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A Saga de Enéias

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A Saga de Enéias - Página 4 Empty Re: A Saga de Enéias

Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:31

— O Criador fez originalmente o material do qual se compõe as almas com os quatro elementos, o fogo, a terra, a água e o ar, que, assim unidos, tomaram forma da parte mais excelente, o fogo, e se transformaram em chama. Esse material espalhou-se como a semente entre os corpos celestes, o Sol, a Lua e as Estrelas. Dessa semente os deuses inferiores criaram o homem e todos os outros animais, misturando-a, em várias proporções, com a terra que temperava e reduzia sua pureza. Quanto mais a terra predomina na mistura, menos puro é o indivíduo, e vemos homens e mulheres com os corpos plenamente desenvolvidos sem a pureza da infância. Desse modo, a impureza contraída pela parte espiritual está em proporção com o tempo de união do corpo com a alma. Essa impureza pode ser purgada até a morte, o que é feito ventilando as almas na corrente de ar, ou emergindo-as na água, ou queimando-as no fogo. Alguns poucos, como eu, são admitidos ao Elíseo, para aqui permanecer. Os restantes, porém, depois de purgados das impurezas da terra, são devolvidos à vida, dotados de novos corpos, com a lembrança de sua antiga vida inteiramente apagada no Létes. Existem ainda, contudo, alguns que estão tão profundamente corrompidos que não podem receber corpos humanos e são transportados aos corpos dos animais.

E durante longo tempo o velho Anquises lhe falou dos acontecimentos que haveriam de lhe suceder, a ele, seu filho, da guerra que travaria na Itália, das suas vitórias, dos seus futuros e famosos descendentes, os reis de Alba, Remo e Rômulo, o fundador de Roma, Brutos, que libertaria a cidade dos tiranos, e muitos homens sábios e valentes. E mostrou-os cada um deles, que beberiam a água do Létes. Mostrava-os todos, entre guerreiros, pastores, poetas e reis, muitos reis.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:32

— Teus filhos dominarão o mundo!

Anquises prenunciou orgulhosamente. E terminou por exaltar as glórias e porvindouras façanhas dos romanos. Após essa profecia, conduziu Enéias até a saída de acesso, por onde deveria regressar, e dele se despediu amavelmente. Enéias foi-se encontrar com a Sibila, e regressaram a Cumas. Ao ver-se de novo sob a luz do Sol, Enéias separou-se da Sibila e voltou até o seu amigo Acates, a fim de seguir viagem com seus navios.

A TERRA PROMETIDA

Enéias continuou a costear e foi desembarcar num porto aberto, hoje localizado entre o cabo Circeo e Nápoli e as ilhas de Ischia e Pontina. Ali faleceu, após o desembarque, Caieta, a velha e fiel nutriz de Enéias. Sepultaram-na solenemente antes de prosseguirem viagem. Finda a piedosa cerimônia, Enéias batizou aquele lugar de Caieta, onde haveria de nascer a cidade do mesmo nome, hoje chamada Gaeta, na região do Lácio.

Levadas pela brisa favorável, as naves acompanharam o litoral coberto de densa mata e chegaram à foz do Tiberis, um rio de águas amareladas, perto de onde hoje se ergue o porto de Óstia, e ali fundearam. Notaram os nautas grandes bosques que circundavam o rio, amarelo pelas suas areias, que impelia ao mar os seus redemoinhos. Aves de múltiplas cores esvoaçavam, trinando melodicamente, sobre a foz e a entrada da mata.

Os troianos e os lícios foram à terra e acamparam à sombra de elevada árvore, e Enéias mandou preparar comida. Com a pressa, nem sequer se deram ao trabalho de tirar dos barcos os utensílios; assim, cozeram grandes tortas de trigo e sobre elas colocaram a comida, frutas silvestres colhidas no mato. Consumidas as frutas, ainda tinham fome e terminaram por comer as placas, com excelente apetite. Isso fez arrancar de Ascânios motivo de zombaria:

— Olha, pai, estamos devorando as mesas!

Ao ouvir essas palavras, um calafrio percorreu os membros de todos. Enéias levantou-se de um salto e disse-lhes:

— Salve, terra estrangeira! És a terra que me foi prometida pelo Destino.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:33

E abraçou o filho e disse também:

— O que acabas de dizer, filho, traz à minha memória a predição da hárpia de que, ao alcançarmos a terra do nosso destino, seríamos obrigados pela Fome a comer nossas próprias mesas. Foi o que agora aconteceu, e é motivo de júbilo, pois nossa longa peregrinação chegou ao fim. Realizou-se também a profecia de meu pai, Anquises, que quando isso viesse a se suceder, chegaríamos ao termo das nossas dores. É esta a terra que nos foi prometida!

Diante dessa afirmativa, todos os corações encheram-se de alegria e muitos troianos e lícios não puderam conter as lágrimas, de emoção.

A terra italiana onde se encontravam era o Lácio, país dos laurentos. Reinava nas agradáveis idades e nos campos um soberano idoso, chamado Latino, filho de Fauno, filho de Picos (ou Pirros), filho de Saturno (o Cronos grego). O Destino negara descendência masculina ao príncipe (Rómus não era seu filho legítimo), mas inúmeros filhos nobres de casas itálicas aspiravam à mão de sua filha única, Lavínia, e em primeiro lugar, Turnos, o mais perfeito dos jovens, filho de Daunos, rei dos rútulos, a quem estimava sobremaneira Amata, a rainha mãe de Lavínia. O rei Latino, embora gostasse de Turnos, opunha-se firmemente ao casamento, pois seus sacerdotes e seus adivinhos, anos antes, o tinham advertido de que os deuses não favoreciam tal união.

