Mitologia Grega

— Ora, bem sei que mesmo tu duvidas disso, meu filho. Para que tu não tenhas mais dúvidas, pede algum presente e depois apresenta-o aos teus amigos. Juro-te, pelas águas do Estige, que te concederei qualquer favor que me peças.

Sem dúvida, Faéton já observara muitas e muitas vezes o Sol, na forma de uma bola de fogo, a percorrer os caminhos do Céu, dizendo para si mesmo com um sentimento misto de respeito e admiração: “É meu pai que por ali passa!” Dizia, sem compreender. Punha-se a imaginar como seria estar também naquele carro incandescente, dirigindo os corcéis ao longo daquela vertiginosa trajetória com a finalidade de levar a luz ao mundo. Agora, depois de ouvir as palavras de seu pai, esse sonho louco estava prestes a concretizar-se. Faéton respondeu, triunfante, mais do que depressa:

— Pois bem! Satisfaze ao meu desejo mais ardente: deixa-me conduzir, ao menos por um dia, o carro ardente do Sol. Não há coisa que eu mais deseje!

Ouvindo essas palavras, o deus empalideceu.

— Pede-me qualquer outra coisa, porém, isso não, meu adorado filho, pois poderá custar-te a vida!...

E despediu o filho, que, todos os dias, insistia em pedir:

— Por que não passas um dia em teu leito para variar, meu pai? Concede-me esta honra uma vez só.

— Tenho que esperar até que te tornes adulto e mais responsável. Aliás, nem mesmo Zeus alguma vez se atreveu a isso!

— Não, meu pai! Quero apenas esse favor... Tu juraste outro dia e não podes faltar ao teu juramento!

— Oh, filho! Quisera eu poder voltar atrás em minha promessa! Tu estás me pedindo algo para o que tuas forças não bastam; tu és jovem demais, e mortal! Tu almejas mais do que outros deuses são capazes de obter. Pois, além de mim, nenhum deles é capaz de equilibrar-se sobre o eixo incandescente. Nem mesmo Apolo. O caminho que minha carruagem percorre é íngreme, e só com muito esforço e experiência é que, ao amanhecer, meus cavalos são capazes de galgá-lo. O meio do caminho é bem alto, no meio do céu. E no final o caminho desce abruptamente, e precisa de uma condução segura. Até mesmo a deusa do mar, que me recebe em suas ondas, freqüentemente teme que eu despenque em suas profundezas. Terás de passar por feras e terríveis animais de rapina, que serão tudo o que terás para ver. Lembra-te de que o céu se move num ímpeto constante, e que preciso viajar em sentido contrário ao desse movimento circular. E como é que tu haverias de conseguir isso, mesmo se eu te emprestasse a minha carruagem? Por isso, querido filho, volta atrás em teu pedido enquanto ainda é tempo. Pede o que quiseres de todas as riquezas dos Céus e da Terra, mas não isso. Juro pelas águas do Estige que qualquer outra coisa te darei.

— Não há mais nada que eu queira. Se realmente sou teu filho, empresta-me o carro para que eu possa voar lá no alto do céu, tornar-me o Sol e iluminar o mundo, apenas por um dia. Todos me verão. Depois disso, ninguém mais ousará insultar-me.

— Tu és corajoso e destemido, meu filho, mas ainda és uma criança e vais perder a vida nessa tentativa. Será trágico para nós se te perdermos. Por isso, repito, pela última vez: ainda é tempo de mudares de ideia. Aqueles corcéis são impetuosos. Tu entrarás em pânico, vais te desviares do curso, e será o teu fim.

Faéton começou a chorar nos braços do pai e a implorar que cumprisse a palavra. Hélios começava a ceder... Mas endureceu repentinamente, mesmo que devesse cumprir com a promessa, pois tinha esperanças que seu filho desistisse dessa ideia.

Faéton foi ficando tão impaciente e mal-humorado — começou a atirar pedras nas janelas do palácio e a arrancar flores do jardim — que finalmente Hélios vociferou:

— Filho, pára com isso! Amanhã tu poderás conduzir os cavalos, mas aos meus cuidados.

Hélios, antes que a Noite se pusesse no horizonte, uma das Horas aproximou-se nervosa do deus solar.

— Hélios poderoso, já é hora de atrelarmos os corcéis de fogo à carruagem. Vê, Éos já está indo, e é preciso que teu carro flamejante seja preparado para partir.

A um sinal de Hélios, as Horas correram à gigantesca cavalariça, de cujo interior podia-se escutar os relinchos e o escoicear impaciente dos cavalos, que pareciam adivinhar que a hora de saída já havia chegado. E Hélios ordenou:

— Depressa, trazei os corcéis!

Faéton, eufórico, correu até a cavalariça. E esbarrou num dos cocheiros que escancarava a imensa porta.

— Para trás, garoto, cuidado!

Um dos cavalos arremessou-se para fora da estrebaria, preso apenas por um laço, enquanto o cocheiro divino forcejava para mantê-lo sob seu domínio. Os olhos do cavalo disparavam chispas, enquanto sua boca emitia um relincho ensurdecedor. De suas ventas largas saíam jatos de fogo que teriam reduzido Faéton a pó, se um dos serviçais não o tivesse afastado dali com sua mão potente.

Outros três cavalos, do mesmo porte e fúria, saíram das cavalariças com o mesmo destino. E Hélios ordenou às Horas que os atrelassem ao carro dourado, enquanto Hélios cobria todo o corpo do filho com um unguento sagrado, para que sua pele pudesse suportar as chamas ardentes. E o rapaz via que nada podia ser mais imponente do que aquela fabulosa máquina, que se assemelhava a uma enorme carruagem: o eixo, o timão e as rodas feitos do mais puro ouro, enquanto os raios das rodas eram todos prateados.

