Mitologia vs Mídia

PROETOS E ACRÍSIOS

Acrísios e Proetos (também conhecido por Proclos), os filhos gêmeos de Abas e Aglaia, viviam no ameno vale de Árgos, no Peloponeso. Possuíam férteis prados e vinhedos, carneiros, bois e grandes rebanhos de cavalos que pastavam nos pântanos de Lerna, e tudo de quanto precisavam os homens para serem felizes; contudo, eram desgraçados, pois se invejavam mutuamente. Brigavam desde que tinham nascido; e, adultos, cada um deles tentava apropriar-se do quinhão do reino, que ao outro pertencia, tornando-se único senhor.

E foi durante o tempo de reinado alternado de Proetos que Dionisos, o filho de Zeus e Sémele, adentrou-se na cidade de Árgos, em sua expedição pelo mundo com o fito de espalhar e instituir o seu culto. Mas encontrou resistência por parte de seu rei, que ousou expulsá-lo. Então, Dionisos prometeu-lhe e à sua família um castigo severo, acompanhado das desavenças com seu irmão Acrísios. Uma simples inimizade se tornaria num catastrófico embate sanguinário, e as desgraças recairiam sobre sua casa.

Dominavam os hicsos no Egito com a soberania do Faraó Sebekhotepe I ou Khaankhre; no mesmo ano, morria o grande rei Hamurábi, e seu Império declinava com a chegada dos assírios; e um terremoto abalava e destruía palácios em Creta. Era a mesma época em que então era a vez de reinar em Árgos o mais frio e temperamental dos homens: Acrísios. Alternava com o irmão o trono da cidade-sede.

Mas, findando o ano de seu governo, Proetos foi ter com seu irmão para que este lhe entregasse o trono, pois era sua vez de ocupar o trono, esquecendo-se da maldição que lhe jogara Dionisos. No entanto, Acrísios se recusou a entregar-lhe o que lhe era de direito e expulsou Proetos da cidade. Este prometeu vingar-se por tamanha afronta e foi para Tirinto.

Mas Proetos, temendo que Acrísios não se desse por satisfeito e resolvesse surpreendê-lo em Tirinto, fugiu para a Lícia, onde foi acolhido pelo rei Ióbates, que lhe deu como esposa sua filha, Antéia (ou Estenebéia), e o acompanhou de volta à Argólida com um exército. Lá ele conquistou a cidade de Tirinto.

À frente de uma numerosa força armada, Proetos atacou Árgos, obrigando Acrísios e seus fiéis comandados a buscarem asilo junto de Lacedémon, o rei dos lacedemônios da longínqua Esparta. Lá, bem recebido pelo rei, conquistou a sua confiança e recebeu dele a mão de sua filha Eurídice em casamento. Dessa união, tiveram duas filhas: Evárete e Dânae, cujo nome derivava de danu, “água”.

Proetos tinha três filhas: Lísipe, Ifínoe e Ifianassa. Estas eram tão bonitas que muitos helenos as cobiçavam. Porém elas eram orgulhosas e arrogantes, e uma vez, quando chegaram ao antigo templo da rainha dos deuses, gabaram-se de que a casa de seu pai era muito mais luxuosa. Mas a casa de Proetos já estava maculada com os malltratos a Dionisos, que havia jurado vingança, e a deusa Héra, excepcionalmente em conformidade com o deus do vinho, não tolerando que seu santuário fosse desprezado, fez com que as infiéis donzelas enlouquecessem. Elas passaram a pensar que eram vacas e puseram-se a vagar pelos campos, mugindo. E assim vagavam pela Argólida, pela Arcádia, pela Messênia.

O rei Proetos encontrava-se muito abatido pelo lastimável destino de suas filhas, que mugiam como as vacas e pastavam pelos campos do Peloponeso. A vingança dos deuses se manifestava. Proetos lembrava com remorso do dia em que houvera expulso de sua casa Dionisos, e de nada adiantavam suas orações, nem suas lágrimas eram vistas pelo Olimpo. O rei, acabrunhado pelo sofrimento, ofereceu grande recompensa a quem conseguisse curar as filhas.

Porém, um dia, Proetos ouviu falar de um homem com fama de profeta e médico; ouvira falar da cura do príncipe Íficles, em Féres, e de muitas outras histórias que se passaram da Hemônia até os confins da Messênia. Por isso, mandou chamá-lo e pediu-lhe que curasse suas infelizes filhas. Melampos respondeu-lhe:

— Satisfarei ao teu desejo, ó rei, desde que me entregues a terceira parte de teu reino. E lembra-te de sacrificar aos deuses e construir dois altares, um a Dionisos e outro a deusa Héra.

Mas o rei, que era excessivamente mesquinho, não quis concordar, de maneira alguma:

— Isto eu não farei, jamais. Ora essa! Alienar-me de grande parte do meu reino? Prefiro que continuem minhas filhas dementes para o resto de suas vidas!

Melampos foi-se embora. E as donzelas enlouqueceram ainda mais. Sua loucura chegava ao ponto de contagiar outras mulheres. Elas deixavam suas moradias, matavam seus próprios filhos e, como as três irmãs, vagavam pelos campos, mugindo. Aterrorizado, Proetos mandou chamar Melampos novamente e pediu-lhe que o ajudasse:

— Teu preço é muito elevado, mas tão grande é minha aflição que estou disposto a aceitá-lo. Se tu debelares a insânia de minhas três filhas assim como das outras mulheres de Árgos, dar-te-ei a terça parte do meu reino.

— Oh não! Já uma vez recusaste minhas condições, e sofres agora as consequências de tua recusa. Desta vez não peço um terço, senão dois terços do teu reino, que destinarei ao meu irmão, e ainda por cima a mão da mais bela das tuas três filhas.

— Quê?! Como?