Erguia-se no centro do palácio um frondoso loureiro, sob cuja folhagem Latino construíra um altar sagrado do deus Apolo, o mesmo deus adorado pelos povos gregos que moravam a leste e a sul daquele país. Havia uma pequena influência da cultura grega aos povos aborígenes. Certo dia, um enxame de abelhas pousou na árvore, pendurando-se-lhe num dos galhos e formando um cacho, como costumavam fazer as abelhas. Interpretando o acontecido, disseram os profetas:

— Majestade, assim como as abelhas vieram ao teu palácio, virá um dia a este país um povo estrangeiro, cujo rei desposará tua filha e cuja prole dominará o mundo!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:33

Tempos depois estava a menina Lavínia, ao lado do pai, queimando incenso no altar, quando uma chama lhe incendiou os cabelos, sem lhe produzir queimaduras. Os profetas logo disseram:

— Esta menina será uma moça de grande fama, cuja beleza se propagará, mas há de provocar uma sangrenta guerra, que causará enorme morticínio!

Perturbado com esse vaticínio, o rei se dirigiu ao Templo de Fauno, pois seu pai havia-se tornado um deus, após a sua morte, onde imolou cem ovelhas, deitando-se depois, para dormir, sobre as peles dos animais sacrificados, como mandava o ritual. Antes que adormecesse, ouviu uma voz vinda da parte interna do templo:

— Meu filho, não casa tua filha com um príncipe deste país. Teu genro virá de ultramar; e só a ele deves entregar Lavínia. Ele tornará a tua raça a mais poderosa de todas!

O rei, então, inteiramente convencido, voltou ao palácio e espalhou a profecia.

NA CORTE DO REI LATINO

Enéias, no dia seguinte, resolveu explorar os arredores e descobrir as cidades vizinhas. E, ao encontrar alguns habitantes da região, inteirou-se dos atuais acontecimentos, especialmente vindos da vizinha cidade de Laurento. E pensou:

— Enviarei uma embaixada a esse rei Latino e lhe proporei a paz entre os nossos povos. Mas, por via das dúvidas, farei abrir valas e tratarei de construir um reduto de defesa, para que ninguém nos possa expulsar daqui, pois aqui ficaremos!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:34

Escolheu cem jovens e ordenou-lhes que fossem à capital do reino, Laurento, para oferecer presentes ao rei e dizer-lhe que os troianos tinham vindo sem intenções hostis. Os embaixadores, com ramos de oliveira nas mãos à maneira dos suplicantes, puseram-se a caminho, e não tardaram em chegar à cidade dos latinos. Diante das suas portas, a juventude do Lácio se exercitava no manejo do cavalo ou do carro; outros se divertiam disparando dardos e flechas, lutando ou apostando corridas. Ao chegarem os embaixadores, um mensageiro a cavalo se adiantou para comunicar ao rei a nova de que um grupo de varões de aspecto nobre se aproximava pacificamente. O monarca ordenou que fossem acompanhados ao seu palácio, e ele convocou todos os seus em torno do trono dos maiores.

O palácio era grande e maravilhoso, e situava-se na parte mais alta da cidade. Suportavam-no cem colunas e cingia-a um bosque sagrado de grandes árvores que infundiam respeito. No interior do alcáçar, num elevado trono, o rei esperava a chegada dos estrangeiros aos quais mandara chamar. Quando os viu na sua frente, disse-lhes com amabilidade:

— Sede bem-vindos. Não sois gente daqui, pois usais roupas muito diferentes das que usam todos os povos deste país. A vossa raça não me é desconhecida, dárdanos. Já me tinham falado de vós, quando ainda cruzáveis os mares. Quer vos tenha atirado para cá a tempestade, quer tenhais vindo propositadamente, sabei que não desembarcastes em costa inóspita. Vede em nós, laurentos, a benévola raça de Saturno, que pratica a justiça sem necessidade de lei nem de força e segue com nobre liberdade os piedosos costumes do deus.

E, lembrando-se da profecia de seus sacerdotes e adivinhos, assegurou-lhes boa acolhida. Ilioneus, que chefiava o grupo troiano, avançou até o trono e disse:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:35

— Nenhum furacão nos lançou a esta terra, ó ilustre soberano, nem tampouco nos desviou astro algum do nosso rumo. Foi por livre vontade que chegamos aqui, guiados por um propósito. Vossa Majestade certamente não ignora que os gregos destruíram a valente Tróia, no Oriente, e que os troianos que conseguiram sobreviver abandonaram a planície teucra, tendo à frente o rei Enéias, neto do senhor de todos os deuses, e partiram em demanda de uma nova pátria.

— Certamente, meu rapaz. Há muitos anos que temos notícias da famosa guerra de dez anos. E admiramos a valentia daquele povo sitiado, que defendeu bravamente o seu país.

— Pois somos nós os sobreviventes da guerra, entre troianos e um pequeno contingente de lícios, e viemos pedir um pedaço de terra para construir uma cidade em que possamos viver em paz e contribuir com esta terra.

O coração do rei Latino enchia-se de alegria. Ilioneus, percebendo um ar de satisfação do soberano, continuou:

— Nossos antepassados, como proclamou Apolo, provêm deste mesmo país, e foi o próprio deus quem nos guiou até aqui.

— De quais antepassados te referes?

— Dárdanos e Iásion, filhos do grande Zeus e Electra, que eram príncipes de Córites, e foram criados por Córitos, o rei. A Itália não terá motivo de queixa por acolher Tróia no seu seio. E como prova de amizade, recebe, ó rei, este esta taça de ouro na qual o grande Anquises, pai do nosso rei, oferecia as suas libações; recebe também este cetro e este diadema, que pertenceram ao rei Príamos, e mais estas vestimentas confeccionadas pelas mãos das mulheres troianas, presentes que te envia, por nosso intermédio, nosso rei Enéias.