Em volta da cabeça colocou seus raios, mas suspirou e disse, num tom de advertência:

— Devagar com o chicote, filho; sê atento com as rédeas, pois os cavalos correm sozinhos, já estão acostumados, e é difícil controlá-los. Segue sempre em frente, sobre as marcas deixadas diariamente. E não sigas a estrada que leva diretamente às cinco regiões do Céu, mas afastando-se à esquerda verás claramente uma trilha por mim deixada. Não te inclines demais para baixo, senão haverá de queimar; não sobe alto demais, senão queimarás o Céu. Não olhes para baixo, jamais, para não ficares tonto. E, quando estiveres descendo, mantém as rédeas curtas para que o carro não despenque e se estraçalhe contra a Terra. E um último conselho: não chames a atenção de ninguém, pois ninguém, muito menos Zeus deve saber que não sou eu o áuriga do carro flamejante.

E disse exasperada ao deus solar uma das Horas:

— Não podemos esperar mais!



Hélios tomou o filho pela mão e conduziu-o à carruagem solar. O eixo e as rodas da carruagem eram de ouro, os raios das rodas eram de prata, e na canga reluziam pedras preciosas. Enquanto Faéton admirava o esplêndido trabalho, no Oriente fazia o seu percurso a Aurora. As Estrelas desapareciam com a Noite, assim como a Lua, irmã do Sol. E Hélios disse:

— Vamos, Faéton, a escuridão se dissipa, toma as rédeas nas mãos e pensa; mais uma vez, ainda é tempo. Deixa a carruagem para mim, deixa-me conduzir a luz à Terra e fica como espectador. À noite conversamos.

Hélios esperou a resposta, que foi silenciosa. E Hélios, muito perturbado, mudou de ideia:

— Ora vamos, Faéton, são inúteis todos esses conselhos! Deixa-me conduzir o carro. Estamos atrasados, e chegou a hora de iluminar a Terra: aí vem Éos. Desce, filho, pensaremos em outra prova melhor.

O jovem parecia nem ouvir as palavras do pai. Saltou sobre a carruagem, agarrou as rédeas cheio de alegria e agradeceu apressadamente o preocupado pai. Os quatro cavalos alados encheram o ar com relinchos fogosos e seus cascos bateram contra as barras. Tétis, a avó-materna de Faéton, que nada sabia do destino do neto, abriu os portões. Uma intensa luz rósea iluminou o caminho que Faéton deveria seguir. O mundo, em meio ao espaço infinito, estendia-se diante do olhar do jovem. O jovem Faéton se viu de pé sobre o esplendoroso carro, saudou o pai e passou a se exibir diante de suas irmãs mais moças, as Helíades.

— Filho, volta! Volta, Faéton!

E não obteve resposta, senão um breve aceno.

— Ah, mocidade imprudente! Como é atraída pelo desconhecido, a vasta abóbada celeste, a luz do Sol! Ai, como é injusto que alguém com tal ousadia de padecer nas escuras profundezas do reino de Hades!

O jovem Faéton não podia mais ouvir seu pai. Os cavalos começaram a galgar seu caminho, dissipando a neblina matinal que se encontrava à sua frente. O primeiro terço da jornada era aquele que exigia mais esforço dos animais, pois era uma subida íngreme; nesse trecho os cavalos deveriam erguer o carro até o ponto mais alto e ali procurar mantê-lo firme, sem se aproximar demais da Terra nem do Céu, para depois fazê-lo despencar-se nos abismos, na última quadra do dia. Faéton, percebendo a força dos corcéis, de início não teve muito trabalho para controlar o carro. O ar matinal ainda estava fresco e o orvalho caído durante a noite passava por sua pele e voltava à atmosfera como uma brisa úmida e refrescante. No entanto, antes de aderir às suas roupas, o orvalho já secava, devido ao calor tremendo produzido pelo carro flamejante, que se convertia numa bola de fogo. Os cavalos subiam ao céu, e a alegria do jovem semi-deus era indescritível. Épafos nunca, nunca mais, ousaria insultá-lo.

Esse detalhe, porém, não o preocupava mais, pois idéias mais nobres ocupavam sua mente, conforme o carro brilhante se afastava da Terra e os raios dourados do Sol davam luz, vida e calor ao mundo. E por alguns instantes, Faéton sentiu-se senhor do mundo. Terras, povos e nações desfilavam abaixo de seus pés, recebendo as benesses dos raios que seu carro emitia. E pensava:

— É realmente maravilhoso poder fazer o bem. Ah, se eu pudesse conduzir este carro mais vezes!

Absorto nesses pensamentos, Faéton perdeu a concentração, e os animais, percebendo que a carruagem estava mais leve e seu áuriga não sabia manobrar as rédeas direito, começaram a saltar e a corcovear para cima e para baixo, iniciando ainda que fora de tempo o dia, fazendo Sélene, sua tia, condutora do Carro da Lua, apressar-se e retirar-se mais cedo, ante os olhos aterrorizados dos deuses. Faéton estremeceu. Seus joelhos começavam a bater um contra o outro, e um frio no estômago produzia uma secura desagradável em sua boca. Não sabia como dirigir as rédeas, já não conseguia encontrar o caminho nem sabia o que fazer para domar os cavalos. Quando olhou para as terras, longe, lá embaixo, o infeliz empalideceu e começou a tremer. Olhou para trás: já havia percorrido um longo caminho, mas a maior parte faltava ainda. Sem saber o que fazer, ficou com o olhar fixo bem longe, sem soltar as rédeas e também sem puxá-las. Queria chamar os cavalos, mas não sabia quais eram seus nomes. Horrorizado, viu as Estrelas que fugiam e pretendeu a elas pedir ajuda, desviando-se totalmente do caminho. Voando de um lado para outro, ora subiam, ora desciam. E o céu passou a arder em chamas, e Faéton ficou sufocado com a fumaça. Até que os cavalos abandonaram as partes mais altas do céu, e voaram como um raio para baixo, em direção da Terra, como se fosse um meteoro, dissipando as nuvens.

