Mestres do Conhecimento
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

Mitologia Grega

+5
Nostradamus
Legolas
Rei de Ouros
Art3mis
Hermes Trismegistus
9 participantes

Página 23 de 38 Anterior  1 ... 13 ... 22, 23, 24 ... 30 ... 38  Seguinte

Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:11

Os teléboas foram derrotados, apesar de terem conseguido apoderar-se dos rebanhos de Eléctrion, depois de terem invadido Micenas e atacado o palácio, matando vários filhos do rei, entre eles Arquelaus, Gorgófonos e Celêneo. Por pouco Eléctrion mesmo não havia sucumbido. Porém, expulsos da cidade e do país, depois da morte de quase todos os seus príncipes, os teléboas, subindo em seus navios, partiram e foram obrigados a entregar os rebanhos roubados a Eléios (que era também chamado Políxenos), rei da região de Élide, para que os escondesse a peso de ouro. Em seguida, voltaram para Táfos.

Anfitríon, ao saber que os rebanhos de seu futuro sogro estavam com o rei da Élide, viajou secretamente até aquele país, negociou a compra dos rebanhos com Eléios e rumou de volta para Micenas, a fim de entregar os rebanhos a Eléctrion, enquanto este preparava-se para uma campanha contra Táfos e seu povo, a fim de vingar a morte de seus filhos. E pretendia confiar seu reino ao futuro genro Anfitríon.

Porém, Eléctrion, ao invés de ficar satisfeito e grato pela atitude de Anfitríon, ao reaver seu rebanho roubado, disse-lhe que Eléios não tinha o direito de negociar gado roubado e que Anfitríon jamais deveria ter topado fazer negócio em tal situação. Preferia ter recuperado o que era seu pela força. E estava pronto a empreender uma expedição contra Táfos. Mas Anfitríon ficou louco de fúria:

— Eu preferia ter mandado o teu gado para Hades do que ser obrigado a ouvir um sermão como este!

E, retirando a espada da bainha, atirou-a com toda a sua força contra a parede, mas foi bater no chifre de uma vaca, deu meia volta e acertou a cabeça de Eléctrion, matando-o.

Anfitríon sentiu tamanha culpa que teve que abandonar tudo, inclusive a pretensão ao trono de Micenas, e decidiu ir embora para Tebas, na Beócia, cidade governada pelo rei Créon, filho de Meneceus. Ademais, Estênelos, rei de Árgos e irmão de Eléctrion, o estava pressionando, acusando-o de assassinato.
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:12

Anfitríon, sem a mínima condição de explicar acerca da verdade a Alcmena, teve que ir sem ela, mas conseguiu reunir sua família, até receber ordens de Estênelos para abandonar o país. Chegando em Tebas, foi recebido pelo rei Créon, que o purificou do crime.

Então, com a morte de Eléctrion, Estênelos herdou o trono de Micenas e Tirinto, e, tendo como hóspedes Atreus e Tiestes, filhos de Pélops, refugiados na Argólida pelo assassinato de Crísipos, entregou-lhes o reino de Midéia.

Anfitríon não conseguia esquecer Alcmena. Depois de um bom tempo, mandou um criado pedir-lhe perdão e a sua mão em casamento. Mais do que depressa, Zeus, com segundas intenções, inspirou a bela Alcmena a aceitar, porém com a condição de que só se casaria se, logo depois do himeneu, Anfitríon partisse para derrotar os teléboas e vingasse seu pai e seus irmãos mortos na guerra. De fato aceitou.

Alcmena, então, decidiu ir a Tebas e levou consigo seus servos, seus bens e seu jovem irmão Licímnio, o único a não ter participado da guerra contra os teléboas. Licímnio, mais tarde, conquistaria a mão da bela Perímede, irmã de Anfitríon.

Anfitríon, já pensando na guerra que faria contra Ptérelas, o rei das ilhas Táfias, não tendo soldados, pediu uma tropa emprestada ao rei Créon. Este pensou... pensou... e, como não era de fazer favores a troco de nada, concordou com a condição de que Anfitríon, antes, livrasse Tebas da malvada raposa de Teumesse. Era uma horrível raposa protegida por Possidon, o rei dos mares, e enviada contra os tebanos pelo deus Dionisos. Ela vivia fazendo estragos nas vizinhanças e, para mantê-la em seus limites, os tebanos eram obrigados a oferecer-lhe, todos os meses, uma criança para ser devorada viva. E ninguém conseguia matá-la, que era mais veloz do que o Vento.
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:12

Entretanto, Anfitríon ouviu falar de um cão o qual, conforme os Fados haviam decretado, não deixava presa alguma escapar. Ele pertencia a Céfalos, príncipe da Ática e seu amigo. Anfitríon não pensou duas vezes e foi pedir o animal emprestado. Céfalos emprestou-o, porém exigiu que o trouxesse de volta, são e salvo, pois era um animal sagrado.

Ao por o cão em perseguição à raposa, tudo ficou mais confuso: se a raposa conseguisse escapar, os Fados ficariam desacreditados e ninguém mais ia crer no Destino. Por outro lado, se Laelaps vencesse e apanhasse a raposa de Teumesse, certamente causaria a ira de Poseidon contra aquele povo. Zeus, preocupado, vendo os dois animais em corrida desenfreada, só restou-lhe transformar a ambos em pedra.

Anfitríon, mesmo tendo o problema solucionado, teve que convencer Céfalos de que era vontade divina a morte de seu animal de estimação, e prometeu-lhe que lhe daria um bom pedaço da terra dos teléboas, depois que os derrotasse. Céfalos, aceitando a vontade dos deuses, ainda emprestou-lhe um exército seu que se uniria aos tebanos. E, com estes, reuniriam-se as forças da Fócida e da Argólida.

