Mitologia Grega

Neste instante uma águia de asas imensas surgiu das alturas. A ave, após rodopiar ao redor da deusa, agarrou-a delicadamente e suspendeu-a no ar. Héra, embora surpresa, não se assustou; algo lhe dizia, secretamente, que o seu sonho começava a se concretizar.

— Para onde me levas, águia sutil?

Foram ambas subindo, a águia e a deusa, até que, adentrando o próprio céu, Héra viu-se diante do jovem Zeus.

— Estou no céu!

O senhor do Olimpo explicou então a Héra tudo o que havia ocorrido e como ele havia salvado o mundo da tirania de Cronos, pai de ambos.

Héra, muito agradecida, abraçou os joelhos de Zeus. Depois disse a ele, radiante de esperança:

— Tudo o que tu me dizes é belo... mas eu queria mesmo...

— Sim, adorada Héra, tu serás, sem dúvida, rainha do céu. Desde que a vi, há muito tempo, me apaixonei. Mas depois que a vi manejando a tempestade e orquestrando os raios, não tive mais dúvida: decidi que serás a esposa ideal para mim.

Zeus a tomou delicadamente e conduziu-a para o carro dourado, que se elevou rapidamente até os altos picos do Olimpo.

O Olimpo estava em festa: Zeus e Héra iriam finalmente se casar. As duas imensas portas do Empírio, algodoadas de nuvens, haviam sido abertas de par em par pelas três Horas — Eunônia, Diqué e Írene, que faziam o papel de anfitriãs. Atrás delas podia-se divisar perfeitamente o brilho feérico e resplandecente do palácio dourado onde iria se realizar a tremenda festa.

Os convidados iam chegando em grande número, atravessando a ponte multicolorida do imenso arco-íris.

E comentou Eunônia:

— Vede, irmãs, quantos convidados! Temos que ficar atentas para que não nos escape presença alguma.

Diqué, a deusa encarregada de ir conferindo os nomes dos convidados que chegavam, acrescentou:

— E nenhuma ausência, também!

Os principais deuses iam chegando, sozinhos ou aos pares, conversando alegremente. Deméter, vestida com uma túnica drapejada e esvoaçante, surgiu, entre tantas outras divindades, toda sorridente.

Quase todos os convidados, entre deuses, gênios e Ninfas, já haviam chegado, inclusive Poseidon, com sua esposa, Anfitrite, e sua corte aquática, e o sombrio Hades, que trazia o seu cortejo igualmente sombrio.

De repente, porém, Eunônia passava em revista com suas irmãs a enorme lista com os nomes riscados.

— Tudo bem?

Írene respondeu:

— Acho que não falta mais ninguém. A deusa Íris acabou de chegar, Foroneus, o representante dos homens, também.

— Prometeus se faz presente?

— Sim, inclusive Océanos e Tétis, as Ninfas Hespérides... todos já estão presentes... Deixa eu ver... Não! Ainda falta alguém!

Eunônia espichou o pescoço e colocou o dedo sobre um nome da lista.

— A ninfa Quélone. Ela ainda não chegou, e o casamento já vai começar. Por acaso ela já não passou?

— O que terá acontecido? Será que Íris se esqueceu de entregar-lhe o convite?

Íris foi chamada ao portão, e ela confirmou que havia feito o convite a Quélone.

— Vou refazer o trajeto até sua casa e ver o que houve!

A filha de Taumas e Electra percorreu grande parte do caminho, e quanto mais avançava, mais temia pelo atraso.

— Por Zeus, se ele descobrir que ela ignorou sua festa, vai querer matá-la!

Quélone, entretanto, ainda se encontrava descansando em sua morada, à beira do rio. E espreguiçava-se, despreocupada...

— Héra... quem será ela? Ela pensa que sou o quê, para me largar desta distância toda até a sua casa? Só para lhe bajular?

Não havia vontade alguma de ir a festa de Zeus e Héra. Na verdade não tinha vontade de fazer nada. Sim, porque apesar de ser uma ninfa adorável, era também a mais preguiçosa das criaturas. Dizia um fauno das redondezas:

— Miseravelmente preguiçosa.

Por diversas vezes Quélone ensaiara a sua ida ao casamento. Na verdade, passara a manhã toda indecisa: que roupa usar... tinha que escolher, e isso era para ela muito cansativo. Tinha muito para fazer e decidir. Teria que andar muito até chegar ao lugar da festa. Era exaustivo, e nem sequer queria pensar nisso.

Cogitando se deveria mesmo ir e refrescando os pés na água, a ninfa deixava o tempo correr. E sentiu ainda mais preguiça ao reparar que o Sol não se movimentava há horas, continuava sempre no mesmo lugar; até mesmo Hélios havia deixado o seu carro no céu para fazer parte da festa de seu primo, Zeus, e alongar o dia.

Então, a deusa Íris se pôs na frente do Sol, e Quélone, já de olhos fechados, murmurou:

— Agora é que não vai dar mesmo... Aí vem chuva!

— Preguiçosa! Eu já imaginava!

E a deusa pousou a seu lado, dando-lhe um belo susto.

— Íris, és tu? Pensei que fosse chover... Sempre andando pra cima e pra baixo, não é?

— Voando, querida, voando!

Íris foi passar uma água no rosto. E Quélone, esgotada, fechou os olhos outra vez.

— Vamos, levanta-te, preguiçosa! Está quase na hora das bodas de Zeus!

— Não posso. Acordei com o pé machucado.

— É mesmo?

— É verdade, Íris. Queres ver?

Quélone levantou-se fingindo certa dificuldade e uma dor inexistente. Mas a deusa não acreditou numa só palavra de Quélone, e obrigou-a a segui-la. Mas a ninfa teimava em atrasar o passo: ora parava para descansar, ora simulava uma insolação. O tempo corria, e Íris, aflita, sentia que daquele jeito chegariam atrasadas.

