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Mitologia Grega

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Hermes Trismegistus
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 01:23

Nada parecia perturbar o majestoso silêncio daquele lugar. A Natureza inteira parecia muda, ainda que viva, já que o Vento lá não podia entrar. Apenas uma chuva fina caía e murmurava. Os pássaros, que por lá apareciam, não piavam nem anunciavam o nascer do dia, porque não havia o dia. Era uma noite eterna. No entanto, uma vez por mês, uma ligeira pátina azulada recobria tudo como um véu muito fino, por um período muito breve de tempo; neste momento a Noite tomava uma sutilíssima refração amarelada, produto de alguns raios esmaecidos do Sol que erravam feito aves douradas perdidas nos céus cimérios — único reflexo do dia que conseguia penetrar naquelas regiões umbrosas.

Lá, Íris encontrou Hipnos reclinado num macio leito de penas negras, sobre um suporte feito de um ébano lustroso, envolto em penumbras e cortinas escuras. Ao seu redor estavam os Sonhos, belos e confortadores, e, bem mais afastados, os Pesadelos, tétricos e assustadores; todos dormiam. Íris chegou pela curva do seu caminho de sete cores, e de imediato a luminosidade de suas vestes iluminou a casa sombria. Os Sonhos e os Pesadelos, espavoridos, puseram-se a correr em todas as direções, metendo-se em baixo do leito, pulando as janelas para outros quartos escuros, ou simplesmente agachando-se com as pavorosas mãos e asas a recobrirem os olhos. Nem assim o deus abriu seus olhos turvos de sonolência. Mas sentiu sua presença. Ergueu os olhos opacos, deixou a cabeça cair para trás várias vezes, balançou-a, e finalmente a reconheceu, falando como um bêbado:

— Ah, és tu, Íris...

E deu um gigantesco bocejo e uma bela espreguiçada, que chegou a abalar o reino.

— Que mensagem me trazes?

E Íris, depois de se certificar que Hipnos estava acordado, passou-lhe as ordens de Héra:

— Héra mandou-me aqui. A deusa do Olimpo ordena que envies um sonho a Alcíone, em Tráquis, na gloriosa Hemônia, revelando-lhe a morte...

Deu um bocejo.

— do marido...

Deu outro bocejo.

— que ocorreu num trágico...

E mais um bocejo.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 01:24

— naufrágio. Como é monótono aqui...!

Íris sentia o sono contagioso que, só em olhar para Hipnos, provocava. Por isto, tratou de dar cumprimento à sua missão e de ir dando logo o fora daquele lugar, temerosa de que se deixasse também, definitivamente, contagiar por toda aquela sonolência.

Hipnos, então, despertou seu filho, muito hábil em assumir a forma que quisesse:

— Morfeus, acorda!

Mas Hipnos sabia, no entanto, que despertar Morfeus não era tarefa fácil. Precisou usar muita paciência — e de muitas ameaças — para retirar o filho de seu aconchegante leito. E transmitiu-lhe as ordens da rainha do Olimpo. E Morfeus partiu. Enquanto isso, Hipnos, como se não dormisse a dias, recostou-se novamente sobre o seu travesseiro, espichou-se de lado em seu espaçoso leito e cobriu de novo sua orelha com os pesados cobertores.

Com suas asas silenciosas, Morfeus, portando a papoula mágica, voou pela escuridão até encontrar-se junto de Alcíone, e fê-la sentir-se cansada e dormir. Em seguida, foi-se juntar a ela , sobre seu leito, e assumiu o semblante de Cêix. Alcíone via-o nu, com água a escorrer-lhe pelo corpo, a curvar-se sobre o leito.

— Pobre esposa! Olha, é teu marido que aqui está! Reconheces-me, ou estará meu rosto alterado pela Morte? Morri, Alcíone. O teu nome estava nos meus lábios quando fui tragado pelas águas. Para mim, não existe mais esperança alguma, mas, para que eu desça para o Reino das Sombras sem ser chorado, concede-me ao menos as tuas lágrimas. Veste-te de luto e deixa que tuas lágrimas corram para que eu não precise ficar errando nos Ínferos sem alguém que chore por mim!
Em seu sonho, Alcíone rompeu em soluços, estendeu os braços, tentando alcançá-lo, e gritou:

— Não! Fica! Para onde vais? Espera por mim! Quero acompanhar-te!

E acordou com seu próprio grito. Assustada, olhou ao redor, para ver se o marido ainda estava ali, mas só viu os criados que, alarmados por seus gritos, haviam acorrido, trazendo os archotes. E começou a delirar:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 01:24

— Vi-o exatamente ali! Sei que vi! Estava implorando piedade! Zeus, mostra-me a verdade!

Não encontrando o marido, Alcíone esmurrou o peito como se o apunhalasse e fez em tiras suas vestes.

— Cêix está morto! E com ele a minha razão de viver!

Alcíone correu para uma das janelas e, avistando no horizonte, ao longe, as nuvens negras da tempestade sobre o mar, ficou convencida:

— Está morto, sei que está, e em breve morrerei também. Como eu poderia ficar aqui enquanto o seu corpo é arrastado pelas ondas do mar?

E, virando-se em direção do mar, gritou:

— Não te abandonarei, meu esposo! Não quero mais viver!

Todos tentavam convencê-la de que tudo não passara de um sonho, mas Alcíone não queria discutir.

— Basta! Cêix naufragou e está morto! Eu o vi! Não pude tocá-lo, e isto é mais uma prova do que afirmo, pois ele veio a mim como uma sombra. Sim, era ele, estou certa disso! Quantas vezes eu o alertei! Por que não me ouviste, meu Zeus adorado?

O sofrimento impediu-a de continuar, e jogou-se novamente ao leito para chorar, até que a Aurora de róseos dedos viesse abrir as cortinas ensolaradas de um novo dia.

Enquanto o radiante Hélios apontava no horizonte montanhoso, Alcíone, esgotada de chorar, vestiu sua melhor veste e foi para a praia, em busca do promontório onde havia ficado até vê-lo partir. E falou consigo mesma:

— Enquanto ajustava os apetrechos do navio, ele me deu aqui o último beijo.