Foi um belo casamento em Tebas. Só que, mal acabou a festa de núpcias, Anfitríon pretendeu levar a esposa para o leito. Alcmena virou-se para o marido e disse:

— Agora vai lutar contra os teléboas...! Só depois que tu voltares que me entregarei, isso se tiveres vingado meu pai e meus irmãos...

Contrariado, Anfitríon, apenas beijando carinhosamente Alcmena, foi vestir a armadura, reuniu seus exércitos e partiu para as ilhas Táfias, que ficavam a noroeste da Etólia.
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:13

Os aliados de Micenas, sob o comando de Anfitríon, tendo como capitães o príncipe Céfalos, o herói Panopeus e Hélios, o filho mais novo de Perseus, agruparam-se nas ilhas Táfias e cercaram a cidade de Táfos, cujas muralhas pareciam intransponíveis. De fato era, pois o destino dos teléboas dependia de Ptérelas, e a vida deste estava ligada a um fio de cabelo de ouro, escondido em sua densa cabeleira. Cometo, a filha do rei, apaixonou-se por Anfitríon e decidiu entregar-lhe a cidade, facilitando o desfecho: cortou o cabelo fatal do próprio pai, que morreu.

Anfitríon, aproveitando a fragilidade dos teléboas, forçou a entrada na cidade, invadiu o palácio, apoderou-se das armas de Ptérelas, entregando a cidade e todo o território aos vencedores aliados. Em seguida, aclamado pelos seus, mandou punir Cometo por traição, condenando-a a Morte.

Anfitríon, a seguir, declarou Táfos domínio da Hélade e entregou a cidade aos seus aliados. Com a derrota dos teléboas, donos das ilhas conquistadas a oeste da Hélade, Céfalos, príncipe da Ática e rei de Tóricos, recebeu, como prometido, das mãos de Anfitríon, o trono do Heptanesos, e a ilha-sede passou a chamar-se de Cefalênia.

Na ausência de Anfitríon, que vencia os teléboas, Zeus olhou para Alcmena e decidiu torná-la mãe do maior de todos os heróis. Zeus, ao unir-se a ela, na forma de seu esposo que retornava mais cedo que o previsto, implantou no ventre de Alcmena seu sêmen divino, e o filho que dela nascesse seria um semi-deus, o mais poderoso dentre todos. E o filho que deles nascesse haveria de ser chamado pelo título de Triselenos, o filho da “lua tríplice”. Seu verdadeiro nome haveria de ser Alcides, em homenagem ao avô paterno, Alceus, mas, por motivo do seu aleitamento, através da deusa Héra, a rainha do Olimpo, passaria a ser conhecido tão-somente pelo nome de Héracles.
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:13

Anfitríon, ao acordar, depois de três dias de sono causado a ele e suas tropas a mando de Zeus, sem o saber, reuniu seus exércitos vitoriosos e voltou rumo a Tebas. Antes, pensando em agradecer aos deuses pela vitória, realizou magnífica cerimônia de sacrifícios. Logo estava de volta em Tebas, em triunfo, e foi recebido pomposamente pelo rei Créon e seu povo. Alcmena, estranhando que só agora o esposo retornava, percebeu que havia sido enganada e amada pelo próprio senhor do Olimpo. Mas resolveu, temporariamente, segurar a língua, até que o ato se consumasse com seu marido.

Na mesma noite, entregou-se a Anfitríon e, por obra divina, engravidou de novo. E resolveu denunciar a visita de Zeus na sua ausência. Anfitríon, ao saber que um deus havia chegado antes dele ao leito de sua esposa, indignou-se e, para confirmar a veracidade e saber com quais motivos levaria um deus a isto, foi consultar o adivinho Tirésias, e foi informado de que a esposa teria filhos gêmeos: um de Zeus e outro seu, e que o filho de Zeus se tornaria o homem mais forte do mundo.

Ao saber, de fato, da infidelidade de Alcmena, quis queimá-la numa fogueira. Agarrou-a e amarrou-a a força sobre galhos de árvores e ateou fogo. Mas Zeus enviou uma chuva repentina, que apagou as chamas. Anfitríon emudeceu, e uma inspiração divina penetrou em sua alma, apaziguando sua ira. Ele resolveu receber o filho de Zeus como seu, lembrando-se de uma velha profecia que dizia que um novo herói reinaria sobre a Hélade, unificando-a, um herói da casa de Perseus, visto que Alcmena era filha de Eléctrion e neta de Perseus, e ele próprio, Anfitríon, era filho de Alceus e também neto de Perseus. Por isso, deixou o Tempo passar e decidir.
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:14

Céfalos, rei de Tóricos e Cefalênia, pretendendo empreender uma expedição contra o rei Minos II, de Creta, onde outrora exilara-se sua adorável Prócris, chegara à ilha de Égina, a fim de contar com a ajuda de seu amigo e aliado, o rei Éacos. Céfalos foi cordialmente recebido e a desejada ajuda prometida sem demora. Disse-lhe Éacos:

— Disponho de bastante gente para proteger-me e fornecer-te a força que desejares. Reconheço o generoso auxílio que prestaste ao povo de Micenas, e igualmente ser-te-ei favorável.

— Regozijo-me, Éacos, e confesso que fiquei maravilhado de encontrar tantos jovens quantos vejo em torno de mim, todos aparentemente da mesma idade. Por outro lado, há muitos indivíduos que conheci anteriormente e que não vejo agora entre teu povo, por mais que procure. Que lhes aconteceu?