— Bem, adeus, vou indo na frente, senão Zeus também me matará se não me ver na festa.

Íris perdeu a paciência, e pôs-se a caminho. E Quélone, sentando-se numa pedra azulada, bem no começo da longa estrada do arco-íris que levava até o palácio de Zeus, mal-humorada, perguntava-se:

— Por que não me levou nas costas, se estava com tanta pressa? Depois a preguiçosa sou eu!

Quélone, olhando para cima e vendo que o Sol continuava no mesmo lugar, deitou-se no chão e dormiu.

Todos os deuses, menos Quélone, compareceram à cerimônia das bodas de Zeus e Héra, e ofertaram à noiva presentes preciosos. E um dos presentes que mais gostou foi oferecido por Géa, trazido do Jardim das Hespérides. Na margem ocidental, para além das fronteiras do mundo, fez com que nascesse uma árvore majestosa, coberta de maçãs douradas. Três Ninfas virgens foram designadas vigias desse jardim sagrado, que também era guardado por um dragão de cem cabeças, Ládon, descendente de Fórcis, o famoso pai de tantos monstros, e de Ceto, que havia nascido da Mãe-Terra. Esse dragão jamais dormia, e um ruído ensurdecedor anunciava a sua proximidade, pois cada uma de suas cem goelas fazia um ruído diferente.

Ao término da festa, o casal partiu para a ilha de Samos, a fim de passar a noite de núpcias, enquanto todos os convidados começaram a regressar para suas casas.

Quando Quélone acordou novamente, viu que grupos alegres já voltavam, cruzando por ela. Passavam e olhavam-na curiosos, perguntando-se o que fazia ali. E um grupo de convidados por ali passava, e um fauno todo descabelado comentou com uma ninfa:

— Que festa, hein?

— Esta, sim, valeu a pena!

Deuses, Ninfas, Faunos, todos esbarravam em Quélone, que era a única a seguir em sentido contrário. E a oceânide Dóris, esposa de Nereus, perguntou-lhe:

— Esqueceste algo, querida?

— Não me atormentes.

Dóris estranhou o mau-humor da jovem ninfa, quando todos estavam alegres. Mas apesar da festa já haver acabado, ela ainda tentava avançar, nem que fosse para explicar-se com a nova rainha do céu. E começou a tripudiar:

— “Rainha do Céu! Ai, Rainha do Céu, desculpe o atraso! Tudo bem, Rainha do Céu? Quem diria, hein: Rainha do Céu!” Ah... quer saber? Vou é voltar já para casa, e vou dormir um pouco!

E voltou mesmo. Pouquinho mais rápida, desta vez.

Quando chegou lá, jogou-se em seu leito, exausta, sem ao menos notar que alguém lhe esperava, ali mesmo.

— Não foste até lá, então?

Quélone levou um susto. Vendo que era Íris, resmungou cobrindo o rosto:

— Não incomodes, pé-de-vento! Diz lá pra Rainha do Céu que um dia desses apareço para dar os parabéns.

Íris, perdendo definitivamente a paciência, levantou o seu bastão mágico de mensageira e atirou Quélone para dentro do lago. Em seguida, com o mesmo poder, lançou também a própria casa da ninfa em cima dela.

— Toma aí tua casa, querida!

Após a lua-de-mel dos recém-casados, Héra foi banhar-se na fonte de Cánatos, em Náuplia, um dos presentes que ganhara, que lhe proporcionava recuperar a virgindade. Depois, foi com o esposo para o Olimpo onde, ao lado dele, passaria a reinar, bela e majestosa. Porém, no caminho, o casal avistou um pequeno ser:

— Olha, querida, que animal estranho... Nunca o vi antes.

— É engraçado, parece que está carregando a própria casa...

— E, do jeito que anda, parece não ter nenhuma pressa.

— Seja aonde for, vai chegar atrasado.

E os dois se retiraram, rumo ao Olimpo. Enquanto isso, um animalzinho, destinado a carregar para sempre sua própria casa, de um lado para outro, um dia, foi uma bela e preguiçosa ninfa. Quélone, com quatro patas e um corpo todo enrugado, agora sim, passaria a andar como ela sempre quis, preguiçosa e lentamente: foi transformada em uma tartaruga.

FIM

O Olimpo

A esplendorosa corte dos deuses que haviam derrotado os Titãs ficava no alto dos picos do Olimpo, um monte majestoso como uma fortaleza, o maior da Hélade. Os palácios eram de puro ouro, imponentes, radiantes e luminosos como os próprios deuses. Os Olímpicos moravam num imenso palácio, construído bem acima do nível das nuvens. Os palácios eram protegidos por muros enormes, demasiado íngremes para serem escalados. Os pedreiros dos deuses, os Cíclopes, Gigantes de um só olho na testa, construíram o Empíreo, palácio de Zeus, coberto de nuvens e neve, segundo uma planta bem semelhante às dos palácios reais da Terra.

Na ala sul, logo atrás da Sala do Conselho, ficavam os apartamentos particulares de Zeus e da rainha Héra. Estas dependências ficavam voltadas para as cidades de Atenas, Tebas, Esparta, Corinto, Árgos e Micenas. A ala norte — da qual se descortinavam o vale de Tempe e, mais além, as selvagens colinas da Macedônia — compreendia a cozinha, a sala de banquete, o arsenal, as oficinas e os alojamentos dos criados. Na parte central havia um pátio quadrado, ladeado por claustros e quartos particulares que pertenciam aos outros cinco deuses e cinco deusas mais importantes. Atrás dos alojamentos dos criados ficavam os chalés dos deuses menores, o abrigo para as carruagens, as cocheiras, os canis e uma espécie de zoológico no qual os Olímpicos guardavam seus animais sagrados. Entre estes havia um urso, um leão, um pavão, uma águia, tigres, cervos, uma vaca, um grou, cobras, um javali selvagem, touros brancos, um gato selvagem, ratos, cisnes, garças, uma coruja, uma tartaruga e um tanque cheio de peixes.