— Por Zeus! Para baixo não!

A carruagem descia cada vez mais e, num instante, seu calor fez abrir o solo, secando os lençóis d’água, fazendo-o arder em chamas. As pastagens ficaram amarelas e murchas, as copas das árvores incendiaram-se, logo o fervor chegou à planície, queimando as colheitas, incendiando cidades, florestas e montanhas. Passando pela África, transformou a Líbia num deserto. No Nilótis (Egito), o rio Nilos, aterrorizado, refugiou-se nos confins da África e escondeu a cabeça, cuja nascente ainda hoje continua escondida, enquanto o Êufrates, na Ásia, fervia, e nuvens de vapor elevavam-se do mar. Este encolheu-se, fazendo aparecer outras terras antes submersas, inclusive abriram-se fendas que os ardentes raios penetraram nas mais escuras regiões do Reino de Hades. As mais altas montanhas foram as primeiras a queimar — o Ida e o Pélion, e seus bosques, o Hélicon também queimava, o Párnassos e seus dois altos picos, o imponente Âmiclas (Taígetos), e o Olimpo, cercado pelas nuvens. Os Olímpicos, apesar do calor que ardia, gelaram, viram árvores e relvas torrarem, já que o carro, descontrolado, passava rente à Terra. Até o titã Prometeus, acorrentado no cume do Cáucasos, mudou de cor repentinamente, enquanto as chamas dos bosques ameaçavam tocar seus pés. Tudo ficou em chamas: os bosques, os campos, as cidades, os cumes das montanhas, tudo ardia, formando imensa fogueira, fazendo surgir os desertos, especialmente na Ásia e na África. Cidades inteiras estavam ardendo em chamas.

— Por Zeus! O que fiz?!

Abandonando as cidades, o carro investia agora sobre os mares, levantando massas espantosas de vapor, que passavam pelo corpo de Faéton como uma chuva invertida e escaldante. O mar secava inteiramente, deixando à mostra, nas profundezas finalmente reveladas ao olho humano, uma quantidade incalculável de peixes que se debatiam, agonizantes, até que uma faísca mais intensa incendiava-os todos, até não restar mais nada além das cinzas dos cardumes mortos.

A pele de Faéton, a esta altura, já estava toda esfolada; seu rosto era uma máscara vermelha, e suas mãos cobertas de bolhas não podiam mais segurar as rédeas, que ardiam intoleravelmente em suas mãos. Poseidon, ao perceber a devastação que ocorria nos oceanos, resolveu subir até o Olimpo para pedir socorro a Zeus.

— Meu irmão, que calamidade é esta que assola a Terra e os mares? Que titã ousa desafiar-nos?

No mesmo momento, apavorada, a divina Géa limpou suas sobrancelhas chamuscadas e, asfixiada pela fumaça quente, abandonou as entranhas da Terra e rogou ao neto Zeus:

— Olha, Zeus! Não vês que o mundo inteiro está em chamas? Os Céus estão chamuscados de um extremo a outro. Se o Mar perecer, e a Terra, e todos os domínios do mundo, voltará a reinar o velho Caos! Faze qualquer coisa, pela segurança do mundo! Salva das chamas o que ainda resta, antes que seja tarde!

Zeus, então, convocou todos os deuses urgentemente para testemunharem que, se não se tomasse uma decisão imediata, tudo estaria perdido. Hélios foi chamado às pressas para dar explicações.

— O que estás fazendo aí, em vez de estar comandando a tua carruagem? Quem é o áuriga que conduz o carro dessa maneira?

— Foi a minha fraqueza, ó Zeus. Meu filho Faéton conduz o carro que a minha vil ingenuidade não soube impedir.

Poseidon cortou as explicações de Hélios e exigiu:

— Não há mais tempo a perder, fulmina-o, antes que o pior ainda se abata entre nós!

Zeus apressou-se para chegar ao zênite, tomou de um raio na mão direita e ameaçou Faéton:

— Pára com essas brincadeiras estúpidas, menino!

— Meus cavalos estão fora de controle, majestade!

Foi quando que Faéton viu a sua frente um garotinho que brincava sozinho; estava trajeto da carruagem de fogo. Faéton não conseguia controlar as rédeas e não teria tempo de evitar mais uma tragédia. Zeus, então, como última providência, teve que fulminar Faéton com um raio, e este foi atirado para fora do carro. Assusta dos, levantaram as cabeças e lançaram seus corpos de fogo para o alto, salvando a vida do garotinho. E Faéton, com os cabelos em chamas, foi cair num rio da Hespéria, como uma estrela cadente. Os cavalos, ao perceberem que estavam livres do inexperiente áuriga, amansaram-se e seguiram normalmente o seu percurso. Deram a volta pelo céu e foram, depois, descansar nos estábulos da Noite.

No dia seguinte, o brilhante Hélios não apareceu no céu. Ficou chorando por seu filho, que quisera voar alto e fora destruído por não acreditar que não tinha força suficiente para fazê-lo. Mas, no fundo, o grande deus estava orgulhoso, pois, embora Faéton estivesse morto, sua lembrança permaneceria para sempre no coração dos homens, pois havia sido corajoso e destemido.

Clímene estava inconsolável. Procurou freneticamente o corpo de Faéton, até que encontrou seu cadáver às margens de um rio, na Hespéria, e ali chorou, desesperada, pelo filho que jogara a vida fora.

As Helíades, irmãs de Faéton, cujos nomes eram Dióxipe, Etéria, Febe, Hélia, Mérope, Egle e Egíale (filhas de Clímene), e ainda Lampécia e Faetusa (filhas de Neera), puseram-se ao lado da mãe, choraram tanto a sua morte, dias seguidos, por quatro meses sem parar, que Zeus transformou-as em choupos (salgueiros). Elas enraizaram-se ali, com os galhos tristes pendendo às margens do rio, para que suas lágrimas, transformadas em âmbar, caíssem nas águas do rio. Desde então, essas árvores são chamadas de chorões. E o rio em que havia caído e morrido Faéton passou-se a chamar de Erídanos (o futuro Pó, na Itália).