Éacos deu um suspiro e respondeu, com tristeza:

— Tencionava contar-te, e o farei agora, sem mais tardança, para que vejas como de um começo doloroso às vezes surge um resultado glorioso. Aqueles que conheceste antes são, agora, cinza e pó. Uma praga enviada pela cruel Héra devastou a ilha toda. Ela a odeia porque leva o nome de uma das favoritas de Zeus, seu divino marido. Enquanto a doença parecia derivar de causas naturais, nós a combatemos, da melhor maneira que podíamos, com os remédios naturais. Não tardamos a verificar, porém, que a peste era demasiadamente poderosa para nossos esforços, e nos rendemos. No começo, o céu parecia ter baixado sobre a terra e espessas nuvens encerravam o ar aquecido. Durante quatro meses inteiros, soprou um mortal vento-sul. A desordem afetou os poços e os mananciais; milhares de serpentes arrastaram-se na terra e despejaram seus venenos nas fontes. A força da moléstia gastou-se, primeiramente, nos animais inferiores: cães, vacas, ovelhas e aves. O infeliz lavrador espantava-se ao ver os bois tombarem no meio de seu trabalho e ficarem inertes junto ao sulco inacabado.
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:14

Céfalos, atento, a tudo ouvia:

— A lã caía dos carneiros e seus corpos definhavam. O cavalo, outrora o mais veloz na corrida, já não disputava a palma, mas gemia em sua cocheira e morria de uma morte inglória. O javali esquecia sua fúria, o cervo, sua rapidez, os ursos já não atacavam os rebanhos. Tudo enlanguescia; as carcaças jaziam nas estradas, nos campos e nos bosques, empestando o ar. Digo-te uma coisa que é quase incrível, mas nem os cães nem as aves de rapina, nem mesmo os lobos famintos as tocavam. A decomposição dessas carcaças espalhou a epidemia. A moléstia atacou os camponeses, depois os habitantes da cidade. A princípio, as faces congestionavam-se e a respiração tornava-se difícil. A língua inchava e endurecia e a boca ressequida abria-se com as veias alargadas, ofegante, em busca de ar. Os homens não toleravam o calor das roupas ou dos leitos, preferindo deitar-se no chão; e o chão não os refrescava, mas, ao contrário, eles é que esquentavam o lugar onde ficavam. Os médicos não podiam valer, pois a moléstia os atacara igualmente e o contato com os enfermos os infeccionava, de sorte que os mais dedicados foram as primeiras vítimas. Então, os homens entregaram-se às suas inclinações, sem cuidar de indagar o que era conveniente, pois nada havia conveniente. Pondo de lado toda restrição, ajuntaram-se em torno dos poços e das fontes e beberam até morrer, sem matar a sede. Muitos não tiveram forças para sair da água e morreram no meio da correnteza, na qual os outros continuavam a beber. Tal era o horror que tinham de seus leitos de enfermos que alguns se arrastavam e, se não tinham forças suficientes para se sustentar, morriam no chão. Pareciam odiar os amigos e fugiam de seus lares, como se, não sabendo a causa de sua enfermidade, a atribuíssem à localização de sua morada. Alguns foram vistos arrastando-se pelas estradas, enquanto conseguiam manter-se, ao passo que outros caíam em terra e lançavam os olhos moribundos em torno, para contemplar o mundo pela última vez, depois os fechavam para sempre.
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:15

Fez-se breve silêncio, e Éacos continuou:

— Que ânimo poderia ter eu, durante tudo isso, ou que poderia fazer, senão detestar a vida e desejar estar com meus súditos mortos? De todos os lados, estendia-se minha gente como maçãs caídas de maduras da árvore ou bolotas arrancadas, pela tempestade, dos carvalhos.

Éacos voltou os olhos para a janela de seu palácio e disse ao amigo, que mantinha-se calado:

— Estás vendo aquele templo ali adiante, no alto? É consagrado a Zeus. Quantos aí ergueram preces, maridos por esposas, pais por filhos, e tombaram no próprio ato da súplica! Quantas vezes, enquanto o sacerdote se preparava para o sacrifício, a vítima caía, abatida pela modéstia, sem receber o golpe da lâmina? Finalmente, perdeu-se toda a reverência pelas coisas sagradas. Deixavam-se os cadáveres insepultos, faltava lenha para as piras funerárias, os homens brigavam disputando sua posse. Não restou mais ninguém para chorar os mortos; filhos, maridos e esposas, velhos e jovens pereceram sem serem lamentados. Então, de pé diante do altar, ergui os olhos para o céu e implorei — lembro-me bem das palavras: “Zeus, ilustre pai, se realmente eu for teu filho, e se não te envergonhares de mim, devolve-me os meus súditos, ou faze com que eu morra também.” A estas mesmas palavras, ouvi um trovão, e gritei: “Aceito o augúrio. Possa ele ser indício de benevolência para comigo!”
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:15

E continuou:

— Por acaso, havia, perto do lugar em que me encontrava, um frondoso carvalho consagrado a Zeus. Observei uma multidão de formigas ocupadas em seu trabalho, carregando diminutos grãos entre as presas e caminhando uma atrás da outra no tronco da árvore. Notando seu número, com admiração, exclamei: “Ó pai Zeus, quisera eu ter tantos súditos para povoar esta ilha quantas formigas posso ver...” A árvore agitou-se, produzindo um ruído farfalhante com os ramos, embora nenhum vento a sacudisse. Tremi da cabeça aos pés, mas mesmo assim beijei a terra e a árvore... Não confessava a mim mesmo que tinha esperança, mas esperava. A Noite chegou e o Sono tomou posse de meu corpo cansado de preocupações. Em meus sonhos, vi a árvore diante de mim, com todos os seus ramos cobertos de criaturas vivas e moventes. Tive a impressão de que ela se agitava, atirando ao solo a multidão daqueles laboriosos insetos, que pareceram aumentar de tamanho, cada vez mais e, pouco a pouco, ficar eretos, deixar de lado as pernas supérfluas e a cor negra e, finalmente, tomar a forma humana. Acordei, então, e meu primeiro impulso foi censurar os deuses, que tinham me privado de uma agradável visão, para me trazer de volta à dura realidade. Estando ainda no templo, chamou-me a atenção o ruído de muitas vozes do lado de fora, coisa com que, ultimamente, eu não estava acostumado. Pensei que ainda estivesse sonhando, mas meu filho Télamon exclamou, abrindo bruscamente as portas do templo: “Pai, vem ver! Zeus atendeu as tuas preces!” Saí e vi uma multidão de homens, tal como tinha visto em meu sonho, e que desfilavam da mesma maneira. Enquanto eu os contemplava admirado e satisfeito, eles se aproximaram e, ajoelhando-se, saudaram-me como seu rei. Rendi meus votos a Zeus e tratei de entregar a cidade vaga à raça recém-nascida e de dividir entre seus membros os campos.