Na Sala do Conselho, os deuses reuniam-se periodicamente para discutir assuntos relativos aos mortais — como, por exemplo, a que exército da Terra seria permitido ganhar determinada guerra ou se deviam punir algum rei ou rainha que andasse se comportando de forma demasiadamente soberba ou abjeta. Durante a maior parte do tempo, porém, eles estavam mais ocupados com suas próprias brigas e querelas do que com as reles questões humanas.

Zeus tinha um enorme trono de mármore egípcio, negro e polido, decorado com ouro. Sete degraus, cada um esmaltado com uma das sete cores do arco-íris, conduziam ao assento. Acima dele, uma abóbada azul-vivo simbolizava que todo o Céu pertencia exclusivamente a Zeus. No braço direito do trono ficava pousada uma águia dourada com olhos de rubi, trazendo nas garras lâminas metálicas com as bordas recortadas em ziguezague, mostrando que Zeus podia destruir os inimigos que quisesse disparando seus raios sobre eles. Uma pele de carneiro púrpura cobria o assento frio. Zeus a utilizava para fazer a mágica da chuva em tempos de seca. Ele era um deus forte, bravo, estúpido, barulhento, violento e presunçoso, sempre atento para a possibilidade de alguém de sua família tentar se livrar dele, como ele mesmo havia se livrado de Cronos seu pai.

A rainha Héra tinha um trono de marfim sobre três degraus de cristal. Cucos dourados e folhas de salgueiro decoravam seu espaldar, e uma lua cheia pairava acima dele. Héra sentava-se sobre uma pele branca, de vaca, usada para fazer a mágica da chuva quando Zeus não queria ser incomodado para acabar com alguma seca. Ela não gostava de ser esposa de Zeus porque ele andava sempre se unindo às outras mulheres, deusas ou humanas, embora garantisse com desdém que essas uniões não tinham importância, já que Héra era a sua rainha no Olimpo e as mortais envelheciam e morriam. Héra, por sua vez, permanecia sendo sempre bela e jovem. Seu símbolo era a vaca, a mais maternal das fêmeas do mundo animal. Não querendo, porém, ser associada à feiúra e placidez do animal, ela também passou a usar o pavão e o leão como seus animais sagrados.

Esses dois tronos, o de Zeus e o de Héra, se voltavam, através da Sala do Conselho, para o pátio. Ao longo dos dois lados da sala ficavam dez outros tronos — cinco para as deusas, do lado de Héra, e cinco para os deuses, do lado de Zeus.

Poseidon, deus dos mares e dos Rios, ocupava o segundo maior trono. Era todo de mármore verde acinzentado com listas brancas, ornado com coral, ouro e madrepérola. Os braços tinham monstros marinhos esculpidos e o assento era forrado com pele de foca. Pela ajuda que lhe dera na expulsão de Cronos e dos Titãs, Zeus casara Poseidon com Anfitrite, uma das Nereidas — em troca de Deméter — permitindo a ele que ficasse com todos os títulos dela, já que herdara o reino de seu pai, Nereus. Embora Poseidon odiasse ser menos importante do que seu irmão mais moço e, por isso, andasse carrancudo, temia os relâmpagos de Zeus. Sua única arma era um tridente a que chamava Cúspide, com o qual podia agitar os mares e provocar naufrágios. Zeus, porém, jamais viajava por mar. Sempre que Poseidon ficava ainda mais furioso do que de hábito, ele partia, conduzindo sua carruagem, rumo a um palácio submarino próximo à ilha Eubéia, onde ficava até resfriar sua ira. Poseidon escolheu para símbolo o cavalo, animal que ele tinha a pretensão de ter criado. Ainda hoje, ondas muito grandes continuam a ser chamadas, em alguns países, de “cavalos brancos”.

Diante de Poseidon, sentava-se sua irmã Deméter, deusa que presidia os frutos, as folhas e os grãos. Seu trono, em malaquita verde-vivo, era decorado com espigas de cevada em ouro e com porquinhos também de ouro, para dar sorte. Seu símbolo era a papoula, que floresce rubra como sangue em meio à cevada.

Junto a Poseidon sentava-se Hefaístos, filho de Zeus e Héra. Sendo o deus dos ourives, joalheiros, ferreiros, pedreiros e carpinteiros, fora ele quem construíra todos os tronos dos deuses pessoalmente, e fizera do seu próprio uma obra-prima, utilizando todos os metais e pedras preciosas existentes. Além disso, o assento era giratório, os braços levantavam-se e o trono deslizava sozinho até onde ele quisesse, da mesma forma como faziam as mesas de ouro de três pernas que ficavam em sua oficina. Hefaístos era manco, por ter sido jogado por seu pai de cima do Olimpo e caído na Terra, onde fraturou a perna. Seu símbolo era a codorna, um pássaro que, na primavera, parece dançar mancando.

Diante de Hefaístos sentava-se Atena, a deusa da sabedoria, a primeira a ensiná-lo a utilizar corretamente suas ferramentas e, entre todos, a que mais conhecia cerâmica, tecidos e todas as artes aplicadas. Seu trono de prata tinha, no espaldar e nas laterais, trabalho de cestaria em ouro e, fixada ao alto, uma coroa de violetas feitas de lápis-lazúli. Futuramente, seriam terminados os braços com cabeças de duas Górgonas risonhas. Apesar de toda a sua sabedoria, Atena não sabia exatamente quem eram seus pais, embora Poseidon afirmasse que ela era sua filha. Na verdade, quando criança, ela havia sido encontrada vagando às margens de um lago na Líbia, enrolada em uma pele de cabra. Mas antes de confessar-se filha de Poseidon, a quem ela achava muito burro, preferia deixar Zeus fingir que, ele sim, era seu pai. O que Zeus afirmava é que, certo dia, uivava como uma alcateia de mil lobos, tomado de uma terrível dor-de-cabeça. Hefaístos, segundo ele, teria aparecido neste momento com um machado e, caridosamente, rachou-lhe o crânio, de onde então saíra Atena, encouraçada e armada da cabeça aos pés. Atena era também a deusa das batalhas e, embora nunca fosse à guerra senão quando forçada, sempre vencia suas lutas. Ela tinha uma casa em Atenas e escolheu a sábia coruja para seu símbolo.

Junto a Atena sentava-se Afrodite, deusa do amor e, futuramente, da beleza. Tampouco dela sabia-se quem eram os pais. Dizia o vento do Sul que ele, um dia, a encontrara flutuando em uma concha perto da ilha de Cítera e que a conduzira delicadamente até a praia. Possivelmente fosse filha de Tríton e Anfitrite, como também podia ser que seu pai fosse unicamente o velho Úranos, nascida do sangue de seu escroto que caíra no mar. Entretanto, o que melhor se soube no Olimpo é que seus pais seriam Zeus e Díone, a personificação das espumas do mar. Anfitrite sempre se recusou a dizer uma só palavra a respeito. O trono de Afrodite era de prata, incrustado com berilos e águas-marinhas, com o espaldar em forma de concha e o assento forrado de penugem de cisne. Sob seus pés havia um tapete de ouro, bordado com figuras de abelhas, maçãs e pardais, também em ouro. Afrodite tinha um cinto mágico, usado sempre que desejava que alguém a amasse loucamente. Para manter Afrodite longe de problemas, Zeus resolveu que ela precisava de um marido trabalhador e decente. Naturalmente escolheu seu filho Hefaístos, que não conteve seu entusiasmo:

— Eu sou o mais feliz de todos os deuses!

Ela, porém, achava uma vergonha ser mulher de um deus com cara suja de fuligem, mãos calejadas, meio aleijado e feio. Por isso, fazia questão de ter um quarto separado só para ela. O símbolo de Afrodite era a pomba. Para ter sorte, mais tarde, uma vez por ano ela iria nadar em Páfos, na ilha de Elissa — a futura Cipros, hoje Chipre.

Diante de Afrodite sentava-se Áres, o irmão alto, bonito, fanfarrão e cruel de Hefaístos, e que lutava só pelo prazer de lutar. Áres e Afrodite estavam sempre de mãos dadas e soltando risinhos pelos cantos, o que provocava o ciúme de Hefaístos. Mas, se por acaso ele se queixava ao Conselhos, Zeus ria-se dele e dizia:

— Tolo, por que foste dar o cinto mágico à tua mulher? Podes culpar teu irmão de apaixonar-se por ela quando ela o está usando?

O trono de Áres era feito de bronze, muito forte e feio. Tinha grandes relevos em forma de caveiras e uma almofada forrada de pele humana! Áres tinha maus modos, era ignorante e tinha muito mau gosto. Mesmo assim, Afrodite o achava maravilhoso. Seus símbolos eram um javali selvagem e uma lança ensanguentada. Ele tinha uma casa de campo no meio da mata virgem da Trácia.

Ao lado de Áres sentava-se Apolo, o deus da música, da poesia, da medicina e dos rapazes solteiros. Era filho de Zeus e Leto, uma das deusas com quem se casara só para irritar Héra. Seu trono, de ouro muito brunido, era coberto de inscrições mágicas, tinha o espaldar em forma de lira, e a pele da serpente Píton cobria-lhe o assento. Acima de sua cabeça pendia um disco solar de ouro, com vinte-e-um raios em forma de flechas, já que ele tinha a pretensão de ser o manipulador do Sol. O símbolo de Apolo era um rato: constava que os ratos conheciam os segredos da Terra e os revelavam a ele. Ele preferia os ratos brancos aos outros. Apolo tinha uma casa esplêndida em Delfos, no alto do monte Párnassos, construída em torno do famoso Oráculo que ele havia roubado da Mãe-Terra, a avó de Zeus, depois de ter aniquilado Píton.

Apolo sentava-se diante de sua irmã gêmea, Ártemis, a deusa da caça, com quem aprendera Medicina e o manejo do arco. O trono de Ártemis era de pura prata, com uma pele de lobo no assento. O espaldar era inspirado no desenho de um barco em forma de lua nova ladeado por duas tamareiras. Ártemis, ao contrário de seu irmão, odiava a ideia de se casar, muito embora fosse bondosa ao cuidar das mães na hora do parto de seus bebês. Ela preferia caçar, pescar e nadar ao luar nos lagos das montanhas. Se, por acaso, algum mortal a visse sem roupa, ela o transformaria em cervo e iria caçá-lo até a morte. Ela escolheu para símbolo uma ursa, o mais perigoso de todos os animais da Hélade.

Hermes era o último da fila, filho de Zeus e de uma filha do gigante Átlas, Maia. Hermes, deus dos comerciantes, dos barqueiros, dos ladrões, dos adivinhos, dos arautos e dos mensageiros, tinha seu trono talhado a partir de um único bloco de pedra cinzenta, com os braços esculpidos em forma de cabeças de carneiros e uma pele de bode no assento. No espaldar havia talhada uma figura que representava a máquina de fazer fogo, por ele mesmo inventada: a broca de fogo. Hermes era também o inventor do alfabeto, marcando este fato com a escolha de um grou para um de seus símbolos, pelo fato de que os grous voam formando um V — a primeira letra que ele escreveu. Além das letras do alfabeto (tarefas, aliás, na qual as Moiras o ajudaram), Hermes também inventou a Aritmética, a Astronomia, as escalas musicais, os pesos e medidas, a arte do pugilismo e a ginástica. Outro símbolo seu era o bastão de aveleira ornado com fitas brancas (que os tolos pensavam serem cobras — pelo menos a maioria das pessoas) e que ele carregava quando em sua condição de deus-mensageiro.

A última na fila das deusas era a irmã mais velha de Zeus, Héstia, a deusa dos lares, que tinha um trono simples de madeira, sem esculturas e com uma almofada igualmente simples e tecida de lã não tingida. Héstia, a mais bondosa e pacífica dos Olímpicos, detestava as eternas brigas de família e jamais se deu ao trabalho de escolher um símbolo para si. Detestava tanto as disputas, que, para não ter pretendentes, havia pedido a Zeus que a permitisse permanecer sempre virgem, tirando de Poseidon e Apolo a esperança de competir por ela. Por isso, Zeus a recompensou com a primeira vítima de todo sacrifício público, pois ela preservara a paz no Olimpo. Era ela quem cuidava do braseiro que ficava no centro da Sala do Conselho. Deusa dos lares, ela amparava suplicantes que lhe pediam proteção, em cada casa particular e em prédios públicos. Afinal, foi ela quem inspirou os seres-humanos a construírem suas próprias casas de madeira, abandonando parcialmente as cavernas e as habitações construídas nas rochas; e seu fogo era tão sagrado que, se um fogareiro esfriasse, tanto por acidente como sinal de lamentação, era gentilmente atiçado com a ajuda de uma roda solar.

Quanto ao deus Hades, apesar de um dos primeiros Olímpicos, não costumava comparecer no Olimpo, exceto em caso extraordinário. Por isso, não tinha um trono nem morava com os demais deuses. Seu reino era o Inferno.

Logo à entrada do Olimpo, ficavam três lindas deusas, as Horas. Tinham o encargo de afastar as nuvens para que o Céu brilhasse sempre azul. O Sol iluminava os palácios com luz puríssima e nenhuma luz jamais lhe fazia sombra. Na morada dos deuses jamais chovia nem soprava vento. O clima era perfeito: nem frio nem quente demais.

Quando os deuses saíam, as Horas escondiam os palácios com um véu de nuvens, mas assim que eles voltavam, as três afugentavam as nuvens para que tudo voltasse a brilhar.

Porém, longe, à distância, as nuvens podiam cobrir a Terra. Lá, a primavera e o verão eram seguidos do outono e de um inverno rigoroso, pois ali, depois da alegria, vinha a tristeza. Os deuses, por sua vez, também provavam momentos de tristeza e amargura, mas entre eles, entretanto, a tristeza durava pouco e a alegria chegava mais depressa. A vida no Olimpo era, no geral, alegre e festiva. Durante as reuniões, os deuses comiam ambrosia e bebiam néctar, sem contar as mais variadas frutas e partes nobres das carnes, bebiam também vinho e outras variedades de alimentos. Eles desfrutavam da alegria da eterna juventude porque jamais envelheciam ou morriam.

As graciosas Cárites e as Musas alegravam-nos com suas danças e canções. Dando-se as mãos, elas dançavam e cantavam tão harmoniosamente que os deuses entravam em transe, fascinados pela beleza do espetáculo. Quando elas terminavam a apresentação, dedicavam um hino de louvor a Zeus, o maior dos deuses, o poderosíssimo pai dos homens. Na verdade, os deuses viam em Zeus a figura de um pai, pois ale’m de ser o mais poderoso, ele os havia conduzido à vitória contra Cronos e os Titãs, a vitória do bem contra o mal e a injustiça. Era assim que Zeus reinava na glória de seu trono com Héra, sua linda esposa e rainha dos Céus. Sempre elegante, bonita, a majestosa rainha ocupava o trono de ouro à direita de Zeus, e todos os deuses rendiam-lhe respeito.

À esquerda de Zeus sentavam-se duas outras deusas: Írene (a Paz) e Niqué (a Vitória). Niqué ficava sempre perto de Zeus, pronta a combater o mal.

De seu reino nos Céus, Zeus vigiava a Terra e tomava conta do mundo. Era ele quem combatia o mal e restabelecia a paz. Coitado daquele que tentasse quebrar a ordem estabelecida por Zeus! Todas as vezes que alguém tentasse ir contra essa ordem, Zeus franzia as sobrancelhas, e imediatamente o Céu ficava coberto com nuvens negras. Sempre que era dominado pela cólera, a expressão de Zeus tornava-se terrível e de seus olhos saíam chispas de fogo. Bastava que erguesse a mão, e imediatamente uma chuva de raios partia das nuvens para sacudir a Terra. Era desse modo que Zeus demonstrava o seu poder castigando aqueles que perturbavam a paz e obrigando os homens a não se esquecerem das leis estabelecidas pelo Olimpo. Por outro lado, se os homens obedeciam às leis e prestavam-lhe culto, Zeus premiava-os com os benefícios do bom tempo e chuvas abundantes para que brotassem as sementes plantadas. Com isso, os homens podiam colher os frutos da bondade do deus dos deuses. E, a fim de garantir que as leis fossem observadas e mantida a ordem, todos os outros deuses auxiliavam Zeus e obedeciam suas determinações.

Têmis, a deusa das leis, estava sempre ao lado de Zeus. Era ela quem recebia suas ordens e as transmitia aos mortais. Desse modo, as leis do senhor do mundo eram impostas sobre a Terra.

Outra deusa, Astréia, defendia o direito e lutava pela justiça. Onde existisse injustiça, ela imediatamente levava ao conhecimento de Zeus seu pai para proferir uma sentença. Pobre daquele que cometesse uma injustiça, sobre quem Zeus mandava aplicar um castigo! Não havia castigo maior do que para esses que cometiam tal tipo de crime.