Durante algum tempo, o rei Latino permaneceu silencioso, absorto em meditações, com os olhos cravados no chão, dando pouca importância aos presentes dos troianos. Recordava-se do antigo vaticínio, segundo o qual sua filha Lavínia contrairia núpcias com um príncipe estrangeiro e que dessa união surgiria uma raça destinada a dominar o mundo. E, finalmente, levantando a cabeça, respondeu:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:35

— Que a paz e a amizade reinem entre nós! Concedo-vos o que vosso rei deseja. Também aceito, agradecido, vossos valiosos presentes. Dizei a Enéias que desejo vê-lo pessoalmente e apertar-lhe a mão, pois creio que o Destino o escolheu para unir-se à minha casa e elevar bem alto o nosso nome. O Oráculo de meu pai, assim como outros presságios, não me permitem dá-la em casamento a nenhum homem deste país. Segundo a profecia, é de terras estrangeiras que há de vir seu esposo.

Em seguida, mandou entregar a cada um dos sorridentes troianos um colar com arreios bordados a ouro, para seus cavalos, e para o próprio Enéias escolheu um carro atrelado a dois corcéis de raça, de estirpe imortal. A comitiva regressou ao acampamento troiano, levando esses magníficos presentes e a mensagem de paz do soberano.

A ERÍNIS ALECTO

Quando Héra, eterna inimiga do povo troiano, viu os soldados de Enéias se instalando em solo italiano e testemunhou a boa acolhida que o rei Latino lhes dispensara, ficou contrariada.

— Fui vencida. Conseguiram escapar do incêndio de Tróia e do naufrágio! Alcançaram incólumes o rio Tiberis e as planícies da Itália, conforme pretendiam e lhes fora prometido por Apolo. Sim, Enéias me venceu, superando todos os obstáculos. Os deuses não me socorreram. Mas ainda me restam as forças do Inferno. Se o casamento de Enéias com Lavínia for a vontade das Moiras e por isso não puder ser impedido, tudo farei para que pelo menos o dote de Lavínia se transforme numa herança de sangue e terríveis sofrimentos!

Assim pensando, convocou das profundezas do Inferno a mais odiosa das Erínias, a detestável Alecto, que gostava de semear discórdias, instigar traições e provocar guerras. Era grande o terror que infundia e as próprias irmãs, Tisífone e Mégera, só encaravam-na com repulsa.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:36

Este, ferido, saiu do rio, e, ensanguentado, chegou à casa do amo, onde, arrastando-se até o estábulo, por entre gemidos, encheu a casa com os seus gritos, como que suplicando compaixão. A primeira em descobrir o favorito foi Sílvia, que, desesperada, encontrando o animal ensanguentado, prorrompeu em lamentações, e aos seus gritos acudiram camponeses das cercanias, que, enfurecidos, armados de estacas e bordões, investiram contra os caçadores troianos. A gritaria chamou a atenção de Tirros, que se ocupava em partir um carvalho a golpes de machado, e apressou-se a chamar o seu companheiro. Quando Alecto julgou chegado o momento oportuno, colocando-se no alpendre da granja, tocou o chifre retorcido, difundindo a voz de alarme. De toda parte, apresentaram-se os camponeses, agressivos, mas também os troianos acudiram em auxílio de Ascânios. Dali a pouco, não se enfrentaram dois grupos armados de paus, mas duas verdadeiras hostes guerreiras perfeitamente ordenadas. Desembainharam-se as espadas, e tenderam-se os arcos.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:37

O primeiro disparo, feito pelo lado dos troianos, que se haviam posto na defensiva contra os inimigos, feriu na garganta o filho maior de Tirros, Álmon, que num instante perdeu a voz e a vida. Iniciou-se, então, verdadeira carnificina. O velho Galessos, o mais honrado e rico camponês do Lácio, proprietário de cinco rebanhos de gado bovino e outros tantos de gado ovino, e cujos campos eram lavrados por cem arados, saíra do grupo dos campesinos com a intenção de estabelecer a paz, mas ninguém lhe deu atenção e ele recebeu uma chuva de flechas que o prostraram moribundo. Os pastores, então, vencidos, abandonaram a luta e correram para a cidade, carregando os seus mortos, Álmon, Galessos e muitos outros, e cruzaram o limiar das portas por entre gritos e lamentos, invocando, aos brados, o auxílio dos deuses. Correndo para o palácio real, reuniram-se em torno de Latino, seu soberano. Achava-se também entre eles Turnos, furioso, protestando contra a traiçoeira entrega da soberania do país aos troianos. Todos rodeavam o palácio, rivalizando em queixas e gritos. Pressionavam o rei para que expulsasse os troianos. Mas o rei se mantinha impassível como o rochedo no mar. Não obstante, não logrou afinal resistir a tamanha balbúrdia:

— Ai de mim! O Fado nos destrói e a tempestade nos arrebata! Pobre povo que, lançando-se à luta contra a vontade dos deuses, deverá pagar o crime com o próprio sangue. Tu tampouco, Turnos, escaparás à justiça do Céu. Quanto a mim, tenho assegurada a minha paz. Está à vista o porto das minhas esperanças, e eu só perco uma morte feliz.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:37

Mas não puderam persuadi-lo a abrir as portas do Templo de Juno, a Héra venerada por gregos e troianos, costume tradicional do reino de Latino, sempre que uma guerra se iniciava. Tinha duas portas, fechadas por cem ferrolhos de bronze. Guardava-o Janos, o velhíssimo deus da cidade, desde a velha Janícula. Quando os chefes do povo decidiam a guerra, o próprio soberano, usando as vestes das grandes solenidades, abria as portas. Era a isso que o povo instigava o rei, mas ele, negando-se a realizar tão horrível mister, foi esconder-se no lugar mais oculto do palácio. Então a própria Héra desceu do Olimpo e, empurrando pessoalmente os batentes, fê-los girar sobre os gonzos, e com estrondo abriu as portas do Templo.