— Por Zeus, é inacreditável!...
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:16

— Chamei-os Mirmidões, por terem procedido da formiga. Já viste esses homens; sua disposição parece idêntica à que tinham em sua forma anterior. É uma raça diligente e laboriosa, ávida de ganhar e perseverante na defesa do que ganha. Podes recrutar tuas forças entre eles, pois te seguirão na guerra, de idade jovem e coração valente.

E não houve melhor resposta do que a vitória sobre as forças do rei Minos II, que decidiu recuar e manter-se temporariamente longe das terras helênicas, até o dia em que a morte de um de seus filhos lhe encorajasse novamente e o mandasse de volta, desta vez para conquistar a Ática.

Voltando aos seus afazeres cotidianos, bem cedo, quando a Alvorada surgia nos céus, costumava Céfalos, forte caçador que era, erguer-se do leito para dedicar-se à caça. Saía sem servos para acompanhá-lo, sem corcel e sem cães, já que havia perdido Laelaps, seu melhor cão de caça. Quando apanhava a presa desejada, procurava uma sombra para repousar; fatigado e sentindo calor, chamava pela Brisa fresca que lhe soprasse em volta do desejado sono:

— Vem, Brisa suave! Vem, ó dileta, alentar-me, refrescar-me! Respira sobre mim o teu doce, lânguido hálito, ó deliciosa Aura! Vem afagar-me e leva o calor que me abrasa.

Alguém que ouviu, notou esse discurso e, enganado pelo duplo sentido das palavras, pensou que Céfalos estivesse a chamar pela ninfa do lugar, com quem costumasse encontrar em colóquios na floresta. O insensato correu a referir a Prócris o que ouvira. Facilmente se deixou o Amor enganar. Prócris caiu ao chão sem sentidos, ferido o coração pela profunda mágoa e, quando tornou a si, chorou e soluçou pela traição do esposo.

— Então se chama Aura a rival que me desviara a atenção!

No entanto, pensava bondosa:

— Não acusarei em vão meu esposo, talvez se haja enganado esse portador de más notícias ou mesmo queira enganar-me com falsa novidade.
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:17

E conturbada pela dúvida, pela dor e pela esperança, resolveu ir pessoalmente espreitar o companheiro.

Na manhã seguinte, Céfalos, como sempre, depois da caçada, estendeu-se na relva e pôs-se a cantar:

— Vem, ó amorável Aura, aliviar-me a fadiga!

Mas Céfalos assustou-se ao ouvir rumor na moita próxima, decerto alguma corça, pisando de leve. Pôs-se de pé rapidamente, arremessou-lhe o dardo mágico que nunca lhe falhava e foi atingir o alvo. E correu para apanhar a presa, quando uma terrível cena se lhe deparou: atingira a própria esposa, que ainda soluçava. Ela comprimia com a mão o peito mortalmente ferido. Céfalos permanecia imóvel, sem saber o que fazer, enquanto Prócris jazia no próprio sangue derramado. Debalde rasgou ele as vestes em lamentos, para ligar-lhe o ferimento terrível. E enquanto ajoelhava-se para acudir a amada, as forças foram abandonando-a e a custo conseguiu ela lhe dizer, murmurando:

— Ó marido cruel, ouve a minha súplica, pelos deuses imortais, pelo sagrado laço que rompeste deslealmente, eu te conjuro: quando eu estiver morta, não permitas que tua Aura compartilhe o nosso leito.

Só então ele conheceu o desgraçado erro que preocupara a infeliz. Soluçando, contou-lhe a verdade e jurou-lhe, entre quentes lágrimas, sua própria inocência e fidelidade. Mas era tarde. Ainda mais uma vez ela o olhou com carinho, doloroso sorriso lhe pairou nos lábios pálidos, tranqüilo, quase sereno era-lhe o rosto moribundo; e assim despediu-se a alma, nos braços leais do esposo, que lhe havia sido muito caro.

Céfalos, pela morte de Prócris, filha do rei Erictônios, foi julgado no Areópago, sendo condenado ao exílio. E teve que deixar a Ática. A caminho do Heptanesos, que ele mesmo ajudara a conquistar, foi pedir asilo no reino do famoso soberano Mínias, de Orcômenos, e lá, mesmo depois de muito hesitar, contraiu núpcias com uma de suas filhas, Clímene.
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:17

Mas não demorou muito, aconselhado pelas visões de Hipnos, procurou estabelecer-se nas ilhas do Heptanesos. Um dia, na Cefalênia, cumprindo as previsões de um Oráculo, Céfalos encontrou uma ursa e, confiando ser obra dos deuses, decidiu com ela se unir. Logo, o animal se transformou numa bela mulher, que lhe daria um filho, Arcésios, destinado a reinar naquele país depois da morte de seu pai.

Laertes (Laërtês) foi o filho que futuramente nasceu de Arcésios, e sua mãe chamava-se Calcomedusa. Segundo o poeta Homero, seu pai chamava-se Émon. De qualquer forma, pertencia à raça de Deucálion. Laertes se tornaria padrasto de um filho de sua esposa Anticléia, possuída por Sísifos no dia de suas núpcias; o menino se chamaria Ulisses, que muitos anos após se tornaria um dos maiores heróis da famosa Guerra de Tróia.