As Náiades daquela terra depositaram seu corpo num túmulo e nele gravaram o seguinte epitáfio: “Aqui jaz Faéton: Na carruagem de Hélios ele correu; e, se muito fracassou, muito mais se atreveu”.

Cicno, filho de Estênelos e parente de Faéton, era rei dos lígures, quando aconteceu toda a desgraça causada pelo descuidado trajeto do Sol, e lamentou-se amargamente pela perda de seu melhor amigo, fulminado pelo rei dos deuses. Chorou tanto no túmulo de Faéton, que os deuses transformaram-no na ave que levou seu nome desde então: cicno, “cisne”. E o deus Apolo dotou-o de voz melodiosa.

FIM

Este mito relaciona-se provavelmente com a série de catástrofes naturais ocorridas durante o Período Mesolítico da Pré-História (10.000 a 8.000 a.C.), depois da descoberta do fogo (apresentado por Prometeus aos homens, na pessoa de Foroneus) e dos dilúvios de Ógiges e Deucálion.

Levando em conta o mito de Foroneus, que existira antes de Pandora ter aberto a ânfora de Prometeus, a margem de erro poderia ser considerável, mas ainda pré-histórica, remetendo o mito de Faéton ao Período Neolítico (8.000 a 4.000 a.C.), época do desenvolvimento da agricultura (através dos ensinamentos da deusa Deméter), o início da metalurgia (criada por Hefaístos) e da formação do Estado (mais o menos a Geração de Prata).

Coincidentemente, a 4.400 a.C., registra-se a domesticação do cavalo (apresentado por Poseidon ao rei Cécrops). Segundo consta, Cécrops reinou em Cécropis (Atenas) na época do Dilúvio de Deucálion, que, por sua vez, ocorreu anos antes do mito de Faéton.

Concluindo: será que o Dilúvio, baseado nos dois últimos parágrafos acima, ocorreu no final da Pré-História, no Período Neolítico, há um pouco mais de 4.000 a.C.?

A REDE DE HEFAÍSTOS

Hefaístos, apesar de ter Afrodite como esposa, procurava ainda se aproximar de Atena, a quem havia desejado desde seu nascimento. Aliás, Atena sempre foi muito desejada, por deuses e Titãs, mas ela rechaçou-os. E um dia, Poseidon, aborrecido por ter levado um fora, teve a infelicidade de contar a Hefaístos:

— Atena está interessada em ti, ferreiro. Aproveita que ela deseja ampliar o arsenal bélico e aproxima-te dela. Se lhe deres um presente...

Hefaístos, ouvindo estas palavras, animou-se, e ele mesmo decidiu fabricar as armas e dá-las de presente a Atena. Fabricou para ela um dardo, um escudo, um elmo e uma bela armadura. Ao terminar o seu trabalho, foi procurá-la na Cecrópia, donde era sua protetora. Atena quis pagar por seus serviços, mas recebeu esta resposta:

— Fiz este trabalho por amor.

Atena não entendeu bem o significado dessas palavras, já que desconhecia os dons de Éros. Acabou por concluir que o deus Hefaístos amava o seu trabalho. Porém, o deus-ferreiro colocou-se-lhe na frente e quis dar os passos necessários. Mas a deusa, percebendo as suas intenções, as recebeu de maneira tal que lhe tirou qualquer desejo de recomeçar. O pobre Hefaístos ficou aborrecido, e mostrou-se saber dispensá-la, resolvendo então fecundar a Terra, boníssima criatura, que o aceitou apesar das mãos negras. E era desta forma que os atenienses preferiam acreditar. Porém, a verdade foi outra: Hefaístos tentou violentá-la, e ela se desvencilhou no momento em que o deus ejaculava precocemente, e o sêmen caiu sobre a coxa da deusa. Ela, mais do que depressa, limpou o sêmen com um pedaço de lã, que atirou longe com asco; a lã caiu no chão, indo fecundar a Terra.

— Nunca! Atena é e sempre será virgem! E esse é o seu nobre desejo. A criança é filha de Hefaístos e da Mãe-Terra!

Dessa união nasceu Eriteus, mas, pela sua origem, o povo começou a chamá-lo de Erictônios, “nascido da Terra”, destinado a reinar sobre os atenienses, que pretendiam também, por um laço qualquer, prender-se ao deus do fogo, que presidia às indústrias metalúrgicas.

Revoltada em ter o filho que Hefaístos tentara fazer em Atena, Géa declarou que não aceitaria essa responsabilidade:

— Muito bem. Cuidarei disso eu mesma!

Géa, ou Ctônia, a Mãe-Terra, decidindo não criar a criança, temendo as zombarias de Poseidon, e não pretendendo abandoná-la como uma víbora ou um verme qualquer, foi procurar Atena e deixou-lhe a criança aos pés dizendo:

— Esta criança é tua, menina! Era tu e não eu que Hefaístos queria como esposa. Portanto, cuida dela tu mesma!

A deusa concordou.

— Sim, cuidarei!

E, apanhando o bebê, levou-o para o seu santuário, colocou-o num cesto redondo e pôs-se a cantar para adormecê-lo. Junto dele, Atena pôs uma serpente sagrada para protegê-lo contra os perigos.