Embora de má vontade, o rei teve que concordar, pois temia que, se hesitasse de novo, Melampos acabaria por exigir-lhe o reino inteiro. Melampos, então, reuniu os mais fortes dentre os jovens à sua volta e conduziu-os às montanhas, de onde eles perseguiram o bando de mulheres enlouquecidas, que deliravam em seus cânticos e danças rituais, até perto de Sícion. Durante a perseguição, a mais velha das filhas de Proetos, Ifínoe, morreu, mas as outras duas foram capturadas. Então Melampos fez uma infusão da planta chamada heléboro negro, que poucos conheciam, e deu-a às princesas, que se encontravam amarradas, para que bebessem. Um tempo depois, acalmaram-se e ficaram curadas de sua loucura enquanto Melampos apaziguava a enfurecida Héra com preces e oferendas. Curou-as também através dos rituais de purificação e magia.

Depois, foram curadas as outras mulheres da mesma maneira, conforme iam sendo capturadas. Todas recuperaram a razão.

Junto com as terras prometidas, seu pai deu Ifianassa como esposa a Melampos e Lísipe ao irmão Bias. Com Ifianassa, Melampos teve cinco filhos: Abas, Mântios, Pisénor, Gias e Císseo. Quanto a Bias, tendo-se unido a Lísipe, teve apenas uma filha: Anaxíbia, que haveria de ser desposada por Pélias, o rei de Iolcos.

Os exércitos liderados por Acrísios e Proetos novamente travaram uma terrível batalha, desta vez na estrada de Árgos a Epidauros, onde, mais tarde, ergueu-se um monumento à famosa guerra entre os irmãos, durante a qual, dizia-se, fora inventado o escudo redondo. A batalha, depois de algum tempo, ficou indecisa, apesar de Proetos ter conseguido expulsar Acrísios, depois da longa luta travada por todo o território. Só então, a disputa foi decidida; e entraram num acordo: Acrísios ficou com Árgos e uma metade da Argólida, e Proetos com Tirinto e a outra parte do reino.

Acrísios fortaleceu a cidade de Árgos, e Proetos, com o auxílio de seus sete Cíclopes, construiu uma grande e inexpugnável muralha de pedra ao redor de Tirinto. Nessa época, constantemente Proetos arrumava maneiras de assediar a jovem Dânae provocando ainda mais a ira de Acrísios, que detestava o irmão mais que a qualquer outro inimigo seu. Por isso, proibiu a moça de perambular pelos campos, pelas margens do rio ou por qualquer outro lugar senão dentro dos muros de Árgos.

O NASCIMENTO DE PERSEUS

Acrísios, rei de Árgos, pai de uma linda filha, Dânae, andava desapontado por não ter um filho, para que o sucedesse no trono. Então, após várias tentativas de engravidar Eurídice, o rei foi a Delfos consultar o Oráculo de Apolo, para saber sobre a ausência de um herdeiro homem, e recebeu da Pítia a cruel profecia:

— Assim como te levantaste contra teu próprio sangue, teu próprio sangue se levantará contra ti: assim como pecaste contra teu irmão, serás castigado por teu irmão. Tua filha Dânae conceberá um filho e morrerás pela mão do filho de tua filha. Assim ordenaram os deuses e assim há de acontecer.

Acrísios, que amava sua filha, entrou em depressão e não sabia o que fazer. Seu neto poderia sucedê-lo, mas sua própria vida corria perigo. Isso acontecia enquanto os hebreus de Canaan se estabeleciam na terra de Gessem (Goshen), no Egito, quando José, filho de Jacó, era vice-rei do país.

Certo dia, alguém chegou a Acrísios e, muito em segredo, lhe contou a terrível revelação.

— É preciso evitar o perigo anunciado. Toma todas as tuas precauções, Majestade! Lembra-te de teu irmão Proetos.

A notícia era assustadora.

— Este neto vai um dia causar a tua morte e ocupar o teu trono. Ouve meu conselho...!

Se bem ouviu o aviso, melhor aceitou o conselho:

— Sim, de minhas mãos partirá um ato de grande crueldade, mas também de grande necessidade. Trancarei minha filha, minha tão amada filha, em uma torre para nunca mais sair. Assim confinada, não poderá ter filhos, e não será cumprida a profecia de Apolo.

Acrísios resolveu, portanto, acabar com o problema, uma solução mais prática. Pretendeu matá-la, mas não teve coragem de mandar cortar sua cabeça. Acrísios, ao invés, trancou Dânae em uma torre, que ele mandou construir, quase como uma tumba, com portas de bronze e guardadas por um cão feroz, e era ele, pessoalmente, quem, no início, se encarregava de levar-lhe água e comida. E lá ficou, presa, durante muitos dias, vários meses, e a bela Dânae nada entendia sobre o motivo que tornara-se cativa do próprio pai. A solidão somente era interrompida pela criada que agora lhe trazia alimentos e água. De resto, a clausura era total. Dânae não podia mais usufruir do calor e do brilho do Sol. Tampouco percebia a musicalidade do Vento. Nem captava vozes humanas. O largo convívio com as pessoas e a Natureza pertencia ao passado.

Um dia, Dânae, através da pequenina janela da torre, por onde entrava apenas os raios do Sol e da Lua, refúgio a que passava longos momentos a espiar o mundo lá fora, colou seu rosto à janelinha para sentir o frescor da manhã, mas a sensação de impotência perante sua situação feriu de tal maneira seu ânimo que deixou-se cair de costas, a cabeça segura pelas mãos e lágrimas nos olhos.