FIM
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:18

A ambição de Erisícton

Deméter, tranquila, via que a paz persistia pela Terra. Frutificavam nos campos suas dádivas aos homens, exilada a fome do convívio das cidades, aldeias, povoados e residências. Os povos, agradecidos, no correr de cada ano, em duas ocasiões, pelo tempo do plantio e logo após a colheita, permaneciam fazendo as suas festas à deusa. Levavam muitas oferendas ao Oráculo de Elêusis, pois sentiam-se abençoados nas orações proferidas pelo bom Triptólemos. Era geralmente durante as primeiras horas do dia que os devotos de Deméter vinham fazer as suas oferendas, para agradecer a boa colheita ou para pedir que a próxima fosse mais abundante. Ao centro da floresta postavam-se os fiéis. Modestos camponeses, homens e mulheres, trazendo pequenos cestos com uma ou duas frutas, apenas, forrados com flores que as crianças colhiam no próprio bosque, para tornar sua oferta um pouco mais caprichada. Outros, ainda, ofereciam a Deméter apenas simulacros de ofertas: no lugar de pães, pequenos arranjos redondos de terra, recobertos com uma leve mão de farinha. Oficiando o culto, costumava ficar a sacerdotisa de Deméter, envolta em seu manto e segurando um feixe de espigas. E a deusa, em algum lugar, satisfeita a tudo observava.

Qualquer mortal sensato sabia que o respeito era a principal oferenda que se devia à Deméter, a deusa da fertilidade. Sem os favores dessa importantíssima divindade, qualquer criatura estava à mercê do Desamparo. Tudo ao seu redor virava secura e desolaçâo, até que o desgraçado se decidisse a também venerar a exigente deusa. Além do mais, não havia razão alguma para que se faltasse com esse dever, pois ela era, dentro do panteão das divindades, uma das mais simpáticas e dignas.
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:18

Tudo ia bem, cumprindo-se a fartura, e mais a semeadura do carvalho sagrado, presente da deusa aos homens. Bem seguiria, assim, toda a doce travessia da vida, no dia-a-dia, não fosse acontecido um fato lamentável: Erisícton era um filho de Tríopas e Sósis e neto de Forbas (filho de Árgos e descendente de Zeus e Níobe). Seu pai era rei de Árgos, enquanto ele mesmo decidiu habitar e fazer-se governador de um cantão da Tessália. Seus irmãos eram Agenor, Messena, Ifiomédia, Iásos, Pelasgos e Forbas.

O fato lamentável ocorreu quando Erisícton, homem ambicioso, ímpio e egoísta, viajando até o Templo para pedir à deusa mais fortuna do que tinha, ao passar por perto do gigantesco carvalho sagrado, que os pelasgos haviam plantado para ela em Dótion, resolveu que a madeira da árvore mais lhe podia servir para fazer boa mobília para os banquetes, preenchendo seus desejos de ter luxo desmedido, insaciável poder. Não conhecia a piedade e decidiu derrubar o colosso vegetal. Para tanto, foi em busca da ferramentas que precisava e alguns homens para ajudá-lo a executar o trabalho.

De repente, ouviu-se, vindo de fora do bosque, um rumor de vozes masculinas, nas quais gritos estremeciam-se a cantos. O ruído do vozerio aumentava a ponto de a sacerdotisa Nícipe ver-se obrigada a interromper o culto. Logo surgiu por entre as árvores um grupo de homens com ar distraído e folgazão. Eles portavam grandes machados sobre os ombros. E cinicamente um deles perguntou:

— Vai demorar muito aí, dona?

— O tempo suficiente para que o silêncio se restabeleça e possamos recomeçar nosso culto.

E deu as costas aos barulhentos visitantes.

Erisícton, que era gordo e de porte imenso, destacando-se dos demais, afastou com uma das mãos o lenhador e passou-lhe à frente. Adiantando-se, tomou a palavra:

— Podes prosseguir com tua ladainha, se quiseres, mas temos uma tarefa a cumprir. Vamos colocar abaixo estas árvores.
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:19

Nícipe voltou-se e gritou indignada:

— O que pensas estar fazendo?

Mas sua voz humana já não é o bastante para se sobrepor ao ruído dos machados, que estalaram com vigor sobre os troncos das árvores.

Deméter, pela boca da sacerdotisa, fez calar os ruídos dos machados:

— Fora, invasores! Como ousai destruir este bosque, consagrado exclusivamente a mim?

Os lenhadores amedrontaram-se. Mas Erisícton não se intimidou:

— Preciso destas árvores, dona.

— Ninguém tocará nestas árvores, especialmente o meu Carvalho Sagrado, sob pena de terrível castigo.

Um dos lenhadores, achegando-se a Erisícton, aconselhou-o, percebendo a presença da deusa protetora daquele lugar:

— Meu senhor, acho melhor nos retirarmos. Essa mulher não está falando por si só. Temo um castigo por desobedecermos.

Erisícton a ela se dirigiu:

— Dona, não fiques nervosa. Há milhares de bosques espalhados por toda esta região. Escolhe outro e deixa-nos trabalhar em paz. Pouco me importa se estas árvores são ou não amadas.

— Tu insistes em me desafiar?

O homem, ao perceber que Deméter avançava para si, pensou logo em desistir, mas, dirigindo o olhar para o frondoso carvalho que ficava próximo ao altar, empunhou com vigor o machado.

— Para trás, mulher, ou te farei em pedaços!

Nisso, sabendo do intento dos lenhadores, levado rapidamente àquela região, um jovem sacerdote tomou-lhe a frente e impediu-o de continuar:

— Afasta-te, homem!

— Vêde, é Triptólemos!

— Triptólemos, de Elêusis?!

Todos estavam estupefatos pelo repentino aparecimento do servo de Deméter, que olhava-o com reprovação e desprezo.

