novo senhor. Por isso, advertidos pela deusa Têmis, Zeus e Poseidon desistiram de seduzir Tétis, a filha de Nereus, e, daí em diante, procuravam melhor pretendente: um mortal. A propósito, Tétis mesmo, em respeito a Héra, que a havia criado, evitava o contato com Zeus.

Mas não seria fácil tirar a deusa do mar do palácio de Nereus e levá-la primeiro para a caverna de Quíron e, finalmente, para Ftia, no fértil palácio em que Eurítion reinara outrora. E o centauro Quíron, sem perda de tempo, começou a orientar o seu discípulo Peleus no sentido de ter sucesso com a filha imortal de Nereus.

— É preciso esperar primeiro uma noite de lua cheia, a noite nupcial. Nesse momento Tétis costuma visitar a praia das lulas, ao pé da encosta abrupta do Pélion, e dançar com as irmãs à volta do altar em que elas, as Nereidas, recebem suas oferendas.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:30

Numa noite de lua cheia, a deusa dos pés de prata emergiu das ondas exatamente como no princípio dos tempos Febe saiu do próprio lago, no lado ocidental da mesma montanha. Cabia ao herói pegá-la num abraço duradouro e segurá-la firme e incansavelmente. Não se tratava de uma simples prova de luta como acontecera com Atalanta, mas um combate de amor. A fim de obter o consentimento de Tétis, Peleus, o escolhido, lutou com ela, segurando-a com firmeza em todos os seus disfarces perigosos. A noiva exibiu todas as velhas artes de transformação das divindades marinhas. Mudou-se em fogo e água, em vento, em árvore, em ave de rapina, arreganhou os dentes de leão e tentou, em forma de serpente, defender-se do abraço de seu oponente, que, mesmo horrorizado, incansavelmente gritava e segurava-a com força. Até que, na forma do mais delicado de todos os peixes, ela rendeu-se. Não conseguiu escapar-lhe, embora o malferisse e, finalmente, cedeu, mas recusou-se a falar com ele, mantendo-se indiferente, pois já sabia da intenção dos deuses do Olimpo. Tétis curvou-se e, como uma escrava, ofereceu as mãos para serem amarradas pelo seu amo. Peleus, ainda meio atordoado, pelo contrário, tomou-a pela mão e ergueu-a respeitavelmente, levando-a para casa. E a costa onde o combate de Peleus e Tétis aconteceu passou a levar o nome de Sepias Akte.

AS NÚPCIAS DE PELEUS E TÉTIS

O himeneu se deu no monte Pélion, diante de todos os deuses, enquanto a Musas cantavam o epitalâmio. Enquanto isso, o vizinho Olimpo era preparado para a grande festa de núpcias, talvez a maior desde o casamento de Zeus e Héra.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:31

De manhã chegaram os deuses para a festa nupcial. Era um antigo costume helênico virem os parentes, no dia seguinte ao da noite de núpcias, trazer os presentes ao jovem casal, numa continuação do festival. Esse evento chamava-se epaulia, porque nos primeiros tempos o noivo e a noiva provavelmente haviam dormido juntos, pela primeira vez, na aulion, uma cabana campestre. Diante dela estava o herói, seu noivo, de pé, pronto para receber a procissão dos deuses convidados. O primeiro a aparecer foi Quíron, que o saudou, e estava acompanhado de sua esposa Cáriclo e do profeta Tirésias. Quíron trazia na mão uma lança de freixo — um presente para o seu amigo Peleus. Ao lado dele, Íris, a mensageira, que pôs-se de parte e deixou as deusas e os deuses, Héstia, Deméter e a esposa de Quíron, Cáriclo, passarem primeiro, Dionisos, carregando uma ânfora de vinho às costas — dizendo que era um presente para os noivos —, e as Horas logo depois, a seguir Zeus e Héra com as Musas cantoras. Zeus trazia consigo as asas de Arcé como presente a Tétis. Seguiram-se outros pares de deuses, Poseidon e Anfitrite — que traziam consigo dois belos corcéis, e os entregaram a Peleus. E Poseidon, puxando-o para um lado, disse-lhe:

— Guarda-os bem, alimenta-os com o que tens de melhor. Só evita dar-lhes muita atenção, pois tagarelam demais...

Peleus estranhou aquelas palavras, não entendeu e pretendeu levar os animais para o curral. Poseidon impediu-o:

— Peleus, meu rapaz, deixa-os por aqui mesmo, à vontade. Te garanto, eles não vão atrapalhar a festa.

E Peleus deixou-os num canto do vasto salão e, assim que voltou-se para a porta, ouviu uma voz vinda de suas costas:

— Obrigado, bom rei.

