Aviação, tudo sobre!

Eu só tinha reparado essa outra metralhadora no filme, quando os aviões franceses foram abater o Zepelin.

Mas mesmo assim, os aviões alemães eram superiores, não?

Sempre que a tática ia sendo aperfeiçoada no decorrer da guerra, ia se aprendendo a usar melhor as máquinas - você não pode perder o foco de que batalhas aéreas nunca haviam existido até então. No período de 1914 até quase o final de 1916, as batalhas aéreas eram travadas meio que empiricamente. Oswald Böecke - comandante do Jasta 2 e ele mesmo um ás de 40 vitórias, redigiu em 1916, a primeira cartilha de combate aéreo - a Dicta Böecke - que era uma série de recomendações aos pilotos, aprendidas a duras penas por ele próprio. Desta maneira, criou-se um "protocolo de combate aéreo". Exemplificando: No filme, os triplanos sempre atacavam com o sol nas costas, o que obrigava os pilotos aliados a olharem contra o sol e ficarem ofuscados (um dos pilotos usava inclusive, um vidro rayban para enxergar...). Esta artimanha consta das recomendações de Böecke. Assim, as batalhas aéreas no período que compreendeu até o final de 1917, favoreciam os aviões ágeis, com ampla capacidade de manobra principalmente nas curvas, pois sempre procurava-se colocar na cauda do adversário para abatê-lo. Exemplos destes aviões temos o Camel, o DrI e até os Nieuport. As táticas usadas mais para o final da guerra - a partir de 1918, valorizaram mais a velocidade e com a crescente desvantagem numérica dos alemães, adotaram os ataques de energia ou "hit and run", aonde o caça atacante se colocava numa altitude maior, e mergulhava em velocidade, fazendo um ou dois passes atirando, visando abater o adversário. Não que o dogfight clássico tenha sido de todo abandonado nesta época, mas a desvantagem numérica obrigou uma mudança de tática.
Resumindo: Um avião é tão melhor quanto a tática usada e obviamente a capacidade do piloto. O Se5a, Fokker DVII eram excelentes aviões que segundo os próprios pilotos, faziam alguém medíocre parecer um ás. Mas um piloto ruim com um avião destes que encontrasse um ás com um avião equivalente, estaria em maus lençóis.

O mesmo se ele se encontrasse em desvantagem numérica. Veja o caso de Werner Voss: ele tentou sozinho conduzir um duelo com um triplano DrI, contra 7 Se5a do 56°SQDN (com pilotos do calibre de James McCudden, Chidlaw-Roberts e Rhys Davids). Enfiou bala em todos aparelhos, inutilizou 2 oponentes, mas acabou sendo abatido - Werner Voss morreu com 48 vitórias em seu prontuário! O avião era ruim? Claro que não. Ele confiou demais nele e na sua máquina, mas era uma desvantagem numérica de 7:1. O Fokker DrI foi o avião mais ágil de sua época, o preferido pelo Barão Vermelho, mas era lento (165 Km/h de velocidade Máx) se combatesse contra um Se5a (220Km/h). Este porém era menos manobrável que o DrI. O piloto alemão que estivesse num triplano, ao se deparar com um Se5a, iria tentar conduzir o combate em baixas velocidades e num plano mais horizontal, para tirar vantagens das características do seu avião.

Finalmente respondendo sua pergunta...

Os aviões alemães eram melhores que os dos aliados? Eram equivalentes. Um inventava um aparelho melhor, dali há pouco o oponente capturava um dos seus, melhorava e colocava em produção. Nascia assim a corrida tecnológica... Tanto que no Tratado de Versalhes no final da guerra, constava como item o confisco de todos Fokker DVII, peças e motores, tamanha a superioridade tecnológica destes aviões alemães que intimidou de maneira especial os franceses...
Os pilotos alemães eram melhores que os aliados? Em média sim. Eram mais bem treinados e o critério de avaliação de abates, mais rígido. Só no final da guerra, com a escassez de pilotos é que a qualidade dos alemães caiu um pouco. Mas mesmo assim, fizeram um puta estrago (veja algumas mensagens anteriores a esta neste tópico, quando falei de setembro de 1918).
Os aliados ganharam a guerra pela vantagem numérica e táticas bem aplicadas que tiravam vantagem deste aspecto.