— Não ouses levantar o machado neste lugar sagrado. É extremamente perigoso para ti. Resigna-te, pede clemência à deusa e oferece um sacrifício por tua vida.
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:20

Erisícton baixou o machado. Mas, assim que Triptólemos voltou-lhe as costas, tomado pela ganância, lançou mão de seu machado e correu como louco contra o Carvalho Sagrado. Nícipe soltou um grito. Ao erguer a afiada lâmina, o Vento parou de soprar, e desferiu o primeiro golpe. E um lamento se ouviu do interior do Carvalho Sagrado: era Hamadríade, a ninfa que lá vivia, sua protetora, o seu espírito. A voz, vinda do âmago das folhas, lhe advertia:

— Se vos obstinardes em levar a cabo este intento, sofrereis um terrível castigo. É o último aviso.

Os empregados de Erisícton vacilaram e largaram suas ferramentas. E o maldoso senhor levantou de novo a terrível lâmina, quando um de seus empregados tentou detê-lo e preveni-lo do mal que se sucederia. Erisícton nada respondeu, mas, desviando o percurso da lâmina, fê-la decepar a cabeça de seu interventor. E os demais, horrorizados, viram um corpo decapitado desabar no solo sagrado. E a lâmina maldita, agora embebida em sangue, desferiu contra o carvalho os golpes fatais. E um grito ouviu dos galhos, jorrando sangue do tronco. Folhas e frutos murcharam. Secaram as sementes, perderam-se as suas cores, após golpes desfechados sob um céu pesado, pleno de nuvens negras, tombou morto o carvalho da deusa Deméter. O trabalho que seria executado em várias horas, o furioso tessaliano reduzia em poucos minutos.

Em plena tempestade jamais vista, Erisícton ordenou a seus homens, amedrontados pelo poder que emanava do rosto de seu amo, levaram toda a madeira que podiam armazenar, enquanto os olhos de Zeus arregalavam-se por tal ousadia. E o deus lançou seus raios, que cortaram os Céus como nunca.

Enquanto se retiravam, a sacerdotisa Nícipe, ao lado do inconsolável Triptólemos, lançava a sua maldição, incitada por Deméter:

— Maldito! A partir de agora tu estás sob o peso da minha maldição...!
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:20

Erisícton, diante daquela assustadora intervenção,quis dar um grito de terror, mas permaneceu firme para mostrar superioridade diante de seus comandados. Chegando em seu palácio, depois de mandar depositar a madeira no seu depósito, correu para os seus aposentos. Decidiu andar um pouco pelo quarto, para dissipar o medo. Foi comer algo para relaxar e, em seguida, foi descansar e caiu em profundo.

Deméter foi chamada à presença divina de Zeus. Trazia na expressão profundo sofrimento, como se uma parte sua estivesse morrido.

— Bem eu sabia, Deméter, que tua vinda para o Olimpo ainda iria causar alguma confusão à Terra. Tua árvore sagrada foi tombada por um mortal.

— Eu sei, senhor, o que houve e, com tudo o que se deu, sinto-me atravessada pela dor mais infeliz. Porém, te imploro, com sensatez, que controles a tua ira, porque vou ver o que se passa e aplacar a desgraça.

— Basta de palavras fracas, Deméter. Teu amor pelos mortais, sem dúvida, é exagerado. Isto me lembra Prometeus, que, pelo excesso de amor aos homens, se encontra sob pena de perpétuo castigo, acorrentado ao Cáucaso. Não há ira a controlar, nem perdão a perdoar. Esse infeliz mortal merece duro castigo. Punição que com certeza se é justa para ele, pela grandeza do crime que acabou de cometer, há de ferir, também, os demais povos da Terra com maldição sem remédio.

Deméter suspirou, indo sentar-se em seu trono, brandamente, e concordou:

— Que se cumpra o teu desejo, meu rei e irmão. Recolho-me à minha dor, só ousando desejar que, depois de consumada a tua ira, deixa-me retornar para junto dos mortais, quando tentarei agir em benefício dos mesmos.

— Faze o que bem quiseres, logo após satisfeito o meu desejo. Porém, garanto a ti que, para o que vou fazer, não há cura nem solução!
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:21

Então, Zeus mandou buscar do mais gelado lugar, solo seco, desolado, chão rachado, sem colheita, o espectro da Fome, demônio pálido, horrendo, triste e desesperador. E a ninfa mensageira dirigiu-se para os confins da Cítia, na região do Cáucasos, e foi ter com a terrível Limos, a deusa horrenda e pálida, um ser maligno transformado em ossos e pele, buscando roer a pouca vegetação que restava no meio daquela região inóspita e gelada.

E a ninfa, mantendo certa distância, disse à filha de Nix:

— Tenho para ti uma missão, ó sombra repugnante, vinda da boca do senhor dos Olímpicos. Vai beijar com seu sabor o coração de Erisícton! Tu sabes quem ele é.

O espectro partiu em direção da Terra, pegando Erisícton no meio do sono, quando este se sentiu beijado. Sonhava com o carvalho, com a madeira que cortara. E sonhava sorridente, sem se importar com o enorme sacrilégio que, num gesto celerado, cometera contra a deusa Deméter. Quando, de repente, viu, no sonho, ninfa desconhecida que dele se aproximava. Via o espectro da Fome, numa bela ninfa disfarçado, que começava a beijar-lhe os lábios e a língua, num beijo ardente, o melhor que já sentira. Mas, de surpresa, sentiu que a ninfa adentrava-se para seu interior, e foi beijar seu coração. Marcou-lhe o corpo inteiro com apetite voraz de beijos, deixando-lhe seu sabor e seu hálito.

Assustado, Erisícton acordou daquele sonho estranho, mas acordou com fome... com muita fome.

— Cozinheiro!

— Pois não, meu senhor?

— Tenho fome. Adiantai o banquete.

— Sim, senhor.

E voltaram à cozinha. Mas a sua paciência era pouca.

— Vamos, trazei logo a comida!

Erisícton sentia um vácuo crescer-lhe no estômago.

Imediatamente os criados surgiam com os primeiros pratos, que desapareceram em questão de minutos em sua goela voraz. Sua fome gigantesca, porém, não foi aplacada.