A partir daquele instante, os guerreiros de toda a Itália, avisados dos acontecimentos, prepararam-se para o combate, até então tranquila e em paz.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:38

Enéias, sabendo que os troianos não poderiam fazer frente ao grande exército que se aproximava, ficou preocupado. Certa noite, enquanto refletia sobre as medidas que deveria tomar, adormeceu e viu em sonho um deus-rio daquela terra, Tiberis, vestido de azul e tendo à cabeça uma coroa de juncos, que lhe disse:

— Divino herói! Não vaciles! Já desapareceu a cólera dos deuses contra ti. Não receies a guerra, pois, segundo a vontade dos deuses, acabarás levando a bom termo teus propósitos. E para que não penses ser vítima de ilusória visão, dar-te-ei um sinal tangível: sob os carvalhos da margem encontrarás uma grande porca branca, a qual deu à luz trinta leitõezinhos, todos alvos como ela; é nesse lugar que, dentro de trinta anos, teu filho Ascânios fundará a prometida cidade de Alba, mãe de Roma. Agora, vê como deves proceder a fim de te safares do perigo que te ameaça: Pouco longe daqui, em terras dos etruscos, fixaram-se os pelágios da Arcádia, descendentes do velho rei Palante, da casa real de Licáon, chefiados pelo príncipe Evandros e, numa colina, fundaram a cidade de Palanteus, do nome do antecessor. Apesar de gregos, não deves temê-los. Faze uma aliança com o rei Evandros. Ele e seus súditos vivem em guerra com a nação dos laurentos. Encontrarás Palanteus, acompanhando o curso do meu rio. Levanta-te e presta culto aos deuses, sobretudo a Juno, a deusa que tu chamas de Héra, a mãe dos deuses, para que ela, esquecendo seu ódio aos troianos, cesse suas constantes intrigas. Depois, põe-te a caminho de Palanteus.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:39

Enéias acordou de repente, levantou-se e fez as preces rituais, como Tiberis, filho de Océanos, lhe recomendara; escolheu depois os homens necessários para o manejo de dois barcos. Enquanto se preparavam, cumpriu-se a profecia de Tiberis: no limite do bosque, sob poderoso carvalho, foi vista uma porca alva como a neve, com trinta leitõezinhos. Lembrando-se do aviso do deus fluvial, cativando-lhe, dessarte, as boas graças. Depois, embarcando, navegaram rio acima com destino a Palanteus. Os que permaneceram no acampamento puseram-se a cavar trincheiras e a erguer muralhas, a exemplo dos gregos em Tróia, para enfrentar um possível ataque.

Subiram a correnteza que, refreada pelo deus do rio, era lisa e límpida. As próprias ondas se assombraram, e os bosques das margens se admiraram, ao verem subir rio acima aqueles barcos de muitas cores com os seus tripulantes armados de reluzentes escudos. Os expedicionários prosseguiram a jornada noite e dia, através de imensos meandros, por entre verdejantes matas, sulcando a plácida corrente. Finalmente, na manhã do segundo dia, depois de remarem umas vinte milhas, Enéias e os troianos chegaram a uma região dominada por sete colinas. Sobre uma delas erguia-se uma cidadela rodeada de algumas casas dispersas. Era Palanteus, a cidade do rei Evandros.

O velho rei, em companhia de seus filho, de um pequeno conselho da cidade e dos jovens de mais prestígio, encontrava-se num bosque que se estendia à frente da cidade, oferecendo sacrifícios a Héracles. Fumegavam nos altares o incenso e o sangue, e já se iniciara o banquete propiciatório. Ao ver os barcos se aproximarem, o rei ficou muito surpreso, mas seu filho Palas, proibindo-o de interromper a cerimônia, empunhou a lança e foi para a margem do rio, acompanhado de vários guerreiros, para indagar das intenções dos forasteiros, pois receava que fossem seus inimigos laurentos.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:39

E já gritava de longe:

— Forasteiros, que vos traz por estes desusados caminhos? De onde sois e para onde ides? Viestes em paz ou belicosamente?

Vendo Palas aproximar-se, Enéias exibiu um ramo de oliveira, como símbolo de paz, e gritou:

— Somos troianos e viemos propor ao rei Evandros uma aliança contra os laurentos!

Palante, ao ouvir que eram troianos, exclamou com alegre emoção:

— Bem-vindo, nobres troianos, e sê nosso hóspede, quem quer que sejas. Apresenta-te a meu pai e aceita a pobre hospitalidade de nossa casa.

O príncipe Enéias desembarcou e, após um forte aperto de mão, foi levado por Palas à presença do rei, que o recebeu com amabilidade, embora fosse de estirpe grega. Enéias, então, repetiu a sua oferta ao rei dos árcades:

— Estamos dispostos a lutar contra os latinos que pretendem expulsar-nos do país pela força das armas. Vimos oferecer ao vós aliança e pedir-vos auxílio.

Enéias, meio constrangido por estar negociando com um rei de origem grega, evitava revelar seu nome. Mas o soberano, após examinar atentamente e por longo tempo os olhos, o rosto e o vulto do solicitante, respondeu-lhe:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:40

— Com prazer te acolho, filho de Tróia. Não podes ocultar a tua estirpe nem tampouco o teu nome: a palavra, a voz e o porte de teu pai surgem de novo no meu espírito. Conheci Anquises. Ele integrava a comitiva do príncipe Príamos, que, à testa dos seus exércitos, fora à Salamina para visitar a irmã Hesíone, feita esposa do grande herói e rei Télamon. Entre as altas personalidades da comitiva, Anquises era o mais ilustre. Naquele tempo, quando eu estava de passagem pela Salamina, a fim de rever minha Pátria, a Arcádia, nascia-me a barba nas faces, e foi com grande admiração que contemplei o rei e os chefes do povo, sobretudo o majestoso Anquises. Não pude reprimir o desejo de lhe dirigir a palavra e oferecer-lhe a minha mão, e ele me acompanhou até a casa como hóspede. Ao partir, deu-me de presente um belo arco lício, uma aljava, um manto bordado a ouro e duas rédeas douradas, que meu filho conserva até hoje. Mas senta-te, Enéias, senta ao meu lado. É com imenso prazer que aceito a aliança que me propões. Amanhã, de manhãzinha, voltareis todos ao vosso acampamento, fortes do nosso auxílio. Entretanto, participai desta solenidade anual que não podemos absolutamente adiar.