Mas, apesar de todo o seu bom coração, não conseguia livrar-se de suas preocupações guerreiras, e, estando a galgas a Acrópole levando o cesto, notou que a sua cidade não estava bastante fortificada do lado ocidental. Por isso, entrou na casa do senhor Cécrops, o rei, que tinha três filhas, Pândrose, Aglaura e Herse, e, confiando-lhes o cesto, muito bem coberto, disse a Aglaura:

— Toma conta deste cesto para mim. Não digas a ninguém que eu o entreguei e, aconteça o que acontecer, não deves abri-lo. Se abrirdes, quaisquer de vós, um grande mal vos perseguirá para sempre!

Sua intenção era evitar que alguém soubesse que iria criar o filho de outra mulher.

E acrescentou:

— Virei buscá-lo antes da Noite chegar.

Imediatamente, sem mais detalhes, partiu em busca de uma montanha que julgava necessária para a fortificação da cidade.

Herse, Pândrose e Aglaura moravam na Acrópole, a serviço de Atena. Sua casa tinha três aposentos, e no do meio morava Herse. De vez em quando, Hermes, o deus-mensageiro, vinha espiar as três enquanto carregavam na cabeça as cestas sagradas de Atena numa procissão solene e acabou se apaixonando por Herse, a mais jovem.

Porém, antes do por-do-Sol e do regresso da deusa Atena, retornando do festival, Hermes subornou Aglaura para lhe dar acesso a Herse, por quem estava violentamente apaixonado. Aglaura aceitou o ouro de Hermes, mas nada fez para merecê-lo, pois Atena a havia feito sentir ciúmes da boa fortuna de Herse; assim, Hermes transformou Aglaura em pedra e teve sua vontade atendida por Herse. No entanto, Hermes sentiu-se injuriado e quis com um toque do Caduceu mágico transformá-la também numa imagem de pedra, mas o Destino já tinha preparado para ela um trágico fim, e Hermes deixou-a em paz. Herse deu a seu divino amante, segundo diziam os atenienses, um formoso filho, chamado Céfalos, e outro chamado Cérix, o primeiro antepassado da família dos Kerukes, os “arautos” dos Mistérios de Elêusis.

Aglaura e sua filha Herse, então, impelidas pela curiosidade, pretenderam abrir o cesto, não obstante as censuras de Pândrose, que aconselhara aguardar o regresso de Atena. Mal haviam erguido a tampa, uma serpente saiu debaixo dos lençóis e ergueu-se ameaçadora. A simples visão do réptil foi suficiente para aterrorizar Aglaura e Herse. Assustadas, saíram correndo desorientadas e acabaram despencando da Acrópole, indo morrer esmagadas nas rochas do abismo. Mas uma gralha, alva como a neve, que tudo vira, foi contar o fato a Atena, que já segurava a montanha entre os braços, no meio da cidade, e que muito surpresa, deixou-a cair ao chão, originando o monte de nome Licábetos. Atena correu até a criança e, pegando-a nos braços, levou-a até seu templo e ali pessoalmente passou a criá-la. E a serpente seguiu-a.

O susto de Atena fez a gralha branca mudar de cor, tornando-se negra, e assim ficaram todas as gralhas depois dela. E nunca mais essas aves voltaram a habitar a Acrópole. Ao invés, as corujas passaram a merecer a simpatia dos atenienses, e seus grandes olhos passaram a simbolizar a sabedoria e a reflexão.

A deusa concebeu tal afeto por Pândrose, que não somente lhe confiou a educação do pequeno Erictônios, como também exigiu que Pândrose, após a morte, recebesse as honras divinas dos seus compatriotas. O que haveria de acontecer quando Erictônios se tornasse rei. E Cécrops, o filho legítimo da Terra, foi o primeiro a reconhecer a paternidade. E adotou o novo ser.

A REDE DE HEFAÍSTOS

Afrodite, de posse do presente mágico de Hefaístos, tornava-se incrivelmente sedutora e irresistível. A deusa não conseguia permanecer fiel, deixando-se levar pelos encantos de Hermes, de cuja união nasceu Hermafrodites, de dupla natureza.

Áres, o deus da guerra, foi de muitas formas um deus repelido, pois estava associado aos conflitos e ao derramamento de sangue, sendo que Zeus e Atena nutriam nenhuma simpatia por ele, principalmente por causa de sua força bruta e falta de refinamento. As mulheres que ousavam rechaçar seu amor terminavam sendo violentadas brutalmente, pois Áres partia para a conquista amorosa como se marchasse para a guerra: confiando em sua força. Entretanto, Afrodite, a deusa do amor, ironicamente não pensava da mesma forma e, impressionada pela beleza e pelo vigor do jovem guerreiro, não conseguiu deixar de compará-lo com o marido, o deus-ferreiro Hefaístos, doente e aleijado, e apaixonou-se pelo deus-guerreiro.

E foi imediatamente correspondida. Para obter seu amor, Áres, abandonou suas atitudes brutais. Aproximou-se oferecendo-lhe seu corpo perfeito. Disse-lhe palavras de afeto. Deu-lhe muitos presentes. Áres, sem o menor escrúpulo com relação à ausência do marido de Afrodite, maculou o leito matrimonial do casal. Enquanto Hefaístos trabalhava sem descanso em sua forja, durante a noite, ora em Lemnos, ora no Etna, Áres visitava clandestinamente a sensual amante.

Sentiam-se felizes. Mas um só problema podia atrapalhar os amantes: Hélios, o Sol, uma divindade que adorava revelar os casos mais secretos. Para evitar ser descoberto, Áres, cada vez que visitava a sua amada, punha de guarda um jovem gênio de segunda ordem, chamado Aléctrion, seu confidente. Assim, enquanto se deleitava nos braços de Afrodite, o amigo vigiava a porta do palácio com a missão de adverti-lo no momento em que o Sol apontasse no horizonte.

Uma noite, o fiel guardião, exausto e aborrecido por tantas noites mal dormidas, deixou-se entregar ao Sono. O dia amanheceu, claro e formoso. Aléctrion não viu nem passar Éos com seus dedos róseos anunciando o novo dia. O Sol despontou e surpreendeu aos amantes, que dormiam abraçados.