Em sua desesperança, a princesa encarcerada só fazia chorar. Um pranto tão amargo e tão pungente, que comoveu o coração do senhor do Olimpo. Zeus apaixonou-se por Dânae quando a viu, de longe, pela janelinha, tristemente sentada ao chão, encostada na parede fria. Inspirado nas lágrimas de Dânae, para não ser visto por Héra, Zeus transformou-se em uma chuva de ouro e caiu sobre a torre, entrando pela janela. Foi quando Dânae sentiu uma presença estranha. Abriu os olhos e ficou estarrecida ante o que via: uma chuva dourada que entrava através da pequena janela. Dânae, assustada, desceu correndo a escada, mas a chuva desceu atrás dela, o que chamou a atenção do feroz mastim do outro lado da porta de bronze, que começou a latir.

Retomando sua forma original, a de um homem majestoso, Zeus disse a Dânae:

— Não temas, bela donzela. Sou um deus poderoso e vi o que teu pai fez a ti. Teu sofrimento e resignação me fizeram querer fazer de ti minha esposa. Queres unir-te a mim, Dânae?

Ela, hipnotizada de encantamento pelo deus, respondeu:

— Quero. Eu me sinto muito sozinha aqui.

E assim se fez. Zeus transformou a prisão horrível em um lugar maravilhoso, ensolarado e cheio de flores. A beleza era tanta que fez a torre assemelhar-se aos Campos Elísios. E, como último gesto, na despedida, Zeus fez surgir, num passe de mágica, uma esfera dourada, macia e leve, e lhe disse:

— Dá ao meu filho quando ele sentir vontade de brincar.

E assim se sucedeu; assim que nasceu a criança, sem dor e sofrimento, ela foi abençoada com uma infância tranquila e feliz. E toda a vez que surgia o pai ou um servo para lhe alcançar água e alimento através de uma pequena janela, as luzes que iluminavam a masmorra apagavam-se e em seguida acendiam-se tão logo mãe e filho se sentiam seguros e sós. E, com o tempo, uma das servas do rei passou a manter um contato com Dânae para lhe confortar com palavras amenas e esperançosas, até o dia em que o coração do pai Acrísios se abrandasse e ele decidisse libertá-la, pois, ainda depois de alguns anos, ele temia o seu contato com algum homem e isso lhe causaria a sua ruína. Mas um certo dia a serva descobriu o que se passava do outro lado da porta, e Dânae implorou-lhe segredo, no que foi atendida. E, querendo ajudá-la, começou a trazer-lhe tudo o que precisava para criar o seu bebê.

Porém, passaram-se pelo menos uns três anos até que a criança, assim que começou a andar e brincar sozinha, Dânae lhe entregou o presente de seu divino pai: a esfera dourada e brilhosa. Tudo corria bem enquanto ela apalpava, mordia e empurrava o seu novo brinquedo, mas, assim que escapuliu de suas mãos, a criança chorou, inconsolável. Dânae tentou acalmá-la, amedrontada, e o choro da criança chamou a atenção do cão que guardava a porta de bronze, e começou a latir.

Porém, um guarda da confiança do rei, atraído pelo latido estranho do mastim, subiu as escadas da torre e, notando pela minúscula fresta sob a porta, estranhou a luz que emanava de dentro, também através da janelinha, e correu para avisar Acrísios:

— Senhor, algo de maravilhoso está acontecendo naquela torre. Fiquei com medo de espiar.

O rei apressou-se a ver o que estava acontecendo na torre, e ao notar a claridade que partia da pequena janela, subiu com seus guardas até a parte mais alta da torre e, afastando o cão feroz, que parecia muito assustado, mandou que arrombassem a porta de bronze. Então, o rei Acrísios pôde ver o que se passava: Dânae trazia nos braços uma criança bela e saudável.

— Como pudeste ter dado à luz uma criança, se te mantive trancada nesta torre por tanto tempo, sem contato com nenhum ser vivente?

O rei Acrísios chegou a olhar para o mastim, que olhava-o extasiado pela presença do bebê. Dânae sorriu ante a confusão do rei e contou-lhe a verdade:

— Chama-se Perseus, meu pai, e é teu neto.

Acrísios ficou furioso e ameaçou:

— Neto?! Quem é teu marido? Diz! É Proetos, aquele miserável, filho de um cão?!

Dânae silenciou, pois tinha muito medo do que podia acontecer a seu filho. E Acrísios, furioso, agarrou os braços de Dânae e levou-a de arrasto para fora da torre.

— Meu filho! Dá-me meu filho!

A um aceno do rei, o guarda pegou a criança e levou-a também para fora, e levaram a ambos para o pátio, onde erguia-se um altar consagrado a Zeus, para que lá ela confessasse o que Acrísios pretendia saber. E, antes de continuar a interrogar a filha, mandou executar a serva que mantinha contato com Dânae.

— E agora, Dânae, responda-me: quem é o pai da criança?

Dânae, aos prantos, temia as atitudes do pai e evitava abrir a boca, até que Acrísios ameaçou matar o menino. A mãe, mais do que depressa, virou-se para o altar de Zeus e gritou:

— É Zeus, meu pai! Se ousares tocar no neto que eu te dei, Zeus te fulminará com seus raios!

O rei Acrísios olhou para a imagem de Zeus e, não acreditando em uma só palavra da filha, respondeu friamente:

— Pois então vou botar os dois fora do seu alcance...

E Acrísios mandou seu carpinteiro real construir uma arca de madeira, para que encerrasse Dânae e Perseus numa caixa de madeira e os jogasse ao mar, sem alimentos e sem destino. Morreriam de fome ou uma onda mais violenta, uma tempestade, os levaria para a Morte.

— Se eles se afogarem, a culpa será de Poseidon, não minha. Por isso, não serei punido.