— Mais comida!
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:22

Os quatro cozinheiros preparavam tudo o que enxergavam na despensa, enquanto os criados levavam para o salão imensas travessas repletas de comida. Instantes depois retornavam com elas completamente limpas.

— Mais comida! Ainda tenho fome!

Nada parecia bastar ao apetite bestial de Erisícton, que começava a se tornar colérico.

— O que está havendo aí dentro? Trazei comida de verdade! Quero javali assado!

Numa medida extremada, o chefe dos cozinheiros ordenou que o maior dos javalis fosse abatido e assado imediatamente sobre uma grande fogueira, montada às pressas no pátio. O dia fez-se noite quando a fumaça do assado levantou-se das brasas e cobriu o Sol como uma imensa nuvem de incenso.

Enquanto isso, Erisícton foi às suas reservas para comer algo, o que ainda restava, como farinha, mel, leite, sal, mas não comeu pouco, nem o suficiente, pois, quanto mais comia, mais apetite adquiria, não conseguindo se satisfazer. O apetite transformou-se em vontade, muita vontade de comer, que deu lugar à gula, que deu lugar à fome.

Saiu dali e foi procurar mais alimentos pela casa e, o que encontrava, comia... comia... e, enquanto mastigava, pelos cômodos da casa, na porta de entrada, ouviu dura gargalhada. O espectro da Fome lhe acompanhava, com riso solto, liberto de seu exílio, pois de novo habitava entre os homens, trazendo consigo a devastação, a doença. Erisícton, ao ouvir a voz que gargalhava, virou-se, mas nada viu, estava sozinho... Erisícton, voraz, todo lambuzado de comida e saliva, sequer se importou com isso. E continuou a comer os alimentos que ainda encontrava pela casa. Mais queria mastigar, engolir, arrotar... tudo o que pudesse ser ingerido, buscando se saciar.
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:22

Até que o assado ficou pronto, e dez escravos carregaram numa imensa bandeja de prata o monstro dourado e fumegante, coberto de ervas aromáticas e guarnecido por fatias de duzentos abacaxis. O maravilhoso prato chegou aos olhos de Erisícton como uma sublime oferenda de ouro. Parecia uma besta na ânsia de devorar sua presa. Em dez minutos a travessa, toda lambida, retornou à cozinha contendo somente os ossos roídos do javali, empilhados junto às suas presas.

— Trazei mais!

E Erisícton, quanto mais comia, mais insistentes tornavam-se os seus pedidos. Os cozinheiros já não sabiam mais o que colocar nas panelas. Todas as aves de criação já haviam passado pelo holocausto das chamas. No terror das exigências, treze gatos, vinte cachorros e até mesmo a parelha de cavalos que puxava o carro real foram lançados vivos na fornalha. Ele não distinguia mais nada, engolindo até os ossos. Comia o que podia, todos os dias, sem ao menos conseguir dormir, ficando acordado o tempo todo, sempre buscando algo para comer — já que tinha muita fartura — e mais faminto ficava. Seu rosto, no entanto, estava um tanto mais magro, e sua pança parecia ter recuado um pouco para dentro do manto. Por incrível que parecesse, Erisícton estava emagrecendo aos poucos, ainda que continuasse muito gordo.

— Comida, meus escravos... Pelo amor dos deuses, mais comida...

Vendo-se, finalmente, sem provisões, começou a andar e correr pela casa, recolhendo todo o seu dinheiro. Saiu pelas ruas golpeando alucinado as portas dos comerciantes, deixando seu dinheiro em troca de alimentos. E poucos dias bastaram para consumir toda sua fortuna. Quando não teve nem uma moeda mais, se viu obrigado a vender seus bens: jóias, túnicas, vasos preciosos, estátuas, móveis, empregados, suas terras... E, depois de tudo, vendeu a casa para comprar provisões.
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:23

Nada foi suficiente para aplacar-lhe a fome. Estava devorado por uma fome muito maior do que aquela com a qual sentara-se pela primeira vez à mesa. Seu corpo estava debilitado. Suas faces começaram a encovar-se. Suas mandíbulas, de tanto comer, doíam a ponto de não poder mais movê-las. Suas vestes pendiam do corpo. Erisícton estava a meio caminho de se tornar um espectro de si mesmo.

Seus pais, alarmados, vieram visitá-lo, assim que souberam do que acontecia. Exclamava a mãe, apavorada com o sofrimento do filho:

— Meu filho, o que houve contigo? Que fizeste?

Horrorizada, Sósis arrancou os cabelos, tirando sangue do rosto com as unhas. Seu pai Tríopas, com o passar dos dias, gastou também tudo o que tinha na vã tentativa de alimentar o seu insaciável filho. Até o touro que sua esposa engordava para sacrificar a Héstia, a deusa virgem do lar e do fogo, foi sacrificado ao altar inexistente da horrenda Fome. E a Miseria chegou ao desgraçado Erisícton. E o pai, não podendo mais fazer nada — pois tornara-se miserável, também —, abandonou-o à própria sorte, reduzido à mais negra mendicância. Passou a recolher de forma vil os restos que até os cães cobertos de sarna refugavam. Já não tinha mais nada, a não ser a sua filha, Mnestra, que pensava em prostituir-se para salvá-lo.

— Minha querida filha, faze-te mais bela, veste o teu melhor vestido e a tua melhor maquilagem.

— Por que, meu pai?

Metra acariciou-lhe a face encovada, já sabendo a intenção do pai. E não havia outro jeito.

— Tenho que vender-te.

— Vender-me?

— É preciso... Eu preciso.