Hélios, indignado pela traição ao deus amigo, foi em busca de Hefaístos e lhe contou o que havia visto. Hefaístos, descobrindo o adultério, agradeceu ao amigo e, sentindo-se envergonhado e humilhado, planejou sua vingança. Em segredo, forjou uma rede muito fina, quase invisível, tal qual a teia da aranha, mas muito forte, que nem mesmo um deus poderia rompê-la, e pendurou-a sobre o leito onde os amantes costumavam se encontrar. Já a havia utilizado antes, prendendo sua mãe Héra ao trono, e só a libertou com a promessa de lhe entregar Afrodite como esposa.

Ao terminar sua obra, foi ao encontro de Afrodite. Ocultando seu ódio e sua tristeza, sem mais explicações, foi despedir-se da esposa:

— Querida esposa, vou passar alguns dias em Lemnos, minha ilha favorita. Tenho muito trabalho a fazer. Espero que não te aborreças.

— Oh, não, meu esposo! Eu fico muito feliz. Gostaria muito de acompanhar-te, mas tenho os deveres de nosso lar. Não te apresses em voltar, pois tomarei conta de tudo sozinha, com muita dedicação. Esperarei ansiosa pelo teu regresso.

E seguiu para mais uma noite de trabalho.

Áres, ao cair da Noite, apenas viu distanciar-se Hefaístos, correu para os aposentos de sua amante. Encontraram-se e se abraçaram para mais uma vez bem-sucedidos. Amaram-se muito. Depois dos prazeres do sexo, saciados e cansados, os dois adúlteros caíram no sono, despreocupados, já que tinham Aléctrion como seu aliado. Mas Hefaístos, secretamente, voltou um pouco mais cedo e expulsou Aléctrion a pontapés. Em seguida, chamou todos os deuses para que servissem de testemunhas do adultério de sua esposa e Áres. Hefaístos regressou, seguido dos demais deuses. Hélios surgiu no horizonte, estendendo seus longos braços à Terra. Áres e Afrodite, nus, acordaram, de repente, pela claridade que irritavam seus olhos, e viram-se emaranhados, presos numa rede quase invisível e indestrutível.

Parado no umbral da porta, Hefaístos chamou:

— Pai Zeus e todos os demais deuses, vinde a ver uma cena ridícula e intolerável! Por eu ser coxo e desprovido de beleza, Afrodite me cobre continuamente de desonra e prefere o pernicioso Áres, que é belo e tem membros sãos! Eu, porém, sou aleijado. A culpa, todavia, não é minha, mas de meus pais, que nunca me deveriam ter gerado. Vinde a ver este lamentável espetáculo: como dormiram um nos braços do outro em meu próprio leito. Mesmo que muito se amem, não creio que desejem ficar aí para sempre. Vão desejar sair, mas a armadilha que preparei os reterá, até que meu sogro, que é meu pai, decida me devolver todos os presentes que lhe dei pela sua imprudente filha. Tu és belíssima, Afrodite, mas não tens decência, pois não consegues dominar teus raptos passionais. Por isso, eu hei de desposar outra deusa mais digna, que certamente Zeus me concederá.

Os deuses acorreram, mas as deusas, por um senso de delicadeza, não foram presenciar tal cena. Apolo, cutucando Hermes, perguntou ironicamente em voz baixa:

— Tu não ias achar ruim estar no lugar de Áres, apesar da rede, não é mesmo?

— Não... não mesmo! Nem que fossem três vezes mais redes, e com todos os deuses olhando.

E os dois riram estrondosamente. Afrodite não gostou nenhum pouco da resposta de Hermes, encarou-o irada, mas manteve-se calada, pois já havia tido um caso com ele, inclusive um filho, que teve que ocultar.

Zeus estava tão enojado, que se recusou a devolver os dotes de casamento, ou a interferir. Posseidon, que de vez em quando ia instalar-se no Olimpo, querendo ser útil diante dessa situação, fingiu simpatizar com Hefaístos:

— Já que Zeus recusa ajuda, vou conseguir com que Áres, como preço de sua libertação, pague o equivalente aos dotes em questão.

Hefaístos coçou a barba e respondeu:

— Isso é muito bonito. Mas se Áres não pagar, tu vais ter de ficar em seu lugar sob a rede. Deves te comprometer.

— Não penso que Áres vá deixar de pagar. Mas se ele o fizer, estou disposto a pagar e me casar eu mesmo com Afrodite.

A deusa olhou o velho deus da cabeça aos pés, e não achou-o nada mal. Chegou a desejá-lo, mas acordou com os gracejos dos demais. Afrodite, toda nua, numa posição parcialmente humilhante, passava por ser alvo da cobiça de cada deus presente. Afinal, era a única deusa que ali se encontrava.

Hefaístos estava decidido mesmo não soltar os dois amantes, mas Apolo conseguiu convencê-lo através de um juramento: que Zeus lhe daria por esposa uma de suas filhas Cárites: Aglaia (que havia quem acreditasse que era uma filha do amor entre Zeus e Afrodite, sua filha adotiva). Hefaístos, contente com a esposa que teria, aceitou e libertou-os. Afrodite, envergonhada, se retirou para Cipros, no Oriente, e Áres foi para a Trácia a fim de esquecer a humilhação entre os ardores da guerra. Porém, antes de partir, castigou o pobre Aléctrion, que, por esquecer-se de seu dever, havia provocado toda aquela situação. E transformou-o numa ave, que hoje chamamos de galo, condenado para sempre a advertir os homens da chegada de um novo dia, sempre que o sol desponta no horizonte.

A paixão do deus da guerra jamais foi suplantada pela vergonha, e meses depois de sua união com Afrodite nascia uma filha, Harmônia, cujas características seu nome sugeria, a “harmonia”, e que veio para estabelecer uma ligação equilibrada entre o amor e a paixão. No entanto, segundo a gente da Samotrácia, Harmônia era filha de Zeus e Electra, e havia-se tornado esposa de Cadmos.