Peleus parou, lentamente voltou-se para os corcéis e, fazendo cara de espanto, foi procurar Tétis.

— Eu tenho a impressão de que ouvi um daqueles cavalos conversarem comigo, e chamou-me de rei...
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:32

— São Xantos e Bálios. Tu vais acostumar-te... São muito gentis e bons profetas. Ah! E nunca deixes de seguir os seus conselhos, para o teu bem...!

Tétis, então, viu chegar outros convidados, e deixou Peleus cheio de dúvidas. E, de vez em quando, voltava a observá-los atentamente, até convencer-se de que aqueles animais eram inteligentes e tinham o dom da palavra.

Chegavam na festa os deuses Áres, Apolo e Ártemis, Nereus e Dóris, Hermes e sua mãe Maia e, à frente desses dois, as Moiras, que ansiavam predizer o nascimento do filho predestinado a ser grande. Océanos também estava presente e com ele, sem dúvida, chegou Tétis, a titânida; os dois formavam o grande par de avós, ao passo que Zeus também jubilava-se por ser avô de Peleus. As Cárites também apareceram, pois pretendiam dançar na festa. E vários heróis, amigos de Peleus, estavam também nessa festa, a maioria deles filho de alguma divindade que se fazia presente. Era comum, deuses e heróis freqüentemente se sentavam e comiam juntos. E nesta festa de núpcias isso ocorreu pela última vez.

— Esta é a maior festa de núpcias de que já ouvi falar! Como esta, só mesmo o himeneu de Zeus e Héra e as bodas de Cadmos e Hermíone.

Dizia o corcel Bálios, “o rodado”, ao irmão Xanto, “o alazão”, que concordava:

— É, não resta dúvida, pelo menos por enquanto...

— Por quê, Bálios?

— Tu sabes, ela não foi convidada... Zeus não quis arriscar, porque poderia estragar a festa.

— É, vamos torcer para que ela não se zangue e não resolva aparecer. Até lá, vamos aproveitar, já que os deuses quiseram nos dar de presente aos noivos.

Na verdade, foi ideia de Tétis, que, ao ouvir o nome de uma convidada indesejável, encolerizou-se:

— Quem? Éris, aquela víbora? Não, melhor seria então, no lugar dela, convidar Tífon. Éris, nem pensar... Ela não vai por os pés na minha festa!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:32

E tudo corria bem. Estendidos em seus dourados triclínios, os celestes Imortais pregustavam, nas taças esculpidas, a doce ambrosia, o fúlgido licor da perene mocidade, que Ganímedes, o divino copeiro, lhes servia a jorros. Ali estavam todos: desde os poderosos senhores das terras e das águas às divindades menores; dos pequenos Faunos das torrentes às Ninfas dos bosques. Todos se sentiam felizes, porque sua vida fluía num séquito inalterável de prazeres e porque o mundo, a seus pés, estava, finalmente, em paz. Mas, sobretudo, a festa era em honra da deusa Tétis, recém-casada com Peleus, filho de Éacos e neto de Zeus. Poseidon, o senhor dos mares, como presente aos noivos, deu a Peleus os divinos corcéis, Xantos e Bálios, filhos do vento Zéfiros e da hárpia Podarge. Tinham os animais o dom da palavra e da inteligência, e competiam velozmente com os Ventos. E a todo instante, não deixavam de comentar:

— Verdadeiramente uma festa divina!

No entanto, Xantos, num fremir desconfiante de suas narinas, com a intuição peculiar dos animais para farejar as catástrofes, permanecia pensativo, olhando para todos os lados.

Enquanto o bom Peleus recebia os cumprimentos de Apolo, o qual dedilhara momentos antes a sua afinada lira em homenagem aos noivos, Tétis ia receber com alegria a bela Afrodite que recém chegava, e que logo foi misturar-se com Héra e Atena, a fim de pôr as fofocas em dia. As três mutuamente elogiavam a beleza da outra, mostrando uma amizade que só poderia acontecer em festas assim.