E mandou servir-lhe farta refeição. Mandou que tornassem a trazer os vasos e iguarias que tinham sido retirados e fez com que os troianos se acomodassem nos bancos, enquanto conduzia Enéias a um maravilhoso assento atapetado sobre o qual se estendera uma pele de leão. O sacerdote e alguns adolescentes escolhidos serviram pedaços assados dos touros, encheram de pão os cestos e apresentaram grande quantidade de vinho.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:40

Terminada a refeição, pôs-se a contar-lhe sobre a origem daquele sacrifício:

— Dedicamos este dia do ano a Héracles. Héracles, certa vez, veio a esta região, tangendo diante de si o rebanho de Gérion, bizarras reses de pelo avermelhado, semelhante à cor do sol poente. Na serra próxima, numa gruta quase inacessível, vivia um famigerado assaltante, meio homem, meio fera, de nome Cacos, filho do deus Hefaístos, que os povos vizinhos chamam de Vulcano, o deus do fogo, e por isso capaz de deitar chamas pela boca. Todos o temiam, pois quem ousaria lutar com uma criatura que tinha o poder de abrasar com seu sopro os adversários? Em dado momento, Héracles estirou-se debaixo de uma árvore para dormir, deixando o gado a pastar nas barrancas do rio. Vendo as belas reses aparentemente abandonadas e dando-se conta de que nenhum outro gado do mundo poderia comparar-se a elas, Cacos escolheu quatro touros e quatro vacas, os melhores animais do rebanho, e levou-os consigo. Puxou-os pelas caudas montanha acima até a caverna, a fim de que as marcas deixadas na poeira pelos cascos dessem a impressão de que o gado se tinha afastado da gruta. No dia seguinte, quando Héracles se preparava para reiniciar a jornada, os touros e as vacas escondidos na caverna da montanha puseram-se a mugir. Héracles, desconfiado, contou as reses e percebeu que havia sido roubado. Tomado de cólera, empunhou a clava e foi no encalço do monstro, galgando a serra alcantilada onde se achava a caverna. Vendo-o aproximar-se, Cacos fugiu para o fundo da gruta. Pela primeira vez na vida experimentava o medo, pois Héracles era mais forte e violento que qualquer outro homem com que até então se defrontara. Como Cacos fechara o acesso à gruta com uma grande rocha, era impossível distinguir a entrada da caverna do resto da serra. Héracles sabia que os animais estavam em algum lugar no interior da montanha, pois continuava a ouvir seus abafados mugidos, mas não lograva achar o acesso ao covil.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:41

E Continuou:

— Andava de um lado para outro, rilhando os dentes, e, por três vezes, tentando remover uma pedra, verificou que se tratava de uma saliência da própria montanha. Afinal, deu com os olhos numa rocha que se debruçava sobre o rio. Pôs as mãos contra a rocha, empurrou-a com todas as forças, e ao cabo de algum tempo ela cedeu e despencou nas águas do rio. A caverna de Cacos surgiu-lhe em frente, em toda a sua sujeira e sordidez. Percebendo o monstro no interior da gruta, Héracles empunhou o arco que trazia pendurado ao ombro e disparou várias setas em sua direção, mas não conseguiu acertá-lo, pois a gruta começava a encher-se de fogo e de fumaça que Cacos expelia pela boca. Abandonando o arco, Héracles penetrou afoitamente na caverna e avançou às apalpadelas até o lugar onde a fumaça era mais espessa. Conseguiu agarrar Cacos e deu-lhe violentos golpes com a clava, mas não o matou. Então, apertou-lhe a garganta com suas mãos e o estrangulou.

— Fascinante história...! Já ouvi muito acerca desse herói grego, desde que ele invadiu Tróia pela primeira vez e destruiu a cidade do rei Laómedon. Mas poupou a vida de nosso rei Príamos. Esse homem era muito corajoso e extremamente forte! Dizem até que foi ele quem fez surgir uma das nascentes do Escamandros, próximo de Tróia.

— Provavelmente... Mas vem, Enéias, segue-me!

Evandros, conforme caía a noite, mostrava a Enéias as lúgubres encostas da serra onde vivera Cacos e, depois, pediu-lhe que o acompanhasse ao palácio.

— Em outros tempos, estes sítios eram habitados por selvagens, que pouco se diferenciavam dos animais. Desconheciam o fogo, viviam ao ar livre, andavam semi-nus e descalços e não tinham leis. Um dia, Cronos, ou Saturno, como chamam os aborígenes, resolveu ajudá-los, ensinou-os a viver e deu-lhes um código pelo qual desde então passaram a reger-se.
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A Saga de Enéias - Página 4 Empty Re: A Saga de Enéias

Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:42

E, à medida que caminhavam, Evandros mostrava-lhe a cidade que, na verdade, não passava de um pobre vilarejo. Até o palácio e os templos eram de barro ou madeira.

— Meu povo é pobre e fraco e pouca ajuda poderei prestar-te. Perto daqui, porém, fica a cidade de Ágila, construída em épocas remotas por emigrantes da Meônia, na Ásia, cujo povo, pelos motivos que passarei a expor, poder-te-á prestar um valioso auxílio. Cansado do governo tirânico do rei Mezêncios, o povo de Ágila se rebelou, matou-lhe os guardas, incendiou-lhe o palácio e o expulsou do reino. Quando um dia, o príncipe Turnos quis recolocar o tirano no trono, os habitantes de toda a Tirrênia, nome que passou a levar este país há pouco tempo, se armaram, dispostos à guerra; entretanto, um profeta os deteve, anunciando-lhes que somente sob o comando de um príncipe estrangeiro alcançariam a vitória. Diante dessa advertência, vieram oferecer-me o comando, que não pude aceitar, demasiadamente debilitado pela idade para tão difícil e pesada incumbência.

— Quanto tempo faz que os meônios passaram a colonizar esta terra?

— Eles a denominaram Meônia, como a sua pátria, na Ásia. Isso foi há muito tempo, não sei ao certo. Mas, há pouco tempo, quando travava-se a guerra em Tróia, o rei Átis partiu com seu filho Tirrenos a fim de colonizar esta terra. Tanto é a sua influência que, desde então, mudou-se o nome de Meônia para Tirrênia. Como vês, a Itália está relativamente irmanada à Hélade e a Tróia e seus vizinhos da Ásia.

E, parando um pouco, continuou:

— Eis aí a tua chance, príncipe Enéias; meu filho Palas te levará a Ágila, cujo povo não hesitará em confiar-te o comando de suas forças, certo de que, de acordo com a previsão do Oráculo, conquistarão a vitória. Terás, assim, um exército forte e disposto à luta para a tua campanha contra os laurentos e os rútulos, além de um reforço de quatrocentos cavaleiros, que de bom grado te fornecerei.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:42

Nesse momento, embora fizesse um dia claro e sem nuvens, ouviu-se o estrondo de uma trovoada, seguido do soar de uma trombeta. Enéias compreendeu que eram sinais divinos e disse ao sábio soberano:

— Alegra-te, tudo terminará bem.

Evandros tomou-lhe a mão.

— Quisera que Zeus me devolvesse os anos que passaram, pois também fui um bom guerreiro na mocidade. Tu precisavas ter-me conhecido.

Enéias sentiu-se à vontade na casa de Evandros, mais parecida a uma choupana que a um palácio, e, estendendo-se num macio leito de folhas, sobre aveludada pele de urso, se entregou ao doce Sono.

Acompanhando o desenrolar dos acontecimentos, Afrodite não esquecia o filho amado. Foi até o deus Hefaístos, seu esposo, e disse-lhe:

— Quando os gregos devastaram a cidade dos troianos, nunca te implorei que forjasses armas para a defesa do meu querido filho, como fizeste à deusa do mar para beneficiar Aquiles. Sabia que Zeus e as Moiras tinham determinado a queda de Tróia e não queria incomodar-te com pedidos inúteis. Aliás, vivias com Aglaia, uma das Cárites, e eu não ousaria procurar-te. Entretanto, a situação agora é outra. Foi por vontade dos deuses que Enéias chegou à costa da Itália. E agora, que as nações latinas, súditas de Latino, se preparam para guerreá-lo, é justo que te suplique ajuda para que ele se torne invencível e imune às armas inimigas.

Ao raiar do dia seguinte, movido pelos rogos de Afrodite, o deus do fogo abandonou o leito e partiu para uma das suas forjas, numa ilha ao largo da costa da Trinácria. Lá trabalhavam, outrora, seus servos Cíclopes, filhos de Úranos, confeccionando raios para Zeus, nas fornalhas do vulcão Etna. Preparavam o raio de doze pontas, entrando na operação três porções de granizo, três de nuvem tempestuosa e três de fogo vermelho e três de vento sulino. Para completá-lo, acrescentaram-lhe o trovão e o relâmpago. No entanto, haviam sido mortos pelo deus Apolo, depois que Zeus havia fulminado Asclépios.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:46

Os Cíclopes, com os corpos cobertos de fuligem, estavam ocupados em seus afazeres; eram os Cíclopes-ferreiros, e comandava-os Pirácmon. Um construía um carro de combate para Áres, outro polia um escudo para Atena. Os estrondosos golpes dos martelos sobre as bigornas ressoavam na distância, enquanto os pedacinhos incandescentes de aço se projetavam contra a abóbada e os fornos vomitavam um calor incessante. Mas Hefaístos interrompeu-os:

— Vinde, todos, ferreiros! Largai o que estais fazendo e começai a fabricar armas e couraças para o herói Enéias, e deveis colocar toda a vossa arte, força e experiência! Mãos à obra, meus Cíclopes!

Os Gigantes puseram mãos à obra. Alguns fundiam ouro e bronze, outros acionavam os foles, enquanto outros seguravam o metal incandescente com longas torqueses e mergulhavam-no na água. Em pouco tempo fabricaram um elmo, uma espada, uma couraça e uma lança; a obra mais admirável foi porém o escudo de sete camadas, no qual se via esculpida, em ouro, toda a história de Roma e dos futuros romanos, que só os deuses poderiam conhecer. Quanto à sua armadura, foi fabricada já com um estilo italiano, na intenção de familiarizar o herói com o povo daquela terra.

No dia seguinte, de manhã, Evandros, que não podia, em virtude da idade, participar pessoalmente da campanha, entregou ao hóspede, despedindo-o, quatrocentos cavaleiros árcades, além do consolo e da esperança da sua velhice, seu próprio filho Palas; deu também cavalos a todos os troianos e a Enéias um soberbo, ajaezado de fulva pele de leão, e de cascos dourados. Em seguida, pegando a mão do filho que partia e apertando-a ao peito, disse, por entre lágrimas:
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:47

— Ah, se Zeus me devolvesse os anos passados! Tornaria a ser o que fui sob os muros de Preneste, quando, por três vezes, mandei ao Orco, até que não mais voltou, o rei Hérulos, tirando-lhe as três vidas que recebera de sua mãe, a ninfa Ferônia! Hoje, infelizmente, tudo quanto me é dado fazer é encomendar-vos aos deuses, a ti e a Enéias. Que eles me ouçam e te proporcionem venturoso regresso. Não me fira os ouvidos nenhuma notícia aziaga!

Com tais palavras, despediu-se o ancião e tombou sem sentidos, sendo levado pelos servidores para a sua casa.