Quantas informações! Obrigado, Paranhos.

Então um Nieuport é tão bom quanto um Fokker. Os alemães também usavam Nieuport's?

Eram ambos aviões ágeis, com velocidades finais muito semelhantes. Mas o design aerodinâmico dos Fokkers Dr I davam boa vantagem na manobrabilidade em curvas. Relembre as cenas de batalha do filme, e você verá como os aviões alemães faziam as curvas e como atacavam os americanos. Se os alemães pilotavam Nieuports? Provavelmente sim, um ou outro aparelho capturado. Era prática comum pilotos adversários usarem aparelhos capturados. Tenho fotos de Camels, Nieuports e Spads com as marcas e cruzes de malta alemãs...

Ah! um detalhe curioso... Os Nieuports são considerados "sesquiplanos" e não biplanos, se considerarmos a área de sustentação. A área da asa superior é 1,5X maior que a inferior. Daí o prefixo "sesqui". Para ser considerado biplano (considerando a área total de sustentação) as áreas deviam ser iguais. Mas a disposição da área de sustentação obedece o conceito de biplano. Os Albatross DIII copiaram o design dos Nieuport e em relação a área de sustentação são também sesquiplanos...

Esqueci de mencionar anteriormente, uma sacada genial de Anthony Fokker. Os alemães ficaram impressionados com a manobrabilidade dos Sopwith Triplanes (ou "tripes" como os ingleses os chamavam), o que fez estes aparelhos serem temidos pelos pilotos de caça Albatross (com ajuda, é claro, da qualidade dos pilotos do 1 e 8 RNAS). Um belo dia de 1917, um desses triplanos é avariado e cai em linhas inimigas e vai parar na mão de Fokker, que o estuda (como fez anteriormente com de sincronismo de tiro de Roland Garros, 2 anos antes) e desenvolve o V5 (V- versuch - protótipo em alemão; n°5). Nascia o Fokker Dr I (Dr de Dreidecker - triplano em alemão). Na cabeça de Fokker, os motores rotativos eram os mais indicados para seus aparelhos e sua concepção aerodinâmica (o único avião com motor em linha a ser produzido por ele, seria o famoso DVII). Estes motores rotativos apresentavam a vantagem de se "autorefrigerarem" pela própria rotação do motor, ocuparem pouco espaço e serem mais leves. Como desvantagem, tinham o imenso efeito giroscópico, pois o motor era preso junto à hélice e girava junto com ela - o que fazia as curvas e rolagem para a direita mais fáceis (já falei isso tudo em mensagem pretérita). Fokker sacou isso e percebeu que se concebesse um biplano, com áreas semelhantes em ambas asas (como ocorreu com o DVI - que teve pouco sucesso), as curvas para a esquerda seriam dificultadas, pois o piloto deveria enfrentar o efeito giroscópico do motor e da inércia do aparelho. O que ele fez? Considerando o sucesso dos "tripes" ingleses, ele dividiu uma imensa área de sustentação de um grande biplano (e ele perderia em manobrabilidade) em três asas com envergaduras menores, nascendo o triplano DrI. O DrI no rigor do conceito de área de sustentação é um biplano com uma área de sustentação maior, mas estruturalmente, um triplano. Verdadeiramente triplano, nos dois conceitos, só o Sopwith...

Outra decepção com o filme: com os recursos de computação gráfica podiam ter colocado mais tipos de aviões... Historicamente, a esquadrilha Lafayette não enfrentou os DrI. Gostaria de ter visto também, os Albatross DIII, Pfalz DIII e outros aparelhos aliados. Destes, só vi os Handley Page 0/400, quando eles conseguem finalmente destruir o depósito de munições em Jametz. Dos alemães, só apareceu os Gotha GIV e o dirigível.
De resto, o filme só se preocupou em mostrar a tentativa do piloto americano em promover uma interação mais "profunda" com a moça francesa...

Esse filme se passa dois anos após o início da guerra (1916). Os aviões mostrados lá não existiam ainda?
De fato, o filme é um caso isolado, talvez só uma propaganda americana, mas eu particularmente gostei. Me deu um forte impulso para conhecer mais sobre esses aviões. Creio que nunca saberemos de tudo que aconteceu em um só filme, não é?