DÂNAE E PERSEUS EM SÉRIFOS

E assim foi a pequena embarcação à deriva pelas ondas do mar, desgovernada e infeliz. Cedo ou tarde seriam devorados pela fúria das águas revoltas. Um vento forte empurrava a caixa ainda mais para o interior do Arquipélago. Dânae, desesperada, chorando, com o filhinho ao colo, suplicava proteção aos deuses falando ao seu filho Perseus:

— Meu filho, que dor é a minha! Dormes e tens o espírito tranquilo nesta embarcação sem conforto, e nesta treva brilhas qual raio de luz. Não olhas para a profundeza salina que passa por cima das tuas madeixas, nem ouves o barulho do vento, enquanto teu rosto formoso repousa sobre o manto purpurino. Se o terror fosse terror para ti, seguramente prestarias atenção às minhas palavras. Então dorme, criança, peço-te, continua a dormir, e deixa dormir o mar revoltoso, deixa dormir também o nosso infortúnio sem medida; e que possa vir de ti, Zeus pai, alguma mudança. Se rezo com muitas palavras atrevidas e injustas, perdoa-me...!

Zeus e os demais deuses ouviram-lhe as preces, inclusive Posseidon, que acalmou as águas furiosas. A embarcação, mais do que depressa, foi empurrada pelo vento Bóreas para o sul e acabou sendo jogada a uma praia distante, numa das ilhas Cíclades. Díctis, o “homem das redes”, era um pescador da ilha e acabava de abrir suas redes na praia, quando avistou, de cima dos penhascos, um objeto flutuante:

— Que é aquilo? É algum monstro-marinho, um golfinho, ou um animal qualquer que desconheço?

Homem barbudo, de cabelos dourados, vestia um grosseiro manto de ratina e tinha na cabeça um amplo chapéu que lhe sombreava o rosto; trazia na mão um tridente de arpoar peixes. Tomou uma rede e entrou no mar, até parar com água na altura do peito.

— Senhor Poseidon! Que presente inesperado nos mandas da água?! Seja lá o que for, está chegando perto, e não é um animal marinho.

E gritou por socorro:

— Vinde me ajudar!

Esperou aparecer a ajuda de seus servos, e não os viu; mas, de súbito, viu surgir, estupefato, seres muito estranhos para ajudá-lo, peludos, carecas, de nariz achatado e rostos pintados de vermelho: eram Sátiros. Então, deles acompanhado, entrou mais para o interior do mar e lançou a rede, na qual a caixa se emaranhou. Em seguida, começou a puxá-la até a praia. E qual não foi sua surpresa, quando abriu a caixa e ver uma linda mulher com uma criança em seus braços!

— Por Poseidon! O que está fazendo aí dentro esta pobre moça? E esta criança?

Ela estava deitada, com os joelhos dobrados e tomados pela água que começava a entrar, ameaçando afogá-la.

— Ajuda-nos...

A criança acordou e, assim que abriu os olhos, deparou-se com aquelas figuras estranhas e engraçadas, os Sátiros, e começou a dar gargalhadas, uma prova de sua origem divina.

Díctis, muito comovido, tomou Dânae pela mão, envolveu-a em cobertores e levou-a, e a criança, para sua casa, onde estavam seus servos e sua mulher. E, sem serem convidados, foi seguido pelos curiosos Sátiros.

— Que estranho acaso te trouxe para esta ilha em tão frágil embarcação, linda donzela? Quem és, e de onde vens? Deves ser filha de algum rei e essa criança é mais do que um simples mortal, já que foi protegida pelos Imortais e seu rosto brilha como a estrela matutina.

A princesa respondeu soluçando e de cabeça baixa:

— Dize-me onde me encontro e quem são os homens entre os quais vim parar.

— Esta ilha chama-se Sérifos; sou de raça helênica e aqui resido. Sou irmão do rei Polidectos, mas somos irmãos somente por parte de mãe; meu nome é Díctis, e estes são meus servos, minha esposa e... meus amigos.

Disse isso olhando os Sátiros que o ajudaram. Então Dânae jogou-se aos seus pés e rodeou-lhe os joelhos com os braços, chorando.

— Senhor, tem piedade de uma estrangeira, a quem o Destino cruel fez aportar em vossa terra; e permite que eu viva em tua casa como serva, mas trata-me honrosamente pois fui filha de rei, e meu filho, como bem o disseste, não pertence à raça comum. Não serei um peso para ti, nem comerei o pão da ociosidade, pois sei tecer e bordar melhor do que todas as donzelas do meu país.

E ia prosseguir, mas Díctis interrompeu-a e disse-lhe, erguendo-a:

— Minha filha, estou velho, meus cabelos já estão brancos e não tenho filhos para alegrar-me o lar. Fica comigo, serás uma filha para mim e para minha esposa Mármara, e esta criança será nosso neto. Pois temo os deuses e acolho hospitaleiramente todos os forasteiros; bem sei que as boas ações, tanto quanto as más, sempre se voltam para os que as praticam.

Dânae, então, contou toda a sua história, e Díctis prometeu cuidar de ambos, como seus parentes, sem saber que, na verdade, eram seus parentes, já que descendia do navegante Náuplios, filho de Poseidon e Amínome, uma das Danaides. No entanto, segundo uma outra versão, era filho de Magnes e neto do grande Éolos, ou ainda de Posseidon e Cerébia.

Se encontravam no litoral de Sérifos, governada pelo soberano Polidectos (ou Polidémon), o meio-irmão do bom pescador. A ilha era famosa pela maldade de seus moradores, influenciados pelo seu rei. Do mais humilde trabalhador ou soldado às grandes figuras do reino, Sérifos era uma terra cheia de gente má, abrigo de bandidos cruéis. Poucas pessoas tinham bom caráter e dedicavam-se à pesca e ao trabalho de campo.

O pescador Díctis, de sangue real, tinha bom coração. Acolheu os dois na sua humilde morada e tratou-os com o maior carinho e zelo, como se Dânae fosse sua filha e Perseus o seu neto.

A INFÂNCIA DE PERSEUS

Os hititas, certo povo de nômades oriundos do Cáucasos, estabeleciam um reino na Capadócia, tendo Kussar por capital. No Egito, o poder das dinastias era usurpado pelos hicsos, tornando-se a principal linhagem real do país. Enquanto isso, em Sérifos, na casa de Díctis, Perseus crescia e aprendia a viver humildemente, mas educado como um príncipe. Aprendia a cavalgar, a conduzir um carro, a manejar armas, a honrar Zeus e os demais deuses e a viver honestamente. E com os pescadores permanecera durante quinze anos. O menino cresceu e transformou-se num belo rapaz, afoito marinheiro, e muitas viagens realizou para negociar nas ilhas vizinhas. Agia como um príncipe, mas os serifenses acreditavam que ele não fosse filho de simples mortal e diziam-no filho de Zeus, o rei do Olimpo. Embora só tivesse quinze anos, era mais alto do que qualquer dos moradores da ilha; e também o mais destro de todos na corrida, na luta, no arremesso da malha e do dardo, no remo, na equitação, na música e em tudo mais quanto favorecia um homem. Era quase perfeito, tal qual um deus, cheio de virtudes, como deveria ser todo filho de Zeus. Era corajoso, leal, amável e cortês, pois o bom e velho Díctis soubera educá-lo; e muito valeu a Perseus que ele assim tivesse procedido. Pois Dânae e seu filho iriam enfrentar grandes reveses, e Perseus teria que apelar para a sua inteligência.

O REI POLIDECTOS

Um dia, o rei Polidectos, ávido, astuto e cruel, passou pela casa do irmão a fim de provocá-lo. Díctis, que era contra a forma despótica do irmão governar, havia preferido uma vida mais humilde, longe da devassidão, do luxo e do descaso. Porém, às vezes, Polidectos ia vê-lo com o objetivo de censurá-lo e induzi-lo a rebelar-se. Porém, ao ver sua hóspede, perguntou:

— Quem é? É tua escrava? Uma visitante?

Por ela interessou-se e fez a proposta ao irmão de mandar-lhe à cidade e dar-lhe uma vida mais digna. Certamente Díctis recusou, mas compreendia que não poderia sustentá-los por muito tempo e, ademais, pertenciam a uma família nobre e mereciam vida melhor. Por isso, o bondoso pescador levou Dânae e Perseus até a corte de Polidectos, seu rei. Pretendia dar a Perseus uma vida mais digna e fazer dele um príncipe. Porém, o rei, encantado com a beleza da mãe de Perseus, aproveitando que ele estava ausente, ofereceu-se para casar com ela.

— Impossível, Majestade, eu já sou casada com Zeus.

— Com Zeus?! Compreendo... Mas se Zeus pode ter duas mulheres, por que tu não podes ter também dois maridos?

— Os deuses fazem o que bem querem, mas os mortais só podem casar com um homem ou com uma mulher de cada vez.

O que não convenceu o rei, que sempre tentava fazer Dânae mudar de ideia, mas ela sempre sacudia a cabeça e dizia:

— Se eu casasse contigo, Zeus nos mataria a ambos!

Polidectos desejava tê-la, mas o pequeno Perseus era um sério empecilho, e não podia matá-lo, pois poderia atrair a ira de Zeus, o senhor dos deuses.

— Pois bem, Dânae, já que não queres ser minha esposa, serás minha escrava.

E por não ter consentido em casar-se com o iníquo soberano, Dânae, convertida em escrava, foi obrigada a buscar água no poço e a triturar o grão no moinho, e talvez a tivessem espancado e forçado a usar pesadas cadeias. Quanto a Perseus, este passou o resto de sua educação longe do convívio de sua mãe, no Templo de Atena, como tutelado da deusa. E, assim que entrou no templo pela primeira vez, novamente uma chuva de ouro desceu dos céus e cobriu o jovem Perseus.

O SONHO DE PERSEUS

Certo dia, em Samos, em que o navio estava sendo carregado, Perseus foi perambular por um aprazível bosque, a fim de proteger-se dos ardores do Sol; adormeceu, estendido na relva, e teve um sonho estranho — o mais estranho que tivera.

Uma senhora excepcionalmente formosa, mais alta do que ele ou qualquer outro mortal, com grandes olhos cinzentos, claros e penetrantes, e ao mesmo tempo singularmente meigos, caminhava ao seu encontro. Trazia um elmo na cabeça, uma lança na mão, e uma pele de cabra pendia-lhe no ombro sobre a longa túnica azul, sustentando um poderoso escudo de bronze, polido como um espelho. Deteve-se e fitou-o com seus claros olhos cinzentos, e Perseus viu que seus cílios nunca se moviam, assim como suas pupilas; mas transpassavam-no e atingiam o fundo do seu coração, como se pudessem ler todos os segredos de sua alma e inteirar-se de tudo quanto ele pensara e desejara desde o dia em que nascera. E quando a extraordinária senhora falou, Perseus baixou os olhos, trêmulo e envergonhado.

— Perseus, quero que faças algo para mim.

— Quem és tu, senhora? E como sabes o meu nome?

— Sou Palas-Atena e sei ler os pensamentos de todos os homens e discernir sua coragem ou a sua covardia. Afasto-me das almas de barro, e elas podem ser abençoadas, mas não por mim. Engordam à vontade como carneiros no pasto, e comem o que não semearam, como bois no curral. Eles crescem e espalham-se como a abóbora no campo; mas, tal como a abóbora, não dão sombra ao viajante; e quando amadurecem, colhe-as a Morte e leva-as para a Casa de Hádes, sem que ninguém as tenha amado e seus nomes nunca mais são pronunciados.

E continuou:

— Quanto às almas ardentes, a estas eu dou mais ardor e aos corajosos confiro maiores poderes do que usufruem os homens comuns. Os heróis, filhos dos Imortais, é que são abençoados, e não as almas de barro. Pois os conduzo por estranhos caminhos, Perseus, a fim de que possam lutar com os Titãs e com os monstros, inimigos dos deuses e dos homens. Guio-os por entre dúvidas e dificuldades; alguns morrem na flor da idade, conforme quer o Destino; e outros conquistam nomes famosos e uma velhice verde, como aconteceu a heróis como Deucálion, Cécrops, Épafos, Erictônios, Hélenos, Arcas, também Triptólemos, Éolos, Cadmos, Linceus, o grande rei Minos, Bias, Melampos, e ainda Pélops, Éacos, Anfíon, entre tantos outros. No entanto, não sei qual o fim que terão os heróis, nem ninguém, exceto Zeus, o pai dos deuses e dos homens. Ele, que tem as Moiras a seus pés, mas que a elas se submete. Por isso, Perseus, dize-me: a qual dessas duas espécies de homens desejas pertencer? Dize-me, agora.

E Perseus afoitamente respondeu:

— Prefiro morrer na flor da idade ao tentar enobrecer meu nome do que viver comodamente como os carneiros e morrer sem ser amado e sem merecer recompensa.

A deusa riu-se e ergueu o escudo de bronze, fazendo surgir a imagem de um ser aterrorizante:

— Olha, aqui, Perseus: ousarias afrontar um monstro igual a este e matá-lo, a fim de que eu coloque sua cabeça sobre o meu escudo?

O sangue de Perseus esfriou ao fitar o monstro. Era o rosto de uma bela mulher, que aos poucos foi-se transformando, ficando com as faces pálidas como a Morte, e fronte contraída sob o peso de um desgosto sem fim; e seus lábios, finos e ásperos, lembravam os de uma serpente, e mostravam suas presas de javali; e, em lugar de cabelos, víboras engrinaldavam-lhe as têmporas, mostrando suas línguas bifurcadas; garras de bronze, semelhantes às da águia, estavam dobradas em torno da sua cabeça.

Perseus fitou-a durante algum tempo e depois disse:

— Se existe na Terra um ente tão feroz e tão repulsivo, quem o matar praticará uma ação nobre. Onde se encontra esse monstro?

Atena tornou a sorrir:

— Ainda é cedo; és muito jovem e inexperiente para afrontares Medusa, a Górgona, da raça dos Titãs. Volta para a tua casa e para a tarefa que te espera. Deves proceder como um homem e enfrentar os acontecimentos antes que eu te considere digno de ir à procura da criatura.

Perseus ia responder, quando a estranha senhora desapareceu à sua vista; e, acordando, ele compreendeu que tinha sonhado. Porém, noite e dia, continuou a ver o horrível rosto daquele monstro em forma de mulher, com as víboras enroladas em torno da cabeça.

PERSEUS DIANTE DE POLIDECTOS

Perseus havia-se tornado um belo jovem, forte e ativo, distinguindo-se pelo jeito másculo, habilíssimo no manejo das armas, sobretudo na sua maneira nobre de se relacionar. Todos falavam na sua força e na sua beleza. E, apesar de nunca vê-lo pessoalmente, Polidectos mostrava-se curioso em conhecê-lo, mesmo que nunca vira com bons olhos a acolhida que lhe dera Díctis, seu irmão.

Então, Perseus regressava a Sérifos; e, ao desembarcar, a primeira notícia que lhe chegou aos ouvidos foi que sua mãe servia como escrava na casa do rei.

Dirigiu-se para o palácio, rilhando os dentes de raiva, atravessou as salas destinadas aos homens e as destinadas às mulheres, a casa inteira (pois ninguém ousou detê-lo, tão terrível estava o seu aspecto) até encontrar sua mãe, sentada no chão, rodando a pedra do moinho, e chorando ao fazê-lo. E ele a ergueu, beijou-a e pediu-lhe que o acompanhasse para fora. Mas antes que saíssem, Polidectos entrou no quarto, enfurecido. Vendo-o, Perseus investiu contra ele como um mastim sobre o javali.

— Miserável tirano! É assim que respeitas os deuses e tratas os estrangeiros? Morrerás!

E como não possuísse espada, apanhou a pedra do moinho de mão e levantou-a, pronto a arremessá-la contra a cabeça de Polidectos.

Sua mãe deteve-lhe o braço, gritando:

— Oh! meu filho, somos estrangeiros e desprotegidos; se matares o rei, o povo se voltará contra nós e morreremos.

O bom Díctis chegava nesse momento e, percebendo o que se passava, fez-lhe o mesmo pedido:

— Lembra-te de que ele é meu irmão, garoto. Lembra-te de que te eduquei como se fosses meu próprio filho. Poupa-o por minha causa...

Então Perseus baixou a mão; e Polidectos, que tremera como um covarde durante todo esse tempo, pois sabia que estava em falta, acabou permitindo que saíssem.

Perseus conduziu Dânae para o Templo de Atena, onde as sacerdotisas permitiram que ela permanecesse como varredora; pois sabiam que lá ficaria em segurança e nem o próprio Polidectos ousaria arrebatá-la ao altar. Perseus e Díctis, e ainda sua esposa, vinham diariamente visitá-la, enquanto Polidectos, impotente para realizar seus desejos por meio da força, determinou no íntimo de seu perverso coração que o faria por meio da astúcia.

Tinha a certeza de que não conseguiria apoderar-se de Dânae, enquanto Perseus permanecesse na ilha; assim sendo, concebeu um plano para livrar-se do rapaz. E, como primeiro passo, fingiu tê-lo perdoado e esquecido Dânae; por algum tempo, a vida correu na maior tranqüilidade.

NA FESTA DE POLIDECTOS

O rei Polidectos celebrava um banquete por motivo de seu suposto noivado com Hipodâmia (ou Epídeme), filha do grande rei Enômaus, que era alguns anos mais jovem que ele. Era evidente que o rei se dava ares de provável pretendente e escolhido da formosa princesa, a qual, na ocasião, era o tema das conversas do mundo inteiro; mas o fato é que, sendo o motivo da festa, ninguém conseguiu vê-la participar.