Os cavaleiros cruzaram as portas da cidade com Enéias e parte do exército troiano; o resto seguiu rio abaixo nos barcos, por ordem do herói. Não tardaram em chegar a um sítio afastado no meio de densos bosques de abetos, onde, cansadíssimos de longa jornada, repousaram, tanto eles como as montarias. Enéias, separando-se de todos os seus homens, foi deitar-se sob um carvalho, perto de um fresco tanque do bosque. Então, Afrodite, sua mãe, valeu-se do momento para descer do Céu com as armas recém-forjadas e, colocando-as aos pés do filho e a ele se tornando visível, lhe disse:

— Vê, meu filho, que presente te proporciona o favor de meu marido. Com estas armas, filho, não precisas temer ninguém na face da Terra!

Enéias ficou boquiaberto. Arrebatado pela presença de sua divina mãe e pela grande honra de que era alvo, não se cansava de contemplar os cintilantes objetos, e volvia os olhos umas vezes para o elmo coroado de alto penacho, outras para a maciça espada, ora para a couraça de bronze, fulgurante como sangue vermelho ou como o Sol fulgindo através das nuvens, ora para as joelheiras de ouro, ou para a lança que brandia. Mas onde mais lhe demorou o olhar foi no artístico escudo, maravilhosamente cinzelado por inesgotável magnificência de figuras. Nele havia o deus do fogo gravado toda uma série de fatos que Enéias tratava, em vão, de interpretar, pois eram os destinos e triunfos dos romanos, o povo que no futuro surgiria do tronco de seu filho Ascânios.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:48

No centro da arma, via-se uma loba, de cujos úberes pendiam dois gêmeos, para os quais o animal voltava carinhosamente a cabeça, lambendo-os. Eram Rômulo e Remo. Depois, via-se uma cidade onde algumas mulheres eram raptadas por fortes mãos varonis; era Roma e tratava-se do rapto das sabinas; vinham, em seguida, diante do altar de Zeus (no futuro chamado de Júpiter pelos romanos), dois monarcas armados, Rômulo e Tátios. Pouco distante, um rei numa quadriga conduzia à Morte um adolescente: Túlio e o pérfido Métios. Numa ponte semi-afundada, via-se um único defensor; uma donzela atravessava o rio a nado, enquanto na margem oposta um rei guerreiro se levantava, irado: eram Cocles (ou Múcios), Clélia e Porsena, o rei etrusco. No alto de uma acrópole, cheia de palácios e de templos, havia um guarda armado, e alguns gansos esvoaçavam pelas salas douradas, enquanto um grupo de bárbaros permanecia à espreita, ao pé da montanha: eram Mânlio e os gauleses. Assim se ia desenrolando a história, episódio após episódio, até Catilina, Cáton, Júlio César e Augusto. Desconhecendo tudo aquilo, comprazia-se Enéias em contemplar o escudo como uma criança curiosa.

De repente, vestiu a divina armadura, empunhou o escudo com a mão esquerda e, certo da proteção dos deuses, tornou a se reunir aos seus homens. E viram que o seu chefe era outro, com outra armadura, fortemente preparado para a guerra. Sem dúvida, os deuses lhe prestavam auxílio.

NISOS E EURÍALOS

Enquanto tal sucedia, Héra, cuja ira contra Enéias ainda não se havia aplacado, mandou Íris, a sua mensageira, a Turnos. Quando o príncipe Turnos teve conhecimento de que Enéias se ausentara do acampamento, com o fito de procurar aliados para a guerra, imediatamente se dispôs a aproveitar a ocasião, incentivado pelas palavras da deusa. Depois de convocar suas tropas e distribuir-lhes armas, pôs-se a caminho das margens do Tibre, no acampamento troiano, esperando atacá-los de surpresa.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:48

De repente, Caícos, o sentinela da primeira linha troiana, divisou uma escura nuvem de poeira a obscurecer os ares e gritou, voltando-se para os seus:

— Irmãos! Aproximam-se guerreiros. Às armas, depressa aos parapeitos! O inimigo está à vista!

Os troianos, percebendo também os movimentos do inimigo e, obedecendo à recomendação de Enéias para a todo custo se esquivarem do combate em campo aberto, dada a sua superioridade numérica, abandonaram os campos, logo trataram de cerrar e reforçar as portas do acampamento e de guarnecer as muralhas. E aguardaram a chegada do inimigo, das ameias das elevadas torres.

Não se passou muito tempo e o exército de laurentos e rútulos surgiu na linha do horizonte, como uma imensa onda a espalhar-se pela planície. Eram muitos os guerreiros valentes e famosos que participaram da campanha militar, entre os quais Mezêncios, o rei expulso de Ágila, e seu filho Lausos; o herói Aventinos, filho de Héracles; o valente Méssapos, filho de Posseidon;Tirros e seus filhos; e os filhos do herói grego Anfiaraus, os gêmeos Tiburtos, Cátilos e Córas — o irmão destes, Anfílocos, havia participado da guerra contra Tróia. À retaguarda, marchava a legião de raparigas comandada pela guerreira Camila, que aos afazeres domésticos preferia os duros combates. Um manto de púrpura cobria-lhe os ombros e uma faixa de ouro cingia-lhe a fronte. Nas costas trazia a aljava com o arco e as setas, e na mão direita sustentava a lança de murta. Onde passava, causava espanto e inspirava grande temor.

À testa da tropa inimiga cavalgava o belo e altivo príncipe Turnos. Próximo ao acampamento troiano, adiantou-se ao corpo do exército e, com vinte cavaleiros escolhidos, acercou-se da linha das muralhas. Detendo o brioso corcel trácio, de manchas brancas, a poucos passos dos muros, endireitou o tronco e com braço forte arrojou o dardo que, zunindo, subiu ao céu e num arco gracioso ultrapassou o topo do muro.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:49

E desafiou:

— Quem se atira em primeiro lugar contra o inimigo?