Erisícton havia vacilou muitas vezes, olhando-a com tristeza, mas a Fome era mais forte que o Amor, e teve que vendê-la como escrava, pois, de vez em quando, caía por terra e gemia freneticamente numa dor insuportável.. Então, no mesmo dia, a bela e encantadora Mnestra foi feita escrava nas mãos de um horripilante comerciante, e com ele passou a se deitar e servir.
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:24

Quando se viu na miséria, Erisícton passou a invadir os quintais e os lares da vizinhança. Saindo do povoado onde morava, passou a invadir campos alheios, sempre em busca de comida, e começou a ser perseguido, tendo que sempre se mudar para outros lugares. Não havia plantação, animal doméstico, que Erisícton, desvairado, deixasse de atacar, com sua fome feroz.

Mas Mnestra, certa vez, foi amada por Poseidon, e ao ver-se em poder de um dono, que roncava ao seu lado, teve uma ideia, e pediu ao deus dos mares que a libertasse da escravidão para que pudesse ajudar o pai infeliz.

— Poderoso Poseidon, livra-me disto! Permite ajudar o meu pai desgraçado pai!

Poseidon, apiedado, converteu-a em homem e deu-lhe ainda o dom de múltiplas metamorfoses. Assim, Mnestra, tomou a forma de uma jumenta, enquanto seu amo ainda ressonava. Ela, levantando-se do leito, firmou bem as quatro patas e, dando um grande salto, escapou pela janela. E conseguiu voltar para junto de seu pai e o encontrou frente a um pavoroso espetáculo: Erisícton caminhava encurvado, com o rosto enlouquecido, juntando lixo e levando até sua boca as imundícias recolhidas.

Ao ver aquele animal aproximando-se, correu-lhe as babas da boca, mas reconheceu-a.

— Minha adorada filha! Como estou feliz em ter-te de volta!

Logo,voltou-se para um carroceiro que passava:

— Ei, quanto queres por esta magnífica jumenta?

Um zurro de dor partiu da infeliz Mnestra, que foi levada embora outra vez em troca de algum dinheiro. Mas também deste novo amo conseguiu escapar, metamorfoseada num cão e retornando novamente para os braços do pai, que voltou a vendê-la, desta vez para um pastor de ovelhas. Transformada, assim, em fonte inesgotável de recursos, a infeliz moça percorreu todo o seu repertório, até que um dia, metamorfoseada numa linda borboleta, desapareceu para sempre.
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:24

Finalmente a cidade não tinha mais para oferecer-lhe, e as portas se fecharam para seu próprio rei. Nem mesmo Mnestra, que havia partido para sempre, serviu para saciar os desejos dos homens mais interessados, nem como moça nem como animal. Viam naquele homem desventurado uma praga, uma moléstia, um mau agouro para futuras desgraças. Por isso, armaram-se muitos homens, enfrentando o desgraçado que lhes arrancava a paz e lhes tomava a fartura. Foi alcançado e espancado, posto em fuga dos lugares por onde passava.

Erisícton, perdendo sua última fonte de renda e devorado pela própria dor, decidiu tomar uma atitude que seu orgulho insensato até então impedira. Entrando naquele mesmo bosque que maculara com sua blasfêmia, pediu perdão à vingativa deusa:

— Deméter poderosa! Concede-me a graça do teu perdão, ó deusa, cujos olhos brilham com graça e majestade por todo o Olimpo! Ouve-me, por piedade, ó magnífica deusa!

Mas não obteve resposta. Tomado pelo desânimo, Erisícton sentou-se, derrotado, à sombra das árvores. Era noite e caía uma chuva forte, filtrada para dentro do bosque sob a forma de cordas d’água que se balançavam do alto. Os relâmpagos intensos varavam a escuridão, iluminando inteiramente o seu corpo esquelético.
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Hermes Trismegistus 13/3/2021, 20:25

Então, assim que a chuva aquietou-se, ele ouviu passos no solo úmido, e foi descoberto pelas sacerdotisas de Deméter, que irritaram-se com a sua indigna presença naquele lugar sagrado. Expulso para o deserto, lá chegou e começou a perseguir os roedores que infestavam a região. Não conseguindo pegá-los, não teve outro jeito: começou a comer a vegetação seca do deserto e, depois, a própria areia. Depois, com muita sede e fome de carne, não aguentando mais mastigar e engolir areia, pois estava saturado, passou a roer unhas e dedos. Mordeu as próprias pernas, as mãos, os braços, meteu a boca no ventre, nas suas partes pudendas, chupou os ossos, mastigou a própria língua e, por fim, triturou os dentes. A dor que sentia, impossível de ser suportada por qualquer ser humano, era insignificante pela fome que sentia, e há muito não refletia sobre o que fazia. Já havia perdido a consciência. Sendo assim, comeu a si próprio, restando-lhe só o que sua boca não podia alcançar, virando praticamente uma cabeça em forma de boca gigante, murcha, desdentada. Não morria, e seu corpo foi-se arrastando, com a força de seu maxilar, percorrendo o deserto, comendo, mastigando sem dentes o que pudesse encontrar, apavorando animais e pessoas daquelas paragens.

No momento em que conseguiu alcançar os pés de alguém, invadiu seu corpo, engoliu-o por inteiro, ocupando seus lábios e sua boca para continuar sua voracidade. Seu beijo de morte contaminava o sossego dos mortais, nas cidades e nos campos, sempre querendo mais, num desejo solitário.

A noite chegou, tudo então silenciou, e quando a Aurora, temerosa, apareceu, guiando seu carro matinal, nada de Erisícton restava, a não ser uma borboleta que sobrevoava as marcas deixadas pelo pai de fome insaciável, como querendo encontrá-lo e acaricia-lo.

FIM
Hermes Trismegistus
Hermes Trismegistus

Mensagens : 4041

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Art3mis 13/3/2021, 22:05

Nossa... fiquei chocada com esse mito! Mas ele é muito bom e passa uma ótima lição!
Obrigada!
Art3mis
Art3mis

Mensagens : 188

Ir para o topo Ir para baixo

Mitologia Grega - Página 23 Empty Re: Mitologia Grega

Mensagem por Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 23 de 38 Anterior  1 ... 13 ... 22, 23, 24 ... 30 ... 38  Seguinte

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos