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A Saga de Enéias

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A Saga de Enéias - Página 6 Empty Re: A Saga de Enéias

Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:15

— Essa prova de valor te eleva, ó donzela, rainha entre o teu povo, acima do teu sexo e na estima de todos os varões. A partir deste momento, partilharás comigo de todos os esforços da guerra. Os meus exploradores dizem-me que Enéias mandou avançar a sua cavalaria ligeira e que ele, à testa do grosso da tropa, ruma para a cidade, atravessando a montanha. Preparar-lhe-ei uma cilada num desfiladeiro selvagem e, com as minhas tropas, ocuparei as duas extremidades do estreito passo. Por tua vez, tu receberás com a tua cavalaria o impacto da tropa etrusca, e para isso te cedo o herói Méssapos com os esquadrões latinos. Confio-te, entretanto, o comando supremo, incomparável donzela.

Camila era filha de Métabos, um rei tão cruel e déspota que acabara expulso do reino pelos súditos. Ao deixar sua cidade, para fugir à ira do povo, levara consigo a filha de tenra idade, deixando para trás a esposa Cásmile. Chegando à margem do rio Amazenos, que transbordava devido às fortes chuvas, vira-se impedido de atravessá-lo a nado por causa da filha, que carregava nos braços. Ouvindo atrás de si o tropel dos perseguidores, amarrara a criança ao dardo com tiras feitas da casca de uma árvore e arremessara o dardo à margem oposta. Depois, atirara-se às águas revoltas, conseguira vencer a correnteza e atravessar o tortuoso rio. A partir de então, passara a viver com a filha entre os pastores das montanhas. Criara a criança alimentando-a com leite de égua e frutas do mato. Logo que a menina dera os primeiros passos, aprendera a lançar o dardo e a manejar o arco e a flecha. Tornara-se uma jovem alta, forte e bela. Muitos homens desejavam possuí-la ou tê-la por esposa, mas a moça só encontrava prazer na caça e na guerra. Como a deusa Ártemis (Diana), era virgem e tinha horror ao matrimônio. Tinha fama de vencer o Vento em velocidade. E tão logo ascendeu ao trono paterno, se pôs à testa de um exército comandado por três outras jovens guerreiras e correu em auxílio de Turnos.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:16

E iniciou Turnos a sua caminhada por estreita senda que percorria tortuoso vale limitado, de ambos os lados, por abruptas paredes cobertas de espessa mata. Na parte superior, já no topo da montanha, estendia-se um campo liso dissimulado no meio das árvores, assaz conveniente para se armar uma cilada, e do qual era possível atacar facilmente tanto pela direita como pela esquerda, ou então, das alturas, lançar pedras ao fundo do barranco. Para ali se dirigiu Turnos com as suas tropas, postando-se nas alturas e nas gargantas.

Enquanto tal sucedia, os troianos e os seus aliados etruscos, com os esquadrões de cavalaria, iam avançando para as muralhas. Os cavalos, briosos, pisoteavam o chão, eriçado de verdadeira mata de resplendentes lanças. Na frente, surgiram os latinos com Méssapos, Cátilos e Córas à testa, e a cavalaria volsca, comandada por Camila.

A deusa Diana, a Ártemis greco-troiana, sentada numa nuvem, ao ver os preparativos para o reinício da batalha, disse à serva Ópis:

— Ópis, Camila vai participar da guerra. Quero-a muito, desde que era criança. Temo pela sua sorte. Dou-te, Ópis, a seguinte incumbência: Vai à terra latina, onde neste momento reiniciam a batalha maldita, e leva contigo o arco e as setas. Fica sempre perto de Camila e que seja punido com a morte qualquer homem que porventura ousar feri-la. Se ela morrer, não permitas que ninguém a despoje das suas armas.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:17

O exército troiano já se encontrava nas proximidades de Laurentos. Quando os dois exércitos se viram à distância de um tiro de lança, permaneceram em enorme gritaria e, esporeando os animais, de todos os lados começaram a voar projéteis, toldando o céu. Quando as hostes inimigas se atiraram à luta, lança contra lança, a ordem da batalha dos latinos começou a ceder, e, dali a pouco, protegendo as costas com os escudos, iniciaram a retirada em direção à cidade. Os grupos avançados travaram escaramuças com soldados latinos, pondo-os em fuga. Todavia, tratava-se de uma retirada apenas aparente; ao chegarem às muralhas, porém, voltando-se repentinamente, arremeteram contra os perseguidores etruscos com violento ímpeto, pegando-os de surpresa e obrigando-os a recuar. A manobra repetiu-se duas vezes, e somente na terceira se converteu o choque em verdadeira batalha, na qual a luta se generalizou, combatendo homem contra homem. Não tardaram em ressoar os gemidos dos moribundos; armas e cadáveres jaziam no meio de torrentes de sangue, cavalos semimortos se confundiam com os corpos dos cavaleiros, enquanto outros se encabritavam sobre os cavaleiros abatidos.

E as tropas troianas e etruscas foram recebidas por uma chuva de pedras atiradas pelos anciãos, mulheres e crianças que guarneciam as ameias. Pouco a pouco, os guerreiros latinos conseguiram reagrupar-se e atacaram o inimigo pela retaguarda. Acossados simultaneamente de direções opostas, os troianos tiveram de abandonar apressadamente suas posições.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:17

A batalha ocupou toda a planície que se estendia à frente da cidade, sem se definir por nenhum dos adversários, pois ambos os exércitos avançavam e recuavam alternadamente. Entre os mais valentes contendores, destacava-se Camila, armada como uma amazona, ora brandindo a sua machadinha, ora retesando o arco e disparando suas setas fatais. Seus golpes eram sempre certeiros, sua mira nunca falhava o alvo. Quando lhe sucedia recuar, voando na montaria, não deixava de voltar-se e, em plena carreira, disparar suas setas. Entre suas vítimas, encontrava-se o caçador etrusco Órnitos, que como elmo usava uma queixada de lobo, com a boca escancarada mostrando os dentes afiados, e como arma carregava uma chuça de caça. Não obstante sua enorme força, foi vencido por Camila, que, zombando, trespassou-o com a lança:

— Pensavas que caçavas animais, tirreno desgraçado? Os braços de uma mulher reduziram a nada todas as tuas jactâncias!

Rodeavam-na um grupo escolhido de valorosas donzelas; entre elas, Larina, Tula e Tarpéia, por ela própria eleitas como companheiras e que a acompanhavam constantemente, na paz e na guerra. E bom número de frígios tombaram diante das guerreiras.

Muitos outros guerreiros foram também mortos pela filha do rei Métabos. Um deles, belicoso filho de Aunos, um dos lígures mais valentes moradores do Apeninos, o Destino quis que ela o tivesse pela frente. Foi surpreendido quando acabava de despedaçar o crânio de Orsílocos.

A vista de tão terrível mulher causou-lhe espanto, e percebendo que já lhe não seria possível evitar o combate com ela, e afastar do caminho a feroz inimiga, valendo-se da astúcia, gritou:

— Teu cavalo é muito veloz, guerreira, e ninguém pode enfrentar-te em igualdade de condições. Desce e luta comigo! Veremos se continuas arrogante.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:18

Camila aquiesceu, saltou do cavalo e mandou uma das companheiras segurar as rédeas do animal. E enfrentou o rapaz sem outras armas senão o escudo e a espada. O adversário, certo de que a cilada tivera êxito, em vez de descer, aproveitou a oportunidade e, esporeando sua montaria, afastou-se a galope. Camila, indignada, gritou:

— Impostor! De nada valerão os ardis da tua terra, e tu não voltarás a ver teu pai!

E, pondo-se a correr com pés como se tivessem asas, alcançou o fugitivo. Agarrando-lhe as rédeas, imobilizou o animal, arrancou da sela o cavaleiro e o matou a golpe de espada.

Então, Tárcon, poderoso herói dos etruscos, gritou para a sua cavalaria:

— Abandonais a batalha por causa de uma mulher, covardes? Estais sempre prontos para danças e festas, e ficais vos arrastando à retaguarda, quando se trata de batalhas. Segui-me!

E cavalgou na direção de Vânulos, príncipe de Tíbur, agarrou-o pelos braços, arrancou-o do cavalo e puxou-o para o seu. Cingindo-o com o braço direito, em plena carreira, tratou de ferir Vênulos com sua lança partida, mas este, tentando evitar o golpe, mantinha a mão na garganta do inimigo. Mas o ferro transpassou-lhe a armadura, e Tárcon deixou cair ao chão o corpo desfalecido de Vênulos. Ao presenciarem a cena, troianos e etruscos sentiram-se revigorados e voltaram a atacar.

Durante o desenrolar da batalha, Arunte, famoso arqueiro etrusco, observava Camila e, seguindo-a por toda parte, esperava uma oportunidade para matá-la. Havia entre os troianos um sacerdote de Cíbele, de nome Cloreus, que se distinguia pela beleza das suas armas. Envergava um manto de púrpura e empunhava um arco lício revestido de ouro. Seu elmo, de ouro maciço, reluzia ao Sol e sua túnica era do mais fino lavor.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:18

Camila, seduzida por aquelas riquezas e, desejando apoderar-se delas, começou a negligenciar sua guarda, e em dado momento a seta de Arunte, que contava com o auxílio de Apolo, foi cravar-se abaixo do seio esquerdo da guerreira, que rodopiou sobre o cavalo e teria caído ao solo, se suas companheiras não a amparassem quando deslizou da sela. Ainda tentou retirar a flecha, e só conseguiu quebrá-la, cuja ponta lhe causara profundo ferimento entre as costelas. Sentiu que os olhos se lhe amorteciam, uma profunda lividez invadia-lhe as faces. Mal respirando, disse a Aca, sua favorita:

— Amiga, vai dizer a Turnos, quais são as minhas últimas ordens, pois que a Noite se fecha em torno de mim. Daqui por diante, deverá ele dirigir a luta e proteger a cidade contra Enéias.

Disse, soltou das mãos as rédeas e deslizou lentamente pelo cavalo até o chão; ali, inclinando a cabeça e o pescoço, expirou.

Prorromperam os volscos em gritos de desespero, e a batalha recrudesceu. E Arunte, o etrusco, temendo a vingança das guerreiras de Camila, fugiu e se escondeu, mas passado algum tempo retornou à batalha, jactando-se de sua façanha, e iniciou-se uma batalha feroz pelo cadáver de Camila. Só então o etrusco foi atingido pela seta invisível da ninfa Ópis e morreu com a face enterrada na poeira. Foi pisado e esquecido pelos seus.

Após a morte de Camila, os volscos e suas guerreiras começaram a fugir, seguidos de perto pelos rútulos. Os troianos e os etruscos foram encurralando aos poucos as fileiras latinas, que acabaram sendo dizimadas. Os soldados que restavam procuravam refugiar-se na cidade. Dali a pouco, perseguidos e perseguidores chegaram simultaneamente às portas, penetrando juntos na praça e levando a efeito impressionante carnificina. Noutros pontos, o povo, assustado e em pânico, conseguiram fechar as portas e muitos latinos se viram perdidos no campo, onde morreram sob as lanças inimigas.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:19

O rei Latino ainda relutava, pois não desejava a morte de Turnos. Amava o jovem príncipe e de bom grado o teria aceito como genro, se os deuses não o tivessem proibido. A solução era convencer Turnos de que devia desistir de Lavínia e regressar a seu país.

— Me chamas de pai... quanto mais excedes os outros em valor, meu jovem, tanto mais creio que devo aconselhar-te e considerar cuidadosamente todos os azares da Sorte, como teu pai verdadeiramente o faz. Pois reflete bem, filho. Algum dia o reino de teu pai, a Daunia, te será confiado. Herdaste um grande reino ao qual, mediante algumas conquistas, incorporastes novas cidades. Há muitas donzelas na terra italiana, de grande formosura e de nobre estirpe, entre as quais poderás escolher uma esposa. Por que desafias a vontade dos deuses? Tenho-te em grande apreço e com bons olhos veria teu casamento com Lavínia, mas, como sabes, os Fados te são contrários. Deixa-me dizer-te toda a verdade, por mais dolorosa que possa ser-te. Os avisos dos deuses e os homens me impediram dar minha filha a um dos seus anteriores pretendentes. Quanto a ti, impelido pelo nosso parentesco e pelas lágrimas de minha mulher, eliminei todas as dúvidas, aceitei-te por genro e deixei-me levar a esta infeliz luta. E agora podes comprovar com que resultado. És o único obstáculo à paz. Vê quantos sofrimentos eu e meu povo já tivemos de suportar. Perdemos duas batalhas, somente nos resta esta cidade, e nem mesmo aqui nos sentimos em segurança. Por isso, renuncia a Lavínia, e não pretendas de mim que eu faça depender do duvidoso desenlace de um combate singular o que podes, por um ato de livre vontade, mudar em certeza. Lembra-te de que a sorte da guerra não nos é propícia. Tem pena de teu velho pai que, na velha cidade de Árdea, morre, vítima de toda angústia que sente por ti.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:19

Não houve, no entanto, nada que pudesse persuadir o príncipe dos rútulos. Pelo contrário: aquelas palavras suaves mais ainda o firmaram na obstinação. A rainha também se opunha à luta entre Turnos e Enéias. Em pranto, Amata disse-lhe:

— Que farei se ele te matar? Uma promessa, no entanto, te faço: enquanto eu respirar, Enéias não casará com minha filha!

Sem saber o que fazer, Lavínia chorava, pois não ignorava que era a causa de tudo. Vendo-a desfeita em lágrimas, mais bela que nunca, o coração de Turnos novamente se inflamou. E dirigiu-se à rainha Amata:

— Eu te suplico, mãe, que não continues a chorar, e que abandones os teus negros pressentimentos. Eu, Turnos, não tenho escolha!

Surdo aos apelos do rei e da rainha, chamou um mensageiro rútulo e deu-lhe esta ordem:

— Ídmon, procura Enéias, o troiano, e dize-lhe uma palavra que lhe não há de agradar; avisa-o de que estou disposto a lutar com ele, decidindo de vez a guerra. Dize-lhe que amanhã, de manhã, não conduza os seus homens à batalha, como não o farei com os rútulos. Deixaremos ambos os exércitos à margem da luta. Mas enquanto o Sol estiver no céu, ele e eu decidiremos esta guerra com o nosso sangue. Quem vencer terá Lavínia por esposa.

E Ídmon foi cumprir as ordens de seu chefe.

Na manhã seguinte, de volta ao interior da fortaleza, Turnos mandou lhe trouxessem os seus alvos e velozes corcéis e, pondo a armadura e pegando a lança invicta, exercitou-se no manejo. Também Enéias, satisfeito com a mensagem do príncipe rútulo, se apoderou das armas divinas. Mal os raios do Sol iluminaram o cume das montanhas, já rútulos, latinos, árcades, etruscos e troianos puseram-se a medir o terreno para o combate. Um altar de pedras para os deuses foi erguido no centro da área marcada. Trouxeram-se água e fogo para os sacrifícios, coroas para os sacerdotes, animais e bebidas para a libação.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:20

Depois, o povo itálico, entre jovens e velhos, mulheres e crianças, saiu das portas da cidade, enquanto, do lado contrário, acudiam os componentes dos exércitos troiano e etrusco, então aliados. A um sinal, sentaram-se na relva, troianos de um lado, latinos do outro, com as lanças fincadas no chão, deixando no meio vasto espaço aberto. No topo das muralhas e das torres de Laurentos reuniu-se uma multidão de mulheres, crianças e velhos, para presenciar a luta; até no alto das portas mais elevadas se viam grupos de curiosos.

Terminados os preparativos, surgiu Latino numa quadriga real, a cabeça cingida por uma coroa de doze pontas, emblema da sua descendência do Sol. Logo depois chegou Turnos, num carro puxado por dois cavalos brancos, empunhando uma lança em cada mão, e não tardou a aparecer Enéias, envergando a esplêndida couraça forjada pelo deus do fogo. Seu carro era conduzido pelo filho Ascânios, com todo o vigor da juventude.

Um sacerdote vestido de branco trouxe um cordeiro e um leitão, animais que ele colocou perto dos altares acesos. Enéias, dirigindo os olhos para o Sol-Nascente, esparziu farinha salgada sobre as vítimas, raspou-lhes o pelo da cabeça com aço e verteu as libações nos altares. Turnos fez o mesmo. E Enéias pôs sua mão sobre o altar e fez o seguinte juramento:

— Se Turnos vencer, os troianos, sob as ordens de meu filho Ascânios, abandonarão sem demora o Lácio e regressarão para Palanteus, a cidade do rei Evandros, e nunca mais perturbarão a tranqüilidade deste reino. Se eu, porém, for o vencedor, prometo que os latinos continuarão livres e que seu rei conservará a coroa. Meus homens construirão uma nova cidade que se chamará Lavínion, e as duas nações viverão para sempre em paz e harmonia.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:21

Em seguida, falou Latino, estendendo o braço para o Céu:

— Juro por todos os deuses que jamais violaremos o pacto que agora firmamos entre nossos povos. Vede este cetro que sustento nas mãos. É um simples galho de árvore que um hábil artífice revestiu de bronze, transformando-o num símbolo de poder para o rei de todos os latinos. Assim como dele nunca mais brotará ramo ou folha, assim também será este tratado eternamente conservado e respeitado.

Muito antes de iniciado, parecia o combate desigual aos rútulos. O coração fremia-lhes, impaciente, à vista da superior força de Enéias, e o desfecho se lhes afigurava assaz inseguro. A preocupação aumentou, quando viram surgir o chefe Turnos que, de rosto pálido, faces murchas e cabeça baixa, rumava para o altar. Porém, enquanto o rei Latino prestava seu solene juramento, Héra imaginava um meio de provocar a violação do tratado. Chamou a ninfa Juturna, irmã de Turnos, e preveniu-a:

— Teu irmão e Enéias estão-se preparando para o combate. Sabes como a luta terminará? Não percebes que Turnos está prestes a se dirigir ao encontro da Morte? Nada tenho com esse tratado, nem com a peleja, mas, se desejas salvar teu irmão, este é o momento propício.

A ninfa começou a chorar, mas Héra admoestou-a:

— Não perdes tempo com lágrimas, menina. Procura, se puderes, salvar teu irmão. Antes de mais nada, provoca o rompimento do tratado que acaba de ser concluído.

Embora contemplassem em silêncio os preparativos para a luta, os latinos receavam pela sorte de Turnos, pois a peleja lhes parecia desigual, pois sabiam que Enéias era filho de uma deusa. Turnos andava pálido e abatido, enquanto Enéias se mostrava confiante e seguro de si. A ninfa Juturna, percebendo a preocupação dos latinos, assumiu a aparência do príncipe Camertos, guerreiro rútulo destemido com os soldados, proclamando com ar irado ao ouvido de cada guerreiro:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:21

— Não vos sentis envergonhados, filhos da Itália, de permitir que um homem sozinho arrisque a vida por nós? Contai o número de troianos, árcades e etruscos... Vede como são poucos, apenas um contra dois latinos! E se Turnos for vencido? Mesmo que ele pereça, sua fama se espalhará por toda parte, mas nós seremos para sempre escravos dos troianos, apesar de todas as falsas promessas que nos foram feitas! E merecemos tudo isso, por termos estado ociosos, sentados na relva, quando deveríamos lutar.

Nesse momento, uma águia de asas douradas surgiu no céu perseguindo um bando de aves e, avistando do alto um belo cisne que nadava no rio junto de mais quatro, subitamente mudou de rumo, desceu até a água, prendeu-o nas garras e levou-o consigo. As aves fugitivas, aos olhos atônitos de latinos e troianos, inverteram a direção do voo e se lançaram sobre a águia, escurecendo o céu com as suas asas. Acuada, a grande águia soltou a presa no rio e rapidamente se afastou, perdendo-se no horizonte.

Tal presságio pareceu favorável a rútulos e latinos, que encheram-se de alegria, empunhando as espadas.

Imediatamente, o rei Tolúmnios levantou-se e gritou:

— Eis o sinal que esperava! A águia simboliza o invasor troiano; os pássaros, os latinos e seus aliados. Até este momento somos os fugitivos, de agora em diante seremos nós que os poremos em fuga!

No mesmo instante, arremessou o dardo, atingindo no ventre um dos soldados do rei Evandros; era um de nove irmãos, todos nascidos da mesma mãe, uma nobre etrusca. O dardo de Tolúmnios penetrou no corpo de um dos adolescentes, após atravessar-lhe o cinto, e o rapaz tombou no chão. Os oito irmãos, loucos de dor, brandiram as lanças e empunharam as espadas. Estabeleceu-se enorme confusão e em poucos momentos as duas forças inimigas achavam-se empenhadas num combate feroz. Atearam fogo ao altar e transformaram a madeira em tições. Os demais altares foram pisoteados pela multidão, um enxame de flechas cruzou o espaço, acompanhado de uma saraivada de lanças e dardos.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:22

Impressionado com a cena, o rei Latino agarrou as imagens dos deuses, diante da violação do trato, subiu no seu carro e fugiu.

Méssapos matou o rei Aulestes junto do altar em chamas e muitos outros foram massacrados, tanto do lado dos troianos como dos latinos. Debalde, Enéias tentou restabelecer a paz, erguendo ao Céu a direita desarmada. Atirou-se de cabeça descoberta para o meio dos seus e gritou:

— Para onde correis, meus amigos? Que é esta repentina discórdia? Refreai a vossa fúria, o trato foi concluído, as condições estipuladas. Quem impede que nós, os chefes, possamos combater?

Nesse momento, enquanto falava, recebeu uma flechada, que o feriu na perna. E, a contragosto, teve que ser amparado por seus soldados e retirado do campo de batalha.

A MORTE DE TURNOS

Agora que Enéias se encontrava ausente, Turnos passou a lutar com redobrada fúria. Pedindo o cavalo e as armas e ficando de pé no seu carro, movia-se como um furacão no campo de batalha, matando inúmeros inimigos. Aterrorizados, os troianos recuaram. Apenas Fegeus ousou arrostá-los. Segurando os freios dos cavalos, tentou deter o carro, mas acabou sendo arrastado pelo carro e ferido por Turnos, que lhe atravessou a couraça com a lança. Nem assim Fegeus desistiu. Largando os freios e protegendo-se com o escudo, investiu contra Turnos com a espada, mas recebeu um violento golpe que o atingiu entre o elmo e a malha, decepando-lhe a cabeça.

Quando a sorte da batalha começava a pender a favor dos latinos, Acates, Mnesteus e Ascânios levaram Enéias para o acampamento. O chefe troiano caminhava devagar, apoiando-se na comprida lança. Chegando à sua tenda, tentou em vão arrancar a seta da coxa. Mandou chamar o médico Iápiges.

— Livra-me logo desta seta para que eu possa voltar depressa ao combate.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:23

Iápiges, não querendo recorrer a remédios violentos, mas à ação de ervas medicinais, pretendia que a ponta da flecha se movesse folgadamente no ferimento. Então, pegando o ferro com uma pinça, com a mão retirou a extremidade da haste quebrada. Contudo, não obstante a perícia, não conseguia extrair o projétil. Estando a se esforçar sem resultado, já se via a nuvem de pó que a cavalaria inimiga erguia, inúmeros dardos caíam no acampamento, e cada vez mais se aproximava a gritaria dos combatentes.

Enquanto as tropas em luta se aproximavam cada vez mais do acampamento e as primeiras lanças inimigas começavam a cair no interior da muralha, a deusa Afrodite, comovida com os sofrimentos do filho Enéias, foi ao monte Ida, na ilha de Creta, a fim de apanhar a maravilhosa planta denominada “dictamnos”, com as suas folhas repletas de suco e flores purpurinas. Levou-a, envolta numa nuvem, ao acampamento troiano. Ali, sem que ninguém a visse, deitou umas gotas da planta curativa na panela em que o médico estava fervendo as suas ervas medicinais e usaria para lavar o ferimento. A deusa acrescentou ainda um pouco de ambrosia e de panacéia aromática. Iápiges de nada suspeitou, e tornou a lavar o ferimento do herói, e, assim que a água molhou a ferida, a seta saiu sem dificuldade, cessou de jorrar sangue e as dores cessaram imediatamente. Para espanto geral, Enéias levantou-se como se nada houvesse acontecido, e sentia que as forças lhe voltavam. E o médico, muito contente, ordenou aos demais:

— Que estais esperando? Trazei imediatamente as armas de nosso rei e senhor! Isto não foi feito por nenhum poder humano, nem aqui nada logrou a minha arte.
E, virando-se para o herói, concluiu:

— Alguém mais poderoso que eu tudo realizou, e esse alguém te chama a maiores feitos, ó rei!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:23

Enéias, ansioso por lutar, rearmou-se, colocou rapidamente as caneleiras e a couraça, impaciente, e só ficou contente quando teve o elmo na cabeça e a lança na mão. Completamente armado, abraçou Ascânios e, dando-lhe um beijo através da viseira, disse-lhe:

— Aprende a ser valente como teu pai, e imita a minha constância, mas com outros é que aprenderás a felicidade!

O seu poderoso vulto de herói cruzou as portas do acampamento. Anteus e Mnesteus, com fortíssimos esquadrões de cavalaria, a ele se uniram. Toda a tropa saiu do campo, e uma nuvem de pó não tardou em anunciar a Turnos a chegada do inimigo, produzindo-lhe um calafrio que lhe percorreu o corpo inteiro. Quando os soldados troianos o avistaram, recobraram o ânimo e se lançaram à luta com redobrado vigor, levando o inimigo a recuar. Em breve a batalha se travava novamente às portas da cidade dos latinos.

Muitos guerreiros inimigos foram mortos, mas Enéias queria apenas encontrar Turnos, não se preocupando com os outros. A irmã de Turnos, Juturna, percebendo a intenção de Enéias, correu angustiada para o carro do irmão, retirou Metiscos, o áuriga, tomando-lhe o aspecto, e pegou as rédeas, sem que Turnos o percebesse, já que Juturna, sua irmã, era uma ninfa e tinha o poder de se transformar. Tocou os cavalos com o chicote e começou a dirigir o carro para uma e outra extremidade do campo, sempre preocupada em manter grande distância do irritado Enéias. Este o perseguia incansavelmente, a pé, procurava não perdê-lo de vista, e, por entre os batalhões desfeitos do inimigo, o desafiava sempre, de longe, a um combate singular. Enéias gritava, arfando:

— Pára, covarde, e aceita a luta!

A ninfa continuava a açoitar os cavalos e a fugir de Enéias.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:24

Em determinado instante, o chefe troiano quase encontrou a Morte. Preocupado com Turnos, não viu o rei Méssapos, que de lanças em riste, se preparava para atacá-lo, mal tendo tempo de se deixar cair de joelhos e erguer o escudo. A lança chegou a atingir-lhe o elmo, decepando o belo penacho que o encimava. Enéias ficou tão furioso, chamando os deuses por testemunhas da violação do tratado, que desistiu da perseguição a Turnos e, lançando-se no meio das tropas latinas, causou grande mortandade entre as fileiras inimigas.

Algum tempo depois, Afrodite inspirou-lhe a ideia de mandar os troianos atacarem as muralhas, num ataque surpresa, imaginando que assim forçaria Turnos a vir em socorro da cidade. E poderiam afinal encontrar-se. Chamou os comandantes Mnesteus, Sergestes e Serestos e ordenou-lhes que ocupassem as alturas; o resto do exército troiano seguiriam o herói e, sem abandonar escudos nem lanças, se amontaria em volta do chefe.

Enéias, do alto do montinho situado no centro do círculo, dirigiu-se às suas tropas:

— Não hesiteis em cumprir as minhas ordens! Zeus está conosco! Se hoje os inimigos se não submeterem, atacarei a cidade de Latino e farei com que os seus telhados se confundam com o chão! Deverei esperar, por acaso, que Turnos se digne a lutar comigo? Não! Diante de vós se encontra o objetivo desta guerra; trazei archotes e tratai de lembrar-lhes, com as chamas, o tratado violado!

Obedecendo às ordens, os soldados, em formação de cunha, avançaram na direção dos muros, em fileiras cerradas, brandindo archotes e carregando compridas escadas. Com as escadas apoiadas e com os archotes acesos, começaram a escalar os muros, e tombaram as sentinelas. Flechas e lanças começaram a voar por sobre os muros. E à testa do exército, Enéias, erguendo a direita para o Céu, declarava culpado de tudo o rei Latino e rogava aos deuses que fossem testemunhas da violação do tratado.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:24

Enquanto que, na cidade, as opiniões estavam divididas; uns aconselhando a cessação das hostilidades e que abrissem as portas para o inimigo, outros favoráveis à resistência.

A rainha, postada no alto do palácio, viu o ataque dos troianos, as casas em chamas e o povo em polvorosa, e foi tomada de profunda prostração. Não via Turnos, nem os rútulos defender o seu povo, e, julgando-se em parte culpada pelos infaustos acontecimentos, começou a praguejar contra si mesma, rasgou uma tira do seu manto de púrpura e se enforcou numa das vigas do seu aposento.

As mulheres dos latinos, sabedoras do trágico fim da rainha, ergueram lamentos em todos os cantos. Ao se espalhar a notícia da morte da rainha, todo o povo prorrompeu em lamentações, e o rei e a filha choraram amargamente. Lavínia, a filha, chegou a arrancar os dourados cabelos, pelo desespero, e arranhar seu delicado rosto. O velho Latino, desconsolado, rasgou as vestes e começou a correr, chorando, pelas salas do palácio, censurando-se por não haver admitido logo no primeiro dia o príncipe troiano em seu país, aceitando-o por genro.

Segundo as palavras de Virgílio, Neque enim leve nomen Amatae, “Pois o nome de Amata não é em vão”, o nome de Amata passaria, mais tarde, a designar o culto da deusa Vesta, chegando a ela ser confundida. O sumo-pontífice, ao consagrar uma nova vestal, haveria de pronunciar a fórmula sagrada: Ita te, Amata, capio, “Assim, Amata, eu te consagro”.

Entretanto, Turnos, combatendo na extremidade da planície, ignorava o que se passava. Ainda perseguia alguns fugitivos. Tanto que os seus cavalos iam perdendo, pouco a pouco, a velocidade e cedendo ao cansaço. Foi quando, de súbito, o Vento trouxe-lhe aos ouvidos, vindo da cidade, um fragor e uma gritaria distante e confusa. Preocupado, apanhou as rédeas do áuriga, detendo os cavalos, e perguntou:

— Que alarido é esse, Metiscos? Penso que estão em sérios apuros na cidade.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:26

Juturna, ainda disfarçada, replicou-lhe pressurosamente:

— Enfim que estás pensando, Turnos? Pretendes, acaso, parar em plena vitória? Continuemos a perseguir os troianos. Há gente bastante na cidade para defendê-la do inimigo. É aqui no campo que será decidida a vitória.

Turnos não se deixou iludir:

— Não falas como Metiscos. Não és Metiscos.

E, fitando o áuriga, reconheceu:

— Juturna! Bem que desconfiei de ti! Não tive certeza, mas pareceu-me ter sido tu a responsável pelo rompimento do tratado... Também agora te esforças inutilmente por ocultar-te. Dize-me, quem te enviou do Olimpo e te impôs o castigo de sofrer por minha causa as tribulações próprias dos mortais? Por que abandonaste a morada dos deuses? Para assistir à morte de teu irmão? Que outra perspectiva me resta? São poucos os amigos que ainda não morreram e a queda da cidade é iminente. Os latinos não verão Turnos esquivar-se à luta, não refutarei com o meu braço as palavras invejosas de Drances... Não fugirei como uma mulher chorona. Os deuses dos vivos abandonaram-me. Mas os deuses do Averno me receberão, pois apenas procurei fazer o que julgava direito, digno da glória dos meus antepassados.

Nesse momento, aproximou-se a cavalo um capitão rútulo, Saces, com o rosto manchado de sangue por uma flechada. Vinha a galope num fogoso corcel.

— Ó Turnos, és a nossa última esperança! Enéias já entrou na cidade e seus homens estão a lançar tochas acesas nos telhados das casas. O rei desespera-se, a rainha Amata alcança o Mundo dos Mortos... Apenas Méssapos e Atínates, com um punhado de soldados, resistem ainda. Por que estás aqui, dirigindo teu carro por estes campos desertos?
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:27

Turnos, surpreso, dirigiu os olhos para todos os lados e viu que não havia ninguém, nenhum soldado inimigo sequer. Sua irmã Juturna o havia enganado. Foi só então que Turnos pôde ver, distante, a coluna de fumaça negra que subia em direção das nuvens. Começou a pensar nas torres de madeira da muralha de Laurentos, a torre que ele mesmo ajudara a erguer com gigantescas vigas, montando-a em rodas, unida à cidade por intermédio de poderosas pontes levadiças.

Envergonhado, Turnos, apanhando a espada que estava ao seu alcance, pensando que empunhava a sua própria, fez descer de seu carro a irmã, dizendo-lhe:

— Agora, Juturna, minha irmã, a Sorte nos vence. Não me detenhas por mais tempo. Vamos para onde me chamam as Moiras. Estou decidido a lutar com Enéias. Suceda o que suceder, não me verás sem glória.

Tomando as rédeas, rumou para a cidade, abrindo caminho por entre as lanças dos inimigos, atravessou as fileiras dos troianos. Turnos precipitou-se através dos esquadrões, atropelando a quem encontrasse pela frente, em direção dos muros da cidade, onde mais ardia a luta. E, aos pés das muralhas, saltou do carro e precipitou-se no meio do combate, gritando:

— Cessai a luta, rútulos! Guardai as setas e os dardos, latinos, e embainhai as espadas! Aqui estou para lutar em vosso lugar! Somente a mim cabe decidir a pendência pelas armas!

Ao ouvir essas palavras, todos, subitamente, cessaram de lutar, e Enéias, que lhe ouvira o chamado, abandonou o ataque e veio defrontar-se com o implacável inimigo. As tropas imobilizaram-se, fez-se um profundo silêncio e todos voltaram os olhos para os dois grandes guerreiros. O próprio Latino não pôde deixar de admirar aqueles dois varões formidáveis, oriundos de distintos continentes, que avançavam um contra o outro, para resolver a questão em combate singular.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:27

Os dois adversários atiraram-se freneticamente ao lugar que os exércitos inimigos, retirando-se, tinham deixado livre no campo. Quase ao mesmo tempo, ambos arremessaram as lanças, investiram rápidos, um contra o outro, e seus escudos entrechocaram-se com violência. Turnos, erguendo o corpo, desferiu um golpe tremendo com a espada, que fez os troianos gemerem de agonia e arrancou dos latinos gritos de alegria. Mas, ao chocar-se contra o escudo de Enéias, a espada partiu-se. Fatidicamente, na agitação daquele dia, ao subir no carro para se lançar ao combate, Turnos havia cometido fatal engano; em vez de apanhar sua espada, pegara a do seu áuriga. Tal descuido não tivera muita importância enquanto defrontava-se com escudos comuns; quando, porém, a espada de qualidade inferior chocou-se contra o escudo forjado por Hefaístos, espatifou-se. Ao ver-se desarmado, Turnos virou-se e tratou de fugir. Pediu aos soldados latinos que lhe jogassem outra espada, mas Enéias, perseguindo-o, embora um tanto tolhido pelo ferimento na coxa, ameaçou arrasar toda a cidade se alguém ajudasse Turnos. Cinco vezes correram em volta das tropas, sem que Turnos conseguisse escapar ou Enéias apanhá-lo. Fazendo voltas inseguras, quis fugir por um ou por outro lado, mas não lhe foi possível, visto que por dois lados lhe cortavam o passo os troianos, enquanto pelo terceiro se lhe antepunha um pântano, e pelo quarto se erguiam os muros da cidade atrás dos latinos e dos rútulos.