Entretanto, se antes de ser castigado o réu se arrependesse e implorasse perdão, em sua grande misericórdia Zeus o perdoava e, assim, as cruéis Erínias não o atormentavam.

Zeus também semeava alegrias e tristezas aos homens. Existiam duas grandes ânforas de cerâmica à entrada da corte do Olimpo. Uma continha tudo que era bom. A outra continha todos os males do mundo. Delas, Zeus tirava punhados de bem e de mal para despejar sobre a Terra. Infeliz daquele tivesse a desgraça de receber as sementes retiradas da ânfora dos males, pois tal estado era o desejo do rei dos deuses. Por outro lado, aquele que recebesse sementes da ânfora do bem podia considerar-se de muita sorte. Entretanto, era muito difícil acontecer que alguém recebesse somente sementes do mal ou só do bem. Aquele que recebia sementes da tristeza e da alegria em igual proporção devia dar-se por muito satisfeito, pois o Destino era implacável para com os homens.

Zeus costumava dizer:

— O sofrimento é o destino dos mortais, porque mesmo entre os deuses existem a alegria e a tristeza.

Se Zeus, porém, semeava alegrias e tristezas entre os homens, eram suas três filhas, as insensíveis Moiras, que determinavam a duração da vida das pessoas. Zeus jamais interferia no serviço delas, porque ninguém deveria alterar as leis regentes da vida humana. (Seu lugar no Olimpo ficava em um cômodo atrás da cozinha do palácio.) Assim, as Moiras exerciam grave encargo e eram insensíveis a todas as súplicas, preces ou sacrifícios. Fosse o que fosse que elas decidissem, tanto os deuses quanto os mortais tinham de aceitar.

A primeira delas, Cloto, tecia o fio da vida de cada mortal e determinava o tempo que ele deveria viver. Quando era cortado o fio, apagava-se a vida. A segunda, Láquesis, sorteava de olhos fechados o destino de cada mortal. Fosse bom ou fosse mau, não podia ser mudado. Ninguém conseguia mudar esse destino escolhido pelas três deusas, pois a terceira irmã, Átropos, ia, com letras bem claras, anotando em um longo pergaminho tudo o que as outras duas haviam resolvido. E o que ficava anotado, nem elas mesmas nem Zeus tinham poder para apagar.

Distante das três implacáveis Moiras, também vivia no Olimpo uma generosa deusa que distribuía apenas boas coisas entre os homens. Era a deusa da felicidade e das riquezas, Tiquê, a Fortuna. Seu instrumento mágico era a Cornucópia de Amaltéia. Passeando pelo mundo, Tiquê ia despejando sobre os homens os ricos benefícios que saíam do corno mágico. Essa deusa airosa andava sempre com os olhos vendados para poder despejar os benefícios ao acaso, guiada apenas pelo instinto. Às vezes, eles favoreciam um homem justo; de outra, favoreciam o injusto. Certas ocasiões, quem os colhia era o trabalhador; de outras, o preguiçoso era quem tirava proveito. Quem conseguisse cruzar os caminhos da deusa podia considerar-se de sorte, pois a Fortuna fatalmente lhe despejaria os mil benefícios que saíam da Cornucópia. Poucos, porém, eram os que tinham sorte de cruzar os caminhos da deusa, mesmo porque a verdadeira felicidade era muito difícil, pois não era feita apenas de bens materiais.

Os Olímpicos bebiam néctar, uma bebida doce feita de mel fermentado; e comiam ambrosia, que, ao que consta, seria uma mistura crua de mel, água, frutas, azeite de oliva, queijo e cevada — havendo muitas dúvidas quanto a isso. Afirmam alguns que certos cogumelos pintados, nascidos cada vez que um dos relâmpagos de Zeus caía na Terra, é que teriam sido o verdadeiro alimento dos deuses. E era o que os mantinha imortais.

Os Olímpicos gostavam muito do cheiro da carne assada de bois e carneiros, mas não lhes apreciavam o paladar. Por isso os mortais costumavam oferecer-lhes sacrifícios de gado bovino e ovino, comendo a carne logo em seguida.

Zeus costumava ajudar os homens pessoalmente de muitos modos. Em Dodona, ele possuía um carvalho sagrado que produzia frutos doces e suculentos, os primeiros frutos que os homens comeram. Quem quisesse um conselho de Zeus deveria ir até o carvalho sagrado, oferecer um sacrifício e humildemente fazer o pedido. Uma brisa sopraria produzindo um murmúrio entre as folhas, e decifrando o Oráculo de Zeus através desses dons, um sacerdote daria a resposta pedida. Fosse qual fosse a resposta do Oráculo, deveria ser obedecido. Ninguém jamais ia a Dodona pedir um conselho para depois rejeitá-lo.

Entretanto, dentre os muitos lugares onde Zeus era venerado, o mais conhecido ficava em Olímpia. Ali existia o mais célebre de todos os templos dedicados a Zeus. A cada quatro anos, a partir de Héracles, toda a Hélade (Grécia) passaria a reunir-se amistosamente em Olímpia, mesmo em guerra, para render homenagens a Zeus e participar dos famosos Jogos Olímpicos. O acontecimento era anunciado por arautos sagrados e por todos os lugares do país soavam trombetas. Mesmo se estivesse havendo guerra entre os povos gregos, tinha de ser interrompida. Assim, o único pensamento de todos voltava-se exclusivamente para as vitórias que iam acontecer no estádio olímpico. Ali, os jovens atletas disputavam corridas, saltos, jogos de arremesso de disco, luta livre, corrida de carros, entre outros jogos, e o prêmio era apenas uma coroa de folhas de oliveira. O maior sonho dos competidores era vencer. Essa honraria era suficiente tanto para os vencedores quanto para as cidades que representavam, pois as mesmas sentiam-se honradas com a vitória de seus filhos.