Revendo cada objeto, ela se esforçava para relembrar todos os incidentes, contemplando o mar. Enquanto olhava fixamente para o mar, viu que alguma coisa foi-se aproximando cada vez mais, até que percebeu tratar-se de um corpo à deriva. Enquanto boiava lentamente em sua direção, observou-o com o coração cheio de piedade e horror. Embora sem saber de quem se tratava, como era o corpo de um náufrago, Alcíone ficou profundamente comovida e derramou lágrimas copiosas, exclamando:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 01:25

— Ah, desventurada esposa, se tens esposa!

Acompanhando com seus meigos olhos, viu o corpo de seu amado sob seus pés, no vai-e-vem das ondas que batiam ferozmente contra as rochas.

— Oh, adorado marido, é assim que retornas?

Alcíone ficou desesperada; lançou-se do alto do rochedo ao mar para salvá-lo. Pelo menos quis dar no amado seu último abraço apaixonado para morrer em sua companhia. Mas os Imortais apiedaram-se e não permitiram que morresse e deram-lhe asas, que rapidamente voou em direção ao corpo do marido, lançando estridentes gritos de dor. Quando se aproximou do corpo, bicou-o em sua boca e subiu outra vez para os céus, lançando novos gritos de dor. E o Olimpo foi generoso, e também Cêix foi transformado em um belo pássaro marinho, e ambos, todos os anos, passariam a construir um ninho flutuante e, felizes, vagariam eternamente pelos belos mares da Hélade. Foram transformados nos pássaros que foram chamados martins-pescadores. E o amor que sempre os unira manteve-se inalterável.

Tais aves, até hoje, se acasalam pela vida inteira e, quando um deles morre, o sobrevivente tenta matar-se do mesmo jeito que Alcíone fez. Os martins-pescadores põem ovos durante o inverno, mas para os filhos nascerem os dias devem ser ensolarados, sem que soprem os ventos gelados. Conta-se que, desde o tempo de Alcíone, no meio do inverno, Éolos fecha os Ventos para que sua filha e os outros martins-pescadores possam levar suas ninhadas para lugares seguros.

FIM
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 01:27

ÉDIPOS E O ORÁCULO DE DELFOS

Com o passar do tempo, Édipos tornou-se um homem de valor, junto da realeza coríntia, como herdeiro da casa de Sísifos e Glaucos. Enquanto isso, Laios havia perdido o poder e teve que abandonar Tebas e entregar a regência provisória a Créon, filho de Meneceus, a fim de procurar auxílio contra um monstro alado que havia invadido Tebas chamado Esfinge.

Porém, enquanto Édipos crescia, superior em força aos demais, estes, malévolos, ameaçavam-no com comentários sobre não ser filho legítimo de Pólibos. Inclusive, durante um dos banquetes no palácio, um jovem que havia bebido demais perturbava e zombava de Édipos de maneira desrespeitosa, como se não soubesse que tinha diante de si o herdeiro do trono de Sícion; Édipos respondeu iradamente às provocações do jovem e o ofendeu na frente de todos. O rapaz, então, retribuiu o ultraje com palavras ainda mais ofensivas:

— Bastardo! Enjeitado! Pensas que és filho de Pólibos?!

— Homem com cara de cão! O que me dizes? Vais pagar por isso, insolente!

E aplicou-lhe um murro, que o derrubou. Édipos, levantando repentinamente os olhos para encarar os demais, viu que o olhavam com desconfiança. E foi o início de uma persistente insônia, que passou a lhe acompanhar.

Apesar de Pólibos ter-lhe assegurado que era seu pai, Édipos, querendo sanar suas próprias dúvidas, foi ter com sua mãe, Peribéia, que dela nada conseguiu. Assim, decidiu-se finalmente a viajar para Delfos e consultar o Oráculo de Apolo.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 01:27

Achegando-se à entrada do santuário, Édipos leu uma das tantas máximas inscritas na entrada: “Conhece-te a ti mesmo”, que lhe pareceu apropriada...

Quando se viu diante da Pítia, fez sua pergunta disposto a aceitar qualquer que fosse a resposta que o deus lhe daria. Mesmo que lhe dissesse que era filho de um humilde mendigo. O Oráculo não revelou quem eram seus pais verdadeiros, mas contou-lhe a Pítia a que estava destinado:

— Abandones este lugar, amaldiçoado! Em regresso à tua Pátria, ocuparás o trono que te é destinado, depois de matares teu pai e te casarás com tua mãe, e terás dela filhos que serão odiados por deuses e homens!

Horrorizado e tão chocado ficou, que esqueceu completamente suas próprias dúvidas sobre seus pais, deixou Delfos resolvido a nunca mais retornar a Sícion, onde viviam Pólibos e sua esposa, pois pensava que realmente fossem seus pais.

No caminho para Tebas, enfrentou e matou Laios, sem saber ser seu pai, derrotou a Esfinge (cuja tarefa o transformaria em rei) e casou-se com Jocasta, sem no mínimo suspeitar fosse sua mãe, pois, logo ao nascer, Édipos fora abandonado e encontrado por pastores, que o levaram a Pólibos, o rei de Corinto.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 02:32

O mito de Bóreas e Orítia

Havia uma raça imortal pertencente à casta dos Titãs, que morava nas ilhas Eólias, entre a Itália e a Sicília, e tinham Éolos, filho de Hípotes, como rei. Eram os Ventos, e chamavam-se Lips, Zéfiros, Euros (ou Argestes), Notos, Córos (ou Círon), Apeliotes, Cécias e Bóreas, também conhecido por Odrísios. Cada um deles representava e presidia uma região da Terra e seu clima, árido ou úmido, sereno ou tempestuoso, quente ou frio. E suas funções eram controladas por Éolos — pai de seis filhos e seis filhas —, conforme o consentimento e a vontade dos deuses do Olimpo.

Naquele tempo, quando o gelado Vento Norte soprava com rajadas fortes, as pessoas diziam que decerto algum mortal havia novamente irritado Bóreas, o deus alto e de longas asas que morava em um castelo branco no alto das montanhas da Trácia.