Áres e Afrodite tiveram também os filhos Éros (o Amor), Ânteros (o Amor dividido), Foibos (o Medo) e Deimos (o Terror), todos resultantes da harmonia entre o Amor e a Guerra.

Um tempo depois, enquanto se banhava nas praias de Cipros, Afrodite recebeu a visita de Poseidon, e, agradecida pela intervenção que tivera em seu favor, a ele entregou-se, e deu-lhe um filho chamado Herófilos.

Afrodite, uma ninfomaníaca incontestável, uniu-se em segredo com Dionisos, mas a deusa Héra, desconfiada com a intensa dedicação de seu marido Zeus para com a jovem deusa, recém-chegada, imaginou fosse sua nova amante. Temendo que, se da mesma nascesse um filho com a beleza da mãe e o poder do pai, deu um soco no ventre de Afrodite. O resultado foi que nasceu um ser com um membro viril descomunal. E Afrodite, com medo de que seu filho e ela própria fossem ridicularizados pelos deuses, abandonou o filho numa alta montanha, onde foi encontrado e criado pelos pastores. E deram-lhe o nome de Príapos. Ao crescer, haveria de se tornar o jardineiro do Olimpo.

Depois disso, Afrodite, vencendo o Orgulho, ao entregar-se a Dionisos, olhou para os homens da Terra, e procurou amantes entre eles. Primeiro foi Faéton, filho de Céfalos, por quem se apaixonou, mas cedeu caminho para a deusa Éos. Depois foi a vez de Adônis, o filho de um incesto. Na mesma época, Afrodite apaixonou-se por Píeros, com o qual teve o filho Jácintos. Em seguida, abandonou-o e voltou para os braços de Adônis, que começava a ignorá-la por amor à caça, tendo que disputá-lo com a deusa Perséfone. Ao perder Adônis para sempre, acabou por deitar-se com Anquises, um homem de Tróia, do qual teve dele um filho, Enéias, a quem deu proteção.

FIM

Alquimistas com Irineu Filaleto e Fulcanelli tinham esse mito em alta conta; Isaac Newton também, como foi comprovado nos seus cadernos de apontamentos de Alquimia.

Esta permite ao homem gerar “teias” de uma beleza fascinante, semelhante à que Newton preparou na “vegetação metálica” do antimónio e cobre. Numa visão alquímica da mitologia greco-romana, ela reproduz essa “teia” muito fina e quase invisível que Vulcano, marido de Vénus, construiu à volta de seu leito matrimonial, quando nele surpreendeu a esposa em flagrante delito com Marte: uma “teia” metálica muito fina, mas muito bela, a pender do teto, através da qual todo o Olimpo podia ver e testemunhar o delito em que Vénus e Marte haviam sido apanhados. Todos o sabemos, para os alquimistas, o cobre é Vénus, o ferro é Marte e Vulcano é o fogo. Os três elementos fundamentais da “vegetação metálica”.
https://www.uc.pt/rualarga/revistas/arquivo_revistas/rualarga15

O MITO DE PAN

Segundo uma tradição antiga,quando um pequenino deus recém-nascido estava prestes a servir de alimento ao pai Cronos, Réia conseguiu subtrair o filho da insaciável gula. Chorando, a bela Réia passou a criança para os braços de Géa envolta num lindo tecido branco. Géa o abraçou com todo o carinho. Auxiliada pelo esposo Úranos, que anteriormente havia sido humilhantemente castrado por Cronos, correu até uma gruta secreta do Egéon, nos montes Dicte, numa bela ilha chamada Creta, na terra dos homens, um lugar escondido no coração da floresta. Lá chegando, escondeu o menino num canto aconchegante. Em seguida, confiou a guarda do menino ao pastor Olimpos, filho do velho rei Crés, que encarregou uma ninfa, Amaltéia, filha de Melisseus (ou Melidasseus), o rei de Lictos, para cuidar da criança, e logo, suas irmãs, Adrastéia e Ida, ajudaram a criá-lo e alimentá-lo, longe dos olhos de Cronos, nutrindo-o com leite de cabra, propriedade de Olimpos. Logo juntaram-se a elas outras Ninfas, Cinossaura, Énoe, Hagno, Neda, Mélite, Idótea, Ega e Hélice.

Ao menino, as Ninfas deram o nome de Zeus, já que era o deus por excelência. Ele foi criado junto com Pan, um sátiro da raça dos Sêmones. Diziam ter nascido da união entre Éter e a ninfa Ênoe, ou talvez fosse mais um dos filhos de Cronos e Réia, ou então um dos antigos filhos de Úranos e Géa, pertencendo à raça dos Titãs.

Amigo de infância de Zeus, Pan teria sido convidado às suas núpcias com Héra e recebera de presente do rei do Olimpo o domínio sobre os bosques e as campinas, tornando-se ele o deus mais venerado entre os gênios que infestavam essas regiões, especialmente entre os pastores da Arcádia.

Porém, pelas tradições mais correntes, muito tempo depois, o deus Hermes, filho de Zeus, pretendendo se unir a Penélope, uma ninfa da região do monte Cilene, na Arcádia, fê-la dar à luz um menino, ou algo assim, com chifres, pelos abundantes e pernas de bode. E tal criatura provocou certa comoção em sua mãe, assustadíssima com tão esquisita conformação, que abandonou-o e fugiu.

E Hermes, encontrando-o só e chorando, tomou-o no colo, rejubilante; pretendeu apresentá-lo aos demais deuses, e levou-o enrolado na pele aveludada de uma lebre. Depois, apresentou-lhes o menino. E todo o Olimpo desatou a rir, e deram-lhe o nome de Pan. Levou este nome por ser um ente indefinido, que reunia espécies múltiplas, o que para todos constituiu objeto de diversão.