Zeus encontrava-se ao centro do grande festim, rodeado pelos seus irmãos Hádes e Poseidon, as irmãs Héra, Héstia e Deméter, os filhos Áres e Hefaístos, nascidos de Héra; Apolo e Ártemis, nascidos de Leto; Atena, saído da cabeça de Zeus; Hermes, Afrodite, Dionisos, e numerosas Ninfas e Sátiros, que dançavam, tocavam e cantavam, para deleite de todos os presentes, ao som da lira de Apolo e das flautas mágicas dos Faunos, animados com o canto das Musas e a dança graciosa das formosas Cárites.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:33

Os deuses, tais como os mortais, necessitavam de alimento e de sono. Seu alimento era exclusivamente a ambrosia e sua bebida, o néctar, não deixando de apreciar um bom vinho e boa variedade de frutas. No aspecto físico, eram diferentes dos mortais somente pela estatura, a força, a beleza e o dom de uma vida eterna, mas, dos homens, possuíam todas as paixões: o amor e o ódio, a ira e a inveja; eram, por vezes, cruéis e, por vezes, generosos. Eles, apesar de transcorrerem os dias alegremente, todos estavam sujeitos a um poder superior: Móros, o Destino, filho da Noite, ao qual nem mesmo Zeus podia opor-se. E não seria diferente agora.

ÉRIS E O POMO DA DISCÓRDIA

Mas o grande banquete, na imensa corte do Olimpo, estava chegando ao fim. Subitamente, no amplo salão, baixou o silêncio. Uma grande sombra ocultara o Sol, que rapidamente havia participado da festa e se retirado para o seu trabalho, tornando a atmosfera gélida e opressiva. Bálios olhava para cima para divisar no céu a misteriosa nuvem. Mas Xantos, com a placidez dos profetas, disse:

— Não é nuvem. É ela.

Todos os olhares convergiram para uma estanha figura, que surgira no limiar da porta: Éris, a única deusa não convidada para a festa, que surgia na forma de uma densa e negra neblina. Os dois cavalos, porém, podiam vê-la perfeitamente, com os emaranhados cabelos de serpente presos por uma tiara ensanguentada encobrindo seu olhar desvairado. Ao mesmo tempo, de sua boca escorria uma espuma abundante que ela limpava a intervalos com as mãos de unhas tintas de sangue.

— É bastante briguenta e seria capaz de estragar a festa, com suas maledicências. E agora, ei-la, no silêncio embaraçoso dos convivas.

Éris, fazendo-se visível aos olhos de todos, com um aspecto de deusa sedutora, tomou a palavra, cortando o silêncio:

— Oh, quanta hipocrisia... Quem ouve seus comentários pensa que são as menos vaidosas das criaturas!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:34

Éris referia-se às três principais beldades olímpicas. Afrodite, porém, defendeu:

— Não, não, queridas! Estais absolutamente imbatíveis!

A deusa repugnante fez cara de nojo, cuspindo no chão uma baba vermelha e espessa. Dionisos quase vomitou as uvas que comia, enquanto outros preferiram abandonar seus talheres.

— Vamos acabar com este fingimento...

Zeus, meio sem jeito, pois se sentia também o responsável pela festa, perguntou:

— O que desejas, Éris? Se estás aborrecida por não teres recebido o convite...

— Não, meus senhor Zeus, pelo contrário, estou aqui porque decidi trazer-lhes um presente. Não exatamente a Tétis, mas a quem merecer.

Chegada junto ao triclínio onde estavam sentados os deuses maiores, a maléfica criatura tirou da túnica uma maçã de ouro e, rabiscando qualquer coisa nela com uma de suas unhas afiadas, lançou-a sobre a mesa principal.

— Eis o meu presente! Agora vamos ver até onde irão todas as cortesias.

Os convivas se ergueram.

Afrodite perguntou:

— O que é?

Héra viu o fruto brilhar nas mãos de Afrodite.

— Que maravilha! Meus pomos dos Jardins das Hespérides não se comparam ao seu brilho! Jamais vi algo assim!

Mas Afrodite estava absorta na contemplação do esplêndido fruto. Atena, por sua vez, deu um pulo de sua cadeira e também quis se aproximar para ver melhor.

— É uma maçã! De ouro!

E Afrodite girou um pouco a maçã e viu que havia nela algo rabiscado: kalliste.

— E há algo escrito! “À mais bela”!

Durante alguns minutos estiveram mergulhadas num estupor, até que Atena finalmente quebrou o silêncio:

— Mas não traz o nome da eleita?

Afrodite, ofuscada pelo brilho da maçã dourada, disse:

— E precisa?

— Claro que não. Certamente ela foi endereçada a mim.

Héra, dizendo isso, tomou o fruto das mãos de Afrodite e começou a esfregá-la em suas vestes, como se a quisesse, em seguida, comê-la, enquanto as outras duas, num primeiro momento, perdiam a voz e a ação.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:35

Hermes observou:

— Ora, é só uma maçã...

Mas as três deusas, que não se importavam muito pelo presente, mas pelo que significava, iniciaram a disputa de conseqüências gradativamente agravantes, que levaria, pela decisão de um simples mortal, ao enfraquecimento da raça humana, ao aniquilamento de uma nação poderosa e à dissolução de um império. E Afrodite, raptando o pomo das mãos de Héra, afirmou:

— Só um momento, querida. Quem tiver o bom senso de ver direito o nome da homenageada irá logo descobrir que só pode ter sido enviada a mim.