Levantou-se grande alarido em ambos os lados das muralhas, de júbilo, entre os soldados de Turnos, e de cólera, entre lícios e troianos; os primeiros caçoavam dos troianos , que se mantinham ocultos covardemente atrás dos muros, sem se decidirem a lutar em campo aberto. Entretanto, Turnos, erguido na montaria, com a cabeça coberta pelo elmo dourado encimado pelo rubro penacho de plumas, examinava a muralha do acampamento em busca de uma entrada dissimulada. E instantes depois as tropas de Turnos avançavam, brandindo suas armas, que fulguravam aos raios do Sol, já declinando para o ocaso. Todavia, por mais que procurassem, não encontraram nenhuma brecha por onde pudessem penetrar no acampamento.

Finalmente, apresentou-se-lhe aos olhos a frota que, rodeada inteiramente de diques e terraplanos, se apoiava a um dos lados do acampamento. Dando gritos de alegria, instigou os companheiros a atear fogo aos barcos, e Turnos foi o primeiro em empunhar um archote, e, imitando-o a tropa, armou-se cada um de tições ardentes tirados dos casebres da cercania. Em desespero, lançaram-se para a praia, dispostos a incendiar as naus troianas ali fundeadas, até que algo muito estranho aconteceu. Sete anos antes, quando na planície entre o mar e o monte Ida, Enéias e os troianos estavam construindo os navios, a mãe dos deuses, Réa, conseguiu de Zeus uma promessa, que então se cumpria: antes que Turnos e seus soldados pudessem chegar aos navios, estendeu-se no céu, vinda do oriente, uma nuvem ardente, e um terrível estrondo, oriundo do espaço, percorreu as fileiras dos troianos e dos rútulos. E uma voz se ouviu:

— Não vos assusteis, ó troianos, pela defesa dos meus barcos. Turnos quando muito conseguirá atear fogo ao mar, mas não a eles. E vós, navios, afastai-vos mudados em divindades do mar. Assim o exige a mãe dos deuses!
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:50

Os cabos que os prendiam rebentaram e os barcos começaram a submergir, aos poucos, na forma de delfins, e, tornando a emergir, foram transformados em Ninfas.

Todos, tanto laurentos e rútulos, também troianos e lícios, espantaram-se e se assustaram com o assombroso prodígio. Méssapos, chefe supremo, recuou para o seu carro, os cavalos detiveram-se, e o próprio Tiberis retirou do mar as águas que nele ia vertendo. Turnos, porém, permaneceu impassível, não perdendo a esperança, pensando ser-lhe favorável.

— É um mau augúrio para o inimigo! Os deuses não mais os protegem! Seus navios fogem de nós, mas seus donos não conseguirão mais escapar! Dizem que o Destino os trouxe à Itália, e eu digo que cabe a mim destruí-los! O mar lhes está vedado e a terra é nossa. Os troianos não se emendaram! Páris arrebatou a esposa de um grego e Enéias agora vem a esta terra para roubar minha noiva. Será que eles imaginam que esses muros os protegerão? Acaso os muros de Tróia os defenderam? Não precisamos da escuridão da noite, dispensamos os ardis, não temos necessidade de um cavalo de madeira para penetrar nas suas defesas!

Turnos, irredutível, confirmou com atos as suas palavras. Incumbiu Méssapos de colocar destacamentos diante das portas e rodear de fogueiras todo o acampamento. Já estava anoitecendo; além disso, deveriam prestar serviço quatorze capitães escolhidos, cada um à testa de cem rapazes rutilantes de ouro e com as cabeças cobertas por elmos de penacho vermelho. Os grupos, alternando-se, fariam a ronda, enquanto os demais repousassem. Julgando já vitoriosa a campanha apenas iniciada, comeram à farta e consumiram muito vinho, ficando grande o número de soldados embriagados.
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Mensagem por Hermes Trismegistus 26/3/2021, 14:50

Os troianos contemplavam-nos dos parapeitos, armados e vigilantes. Não foi sem inquietação que asseguraram as portas, uniram com pontes os baluartes e acumularam boa quantidade de projéteis, tudo guiado por Mnesteus e Serestos, por Enéias nomeados comandantes do acampamento, antes de partir. Assim, o exército ficaria alerta no interior dos muros. E entre as sentinelas noturnas que guardavam as portas do campo troiano estavam dois jovens amigos, Nisos, filho de Hírtacos, um dos melhores lanceiros e arqueiros, e Euríalos, o mais formoso dentre todos os jovens teucros. Durante horas chegaram-lhes aos ouvidos os ecos da longínqua algazarra oriunda do acampamento inimigo, até que, finalmente, o silêncio se estabeleceu em toda a planície. Nisos comentou:

— Quem sabe se são os deuses que despertam em nós esta belicosidade, ou se, pelo contrário, o que tomamos por um deus é apenas um cego apetite. Todos parecem estar dormindo; aborrece-me esta tranqüilidade, e há tempo que ardo de desejo de realizar alguma coisa de grandioso. Olha como estão confiantes os rútulos! As suas fogueiras ardem, espaçadíssimas uma da outra. Se Enéias estivesse conosco, eu não temeria pela nossa sorte. Agora que os latinos, inebriados pelo excesso de vinho, estão certamente entregues, não deve ser tarefa impossível atravessar as linhas inimigas e levar a Enéias a notícia do cerco.

Subitamente entusiasmado com essa ideia, resolveu ele mesmo tentar a façanha.

— Partirei e levarei a notícia a Enéias. Todos, tanto o povo como os chefes, desejamos se vá chamar Enéias, se lhe enviem mensageiros seguros que nos tragam notícias suas. Que tal se tu ficasses e recebesses a recompensa que eu pedir, pos que a mim basta a glória? Estou certo de encontrar ao pé desta colina o caminho que conduz aos muros de Palanteus.
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