Porém, sendo o menino alvo constante de sarcasmos e humilhações, Hermes resolveu levá-lo ao alegre séquito de Dionisos, que, ao vê-lo, desatou a rir, mas este o acolheu amorosamente. De fato, os integrantes do grupo riram da aparência estranha e dos gestos engraçados de Pan, mas divertiram-se com ele e o receberam de braços abertos. Então, Dionisos lhe deu de presente um sem-número de cães de caça, que ele, mais tarde, cederia alguns à deusa Ártemis. E, impaciente para que seus dons concorressem numa prova esportiva, ela caçou a luz de tochas.

No entanto, vivendo com seus amigos nos campos da Arcádia, guardando rebanhos, manadas e colmEias, tomava parte nos festins das Ninfas da montanha e ajudava os caçadores, mas, no geral, era calmo e preguiçoso, não gostando de nada mais que seu descanso, e vingava-se daqueles que perturbavam seu sono com um berro repentino que os assustava.

Porém, acerca do nascimento de Pan, como sendo filho de Hermes, seria pouco provável, já que Sileno, filho de Pan, estava ligado ao mito do roubo das reses do deus Apolo, que ocorrera assim que Hermes saíra do berço. Mais conveniente seria considerar Pan um deus tão antigo quanto Zeus.

Certo dia, quando Deméter já estava quase desanimando na árdua busca por sua filha Core, avistou um rebanho de ovelhas. E sobre um rochedo perto, nada menos que Pan, o deus dos pastores, que diziam ser irmão de criação de Zeus. Pan soprava uma flauta e as ovelhas pareciam ouvi-lo com encantamento. Tinha chifres, orelhas pontudas e peludas e pés de bode. Deméter, vendo que aquele ser era respeitado até pelos deuses, renovou suas esperanças.

Aproximou-se, agoniada. Contou da sua tragédia. Pan tratou-a carinhosamente, oferecendo-lhe leite e mel. Pan sabia que Deméter era irmã de Zeus e era tratado com respeito pelos demais deuses, tanto que podia até entrar no Olimpo quando quisesse, sem ser barrado. Só que, infelizmente, nada pôde informar à deusa sobre o paradeiro de sua filha desaparecida...

Certo dia, os deuses do Olimpo não tiveram tempo para comemorar a vitória sobre os gigantes Alóades, pois descobriram que tinham pela frente um outro pavoroso inimigo. Tudo isso acontecia porque Géa ficou zangada com Zeus e os demais Olímpicos, pois ainda guardava rancor em favor de seus filhos, os Titãs, que pelo menos quatro deles ainda se encontravam aprisionados no Tártaros. A Mãe-Terra, com a derrota de seus filhos, fez uma última tentativa para se livrar da supremacia dos Olímpicos. Para vingar-se, Géa concebeu do sombrio Tártaros mais um filho, monstruoso e infatigável: Tífeo, gigantesco dragão alado de cem cabeças de asno, com línguas negras, lançando fogo pelos olhos. Da cintura para baixo, tinha o corpo recamado de víboras. Seus urros semelhantes aos do leão ou do touro furioso ecoavam pelas montanhas como tempestade. Por onde Tífeo passava, deixava para trás um rastro de furacões destruidores. Em tamanho e força excedia a todos os outros filhos que tivera. Era mais alto que as Montanhas. Diziam que, logo que nasceu, foi ocultado num antro da Cilícia e vigiado pelas serpentes Délfines.

Quando viram aquele horrível monstro se aproximando, os deuses do Olimpo, mal recuperados da guerra, ficaram apavorados e fugiram para a África, para diferentes lugares do Quemit (o Egito), aonde se camuflaram na forma de animais para não serem descobertos pelo gigante: Zeus disfarçou-se em carneiro, Héra em vaca, Apolo em corvo, Poseidon em cavalo, Ártemis em gata selvagem, Áres em peixe, Hefaístos em boi, Hermes em grou, Dionisos em bode, e assim por diante. Eles nunca viram monstro mais horrendo, e perderam a coragem de lutar, pois era Tífeo o Terremoto personalizado. Essa passagem fez surgir a crença egípcia nos diversos deuses antropozoomórficos e zoomórficos. Só Atena se recusou a fugir. Chamando Zeus de covarde, ela afirmou que sentia vergonha de ter que admitir ser sua filha.

Zeus enrubesceu, retomou o aspecto divino e foi ao encontro de Tífeo. Zeus lançou contra o monstro, de longe, golpes de raio, sem conseguir derrubá-lo, até chegarem à luta corporal. E, sem o menor remorso, atacou-o com o alfanje de fio de diamante, o sílex. Ao ser ferido, Tífeo urrou de dor e alçou vOo. Zeus, porém, continuou perseguindo-o, e a luta mais uma vez fez a Terra estremecer.

Por onde Tífeo passava deixava a marca da destruição. Os pés-de-vento e os furacões por ele produzidos destruíam tudo. Florestas inteiras foram arrancadas, gigantescas rochas despencaram do alto das montanhas e ondas do mar da altura de penhascos varriam tudo por onde passavam.

Nessa perseguição, Zeus e Tífeo chegaram à Síria. Ali, o monstro abrigou-se em uma baía, nos limites do Quemit (o Egito) com a Arábia Pétrea, exatamente na região do monte Cássios, e a luta recomeçou violenta. Até que Zeus lançou um raio em Tífeo, ferindo-o no ombro. Com um grito de dor, Tífeo conseguiu, com sua cauda de serpente, agarrar Zeus. Tomando-lhe o alfanje com fio de diamante, deu-lhe uma surra que o deixou todo gravemente ferido, depois o monstro cortou-lhe os tendões das mãos e dos pés e arrancou-os. Agora, sem forças, o poderoso deus caiu por terra.