Acho que se o filme fez você se interessar por estes aviões maravilhosos, valeu a pena! Eu mesmo comecei a gostar destes aviões assistindo um episódio de um desenho antigo - Johnny Quest em que aparece um Spad XIII e um Fokker DVII; um filme de 1966 - Crepúsculo das Águias - onde as cenas de batalha aérea eram tão boas quanto as de Flyboys - só que com aviões de verdade... Flyboys não deve ser tomado como referência histórica, mas como uma diversão - e neste aspecto eu respeito a qualidade do trabalho americano. Aconselho você se quiser conhecer um pouco mais a fundo estas incríveis máquinas (e claro, a vida dos mais ainda incríveis pilotos), a ler livros especializados. A grande maioria da literatura está em inglês, esteja portanto afiado no idioma para aproveitar ao máximo as informações. Uma editora que traz tudo sobre aviação das duas grandes guerras é a inglesa Grub Street. Se você tiver interesse, eu indico alguns títulos...

FLYBOYS é 100% melhor que The Blue Max, para começar o titulo nada a ver com o filme, já Fly Boys tem: são os 1° voluntários da esquadrilha Lafayette, muitos dos quais se tornaram importantes generais na segunda guerra mundial como Carl Spaatz, Henry Arnold, o próprio Billy Mitchell que lutou na esquadrilha Lafayette, enfim... The Blue Max, filme de baixa categoria!

Eu vi faz algum tempo. Digamos que o filme tem o mérito de mostrar a aviação da Primeira Guerra a uma nova geração, já que o último filme sobre o assunto era da década de 60.

A história do Blue Max (ou Crepúsculo das Águias, como quiserem) é melhor - e ainda por cima tem a Ursula Andress. Mas a parte histórica do Blue Max também tem seus escorregões muito grosseiros, tipo triplanos Fokker camuflados com lozenge. De resto, muito já foi falado aqui: excesso de triplanos vermelhos, anacronismos em relação a modelos de aviões e épocas da guerra, etc. Só fiquei com duas impressões: uma, de que certas acrobacias feitas pelos pilotos eram impossíveis; e outra, na cena em que os americanos atacam o Gotha por cima. Até onde eu sei, atacar aviões com observador desse jeito era pedir pra levar bala - o jeito mais eficaz era atacar por baixo.

Ainda bem que eu tenho a série Quatro Anos de Trovão em DVD...

A propósito, o mesmo erro relacionado a motores aparece no filme "Crepúsculo das Águias". O avião pilotado por Willi, um Fokker Dr.I, aparece com um motor que não é o original rotativo dos aparelhos da Primeira Guerra.

É um motor radial comum fixo e não rotativo.

Alquimista escreveu:
Ainda bem que eu tenho a série Quatro Anos de Trovão em DVD...

Esta é uma série da Discovery lançada acho que em torno de 1996. É uma raridade!

Não entendo uma coisa...

...eu percebi (ou pelo menos me parece) que as metralhadoras dos aviões ficavam atrás da circunferência que a hélice faz quando em movimento. Como as balas não quebravam as hélices?

Quem inventou o defletor...

... foi um piloto francês em 1915, Roland Garros (ele mesmo do torneio de tênis). Ele percebeu que em torno de 10% das balas atingiam as pás da hélice. Ele adaptou defletores de aço nas pás da hélice de madeira do seu Morane Salnier L, com uma metralhadora do tipo Hotchkiss colocada sobre o capô. Desta maneira, em abril de 1915, Garros atingiu a condição de ás (5 vitórias). No dia 16 do mesmo mês ele teve uma pane e caiu prisioneiro dos alemães, que enviaram seu avião para Anthony Fokker estudá-lo. Primeiramente, Fokker tentou copiar o design e adaptá-lo a um caça Pfalz. Quando os alemães iniciaram os testes, eles despedaçaram a hélice. A falta de sucesso dos alemães pode ser atribuída ao fato deles usarem balas de aço, enquanto os franceses usavam balas revestidas de cobre, mais macias que não despedaçavam a hélice. Fokker, a pedido do então ministro de guerra Henri Hegener, em dias, adaptou uma patente existente desde 1913 de Franz Schneider - engenheiro da construtora de aviões LVG - de um interruptor, que permitia atirar por entre o arco da hélice. Fokker e sua equipe usavam uma caixa de transmissão adaptada ao eixo do motor, ligada através de uma haste, ao mecanismo de gatilho de uma metralhadora Parabellum. Isso permitia uma taxa de tiro de 600 vezes por minuto. O primeiro avião a receber este sistema foi o Fokker Eindecker (i.e. monoplano em alemão) E I. Este tipo de avião foi apelidado pelos oponentes ingleses como "flagelo Fokker" tamanhas baixas eles causaram entre os aliados. Até o advento dos Nieuport 11, os Fokker série E (I, II, II e IV) foram os melhores caças da época.