De repente, saiu de todas as gargantas enorme grito que ressoou nas margens e nas montanhas e que, como retumbante trovão, se ergueu até as nuvens. Na sua fuga, Turnos chamava pelos nomes de seus rútulos, pedindo-lhes uma espada, mas ninguém ousou prestar-lhe ajuda, amedrontados pelas ameaças do herói troiano.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:28

Erguia-se na planície um tronco de oliveira agreste, consagrada ao deus Fauno, onde fora cravar-se a lança que Enéias arremessara contra Turnos no início da peleja. Ao passar perto do tronco, Enéias parou e tentou arrancar a lança, mas Turnos ergueu uma rápida prece:

— Ó Fauno, por tudo que mantive sagrado e os troianos profanaram, e tu, generosa deusa do solo itálico, detende a lança de Enéias!

E assim aconteceu, com efeito, pois Enéias não logrou arrancá-la. Enquanto tentava, a ninfa Juturna, novamente tomando a aparência de Metiscos, aproximou-se correndo e depôs nas mãos do irmão sua própria espada. Ao ver o procedimento de Juturna, a deusa Afrodite, por sua vez, desceu do alto e arrancou a lança do tronco.

Então Zeus, que do Céu observava o combate, exprobou a deusa Héra, sua irmã e esposa:

— Por quanto tempo vais continuar a insurgir-se contra o próprio Destino, Héra? Que pretendes ainda? Por tua causa, os troianos vagaram longo tempo por mares e terras estranhas, o luto e o sofrimento se espalharam pela Itália e o canto nupcial se transformou em lamento. É inútil dar uma espada a Turnos para prolongar a luta. Tu mesma sabes que Enéias foi destinado ao Céu pelo Fado. Chegou o momento de acabar com a guerra e todas as suas tristes consequências!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:28

Turnos sentiu que os cabelos se lhe eriçavam, e os membros se lhe paralisavam à vista de tão fatídico sinal. Quanto a Juturna, começou a puxar os cabelos e a bater no peito, pois reconhecia o poder de Zeus e amaldiçoava a sua própria imortalidade. Cobrindo o corpo com a etérea veste verde, mergulhou na corrente do Tíberis.

Nesse momento, Enéias investiu contra Turnos, brandindo a comprida lança.

— Por que recuas, Turnos? Por que continuas a hesitar? Não vês que não te resta outro recurso senão enfrentar-me? Anda, vale-te de toda a arte e de todo o valor que possuis.

Turnos protestou, com o rosto afogueado:

— Não é a ti que eu temo nem às tuas palavras, insolente, mas os deuses que se voltaram contra mim!

Desprezando a espada, abaixou-se e apanhou uma enorme pedra que servia de limite a um lote de terra. O guerreiro rútulo fez menção de arremessá-la contra Enéias, mas as forças lhe faltaram, e a pedra escapou-lhe das mãos, não chegando nem perto dos pés de Enéias. Turnos estava esgotado, os braços não tinham força, seus joelhos tremiam, o sangue se lhe gelava. Só restou-lhe, então, fugir, e notando na sua frente os rútulos e as muralhas da cidade, ficou indeciso e acovardou-se, à espera da investida do inimigo. Foi em vão que buscou o carro e a proteção de sua irmã.

Enéias não vacilou, escolheu esse momento para lançar o dardo que, zunindo pelo ar, atravessou escudo e couraça e foi cravar-se na coxa de Turnos. Este, ferido, tombou por terra, e sua queda arrancou dos latinos um grito de horror.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:29

Turnos rapidamente ergueu os olhos para Enéias e disse, estendendo a mão direita, em gesto de súplica:

— Venceste! Poupa-me a vida, não por mim, mas por meu velho pai! Restitui-me aos meus! Mas se a dor de meu pai é capaz de comover-te — ele é para mim o que para ti foi Anquises — compadece-te do desventurado Daunos. Se não poupares minha vida, pelo menos devolve meu corpo. Todos aqui presentes testemunharam minha derrota, todos me ouviram suplicar-te a vida! Lavínia é tua; não é, pois, necessário que me mates!

Já com a lança erguida para o arremesso fatal, Enéias vacilou. Apesar de tudo, não se decidia; o apelo de Turnos o comovera. A alma se lhe inclinava para a misericórdia quando, por desgraça do vencido, descobriu o cinturão resplandecente do jovem Palas, do qual Turnos se tinha apoderado. Ao lembrar-se do jovem amigo, sua fronte anuviou-se. E indagou com voz mesclada de dor e cólera:

— Como queres que eu te poupe a vida se além de teres morto meu amigo ainda usas seus despojos? É Palas que te imola pela minha mão e nesse teu maldito sangue se vinga!

E, sem mais hesitação, cravou a lança no peito de Turnos. E o frio da Morte lhe percorreu os membros, e, com um gemido, expirou, abandonando o corpo sem vida sua sombra irritada, que voou para o Averno e entrou no Reino dos Mortos. Em seguida, Enéias cercou Árdea e mandou atear fogo na cidade. A cidade foi então consumida pelas chamas, reduzindo-se apenas a um monte de cinzas; e das cinzas surgiu uma ave de porte majestoso, que os latinos chamaram-na de ardea, “garça”.

A MORTE DE ANA

Enéias desposou a bela Lavínia e construiu uma cidade a que deu o nome da esposa, Lavínion. A cidade cresceu, progrediu e em breve espalhava-se por uma extensa área, pois a fama do grande Enéias depressa se difundiu entre o povo do campo, e muitos camponeses, entusiasmados pela sua bravura na guerra e confiantes na sua justiça, deixaram suas terras e vieram viver sob a proteção do chefe troiano.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:30

E a fama de Enéias chegou aos ouvidos de Ana, que morava asilada na pequena ilha de Mélita, no interior do grande mar, ao sul da Trinácria (Sicília). O rei fenício Pigmálion, seu irmão, que há muito perseguia suas irmãs fugitivas, forçava-a a retirar-se e fez com que a infeliz abandonasse aquele asilo; Ana fugiu para a Itália, onde o rei Enéias a recebeu de braços abertos, prometendo-lhe abrigo e proteção.