As três então se uniram avidamente em torno do pomo, tentando divisar cada qual o seu nome. Qualquer falha na maçã era um pretexto de se imaginar a inicial de um de seus nomes. E a disputa tornava-se ridícula na presença dos demais deuses, estragando a festa de núpcias de Peleus e Tétis, que a esta hora já pretendiam deixar o Olimpo e seguirem para a sua nova morada. E, enquanto a disputa prosseguia, a perversa Discórdia esfregava as mãos, cheia de satisfação, e retirava-se da festa silenciosamente, sem ser percebida.

Afrodite, nervosa, mandou às favas o resto de sua boa delicadeza e educação:

— Basta, tontas! Como ousai atribuir a vós uma homenagem que está claramente dirigida a mim?

Atena rugiu:

— Cala-te, atrevida! Devolve o fruto para mim, e eu decidirei o que fazer!

A disputa se acendera definitivamente. Os olhos das três agora despediam chispas de puro ódio enquanto o pomo passava de mão em mão a cada descuido, o que só servia para inflamar ainda mais os ânimos. Ao mesmo tempo os dois cavalos continuavam a observar a disputa, que estava prestes a degenerar numa troca de tapas.

— Vamos interferir?

— Estás louco, Bálios? Se em briga de mortais não convém intrometer-se, o que dirá de uma briga de deusas? Além do mais, sabe lá que castigo poderá nos impingir essa megera, causadora de toda essa discórdia...!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:35

E assim transcorreu o restante da festa, num clima de rancor indisfarçado. O fel já havia sido deitado na taça do hidromel e agora só restava todos regressarem desconsolados para suas moradas. Quanto às deusas, teve início a partir daí uma desavença que se estendeu por algum tempo, mesmo que ainda alguns convivas preferissem endereçar o pomo para a homenageada da festa, a deusa Tétis. Mas não era exatamente um presente destinado a ela, apesar de ser muito bela. Mas três deusas que estavam à mesa, Atena, Héra e Afrodite, estenderam a mão para o reluzente pomo. Não era exatamente pelo pomo, mas sim pelo título que receberiam. E Zeus, o senhor dos deuses, que tudo observara, em silêncio, depois de desviar o olhar para Momo, o deus da censura, chamou Hermes e as três deusas em sua presença, no Olimpo, pôs o pomo no centro da mesa, sorriu e propôs:

— Quanta presunção!... Um assunto como este não pode ser julgado por aqueles que vivem ao lado das deusas e privam com elas diariamente. Parece que todos estão de acordo em que a escolha recairá sobre uma das três. O único meio para saber-se qual de vós é a mais bela e estabelecer, portanto, a quem cabe o Pomo da Discórdia, é recorrer a um juiz.

Como sempre, Zeus sentenciara sabiamente. Porém, se Zeus esperava que as deusas se esquecessem do pomo de ouro, iria em breve desiludir-se; nem bem a festa chegava ao fim, começaram elas a pedir-lhe que designasse o juiz daquele concurso de beleza, como havia sentenciado. E, tomando o presente de Éris, entregou-o ao filho Hermes.

— É chegada a hora de pormos um fim nesta insensata discussão que só nos traz desgostos.

— O que devo fazer?

— Conduz as três pretendentes até o alto do monte Ida para que um certo Alexandre, o pastor de rebanhos do rei Príamos, seja o juiz e decida de uma vez a quem pertence este berloque maldito.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:36

— Um simples pastor? Por que não um príncipe? Outra coisa: não nos devemos esquecer de que, se é verdade que a deusa que ganhar o prêmio ficará grandemente lisonjeada, por outro lado se sentirão, as duas outras, profundamente ofendidas e procurarão, sem dúvida, o meio de manifestar seu descontentamento.

— Justamente por essa razão, é preferível que o juiz seja um obscuro mortal, e não um nobre, muito menos um de nós, para não termos de sofrer o ressentimento das duas outras que ficarão despeitadas. Em sua própria causa, esperemos que o jovem conceda o prêmio à deusa cujo poderio melhor o proteja contra o rancor das duas outras.

— Seria melhor a rainha Héra?

— Talvez. Quanto a mim, não quero ter nada a ver com isto.