Nessa festa foram convidados os principais chefes guerreiros do país, ricos proprietários, autoridades e vários heróis. Entre eles, estava o jovem e robusto Perseus, que havia sido convidado propositadamente.

Esse banquete, chamado eranos, pelos gregos, segundo o costume da época, cada convidado deveria levar um presente para o rei e sua noiva: cavalos, mantos, armas, anéis e pedras preciosas, entre os ricos, e castas de uvas ou peças de caça, entre os menos favorecidos. Perseus, porém, que nada possuía, pois não passava de um pobre marinheiro, nada pôde levar, que pudesse agradar aos noivos. Por isso, teve que ficar do lado de fora. Sentia-se envergonhado por ter de comparecer perante o rei de mãos vazias; e sendo muito orgulhoso para pedir a Díctis que lhe cedesse uma dádiva qualquer, permaneceu melancolicamente à porta, observando os ricos entrarem; e enrubescia quando o apontavam, sorriam e cochichavam:

— Que poderá esse enjeitado oferecer ao rei?

— Esse jovem foi atirado à praia como um pedaço de alga ou de madeira e é tão orgulhoso que nem trouxe um presente para o nosso rei.

Era o que Polidectos desejava; e quando soube que Perseus se encontrava do lado de fora do palácio, mandou que o trouxessem à sua presença.

Ao vê-lo entrar, alto, louro, belo e forte, Polidectos sentiu o ódio crescer no seu coração, mas sorriu, com a maior falsidade.

Estavam à mesa do banquete, muito alegres e rumorosos, já bastante bêbados.

— Perseus, és um bom rapaz. Todos nós te admiramos. Sei da tua coragem e do teu bom caráter. Meu querido irmão te salvou — também à tua mãe — e isso muito nos alegra. Sei que és grato a ele e a mim, por tantos favores.

— É verdade o que dizes, Majestade.

— E acredito que gostarias de demonstrar a tua gratidão...

— Eu arriscaria a própria vida, meu rei, para te servir.

Então, adoçando a voz, Polidectos contou a Perseus:

— Já que tua mãe não quis ser minha rainha, como tu sabes, tornei-me noivo da belíssima Hipodâmia, uma princesa da Hélade. Sabias disso? E estou pedindo a cada um de meus súditos um presente original.

— Que presente desejas receber de teus súditos?

— Cavalos! Muitos e muitos cavalos! É que o pai dela quer cinqüenta cabeças como dote.

— Eu não tenho nenhum cavalo, Majestade, e nem dinheiro para comprar um, pois sou apenas um pescador com meu padrasto Díctis. No entanto, se me prometeres que realmente irás casar-te com a tal princesa e, assim, parares de perseguir minha mãe, eu te darei o que quiseres.

— É, logo vi que nada trouxeste para o meu noivado. És muito insolente. No entanto, penso que podes me dar um presente todo especial...

E Perseus, ignorando a intenção do rei, interveio:

— Certamente, não medirei esforços para atender-te. Aponta-me um presente que possa ser conseguido apenas com meu trabalho, e não com posses, e eu o trarei.

— Sim, Perseus... Mas, para conseguir tal presente, eu precisaria da ajuda de alguém que tivesse a coragem mais rara que o próprio presente, e talvez seja esse o teu caso...

— Coragem eu tenho. Vontade de manifestar a minha gratidão não me falta. Dize logo o que desejas...!

— Está bem. Se tu és tão valente como dizem, o presente de casamento que desejo oferecer a Hipodâmia é a cabeça de Medusa, a Górgona de cabelos de serpente. Só tu podes ajudar-me, filho. Os outros jovens de Sérifos, muito covardes, não seriam capazes. Posso contar contigo?

Perseus manteve-se calado, pois lembrava-se do sonho que tivera em Samos. Permanecia pensativo, enquanto falavam:

— É um fanfarrão. Nota-se que tudo o que dizem dele não passa de lorotas.

E Perseus, para vangloriar-se, desafiou:

— Partirei amanhã cedo.

— Isso me alegra, mas peço-te uma coisa: olha muito bem a Górgona, quando lhe cortares a cabeça. Dá-lhe um golpe firme, certeiro, para não a estropiar. Para tanto, precisas olhá-la firmemente. E quero que ela venha inteira, sem danos, porque Hipodâmia ficaria desapontada se a cabeça de Medusa não viesse em perfeito estado. Ela tem um gosto muito delicado.

Perseus rangeu os dentes de raiva, pois percebia que havia caído numa cilada; mas a promessa formulada pesava-lhe, e retirou-se sem pronunciar um só palavra. Assim que Perseus deixou o palácio, o rei Polidectos teve um ataque de riso.

— Nunca pensei que ele fosse tão idiota...

A notícia correu pela cidade. E todo mundo começou a rir também. A fama de Medusa havia chegado aos ouvidos do povo de Sérifor, e Perseus desconhecia o mal que a cercava. E, mesmo que Perseus então soubesse da verdade, era tarde para recuar. E o povo assim o soube.

— Esse, não...

— Esse está no papo...

— Vai passar para a história. Vai virar estátua...

Houve tumulto geral. Era praticamente impossível para um mortal, e talvez para um deus, sequer aproximar-se de Medusa.

HERMES E PERSEUS

Polidectos e o povo davam tantas risadas, na sua infinita maldade. Sabiam que Perseus estava perdido. Quanto mais coragem tivesse, menos possibilidade tinha de voltar. E todos passaram ainda mais a festejar, até tarde da noite. E, por fim, começaram a dispersar-se.

Perseus, em profunda cisma, foi andando até sair da cidade, e encaminhou-se para a praia, não longe dali, com ar de preocupado, pois não podia mais recuar, nem foi contar a sua mãe, para não preocupá-la. Afastou-se para um recanto da ilha e foi sentar-se sobre um arrecife, com a cabeça entre as mãos. Teria que arcar com as conseqüências. Começou a fitar o largo mar azul, imaginando se seu sonho teria sido verdadeiro, e uma prece elevou-se da sua alma cheia de amargura:

— Palas-Atena, meu sonho era verdadeiro? Matarei a Górgona? Se realmente me mostraste o teu rosto, não permitas que eu passe por mentiroso e fanfarrão. Imprudentemente, num momento de cólera, eu prometi; mas com engenho e paciência hei de cumprir minha promessa.

Não obteve resposta, nem lhe veio algum sinal, trovão ou visão; nem mesmo apareceu a menor nuvem no céu.

E três vezes, em pranto, Perseus clamou:

— Fui imprudente e, num momento de cólera, eu prometi; mas eu hei de cumpri minha promessa.

Então avistou uma pequena nuvem, brilhante como prata, que flutuava sobre o mar. E a nuvem foi-se aproximando cada vez mais até que lhe ofuscou a vista.

Perseus ficou surpreso diante da estranha nuvem, pois não havia outra em todo o céu; e estremeceu quando ela tocou a base do penhasco... Quando isso se deu, a nuvem rompeu-se e fragmentou-se. Estava assim distraído, bem desanimado, fazendo seus planos, quando ouviu uma voz:

— Que tristeza é essa, Perseus?

Perseus assustou-se, pois parecia ter ouvido a mesma voz feminina em um de seus sonhos. Mas, com surpresa, viu um desconhecido ao seu lado. Era um jovem de aspecto simpático e sorridente. Vestia uma pequena capa e usava um gorro muito estranho na cabeça, e algo como duas serpentes entrelaçadas em uma vara encimada por duas pequenas asas. Tinha pendido na cintura uma pequena cimitarra de diamante, feita de uma só pedra límpida e preciosa, e nos pés, usava sandálias douradas, de cujos calcanhares saíam asas palpitantes. Era ágil de movimentos, parecendo muito acostumado a exercícios. Mas o que mais impressionava era o seu jeito amigo e a confiança que inspirava. E o vento nem ao menos movia as túnicas que vestia; somente as asas das sandálias do jovem palpitaram como as de um falcão pairando sobre um rochedo.

Perseus prostrou-se e adorou-o, pois compreendeu que não era um simples mortal. Colhido na sua tristeza, com lágrimas nos olhos, Perseus não ficou muito à vontade. Não era homem de chorar em frente aos outros. Enxugou os olhos e tentou explicar ao desconhecido:

— Não é bem tristeza. É que estou pensando numa aventura arriscada em que vou me meter.

— Conta-me qual é. Talvez eu possa te ajudar. Tenho ajudado a muitos outros; aliás, só ajudo os valentes...

— Num banquete que participei, perguntei ao rei que presentes queria receber. “Cavalos!” foi sua resposta. Eu, já toldado pelo vinho, prometi-lhe a cabeça de Medusa... Aliás, quem és tu?

— É, Perseus, para tudo há jeito. Tenho vários nomes. Se quiseres, chama-me de Azougue. É um deles...

— Azougue?! Isso quer dizer que tu és...

— Sim, meu irmão. Sou Hermes, filho do poderoso Zeus, como tu também o és. Vou ajudar-te, e Atena também te ajudará. Talvez tu não saibas, mas Atena é tua amiga, e apareceu a ti num dos teus sonhos. Tu não a vês, mas ouve a tua voz, e está contigo.

Perseus não ocultou a sua alegria. Era o próprio deus-mensageiro do Olimpo que com ele conversava. Mas amedrontou-se também, já que jamais estivera frente a frente com um deus.

E a voz misteriosa se fez ouvir:

— Perseus, aquele que vence uma prova merece enfrentar outra mais difícil. Enfrentaste Polidectos e procedeste com coragem. Ousarás enfrentar Medusa, a mais terrível das Górgonas?

— Tu me tens experimentado; pois desde que me falaste, em Samos, uma nova alma habita o meu peito e me envergonharei se não ousar realizar tudo quanto me sinto capaz. Mostra-me, pois, como devo agir!

E observou Atena:

— Perseus, pensa bem antes de experimentares; pois essa proeza requer sete dias de viagem, durante os quais não poderás arrepender-te, nem retroceder ou fugir; e, se falhares, morrerás na Terra Informe, onde ninguém encontrará teus ossos.

E a deusa Atena levou Perseus a um lugar misterioso chamado Dictérion, e o fez sentar-se para não cair. E expôs as imagens das três Górgonas: Esteno, Euríale e Medusa. As duas primeiras tinham propriedades divinas: não estavam sujeitas a Velhice nem a Morte, e eram invisíveis aos olhos dos humanos. Medusa era mortal, de aspecto horrível. Tinha o rosto sempre convulso pela cólera e a fazer esgares. Os cabelos eram fios de bronze entrelaçados de serpentes negras. Seu nariz era chato, dentes de javali, olhos redondos que chispavam relâmpagos. Lançava gritos horripilantes, tinha garras de bronze. E tinha o poder de reduzir à pedra todas as criaturas em que fixasse os olhos. O que tinha de bonito era suas asas, de ouro, que brilhavam ao receber os raios do Sol.

Perseus viu-se desprotegido e inseguro, então, o bom deus Hermes, sentando-se ao seu lado, como um bom amigo, ofereceu-lhe o ouvido para sanar suas dúvidas.

— Eu posso mesmo virar uma estátua de pedra?

— Tu, não. Poderás sim ser transformado em mármore. É mais digno para um herói.

Hermes sorriu para o rapaz que o levava a sério.

— Calma, Perseus, sei que não é brincadeira. Mas a minha irmã e eu podemos fazer muito por ti... Olha, a primeira coisa que deves fazer é te preparares.