Resumindo...

...Roland Garros inventou o defletor de balas em 1915. Schneider, o sistema de interrupção em 1913 e Fokker aprimorou o invento dele desenvolvendo o mecanismo sincronizador...

São dois sistemas diferentes...

...para se atirar por entre o arco da hélice: sincronismo e deflexão. Franz Schneider inventou o sistema de sincronismo em 1913. Fokker apenas o aperfeiçoou em 1915. Roland Garros inventou o sistema de deflexão, que só funcionou para os franceses (e por isso mesmo, usado apenas por eles no Morane Salnier), como mencionado anteriormente.

Que estranho... Ambos são tão rápidos que não me passou pela cabeça algo como sincronismo. Eu achava que as armas ficavam sempre acima da circunferência de rotação da hélice, mas depois comecei a observar mais e isso me intrigou. Obrigado!

É muito curiosa a evolução tecnológica da aviação. Algumas pesquisas de leve na web demonstram que no começo da guerra, os aviões eram muito frágeis, abatidos por umas duas ou três rajadas de metralhadora .50, talvez. Bem, no final apareceram aviões mais desenvolvidos, como o Fokker Dr. 1 e o Soptwith Camel, só para citar aviões dos dois lados. Então, em que ano a aviação mudou completamente durante a I guerra?

Primeiramente, os armamentos usados nos aviões durante a PGM eram padrão: 0,303" nos ingleses (Vickers, Lewis) o que equivalia ao calibre 7,7 mm; os franceses usavam metralhadoras inglesas ou metralhadoras Hotchkiss de igual calibre. Georges Guynemer adaptou, em caráter experimental, um canhão de 20 mm que disparava pelo cubo da hélice de um SPAD VII. A experiência não deu certo: o "coice" da arma fazia desestabilizar a mira além de encher o cockpit de fumaça...
Os alemães também usavam metralhadoras 7,92 mm Spandau, Maxim ou Parabellum. Os Austríacos usavam Schwarzlose de igual calibre.
Metralhadoras pesadas de .50" só foram desenvolvidas a partir da década de 30, não sendo usadas na aviação da PGM.
Com relação ao desenvolvimento, ela ocorreu gradativamente entre ambos os lados do conflito, sendo que o desenvolvimento do dispositivo sincronizador por Anthony Fokker um marco na aviação bélica, uma vez que permitia disparar pelo arco da hélice, normalmente na direção de deslocamento do avião atacante. Motores e demais aspectos tecnológicos foram sendo desenvolvidos alternadamente entre aliados e alemães e culminaram em aviões que podiam, ao final da guerra, voar a mais de 200 Km/h, com tetos de mais de 5000 m ou no caso de bombardeiros, carregar mais de 3000 Kg de bombas.

Valeu pela resposta. Quanto ao .50, estava fazendo apenas uma comparação Vlw msm!

Paranhos escreveu:
Quem inventou o defletor...

... foi um piloto francês em 1915, Roland Garros (ele mesmo do torneio de tênis). Ele percebeu que em torno de 10% das balas atingiam as pás da hélice. Ele adaptou defletores de aço nas pás da hélice de madeira do seu Morane Salnier L, com uma metralhadora do tipo Hotchkiss colocada sobre o capô. Desta maneira, em abril de 1915, Garros atingiu a condição de ás (5 vitórias).

ROLAND ADRIEN GEORGES GARROS (1888 - 1918)

Um dos maiores pilotos da história da aviação!

Morreu jovem, um dia antes de completar 30 anos. Depois de dois anos preso, fugiu e voltou à luta. Morreu logo depois.
O grande aviador também foi o iniciador da Força Aérea Brasileira, pois era muito amigo de Ricardo Kirk. Isso lá por 1912.