Ainda assim, sem compreender porque deveria ser especial mente um jovem pastor o juiz da divina contenda, Hermes ajeitou suas sandálias e perguntou:
— Está bem, meu pai, e é só isso?
— Tenho meus motivos para te dirigires a esse mortal. Faz o que te digo. Isso é tudo.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:36

PÁRIS DIANTE DAS DEUSAS

Um dia de manhã, estava Páris, ou Alexandre, no meio de um vale quase intransponível e sombrio, a estender-se através das gargantas do monte Ida, entre abetos e carvalhos, distante de seus rebanhos, que ali não logravam ter acesso. Meio aborrecido, apoiado a uma árvore, contemplava, de braços cruzados, os palácios de Tróia e o mar longínquo, através de uma abertura do bosque, quando sentiu que a terra estremecia sob o passo de um deus. Antes de voltar a si do assombro, viu um homem alto, vivaz, que portava um caduceu e calçava sandálias aladas; era Hermes, o mensageiro do Olimpo, sustentado metade pelos pés, metade pelas asas. Hermes nada mais era do que precursor de uma nova aparição divina, pois que três mulheres celestiais, três divindades, avançavam com leves passos pela relva; duas estavam com os cabelos molhados, como se acabassem que sair de um banho. Na verdade, para realçar sua formosura, Atena e Héra banharam-se nas fontes abundantes do Ida, e Afrodite preferiu não se despir, pois entendia que não era a glória de um belo corpo que estava em jogo. A deusa do amor fez-se vestir pelas Cárites e pelas Horas de um esplêndido vestido, que tinha todas as cores da primavera, coroar com flores fragrantes e conduzir com canções ao pastor Páris.

Vendo-as, o adolescente experimentou um sagrado terror. Os cabelos se lhe eriçaram.

— Pelos deuses! Estarei sonhando?

Mas o alado mensageiro do Olimpo disse-lhe:

—Não temas, Páris Alexandre, tu foste agraciado com uma honra que raras vezes terá cabido a um simples mortal.

— Honra? Que honra? O que um humilde pastor pode ter com as divindades do Céu?

— Meu pai Zeus decidiu, em sua soberana onipotência, que tu serás árbitro de uma disputa, que tanta inquietude tem trazido ao Olimpo. Estas deusas, Héra, Atena e Afrodite, vieram procurar-te para que sejas juiz. Deves decidir qual das três é mais formosa. O grande Zeus ordena-te que exerças a função de juiz, e não há de recusar-te proteção nem assistência.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:37

— Estou diante de deuses do Olimpo?!

O pastor Páris ajoelhou-se, em sinal de reverência, e em seguida, sem olhá-los de frente, questionou:

— Mas que justiça poderei dispensar eu, pobre pastor, a três deusas igualmente belas que por definição são sábias e justas?

— Zeus confia no teu discernimento, és de coração puro e não tens o pensamento voltado para a Cobiça e a Corrupção. E se ele te entregou esta tarefa é porque tem razões de sobra. Não cabe a ti vasculhar os argumentos da divindade suprema!

Páris preocupava-se com sua segurança, já que poderia ferir o orgulho de uma deusa vingativa, já que ouvira da boca de seus pais as inúmeras histórias sobre aqueles que morreram ou foram castigados por confrontarem-se com as divindades. Hermes entregou-lhe o Pomo da Discórdia e, em seguida, ergueu-se no ar e desapareceu da vista do pastor, deixando-o sozinho com as três deusas. Mas as suas palavras não tinham deixado de infundir coragem em Páris, que se atreveu a levantar os olhos, mantidos até então abaixados pelo temor, e contemplar as divinas formas que, lindíssimas, lhe permaneciam na frente, à espera do julgamento. Por isso, depois de pensar um pouco, decidiu:

— Já sei! Dividiremos o pomo em três partes iguais! Desta forma farei justiça à beleza de todas!

Mas nenhuma delas aceitou, e Héra foi a primeira a recusar:

— E admitir que eu, a senhora do Olimpo, esposa do mais poderoso dos deuses, não sou a mais bela?

De fato, dividir o pomo não era a melhor solução. À primeira vista, pareceu-lhe serem as três igualmente merecedoras do prêmio de beleza: uma graciosa, outra de olhar majestoso e a terceira sedutora. Depois, contudo, de considerar mais detidamente cada uma das três maravilhosas criaturas, percebeu que cada uma lhe agradava tanto quanto as outras. Aos poucos, uma delas, a que parecia mais moça e delicada, mas de olhar sedutor, se lhe afigurou mais adorável e encantadora que as companheiras. Teve a impressão de ver brotar-lhe dos olhos uma rede de amorosos raios.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:38

Entretanto, a de olhos grandes, a mais altiva das deusas, que pelo porte se distinguia das outras duas, percebendo que vacilava na sua decisão, dirigiu-se ao adolescente nestes termos:

— Um dos atributos da beleza é ser justa, meu rapaz. Por isto confio no teu julgamento.

O pastor, agora investido da autoridade de juiz, decidiu agir como tal, fazendo ouvidos moucos à lisonja da deusa. Mas pensou:

— Tão somente a divina Têmis, deusa da justiça, irá inspirar os termos de meu julgamento.

Páris prostrou-se diante da rainha dos deuses. Héra, então, decidiu recorrer logo às suas razões:

— Sou Héra, irmã e esposa de Zeus, rei entre os deuses, lembra-te sempre disso. Posso oferecer-te o que nenhuma das outras jamais poderá. Se me concederes a maçã de ouro, dar-te-ei a soberania sobre o mais esplêndido reino da Terra, não obstante não passes de um simples pastor distante do palácio real. Serás o rei mais rico do mundo. Todas as cabeças se curvarão assim que for anunciada, por teus arautos, a tua augusta presença, e a tua vontade será tão importante que antes mesmo de manifestada será adivinhada por teus fiéis súditos.

Páris escutou os argumentos de Héra com toda atenção e reverência; mas em seu íntimo já havia decidido que não cederia às honras ou às riquezas. Então, voltou os olhos para Atena, que, em seguida, apresentou-se, muito bela e serena, com seus olhos azuis escuros, e disse-lhe, enquanto Páris ajoelhava-se diante dela:

— Sou Palas-Atena, a deusa da sabedoria e padroeira da poderosa Tróia. Bem sei que teu julgamento haverá de me ser favorável. Por isto afirmo que muito em breve tu serás pastor não mais de rebanhos, mas dos mais bravos guerreiros que jamais um comandante guiou neste mundo. Ao menor aceno, legiões inteiras levantar-se-ão ao teu dispor. Se me conferires a vitória, conquistarás a glória máxima de sabedoria e virtude entre os mortais.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:38

Mas Páris também não desejava comandar exércitos, nem o poder e a riqueza lhe atraíam. Desde criança aprendera a ser pastor e levar uma vida simples. Os argumentos das deusas precisavam ser mais convincentes. Assim, depois de dispensar gentilmente a deusa da guerra, acenou para Afrodite, que se aproximou. Ela, que até então não falara a não ser com os olhos, relanceando um olhar felino, penetrante ao pastor, de forma ousada, tomou então nas mãos o rosto do jovem Páris, antes que se ajoelhasse diante dela, e o aproximou tanto do seu que os lábios quase se tocaram, e disse-lhe com um suave sorriso:

— Vê como sou bela...

Percorrendo com o dedo o desenho do rosto dele, disse-lhe:

— No entanto tive de admitir, desde a primeira vez que te vi, que minha beleza finalmente encontrara um símile digno dela, meu belo rapaz. Certamente, se eu fosse um homem, aspiraria a ter o encanto dos teus belos traços.

Páris procurou ser gentil diante de tamanho elogio:

— Tuas palavras não poderiam deixar, generosa deusa, de confirmar a beleza inteira da tua formosa natureza. Mas receio que excedam um pouco à verdade.

Mas Afrodite, pronta para expor seu argumento principal, argumentou:

— Não, jovem encantador, digo apenas o que meus olhos podem confirmar. Eu venho, no entanto, oferecer a ti um amor que excederá a qualquer outro que homem algum jamais aspirou. Páris, certamente não te deixarás seduzir pela promessa de presentes, um e outro perigosíssimos, e que somente te oferecem um êxito bastante duvidoso. Dar-te-ei uma coisa que jamais te produzirá aversão, dar-te-ei aquilo que só precisas amar para te sentires venturoso, dar-te-ei a mulher mais formosa da Terra, que te será excelente esposa. Prometo-te isto, pois sou Afrodite, a deusa do amor.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:39

Atena fez cara de gracejo e Héra, de nojo.

Enquanto Afrodite fazia tal promessa ao pastor, mantinha-se diante dele com o seu famoso cinto, que lhe proporcionava graça e encanto. A esperança e a beleza da deusa fizeram empalidecer aos olhos do rapaz as outras duas, e, perdidos os sentidos, conferiu à divindade do amor a maçã de ouro. Héra e Atena, indignadas, deram-lhe as costas, zangadíssimas, e a senhora do Olimpo jurou vingar-se um dia da ofensa feita à sua majestade no pai e no povo troiano. Héra, sobretudo, tornou-se desde aquele instante, inimiga declarada, irreconciliável de Tróia. Páris, por sua vez, teve medo, mas a deusa do amor, e agora da beleza, deu-lhe conforto, e jurou:

— Meu belo Páris. Juro-te proteção, a ti, a teu pai e a todo o teu povo, e garanto também que terás a proteção de Zeus, meu pai, pois sou a sua filha predileta.