No entanto, logo, Lavínia, esposa do troiano, ficou cheia de ciúmes. Determinou, então, desfazer-se da jovem estrangeira. Mas Ana, advertida em sonho pela sombra da irmã, fugiu durante a noite e lançou-se no Numício, riozinho do Lácio, onde foi transformado em ninfa, chegando, mais tarde, a ser confundida com Ana Perena, a deusa do Numício.

O DESAPARECIMENTO DE ENÉIAS
E A SUA DESCENDÊNCIA

Além de Ascânios, que tivera Enéias com sua antiga esposa, Creúsa, o herói dos troianos teve também filhos com a princesa Lavínia: Sílvio, Rómus e um filha, Emília.

Enéias, entretanto, tinha também inimigos. Grande parte dos antigos chefes, vencidos nas numerosas batalhas, ansiavam por vingança. A outros repugnava ter como governante um estrangeiro. Aos poucos os descontentes se reuniram e acabaram formando um grande exército que marchou contra a nova cidade. Enéias saiu com as suas tropas ao encontro dos atacantes e infligiu-lhes terrível derrota, mas não regressou à cidade.

Diziam alguns que tinha morrido afogado num rio que desembocava no mar, perto do campo de batalha; outros asseguravam que havia sido levado pela deusa Afrodite. O fato é que nunca mais foi visto por ninguém.

A princesa Lavínia havia tido então um filho primogênito de Enéias, e Ascânios resolveu deixar a cidade de Lavínion para o irmãozinho e construir outra povoação para si. Era grande, aliás, o número de troianos, latinos, etruscos e gregos oriundos da cidade de Evandros, e um só lugar se tornava insuficiente para abrigar tanta gente.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:30

Lavínia ficou governando a cidade que tinha seu nome, até que o filho atingisse a maioridade, e Ascânios, cerca de trinta anos após a fundação de Lavínion, fundou outra cidade, aos pés do monte Albano, à qual chamou Alba. E os latinos (aborígenes e troianos) uniram-se, por tratados, aos etruscos.

Pouco depois, morreu muito velho rei Evandros e, como não deixasse herdeiros, a pequena cidade de Palanteus, construída entre as sete colinas junto do Tiberis, ficou rapidamente deserta, com a mudança de seus habitantes para Alba ou para Lavínion.

Durante longo tempo, o lugar onde ficava Palanteus ficou desabitado, e a cidade ficou exposta à ruína. Depois de muito tempo, e o monte no qual havia-se erguido, passou a levar o nome de Palatino. Mais tarde, ali mesmo, nessa região do Palatino, se ergueria a eterna Roma. O soberano Rômulo a anexaria a Roma e, sob o reinado de Marco Aurélio, este imperador mandaria edificar duas estátuas em Palanteus, na velha Arcádia: uma de Evandros e outra de Palante, seu filho.

Ascânios teve por filhos Emilos, Rómus e Íulos, que viria a ocupar o governo de Alba, que, crescendo sempre, para ambos os extremos, passou a chamar-se Alba-a-Longa. Quanto a Emilos, a família patrícia dos Emílios pretendeu descender deste lendário rei.

Depois de Íulos, reinaram em Alba seu meio-irmão Rêmulos Sílvios, Enéias, Latino e Alba.

Havia um rei da Lídia, que era bisneto de Héracles e filho de rei Alceus e de Cótis. Seu nome era Átis, o primeiro rei da Segunda Dinastia dos lídios. Ele, mantendo-se neutro à guerra que se fazia em Tróia contra a invasão dos gregos, visto que não lutaria contra seus parentes, decidiu partir da Lídia, levando sua família para a Itália, aonde reinaria, mais tarde, como sétimo rei de Alba, no Lácio. Seu filho Tirrenos havia-se tornado companheiro de Ascânios, filho de Enéias, o chefe dos troianos.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 18:31

Então, depois de Átis, reinaram Cápis, Cápetos e Tiberinos. Logo, surgiu Agripa, filho de Tiberinos, e seu neto, Rômulos Sílvios, que foi morto por um raio. A coroa passou a Aventinos, sepultado na colina mais tarde conhecida pelo seu nome.

Depois veio Sílvios Procas, que teve dois filhos, Númitor e Amúlio. Númitor foi o último dos reis albanos.

Vários anos mais tarde, um vilarejo começou lentamente a crescer e a espalhar-se pelas cercanias da velha Palanteus. Era um sítio tranqüilo, não perturbado por terremotos, pois estes não atingiam o vale do Tiberis. E muita gente que se achava em dificuldade em outras cidades ficava contente por encontrar um refúgio seguro naquela pacífica localidade do outro lado do rio.

Mais tarde, um importante acontecimento histórico ali se desenrolou, exatamente como fora previsto pelo deus Hefaístos e ficara gravado no escudo de Enéias. Duas criancinhas, descendentes de uma princesa da estirpe do herói troiano, foram abandonadas num lugar hermético entre as colinas, por intrigas de um tio cruel; uma loba, que tinha perdido a cria, alimentou-as com seu leite, e elas cresceram e se tornaram os mais poderosos do país: Rômulos e Remo. Rômulos, depois de assassinar seu irmão Remo, no curso do tempo, fez o vilarejo transformar-se em cidade, e a cidade numa fortaleza: Roma, e os seus habitantes passaram a ser chamados de romanos.

Os sucessores de Rômulos, conhecido como filho do deus Marte, foram: Numa Pompílios, Tulos Hostílios (que destruiu Alba-a-Longa) e Anco Márcios.

Pela conquista ou aliança com países vizinhos, os romanos conseguiram pouco a pouco estender suas fronteiras e fortalecer seu poder. Em algumas ocasiões a cidade caiu em mãos inimigas, mas sempre tornou a libertar-se, saindo fortalecida de todas as batalhas e cada vez mais respeitada.
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