O castelo de Bóreas era majestoso e imponente. O deus vivia o tempo todo lá dentro. Mas quando ficava irritado, ele saía de seu palácio de gelo e, levado por suas poderosas asas, sobrevoava as casas dos homens provocando nevascas, tempestades e tormentas de neve à sua passagem.

Bóreas, porém, nem sempre estava irritado e violento. Ele também era sossegado e paciente.

O tempestuoso Bóreas deu demonstração de sua paciência quando Erictônios, rei de Atenas, prometeu que lhe daria a mão de sua filha Orítia como esposa. A verdade é que Erictônios não ficou muito feliz em dar sua palavra porque ele não queria que sua filha se casasse. Ele já havia encontrado marido para suas filhas Prócris e Creúsa, mas queria que Orítia vivesse solteira, sempre ao seu lado. Assim, Erictônios jamais consentia que jovem algum visse Orítia. Nem sequer permitia que ela saísse do palácio. Por isso, da janela de seu quarto, Orítia viu apenas o céu e nada mais. Era quase certo que ela jamais se casaria e que viveria para sempre ao lado do pai e quem amava profundamente.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 02:33

Numa certa tarde de verão, quando Orítia abriu a janela para entrar um pouco de ar, um gostoso ventinho acariciou-lhe o rosto e brincou com seus cabelos dourados. Orítia respirou o ar puro e seu belo rosto sorriu para o céu.

Exatamente naquele momento, Bóreas passou voando pela janela e viu a princesa suspirando. Imediatamente, o deus alado apaixonou-se e foi afagar seu rosto e agitar seus cabelos sedosos, e, sem perder tempo, foi até Erictônios pedir-lhe a mão da filha em casamento. Bóreas queria levá-la para viver no palácio de gelo.

Era difícil para um mortal recusar a mão de sua filha a um deus, mesmo quando esse mortal era um rei. E era mil vezes dizer não a Bóreas. Isso porque ninguém resistiria à fúria daquele que comandava os Ventos mais violentos, e caso o rei negasse o pedido, a desgraça poderia cair-lhe sobre a cabeça.

Erictônios ficou com medo de proferir uma resposta negativa. Por outro lado, ele não queria que a filha fosse embora. Por fim, fingindo-se de contente, respondeu:

— Terei imenso prazer em dar-te a mão de minha filha, Bóreas, e estou muito honrado pelo fato de tu teres vindo à minha presença. Entretanto, peço-te que me dês algum tempo para que Orítia pense no assunto. Afinal, minha filha está acostumada a viver sozinha com os pais... e eu não sei como ela vai reagir ao pedido.

— Fico contente que tu concordes, ó rei. Embora eu preferisse levar a princesa comigo agora, dou-te o tempo que pediste. Voltarei dentro de um mês.

Depois de um mês, Bóreas voltou.

— Tudo vai indo muito bem, ó deus. Eu já convenci minha filha, mas agora ela precisa de mais um pouco de tempo para preparar-se. Não fica bem ir embora de casa, assim de uma hora para a outra. Tu me entendes, não?

Para dizer a verdade, Bóreas não entendeu. Entretanto, resolveu ter paciência e esperou mais um mês.

Quando Bóreas retornou ao palácio, Erictônios disse:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 02:33

— Está tudo pronto. Eu já a preparei para a viagem, e tu podes levá-la imediatamente. Mas acontece que a mãe dela ficou doente, e Orítia morreria de tristeza se tivesse de ir embora, deixando a mãe nesse estado. Tu compreendes a minha situação, não compreendes?

Bóreas não compreendeu coisa nenhuma e começou a suspeitar que havia alguma coisa errada. Contudo, mais uma vez concordou e foi embora sem levar Orítia.

Quando Erictônios viu que Bóreas era compreensivo, ficou mais confiante. Mas confiante demais. Portanto, quando o deus voltou, o rei lhe disse mais uma vez:

— Olha, nós conversamos longamente a respeito do assunto e, como já te disse antes, nada há que impeça o casamento. Ao contrário, considero uma grande honra que tu te cases com minha filha. Porém, venho pensando muito a respeito e gostaria de dizer-te algo para teu próprio bem. A verdade é que tu estás apaixonado por uma princesa jovem demais. Não achas que seria melhor esperar que ela crescesse mais? Assim seria mais fácil que ela se adaptasse melhor à situação de esposa, companheira e mãe de teus filhos. Volta daqui um ano ou dois, e tornaremos a conversar. Não vai me dizer que durante esse tempo encontrarás outra jovem e te esquecerás de Orítia, hein?

Feliz da vida, achando que o convencia, deu-lhe umas palmadinhas nas costas. Só então Bóreas percebeu de tudo o que estava acontecendo. Era claro como a luz do dia... Erictônios não pretendia entregar-lhe a filha, e o pedido de que esperasse mais tempo era apenas uma armadilha.

Apesar de sentir-se terrivelmente indignado, o deus do Norte controlou-se e não permitiu que a menor expressão mostrasse em seu rosto o que estava sentindo no coração imortal.

— Muito bem, eu voltarei daqui uns tempos!

Com a alma fervendo de raiva, Bóreas foi embora, e subiu bem alto, até as nuvens. Erictônios o havia insultado, e o deus não suportava a ideia de perder Orítia.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 02:34

— O que Erictônios pensa que eu sou? A culpa é toda minha porque perdi tempo ouvindo todas as desculpas que ele me apresentava. Sou capaz de erguer a tempestade que arranca pelas raízes carvalhos de com anos, que esmaga altíssimos ciprestes; eu que transformo as ondas do mar em verdadeiras montanhas; eu que posso dobrar a Terra à minha vontade, fazendo cair neve mansa ou verdadeiros ciclones, que transformo água em pedra! Eu, de cuja fúria todos os homens morrem de medo... eu fui humilhado por Erictônios! E como se isso não bastasse, continuo de mãos cruzadas, implorando-lhe favores como se eu fosse um mortal comum! Nunca! Eu e ninguém mais é quem vou resolver isto! Pois bem, tomarei Orítia à força, e ela será a minha esposa!

Ditas essas palavras, Bóreas bateu com força suas gigantescas asas. No mesmo instante, uma violenta tempestade de neve caiu sobre a Terra, e uivando como um louco, o Vento Norte provocou uma devastação à sua passagem. Com uma fortíssima rajada, o vento atingiu o palácio de Erictônios e abriu-lhe todas as portas. E no meio da ventania estava Bóreas com uma força que não havia quem o conseguisse segurar. Assim, envolvendo Orítia em seus braços, como uma águia, carregou-a direto para o céu.

Pouco depois, o vento serenou, e a Terra voltou à paz. A fúria de Bóreas transformou-se em amor, e o poderoso deus protegia sua querida em um terno abraço enquanto voavam para a longínqua Trácia.

Houve uma maravilhosa festa de casamento e, assim, Orítia tornou-se a senhora do palácio de gelo que pertencia ao mais poderoso deus dos Ventos. Com o tempo, ela teve vários filhos, entre os quais Hémos (que reinou sobre a Trácia), Zetes e Cálais, e ainda quatro filhas, Cleópatra, Quínoe (a Neve), Laxo e (????). Os gêmeos Zetes e Cálais haveriam de se tornar, no futuro, os mais célebres de seus filhos.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 02:34

Erictônios havia deixado a Terra e foi-se juntar aos Astros, formando parte da Constelação do Boieiro. Então, subiu ao trono seu filho e sucessor Pandíon. Era um homem rico, possuía muitos vinhedos, plantações de oliveiras e culturas de trigo. Este casou-se com uma bela náiade, Zêuxipe, que lhe deu dois filhos gêmeos, Erecteus e Butes, assim como duas filhas, Procne e Filómele.

A DISPUTA PELA TRÁCIA

Bizas e Estrombos nasceram da união entre Poseidon e Céressa, a filha de Io, portanto eram sobrinhos de Épafos, o rei de Nilótis (o Egito). Nasceram na Trácia, não muito longe do Bósforo, e cresceram rivais. Ao tornarem-se adultos, Bizas e Estrombos brigaram pela posse do território que dava para o Bósforo. Bizas venceu a disputa e expulsou o irmão daquela terra.

Para tirar todas as suas dúvidas do que deveria fazer em seguida, construir uma cidade e encontrar prosperidade, como fazia a maioria dos reis da época, foi para Delfos consultar o Oráculo de Apolo, que pela boca da Pítia lhe disse:

— A cidade que buscas está em frente dos cegos.

Bizas, com a ajuda de Poseidon, seguindo as ordens do Oráculo, conduziu uma colônia de megareus para o leste e chegou ao extremo da Propôntida, um pouco ao norte de onde havia travado um duelo com seu irmão Estrombos. E, donde estavam, via-se um povo do outro lado do estreito, na parte asiática.

— Serão eles os cegos?
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 02:35

Certo de que estavam no lugar onde os deuses o haviam mandado, fundou às margens do Bósforo, na Propôntida, uma próspera cidade: Bizâncio (mais tarde chamada Constantinopla, e hoje chama-se Istambul).

Hémos, filho de Bóreas e de Orítia, e sua esposa Ródope, foram marcados pela ira de Zeus por terem ousado exigir do povo trácio que os adorassem sob os nomes de Zeus e Héra. Hémos era soberano da Trácia e, como tal, decidiu invadir a nova cidade que surgia, Bizâncio, e tentou conquistá-la. Mas Bizas, o rei, expulsou-o e a seus exércitos para o interior do seu país de origem, deixando Bizâncio aos cuidados da rainha Fidaléia, sua esposa.

E, encurralado sobre os montes Nisa, Bizas tirou-lhe a vida. E toda cordilheira passou a chamar-se Hémos (hoje Balcãs). E a ninfa Ródope, ao saber da morte do marido, suicidou-se, e a montanha vizinha de Hémos passou a levar seu nome. Hémos e Ródope deixaram órfão um filho, Hébros, que breve haveria de ocupar o trono de seus pais. E Ródope deixou também um filho, que tivera do deus Apolo; chamava-se Cícon, e estava destinado a reinar sobre os cícones da Trácia.

Na ausência de Hémos e seus exércitos, Bizâncio foi atacada por Estrombos e seu aliado Odrises, rei da Cítia. Mas a cidade foi salva, desta vez por Fidaléia, a rainha, que atirou no campo inimigo grande quantidade de serpentes, causando-lhes pânico e morte.

FIM
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 05:14

FÍLEMON E BÁUCIS

Numa montanha da terra da Frígia, hoje se vê um carvalho milenar e, perto dele, uma tília igualmente antiga; ambas as árvores são cercadas por uma mureta baixa. Não longe dali fica um lago raso e pantanoso. Fílemon e Báucis, velhinhos, em tempos remotos, contemplavam deslumbrados o Sol que se escondia atrás de uma colina distante. Estavam na soleira da cabana humilde em que sempre haviam vivido, pobres, mas felizes, na época em que o célebre Prometeus cumpria o injusto castigo imposto por Zeus, o senhor do Olimpo. Tinha sido toda uma vida longa de amor e de pequenas e grandes alegrias, nunca turbada por um simples desacordo. Viviam um para o outro, viviam ambos para os outros. O amor que se dedicavam desdobrava-se em amor ao próximo. Nunca ninguém lhes batera à porta, pedindo ajuda ou conselho, que não fosse acolhido como um filho. Nunca um viajante maltrapilho, nas longas caminhadas daquele tempo em que não havia muitos meios de transporte, lhe pedira um copo de água ou um pedaço de pão, que não fosse convidado para a mesa rústica onde os dois faziam suas frugais refeições.

Era uma cabana, coberta de palhas e de juncos, mais hospitaleira que as mansões mais ricas. Dela guardavam os viajantes fatigados lembrança melhor que de muitas propriedades de grandes haveres. Era o milagre constante do pão que se repartia com amor, do púcaro de leite que se dividia com alegria, do bago de uva que distraía a fome de terceiros. Tinham pouco. A vaquinha para o leite fresco e o queijo bom. Algumas árvores para os frutos, parreiras antigas, que estendiam sua ramagem pela cabana tranquila, apenas o suficiente para a alimentação imediata ou para troca por outros produtos de plantadores vizinhos, que variavam seu modesto almoço ou honrado jantar.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 05:15

Sua única riqueza era o Sol que iluminava os campos, fecundava a terra, fortalecia a pequena plantação. O Sol vestia de azul um vale de incomparável beleza que se abria aos seus pés, rodeado de montanhas, vale de terras férteis, um presente dos deuses. Dizia-se até que em tempos muito antigos o vale de agora fora um lago calmo, cheio de peixes. Mas isso era história muito antiga, da qual restavam confusas e vagas memórias. Dele ficara apenas o chão rico de húmus, terra fértil que dava bons frutos sem esforço maior.

Nem por isso os moradores do povoado que havia no côncavo do vale pareciam gratos aos deuses que lhes haviam preparado solo tão generoso e acolhedor. Viviam a lutar entre si, rezingando e lutando, sempre hostis, e a sua hospitalidade era particularmente voltada para os forasteiros. Ai do viajante que atravessasse o povoado e pedisse um bocado de pão ou um trago reanimador do vinho bom que suas uvas geravam. Era sempre repelido com ódio, por entre insultos e risadas. As próprias crianças eram estimuladas a proceder assim com os estrangeiros. Só os cães recebiam com festa os homens de fora.

Zeus, um dia, estando ocioso no Olimpo, chamou seu filho Hermes e disse:

— Vem, vamos dar uma volta e testar a hospitalidade dos mortais.

Hermes, que adorava perambular no mundo dos humanos, concordou jubiloso. Já estava saindo junto com seu pai, quando o deteve:

— Espera, Hermes, devemos nos apresentar como pessoas comuns. Vamos mudar nosso aspecto.

— Por que, pai? Não queres testar os mortais para ver como nos tratam?

— Não sejas tonto, filho. Se nos apresentarmos como deuses, obviamente que seremos bem recebidos por todos.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 05:15

Hermes concordou de novo e, após desfazer-se das sandálias aladas, pôs-se a caminhar, mas o pai segurou-o e fez um sinal para que se livrasse também do elmo. Hermes retirou-o da cabeça e fê-lo sumir usando seus truques de agilidade e rapidez. Depois, seguiu junto com o pai, mas ocultou de seus olhos o Caduceu. Tão logo chegaram à Terra, começaram a percorrer as estradas da Frígia, como pobres andarilhos. Em alguns instantes estavam suados e cobertos de pó, coisa rara de se ver.

De repente, avistaram uma bela casa de campo. Bateram à porta por um longo tempo, até que surgiu do alto de uma janela o seu morador, que gritou:

— O que há, vagabundos?

Hermes adiantou-se.

— Somos viajantes, bom amigo, e precisamos descansar.

— Ide embora!

E fechou a janela.

Os dois viajantes entreolharam-se, desgostosos com seu primeiro insucesso, e partiram sem nada dizer. Era um dia quente e úmido, e o Sol estava exatamente acima de suas cabeças, que só observava. Enquanto retomavam seu caminho, Hermes tentava acalmar a ira de seu pai, que já preparava para lançar naquela casa um de seus terríveis e vingativos raios.

— Calma, pai! Não podemos tomar como exemplo um único caso. Tentemos aquela outra casa, lá adiante.

De fato, um pouco mais além havia uma outra casa, um pouco menor de que a anterior, mas muito bem cuidada. Os dois andarilhos chegaram à porta e outra vez prepararam-se para pedir abrigo.

— Vê, pai, parece que há aqui alguma festa, pois ouve-se um alarido de risos e de pratos. Certamente nos convidarão a participar.

Zeus, no entanto, tinha um ar cético.

Hermes, temendo o pior, antes de bater à porta passou a manga de sua túnica esfarrapada pelo rosto, a fim de melhorar o seu aspecto. Enquanto isso Zeus já tomara a frente e esmurrava a porta. Depois de quase pô-la abaixo, viu surgir um rosto gordo e inchado.

— Pois não, senhores!

Zeus recuou com o forte hálito do infeliz. E Hermes tomou o seu lugar.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 05:16

— Boa tarde, meu bom homem. Nós somos viajantes, e o Sol inclemente impede que prossigamos nossa jornada. Poderíamos fazer aqui nosso descanso e uma breve refeição, para que possamos renovar nossas forças?

— Desculpai, mas não posso receber-vos agora. Minha filha casa hoje e estou recebendo agora os meus convidados.

Mas o bêbado, tomado por um acesso brusco de generosidade, chamou a criada e disse-lhe:

— Mulher, traz um prato com alguma coisa para estes dois aqui! Anda logo!

Depois, virando as costas, sumiu-se de novo para o interior da casa. Um bom tempo depois, a criada, abrindo uma fresta na porta, passou para eles um pequeno prato, com as sobras ajuntadas de dois ou três convidados.

— Deixai o prato aí e dai o fora!

Mas, ao introduzir o prato no estreito vão, ela o inclinara de tal modo que virara no chão a metade das sobras. Cinco ossos com alguns nacos de carne era tudo o que restava da estreita generosidade daquela alegre e festiva casa. Hermes ainda os estudava, na esperança de encontrar algo que pudesse revelar-se como um sinal de autêntica generosidade, sem ousar erguer os olhos para seu colérico pai, que fervia de ira. Zeus, por sua vez, depois de mirar com fúria aquele lugar, partiu, procurando de qualquer modo controlar o seu gênio.

Já havia passado metade da tarde, e o Sol se preparava para descer do céu, quando chegaram à porta de uma terceira casa. Esta, embora modesta, parecia ainda a salvo da Miséria. De dentro de suas paredes escapava o ruído contínuo e vigoroso de um sopro, como se um grande fole trabalhasse ali sem trégua. Hermes bateu à porta uma, duas, dez vezes. Um murmúrio fez-se ouvir de uma das janelas, ao alto. Uma sombra por detrás da cortina revelava que alguém espiava, desconfiado. De repente, porém, liberta do medo, a pessoa afastou, de par a par, os dois panos. Era uma mulher, que segurava um lençol à frente do seu torso nu.

— Que desejais, mendigos?

Ante a rudeza das palavras da mulher, que, impaciente, ajeitava os cabelos, entreolharam-se, em dúvida.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 05:17

A mulher irritou-se e, com ar distraído, deixou cair a proteção que cobria seu corpo.

— Vamos lá, que tenho mais o que fazer!

Às suas costas, uma voz masculina disparou um desaforo. E Hermes respondeu:

— Só queremos um pouco de repouso e algo para comer!

A mulher, virando-se, num tom de deboche, disse:

— Eles querem repouso!

Um homem surgiu, então, por detrás dela e disparou outro desaforo aos dois andarilhos, fechando em seguida, com estrondo, a janela. Zeus e Hermes tiveram de seguir novamente o seu caminho sob o ruído estridente do fole que voltava a funcionar no interior da casa.

Fílemon e Báucis contemplavam o por-do-Sol, encantados com a cor avermelhada que se estendia pelo céu, quando ouviram, subindo do vale, a algazarra feroz, misturada de ladridos e bater de caixas, que anunciava, seguramente, a chegada de algum forasteiro naquelas paragens.

— Ouve, Báucis... Algum desconhecido deve estar no povoado.

— E com certeza teve a infelicidade de estar com fome e pediu agasalho e comida...

— É triste, Báucis. Tomara que nunca os deuses prestem atenção na maldade desses homens... Seria o fim de tudo.

— Tens razão. O castigo poderia ser grande.

Os latidos e os gritos foram diminuindo.

— É... o forasteiro deve ter fugido. Só Zeus pode dizer em que estado. Ai de quem passar pelo povoado. Nunca entendi essa gente. Afinal, eles vivem num vale riquíssimo, onde não há árvores estéreis, onde todas as colheitas são grandes, onde a terra dá, de sobra, para uma população duas ou três vezes maior.

Dizia isso quando avistou, no subir da colina, dois viajantes mal trajados.

— Olha, Báucis. Está ali a explicação daqueles gritos. Foi por causa deles. Foram eles os perseguidos. Pelo traje se vê... Não tinham dinheiro para pagar.

— Vê, Fílemon, como eles parecem cansados. Talvez estejam feridos. Devem estar quase morrendo de fome. Temos alguma coisa para os infelizes?

— Não sei, querida. Nós já ceamos. Vê se resta ainda alguma coisa...
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 05:18

Enquanto a velha Báucis entrava na cabana, curvada ao peso dos anos, Fílemon se ergueu e fez um gesto para os forasteiros, saudando-os:

— Olá, amigos!

Os desconhecidos tiveram um momento de hesitação. Acabavam de passar por uma dura experiência. Zeus adiantou-se um pouco, e Hermes, um pouco mais atrás, apenas o observava, sem acreditar em mais nada.

Mas Fílemon continuava a acenar. E Zeus disse-lhe:

— Boa tarde, meu senhor... Somos dois andarilhos e gostaríamos...

— Vinde, amigos. Achegai-vos...

Nunca os vira antes. Eram dois estranhos, pareciam bondosos, um bem mais velho, de olhar dominador, mas cordial; o outro, bastante jovem, tipo brincalhão e divertido, embora ambos apresentassem provas de haver passado maus momentos na aldeia. O mais jovem perguntou:

— Podemos mesmo chegar? Olha que eu tenho cisma com cães... Um deles arrancou-me um pedaço da túnica.

— Eu não tenho cães. Vinde.

O mais alto, de voz grave e olhar imponente, embora sujo e rasgado, desceu o olhar pelo vale.

— Gentinha de maus bofes...

— Infelizmente são assim. Talvez mudem um dia.

— Para pior.

E completou o mais novo, passeando o olhar divertido pelas redondezas:

— Se não levarem antes uma boa lição.

Fílemon não deixou de estranhar o jeito do moço. O mais velho estava apenas coberto de poeira e maltrapilho. Não trazia nada que chamasse a atenção. O mais novo, além do olhar travesso, possuía coisas esquisitas. Um capacete encimado com duas pequenas asas e na mão um bastão, em torno da qual subiam duas cobras esculpidas, que pareciam de verdade, ou melhor, que pareciam vivas! Mas o que mais impressionou Fílemon foi a sua vivacidade. Ele não andava, propriamente, parecia flutuar, nem tocar os pés no chão. E pensou:

— Que roupa estranha...! Seria um arauto de algum país longínquo?

E falou ao mais moço, sorrindo:

— Eu também fui assim, quando jovem. Mas, mesmo na juventude, quando as caminhadas eram longas e o trabalho duro, a uma hora destas eu já estava num trapo, mal me aguentava em pé!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 05:18

— É que não tinhas um caduceu como este. Ele torna leve a caminhada mais longa. Este é excelente, faz milagres!

Só então Zeus, que se encontrava muito irritado, é que reparou que Hermes tinha na cabeça seu elmo alado e portava o Caduceu. De fato era o caduceu mais interessante que Fílemon já vira. Ele era feito de oliveira e tinha também um par de pequenas asas que o tornavam muito original.

O velho Fílemon apontou-lhes um tronco de árvore que servia de banco:

— Sentai-vos, amigos. Báucis, minha mulher, foi ver se arranja alguma coisa para comerem...

Os dois forasteiros entreolharam-se. O moço estendeu o corpo no troco e aconteceu uma coisa maravilhosa. Deixara o caduceu no chão; este se ergueu, de repente, e abrindo suas asas, foi, meio voando, meio saltando, se encostar à parede da cabana. Ali ficou, quietinho, enquanto as duas serpentes se retorciam. Fílemon viu aquilo, mas pensou que era ilusão dos seus olhos cansados. Aliás, uma pergunta do viajante mais velho, na sua grave e estranha voz, o distraiu:

— Não havia aqui, em tempos antigos, no lugar onde está a aldeia, um grande lago?

— Não no meu tempo. Quando eu nasci, e lá se vão quase oitenta anos, já havia o vale e a aldeia. Nem meu pai, nem o pai de meu pai viram coisa diferente. E com certeza vai ser sempre assim, quando o velho Fílemon e a doce Báucis já estiverem mortos e esquecidos, e desejaríamos que isso acontecesse no mesmo dia...

O visitante mais velho retrucou:

— Achas que a gente desumana tem o direito de continuar vivendo?

Fílemon percebeu a expressão dura e castigadora do estranho. Mas foi, automaticamente, distraído pela vivacidade e a graça do mais moço. E achando nele muita graça, falou:

— Esqueci de perguntar, meu rapaz. Como é o teu nome?

— Se preferires, chama-me de Vivacidade.

— O próprio.

— É, mas, pensando bem, Vivacidade é nome de mulher. Prefiro que me chames de Azougue, está bem?

— Está bem. E esse senhor?
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 05:19

Fílemon olhou com respeito para o mais velho. Porém, o mais novo respondeu:

— Pergunta ao primeiro trovão que reboar por aqui. Não há voz bastante doce para pronunciá-lo. E tu, como te chamas? Conta-nos a tua história.

— Não tenho muito para contar. Minha história é simples, sem importância, apenas boa, porque vivo pelo amor ao próximo. Não tenho queixas da vida. Nem da Morte, se esta for tão boa que leve a mim e a minha esposa juntos para o Reino das Sombras. Meu nome é Fílemon, e o de minha mulher é Báucis.

— És um bom homem, Fílemon, e tens uma excelente companheira. Está aí um desejo que merecia ser ouvido...

— ... e realizado.

Assim completou a voz serena e grave do mais velho.

Báucis apareceu à porta da cabana, suave e gentil, mas preocupada. Preparara alguma coisa para comer, mas muito pouco e muito simples. Não estavam prevenidos.

— Infelizmente a nossa pobreza não nos permite receber, como gostaríamos, os necessitados que às vezes nos procuram...

Fílemon completou:

— Aqui, o que existe, mesmo, é boa vontade. O resto é tudo muito humilde... Vinde e sentai-vos à mesa.

Os dois estranhos sorriram com simpatia. Entraram encurvados na cabana, pois eram muito altos e suas cabeças raspavam no teto. E, com o melhor apetite, sentaram-se à mesa. Imediatamente Fílemon tirou suas sandálias e serviu-lhes duas bacias com água para que refrescassem os pés. Para comer, havia um pequeno cântaro com um pouco de leite, um pedaço de bom pão preto e algumas frutas e um pouco de repolho. E nada mais. Pobreza era o que realmente havia na cabana de Fílemon e Báucis. Porém, sobrava um coração alegre e um desejo grande de servir:

— Que leite saboroso! Jamais provei melhor!

— E uvas soberbas! São muito deliciosas!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 05:19

Fílemon e Báucis ouviam os elogios de coração apertado, pois acreditavam que eles estivessem elogiando por educação ou porque estavam mesmo com muita fome. A refeição não ia bastar. E foi exatamente o que aconteceu. O jovem viajante mal tomou o seu copo de leite, voltou-se para Báucis:

— Está delicioso! Tem um pouco mais?

Ela baixou os olhos.

— Se ainda ficou alguma coisa no cântaro, deve ser muito pouco. Eu bem que disse a Fílemon: devemos pensar, sempre, nos que têm ainda menos que nós...

Fílemon confirmou:

— É... às vezes nos esquecemos dos outros.

O viajante mais moço disse-lhe:

— Dá-me o cântaro.

Báucis, envergonhada, estendeu-lhe o vaso.

— Está quase vazio.

E ficou muito espantada de ver que, inclinando o cântaro para o púcaro, dele saiu leite bastante para enchê-lo até a boca. Mais admirada ficou quando o jovem tomou o púcaro vazio do ancião seu amigo e encheu-o também de leite rico e tentador. Báucis disse com ar de espanto:

— Não estou entendendo...

Fílemon julgou entender:

— Esse moço deve ser ilusionista.

E enquanto os dois, agora, teciam louvores ao favo de mel que Báucis lhe oferecia e tornavam a repetir e elogiar o leite do cântaro, Fílemon examinou-o, curioso, para saber o que realmente acontecia. No fundo, ainda restava um dedinho de leite. Mas este começava a subir, como leite fervendo na panela e tão tentador que Fílemon não resistiu. Quis mesmo se certificar se não era ilusão. E eis que nunca, em toda a sua vida, havia provado nada melhor...
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 05:20

E os dois viajantes não cessavam seu apetite. Isso preocupou seriamente aos anfitriões, que não sabiam mais o que lhes oferecer. Por isso, pediu-lhes perdão por sua medíocre hospitalidade. No entanto, ocorreu-lhes que lá fora, costumava visitar-lhes um ganso, e resolveram sacrificá-lo. Os dois se apressaram em sair, mas o ganso era mais rápido do que os dois velhinhos. Grasnando e batendo as asas, escapou dos velhos ofegantes, fazendo com que corressem de um lado para outro. Por fim, o ganso entrou na choupana e, parecendo reconhecer os visitantes, foi esconder-se atrás deles como se pedisse proteção. E a proteção lhe foi dada: com um sorriso nos lábios, cessaram a refeição e pediram para descansar um pouco.

Terminada a ceia, os viajantes satisfeitos, tomados pelo cansaço, deram sinais de sono. Báucis, maravilhada pelo que estava acontecendo, fez o que muitas vezes antes já haviam feito com outros viajantes exaustos de longas caminhadas: preparou para eles o seu leito pobre com travesseiros de palha, cuja armação era de vime, e, apanhando uma esteira, armou na salinha da frente o leito improvisado em que costumavam dormir quando havia hóspede na cabana.

E como Fílemon estivesse com o cântaro na mão, muito intrigado, a examiná-lo, o viajante jovem, que o via, disse a sorrir:

— Misterioso, não é?

— Bastante. Não consigo entender...

— São coisas daquele caduceu. Ele tem poderes mágicos...

E seguiu para o quarto cambaleando de sono, enquanto o Caduceu, impulsionado aparentemente pelas duas serpentes incrustadas nele, o seguia aos pulinhos.

— Já hospedamos mendigos, fugitivos, soldados, sábios, velhos, crianças... até ladrões... mas estes são de matéria diferente. Já viste coisa igual, Báucis?

— O que mais me espantou foi aquela varinha, meio cobra, meio gente... Quanto mais se vive, mais se aprende.

— Mas menos se entende.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 05:21

A noite dos bons velhinhos transcorreu calma, de sono profundo... e seus ouvidos nada ouviam ao que se sucedia do lado de fora, mesmo que houvesse um temporal e uma grande enchente, ou até mesmo um terremoto. E na manhã seguinte, muito cedo, despertaram quase ao mesmo tempo Fílemon e Báucis, na sua esteira, e os viajantes, no quarto pegado. E Fílemon perguntou-lhes:

— Dormistes bem?

— Como só no Olimpo dormem os deuses.

Falou o velho viajante. E o jovem perguntou:

— E vós?

— Um sono maravilhoso!

E completou o mais velho, que tinha um vago jeito de trovão longínquo:

— É o sono dos justos, o sono dos bons. É uma alegria rara encontrar gente boa neste mundo... Principalmente depois de ter encontrado tanto egoísmo e tanta maldade aqui por perto.

Falava, evidentemente, dos moradores do vale. E Fílemon tinha alguma esperança de mudar:

— Coitados, eles ainda vão mudar, com certeza.

— Vai ser difícil...

O mais jovem, que se afastara um pouco, voltou com um olhar malicioso:

— Vistes que beleza de lago?

Fílemon estranhou e foi em direção da porta.

— Que lago?

O ancião passou a acompanhar a direção dos olhos do jovem viajante, e eis que no lugar onde antes havia um dos vales mais lindos e férteis do mundo, cintilava ao Sol a superfície tranquila de um largo e longo lago. Báucis pasmou:

— Mas... ali é a aldeia dos homens maus!

— Era...

Realmente, enquanto dormiam, sob um temporal, águas bravias tinham tomado conta do vale, submergindo o povoado, pondo um ponto final à maldade dos seus moradores.

O viajante mais velho sentenciou, severo e grave:

— Eles não mereciam viver.

Báucis perguntou:

— Morreram?

E o mais moço respondeu:

— Todos devem ter virado peixes. Se soubésseis pescar...

— Não. não... nunca mais como peixe!

— Nem eu!

Os viajantes sorriram.

— Bem... Vamos andando... A caminhada é longa.

Fílemon ainda insistiu para que esperassem um pouco. Ia ordenhar a vaca, servir leite fresco.

— Temos que andar.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 05:22

— Mas levai alguns cachos de uvas para o almoço...!

— Levamos a lembrança da ceia generosa de ontem. Isso nos basta.

Fílemon não resistiu. Vira tudo o quanto vira e, pedindo novas desculpas, pediu que lhe dissessem quem eram. O mais velho acalmou-o:

— Saberás depois, meditando melhor sobre as obras que fizemos. Só desejamos que continueis a ser, para os forasteiros que passam, tão bons quanto tendes sido até agora. O cântaro fica aí. Nunca perderá a virtude de jorrar leite inesgotável para o exercício da hospitalidade. Mas os maus já foram castigados. Não queremos partir sem compensar os bons. E estou disposto a satisfazer qualquer pedido que fizerem.

O mais velho sabia, por certo, que o seu pedido seria nobre e generoso.

— Eu só peço uma coisa, senhor: Que eu e minha companheira nunca tenhamos se sentir saudade um do outro. Que o Destino, quando chegar a hora, nos leve para o além na mesma ocasião.

E, despedindo-se, disse o mais velho viajante:

— Assim será.

O mais jovem, apanhando o miraculoso caduceu, despediu-se também:

— E quando quiserdes melhorar o cardápio, a lagoa está cheia. É só atirar o anzol.

— Por Zeus, não...!

Disse Fílemon sorrindo para Báucis. E ambos acompanharam com os olhos os dois andarilhos seguindo o seu caminho. De repente, o mais jovem começou a flutuar e um brilho radiante cercou o mais velho. Seriam deuses?

Viveram os dois ainda muitos anos, sempre felizes como tinham sido toda a vida. Suas videiras produziam bons frutos, suas uvas produziam bom vinho, leite nunca faltou no cântaro encantado. Abelhas diligentes elaboravam com alegria um mel inefável cuja fama os hóspedes eventuais dos dois velhinhos se encarregavam de anunciar pelo mundo. Os andarilhos continuavam a bater à sua porta. Mas agora não encontravam só boa vontade. Eram recebidos regiamente, porque, pouco depois da partida dos dois viajantes, a cabana modesta fora, num passe de mágica, transformada num maravilhoso e acolhedor palácio de mármore.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 12/3/2021, 05:22

Certa manhã, depois que as águas baixaram, dois humildes viajantes, que haviam chegado de véspera, levantaram-se, cedinho, e foram agradecer a Fílemon e Báucis a hospitalidade generosa. Uma hora esperaram. Ou mais. Por fim, bateram-lhes à porta do quarto, preocupados. Ninguém respondeu. Abriram. Não havia ninguém. Julgaram que eles houvessem saído para as lides do campo. E já se retiravam, quando um deles observou:

— Que coisa mais estranha... não notaste?

— Que foi?

— Ontem à tarde não estavam aqui essas duas árvores, lembra-te?

— É verdade!...

Realmente, diante do maravilhoso palácio de mármore havia duas inesperadas árvores adultas, uma tília e um carvalho, que pareciam estender, uma para a outra, os grandes ramos, numa tentativa de abraço. Mas os galhos se tocavam.

— Parecem dois namorados. Não te dá essa impressão?

— Palavra que sim...

E, sem saber quanta verdade havia no seu pensamento, afastaram-se, comparando mentalmente a tília a Báucis e Fílemon ao carvalho.

FIM
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