Afrodite, então, despediu-se do pastor com graciosa saudação, após reafirmar-lhe solenemente a promessa, mediante o juramento dos deuses. Porém, ela já havia desaparecido quando Páris lembrou-se de lhe perguntar quem era a mulher que lhe era prometida e quando a teria.

Páris, durante algum tempo, continuou a viver cheio de esperança, nos altos do monte Ida, na sua condição de desconhecido pastor. Mas, notando que tardava a realização dos desejos nele despertados pela deusa, casou-se ali com a formosa ninfa Enone, uma das filhas do deus-rio Cébren. Ao lado dessa criatura, viveria dias felizes na solidão do monte, no meio dos rebanhos. Do casal de pastores nasceram dois filhos: Dáfnis e Córitos.

Um dia, Páris, não podendo mais esconder o que lhe acontecera no dia em que recebera a visita de Hermes e das três deusas, a ninfa Enone, certa de que não era a mulher escolhida por Afrodite, preveniu:

— Preferia que tu tivesses dado o prêmio a Atena.

— Por que Atena?

Páris sorriu e deu-lhe um beijo na testa.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:40

— Sabedoria, eu já possuo; e quanto à mulher mais linda do mundo que Afrodite me prometeu, ora, ela já me pertence! Tenho certeza que a deusa cumpriu sua promessa.

A DERROTA DE ACASTOS

Peleus, após o seu casamento com Tétis, tendo recebido uma lança de freixo de seu mestre Quíron e dois robustos corcéis de Poseidon, juntou-se a Jasão, Cástor e Polideuces, entre outros companheiros, e partiram ao assalto de Iolcos para destronar Acastos, que havia tomado o lugar de seu pai Pélias, após assassiná-lo, punir a rainha Astidâmia, que acusara Peleus injustamente de tê-la desonrado, e recuperar o trono da cidade, que pertencia a Jasão por direito.

Acastos foi destronado, mas conseguiu fugir com seus filhos e se esconder por um bom tempo. Astidâmia não teve a mesma sorte. Foi devidamente degolada. O palácio foi tomado, e o povo não ofereceu resistência. Então, Jasão assumiu o controle de Iolcos. No entanto, não recebeu do Olimpo o direito de reinar, pois, graças a Medéia, havia sido amaldiçoado. Por isso, foi decidido ir em busca de seu jovem filho Téssalos, que havia sobrevivido à fúria de Medéia. Téssalos, com a derrota de Acastos, foi posto pelo pai no trono de Iolcos. Mas isso desagradou aos sucessores de Acastos, e as vidas de Téssalos, Jasão e Peleus ficaram ameaçadas.

Então, após a conquista de Iolcos pelos heróis Argonautas, Peleus entrou com Tétis em Ftia, e ali passaram a reinar juntos. No entanto, duas cidades foram suas residências paralelas: Fársalos e Tetídion, “santuário de Tétis”, erguida em honra da deusa, sua esposa.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:41

O NASCIMENTO DE AQUILES

Peleus, sendo rei nobre e honrado, governando em Lárissa, na Ftia, pretendeu ter filhos para que estes o sucedessem um dia. Mas, a cada tentativa, a mãe, que nunca havia aceitado casar-se com um mortal, pretendia que se tornasse imortal, matava o recém-nascido, nas tentativas abortadas de destruir em cada criança os resíduos mortais herdados do marido, sem que este soubesse — como fez Deméter ao pequeno Demofóon. Por cinco vezes, Peleus entendera que Tétis havia perdido as crianças. Só Polidora, uma das filhas, havia sobrevivido, porque Tétis somente punha à prova os filhos varões.

Mas o filho de Éacos precisava mesmo ter um filho, um varão. E começou a desconfiar da esposa. Na sétima tentativa, passou a vigiá-la. E Tétis, após conceber, tendo um pressentimento de que o filho que nascia teria uma vida relativamente curta e percebendo que Peleus vigiava, teve que desistir de seu intento e criá-lo normalmente. E a ele deu o nome de Ligíron, “de voz clara”, e inseriu nos tornozelos do menino as asas invisíveis de Arcé, a filha de Taumas e Electra, que se encontrava presa no Tártaros por um dia ter-se rebelado contra Zeus.

Mas não desistiu. Tétis, num dado momento, pensando que Peleus havia desistido de vigiar seus passos, tomou a criança, ainda com alguns dias de vida, e pretendeu transmitir-lhe a Imortalidade, apesar de tantas dúvidas que tinha sobre se estava fazendo a coisa certa.

— É meu dever fazer de tudo para proteger-te, filho meu, já que o Destino escolheu te dar a vida.

Tal ritual, que realizaria durante a noite, nos subterrâneos do palácio, enquanto Peleus dormia, consistia em mergulhar o menino numa ânfora composta de água fervente retirada de uma fonte arcádica do rio Estige, para nele extirpar tudo quanto tinha de mortal. De dia, contudo, curava-lhe com ambrosias as partes queimadas. Repetia aquilo, noite após noite, sendo que um ponto não se tornaria invulnerável: seus calcanhares, parte em que Tétis o segurava. E, a cada ritual repetia as mesmas palavras:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:42

— Estige, de águas mágicas e misteriosas! Invoco agora o teu poder sagrado para que torne meu pequeno Aquiles forte e invulnerável durante todos os dias de sua vida!

Porém, Peleus, em sobressalto, pressentindo que algo acontecia com seu filhinho, e notando que Tétis não se encontrava no leito, começou a perambular pelos corredores do palácio, até encontrar aberta a porta de acesso ao subterrâneo. Tétis continuava com seus rituais, que se aproximavam do fim. Foi quando Peleus pegou-a no sinistro flagrante, vendo Ligíron sendo queimado ao fogo, mesmo que não parecesse sentir dor alguma. Peleus deu um grito. Aquela interrupção impediu que a deusa terminasse o seu trabalho, pelo que deixou o menino abandonado e sujeito à Morte, afastando-se a deusa em desespero, para nunca mais voltar ao palácio, e desapareceu no úmido reino das Nereidas do qual fazia parte.

Peleus, julgando que o filho estivesse perigosamente ferido, com o corpo, os lábios e o calcanhar direito queimados, pegou-o do chão e levou-o às pressas ao sábio centauro Quíron, grande cirurgião e educador de tantos heróis, como Héracles, Jasão, Teseus e o próprio Peleus. O centauro tratou-o amorosamente e nutriu-o com medula de ossos e fígado de animais selvagens: de leão, para adquirir coragem, de javali, para tornar-se feroz, de urso, para ganhar força, e de gazela, para como ela correr. E, para substituir o osso do calcanhar tostado, então inutilizado, desenterrou o gigante Dámisos e colocou no calcanhar da criança parte do osso correspondente do gigante. Isso o tornaria ágil e veloz tal qual o gigante quando era vivo, apesar de serem os calcanhares, para o menino, o único ponto vulnerável.

No monte Pélion, Aquiles recebeu os cuidados da mãe e da mulher de Quíron: Fílire e Cáriclo, respectivamente.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 1/3/2021, 18:45

PÁRIS DE VOLTA A TRÓIA

Certo dia, os servidores de Príamos foram procurar no rebanho, que Páris guardava, um belo touro, destinado aos jogos fúnebres do aniversário de morte de um príncipe de Tróia que havia morrido logo ao nascer, muitos anos atrás, depois que a rainha havia tido um sonho no qual o menino seria o causador do incêndio da cidade. Era história conhecida, e todos imaginavam que a criança havia morrido, já que Agelaus, durante todo esse tempo, havia guardado segredo sobre o destino dela. Até Páris conhecia e história, mas jamais poderia imaginar que era ele aquela criança.

— Por que viestes a mim?

— Porque sabemos que tu guardas os melhores animais do reino, e precisamos escolher um para servir de prêmio para o melhor atleta e outro para o sacrifício.

Páris, temendo que levassem o seu animal preferido, levou-os até os currais e procurou mostrar-lhes os touros mais comuns, mas foi unânime a escolha do único que Páris não lhes mostrava, que eles haviam pregado os olhos.

— O rei de Tróia ordenou-nos que lhe levasse um touro branco, o mais belo de sua manada. Atende-nos e serás prontamente recompensado.

— O que irão fazer com este?

— Este será destinado ao melhor atleta dos jogos. Um outro será sacrificado.

Páris, sabendo que jamais poderia ignorar as ordens do rei, olhou para o seu animal preferido e indagou:

— Qualquer um pode competir?

— Certamente. Porém, os quatro filhos mais velhos do rei, Heitor, Deífobos, Hélenos e Polites são tão hábeis na corrida, no salto, no manejo do arco e no pugilato que um deles ganhará o prêmio, com certeza. Um adivinho vaticinou, de fato, que um filho do rei Príamos será o vencedor.

Páris pensou um pouco e disse:

— Apesar de tudo, gostaria de tentar a sorte. Este touro é maravilhoso e gostaria muito de recuperá-lo.
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