O Olimpo então estava assim formado, e o panteão, completo. Mas, além de Gênios silvestres, como Sátiros, Faunos, Silenos e Egipãs, existiam ainda os Centauros e as Centauresas, que também habitavam as encostas do Pélion e do Olimpo. E havia ainda uma infinidade de Ninfas que infestava os bosques, os rios, os mares e as montanhas da Hélade, que fechavam o círculo das divindades inferiores, e estavam assim divididas:

— as Ninfas Aquáticas: Oceânides, Ninfas do alto-mar, filhas de Océanos e Tétis, irmãs dos Rios; Potâmides, as filhas dos Rios; Náiades, dos ribeiros e riachos; Crenéias e Pegéias, das fontes e nascentes; Limneidas, dos lagos e lagoas; e Nereidas, dos mares internos. No geral, faziam parte do cortejo de Poseidon, Nereus, Héra, Ártemis e Afrodite.

— as Ninfas Terrestres: Napéias, dos vales e selvas; Oréades, das montanhas e colinas; Melíades, nascidas do sangue de Úranos, eram as Ninfas dos freixos; Dríades e Hamadríades, das árvores, especialmente do carvalho (consagrado a Zeus). Quanto as Dríades, sua vida dependia da vida dos carvalhos, e as Hamadríades, elas nasciam e viviam nas próprias árvores.

— as Ninfas Urânias, que viviam junto dos Astros, como as Híades e as Plêiades, filhas do gigante Átlas, representadas pelas estrelas do céu.

FIM

PERSEUS E MEDUSA

Os Hititas, certo povo de nômades oriundos do Cáucasos, estabeleciam um reino na Capadócia, tendo Kussar por capital. No Egito, o poder das dinastias era usurpado pelos Hicsos, tornando-se a principal linhagem real do país. Enquanto isso, em Sérifos, na casa de Díctis, Perseus crescia e aprendia a viver humildemente, mas educado como um príncipe. Aprendia a cavalgar, a conduzir bigas, a manejar armas, a honrar Zeus e os demais deuses e a viver honestamente. E com os pescadores permanecera durante quinze anos. O menino cresceu e transformou-se num belo rapaz, afoito marinheiro, e muitas viagens realizou para negociar nas ilhas vizinhas. Agia como um príncipe, mas os serifenses acreditavam que ele não fosse filho de simples mortal e diziam-no filho de Zeus, o rei do Olimpo. Embora só tivesse quinze anos, era mais alto do que qualquer dos moradores da ilha; e também o mais destro de todos na corrida, na luta, no arremesso da malha e do dardo, no remo, na equitação, na música e em tudo mais quanto favorecia um homem. Era quase perfeito, tal qual um deus, cheio de virtudes, como deveria ser todo filho de Zeus. Era corajoso, leal, amável e cortês, pois o bom e velho Díctis soube educá-lo; e muito valeu a Perseus que ele assim tivesse procedido, pois Dânae e seu filho iriam enfrentar grandes reveses, e Perseus teria que apelar para a sua inteligência.

Perseus havia-se tornado um belo jovem, forte e ativo, distinguindo-se pelo jeito másculo, habilíssimo no manejo das armas, sobretudo na sua maneira nobre de se relacionar. Todos falavam na sua força e na sua beleza. E, apesar de nunca vê-lo pessoalmente, Polidectos mostrava-se curioso em conhecê-lo, mesmo que nunca vira com bons olhos a acolhida que lhe dera Díctis, seu irmão.

Um dia, desafiado pelo rei de Sérifos, Perseus viu-se obrigado a cumprir uma árdua tarefa, incomum a qualquer ser humano: trazer-lhe a cabeça de Medusa, a mais terrível das Górgonas. Consolado pelo deus Hermes, este ofereceu-lhe ajuda e prometeu-lhe que Atena também o faria prontamente, e emprestou-lhe suas sandálias aladas.

Assim, Hermes e Perseus, com o Caduceu mágico, iniciaram a jornada a pé-enxuto sobre terras e mares; e seu coração pulsou, jubiloso, pois as sandálias aladas o sustentaram durante sete dias de viagem. Passaram por Citnos, Céos e pelas aprazíveis Cíclades, a caminho da Ática; no entanto, sentindo a real necessidade de realizar um sacrifício a Zeus, pediu a Hermes para descer na Argólida e, sobre o monte Apesa, perto da estrada para Corinto, ergueu um pequeno altar e sacrificou um carneiro ao rei do Olimpo.

Em seguida, alçaram voo e passaram por Atenas e por Tebas, pelo lago Cópais, e pelo vale do Céfisos, e, mais adiante ainda, pelos picos do Oeta e do Pindos, e pelas ricas planícies da Hemônia (a futura Tessália), até que deixaram atrás as colinas ensolaradas da Hélade e defrontaram os desertos do norte. Transpuseram as montanhas da Trácia e muitas tribos bárbaras, Peônios, Dardânios e Tríbalos, até alcançarem o rio Istros (o Danúbio de hoje) e as melancólicas planícies da Cítia. Sobrevoaram o Istros e continuaram a seguir através de charnecas e pântanos, noite e dia, na direção do gelado noroeste, sem se desviar nem para a direita, nem para a esquerda, e finalmente chegaram à Terra Informe, atingindo os limites da Noite eterna, onde vivia Fórcis, gerador de alguns dos monstros mais terríveis da Terra. Nem o Sol nem a Lua jamais brilhavam sobre aquele lugar. Uma paisagem de ínvias florestas e rochas tinha ali o seu começo; chamava-se também Cistene, a Terra das Rosas da Rocha, e poderia ser alcançada igualmente pelo leste. Era a terra das trevas, que somente as Moiras e as próprias Gréias conheciam.

Anoitecia. Estavam agora num lugar inteiramente deserto, silvestre, mas bem perto da praia, coberto de um matagal rasteiro, e tão solitário e silencioso que parecia nunca ter sido habitado. Tentando localizar esse lugar, provavelmente se encontrassem próximo ao Cronianos (hoje mar Báltico). Lá avistaram as Gréias, irmãs das Górgonas, que foram obrigadas pelo herói argivo a mostrar-lhe o caminho para o país de Thule. Porém, ainda mais necessário, as Gréias ensinaram-lhe também o caminho que levava à ilha das Ninfas Hespérides, para que lhe entregassem os instrumentos para que pudesse ter êxito em sua missão.

Medusa, a “senhora”, abusava de seu poder, porque, até então, só heróis pouco astutos tinham ido combatê-la, inclusive os guerreiros de Thule, país onde as Górgonas passaram a viver depois de devastá-lo. Atacavam-na como se atacassem uma fera qualquer — e eram reduzidos a estátuas de pedra. Por isso, os Olímpicos facilitavam o caminho de Perseus.

Mas o caminho para a mansão das Hespérides era dos mais complicados. Ambos rumaram para o sul, deixando para trás as regiões geladas; passaram pela ilha Hiperboreana, pelas ilhas de estanho, e pela longa praia Ibérica, onde habitavam os povos mais estranhos e longínquos do Ocidente.

Enquanto de dia acompanhavam-nos andorinhas e gaivotas, à noite as Ninfas do mar cantavam suavemente e os Tritões sopravam seus búzios, brincando ao redor de Galatéia, sua rainha, que descansava num carro de conchas nacaradas.

Hermes e Perseus deslizavam pelas vagas como gaivotas, sem nunca sentir-se fatigados. Atravessaram o mar, mas, para chegarem ao seu destino, era preciso atravessar um grande deserto de areia e montanhas, onde Átlas padecia. Porém, após cruzar os ares por sobre essas complicadas regiões, seguindo as explicações das bruxas Fórcides, as Gréias, achegaram-se à praia, que dava para o Rio-Oceano, e tiveram que tomar o barco encantado do Sol, única forma segura de encontrar a Ilha das Hespérides. Depois de um bom tempo, avistaram um grupo de ilhas em que outrora habitaram as Górgonas. Apostaram numa delas, Antilia. Seguindo por um caminho inóspito, entre vales e cascatas, árvores majestosas e estranhas flores e fetos, chegaram num grande pomar, onde começaram a ouvir vozes melodiosas, e compreenderam que haviam chegado ao jardim das Ninfas. E lá encontraram-nas.

Perseus ficou admirado com a beleza das Ninfas, cada uma com o seu par de olhos cintilantes, com ares de bondade e tranqüilidade. Cantavam como rouxinóis por entre as moitas, sem ao menos compreender o que cantavam. Dançavam de mãos dadas ao redor da árvore encantada, que se curvava sob o peso de magníficos Pomos de Ouro. E um enorme dragão parecia enrolado aos pés da árvore, já que só conseguiram distinguir uma pequena parte da cauda. A cabeça devia estar distante, em outro lugar, procurando por alguma presa.

As Ninfas, após a tentativa de persuadi-lo a desistir, entregaram-lhe o surrão mágico e a espada com a qual deveria decepar Medusa.

Perseus e Hermes voaram juntos rumo a Thule, no extremo norte-ocidental do mundo. Sobrevoavam as regiões bárbaras da Ivíria (a Ibéria), atravessaram as montanhas frias da Europa e alcançaram as praias que davam para o Rio-Oceano, e foi reunir-se a eles a deusa Atena.

Passaram por inúmeras dificuldades, pois Poseidon tentava impedi-los de lá chegarem. Perseus só conseguiu graças ao auxílio de Atena, que o acompanhava e protegia. O deus dos mares tentava dificultar sua viagem, lançando turbilhões de água para derrubá-lo, ou ondas fortíssimas, muito altas, para agarrá-lo. Atena, pegando sua mão, fez os turbilhões perderem-se no ar, e as ondas se quebrarem nos penhascos da praia, formando largas franjas de espumas. O mar rugia e o fragor das ondas lembrava o trovão. Foi no meio desses ruídos que Hermes ouviu uma voz doce e melodiosa, quando já caía a Noite.

— Ouve, é o canto das Górgonas. Devem estar dormindo...

— Elas cantam dormindo?! Não consigo ouvir...!

E Atena, invisível a Perseus, disse-lhe:

— Vê as costas daquela ilha, lá embaixo. Chegamos no país de Thule.

— Eu não disse, Perseus? Eu sabia que ela seria a primeira a avistar a ilha e ouvir o canto das Górgonas... Lembram as Sereias e as Hárpias, tão terríveis como elas...

Perseus prestou melhor atenção. E avistou alguma coisa, no horizonte, que lembrava uma ilhota. Ao aproximarem-se, viram o mar quebrando-se em espuma à volta de sua costa rochosa, exceto num dos lados, onde havia uma praia de areia muito branca.

Desceram em terra firme. Logo, começaram a seguir as vozes melodiosas. Vinham das montanhas, onde ficava a cidade dos túlios, um povo desconhecido das populações que habitavam o sul da Europa, desde a Ibéria às costas da Ásia, do qual só se ouviam vagas e fabulosas histórias a seu respeito. Subiram uma colina e avistaram a cidade, que parecia abandonada, mas de lá vinham vozes. E Atena observou:

— Estão dormindo...

— Os túlios?

— Não, as Górgonas. A cidade está abandonada, e o doce canto é o ronco das Górgonas.

— Ah, sim, elas cantam dormindo...